Essência escrita por AnaMM


Capítulo 8
Ressaca


Notas iniciais do capítulo

Estou escrevendo a fic de Shirley e Felipe (Alice e Gui em Em Família) e isso atrasou a postagem desse capítulo, mas aqui está! Agradeço os comentários e favoritações de todos



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Voltara com Vitor, como queria. Por que ainda se sentia vazia não vinha ao caso. Havia tomado a decisão certa, era com o motoqueiro que devia ficar, por mais que seu coração gritasse por Dinho. Voltando para casa na mesma noite, arrepiou-se. As ruas pareciam mais frias que o normal. Talvez devesse voltar ao jardim. Reconciliar-se com Vitor e deixá-lo a ver navios talvez não fosse a melhor forma de retomar a relação.

Foi quando o encontrou, e a noite carioca parecia ainda mais gélida e cruel, por mais quente que estivesse. O vazio que sentia foi preenchido por dor. Sentiu-se quebrar ao vê-lo dormindo no meio-fio, com a garrafa ainda em mãos. Ignorando o grito de sua razão, aproximou-se. Levou a mão ao rosto ainda úmido de Adriano, o que resgatou a sua memória uma lembrança quase antiga de Dinho no hospital. Levara a mão ao rosto do garoto como agora, porém ele não se mexeu dessa vez. Era tudo tão mais fácil... Queria nunca ter se entregado para Dinho. Estava a salvo naquela época, escondendo seus sentimentos. Pelo menos se não os demonstrava, Adriano não podia feri-los.

Agora, vendo Dinho naquele estado, percebia que também ele sofria como ela. De onde estava, provavelmente havia visto Lia beijando Vitor. A roqueira sorriu amargamente pela conclusão. Sentia-se vingada. Vingada e ferida. Passou a mão pelos cachos de Adriano. Desde o que acontecera, estivera convencida de que queria vê-lo sofrer. Encontrando-o naquela situação, no entanto, não tinha mais tanta certeza. A cena a entristecia mais do que deveria. Sentia-se culpada, ainda que considerasse Dinho o culpado por todo seu sofrimento desde o episódio de Valentina. Tentou se convencer de que se compadeceria por qualquer um naquela situação. O que sentia ao vê-lo, no entanto, era muito diferente do que sentia até mesmo pelo namorado. Era o amor de anos, a compaixão, o carinho. Fazia força para ignorar. Adriano a fizera sofrer, e muito. Não podia se deixar levar. Dinho era o único culpado por estar naquela situação.

Não sabia o que fazer. Não podia deixá-lo ali, porém tinha medo do que poderia acontecer se o acordasse, se o levasse apoiado em seu corpo. Estariam próximos demais. Passou a mão pelo rosto exausto de Dinho novamente. Dessa vez, foi Lia quem deixou escapar uma lágrima. Como haviam chegado àquele ponto? Amavam-se tanto...

Assustou-se ao sentir o corpo de Dinho ser levantado.

– Calma, sou eu. - Nando explicou, com a mão no ombro de Lia em sinal de apoio. - Meu deus, o que aconteceu?

A roqueira respondeu entregando a garrafa a Nando.

– Acho que ele me viu com o Vitor.

– Ah, jovens amores... São os mais cruéis. - Nando suspirou. - Vem, me ajuda a levar o Dinho daqui. Você sabe pra onde?

A loira pensou por um instante.

– Ele não falou nada. - Concluiu derrotada.

Nando coçou a cabeça pensando no que fazer.

– Não tem problema, ele dorme no Misturama por hoje. É melhor que a calçada.

Lia detestou a ideia de ter Dinho hospedado embaixo de sua casa, mas não pôde protestar. Não podia deixá-lo onde estava. Apoiou o corpo de Adriano no seu e ajudou Nando a levá-lo para sua lanchonete. Dinho semi-acordou com a movimentação, mas apenas para resmungar algumas palavras que nenhum dos roqueiros entendeu. De compreensível, apenas um nome: Lia.

– Lia... Lia... Não me deixa, por favor... - Ouviu Dinho murmurar.

Desequilibrou-se. O acampamento voltou à sua mente como se fosse recente. Mais do que a incômoda lembrança de um tempo em que botara sua amizade em risco por um cara que a trairia duramente, a dor de ouvir aquelas exatas palavras. Queria poder responder, gritar que o amava, que jamais o deixaria, mas sua razão dizia outra coisa. Não podia perdoá-lo, não podia se deixar enganar novamente. Ouvir aquelas palavras e ter que ignorá-lo não era novidade, contudo era ainda mais difícil depois de saber como era estar com ele, como podia ser feliz assumindo o que sentia. Ainda assim, a queda era muito pior. Pior que perder o chão com o pedido inconsciente de Adriano, pior que vê-lo destruído dormindo no chão, pior que a dor de ignorá-lo e vê-lo sofrer.

E a cada segundo que o via sofrer tinha menos certeza se era pior. Amava-o tanto que vê-lo naquele estado se revelava cada vez mais dolorido. Era preciso cada vez mais esforço para ignorar os apelos de Adriano, para ignorar o que sentia.

Deitou-o no sofá da lanchonete com a ajuda de Nando. Desequilibrou-se por um instante ao deixar o peso, tropeçando sobre o corpo mole de Dinho. Suas bocas estavam tão próximas... O roqueiro sorriu ao notar a aproximação.

– Você ainda gosta dele. - Confirmou.

– Hein? - Lia se levantou depressa, ajeitando a saia do vestido. - Não viaja, Nando. - Protestou sem jeito.

– Tome o tempo que quiser, eu apenas constatei o que está acontecendo.

– Pois constatou errado! Não está acontecendo nada! E eu tenho namorado.

– Calma, "marrentinha"! - Nando riu, o que incomodou a roqueira ainda mais. Eram as palavras de Dinho, e o músico provavelmente sabia. - Você não devia fazer o Vitor de trouxa.

– Eu não estou fazendo ninguém de trouxa. Eu gosto dele.

– Como gostava do Gil? Lia, não é justo você enrolar esse rapaz como fez com ele. Se você não quer admitir que ainda sente algo pelo Dinho, é escolha sua. Só não engane quem gosta de você e não tem nada a ver com isso.

Sabia que Nando tinha razão, mas não podia. Ter um namorado era sua melhor defesa.

– Pensa no que eu te falei. Você pode ignorar o Dinho sem ferir mais ninguém nessa história.

–x-

– Fatinha, eu não acredito! - Bruno acusou.

Alguns dias antes, a funkeira havia se prontificado a cuidar da lua-de-mel com seu moreno, por trabalhar em um hostel. Traçaria um roteiro com Michel e surpreenderia o noivo. As passagens, porém, jamais chegaram.

– Moreno, me ouve! O Michel me garantiu que tava tudo certo, eu não fiz nada de errado! Ele disse que deixaria aqui durante o casamento, pra uma surpresa!

Após uma noite de núpcias incendiária, o casal acordou pronto para viajar, para multiplicar a noite anterior em dias de lua-de-mel. Não contavam, no entanto, com o sumiço das passagens. Fatinha não aguentava mais os gritos do marido. Exausta, deixou-se cair ao lado da cama.

– AI MEU DEUS! - Fatinha exclamou. - As passagens!

A loira ergueu triunfante os bilhetes. Haviam deixado cair com a agitação da noite anterior. Típico. Entre as passagens, uma mensagem.

Que a sua vida de casada com o Bruno seja como você tanto sonhou. Você merece isso mais do que ninguém. Te amo, sua maluca! Do seu irmão, Dinho.

Bruno secou as lágrimas de Fatinha enquanto lia o que estava escrito. A amizade da funkeira com Adriano era especial. Dinho havia sido o primeiro a notá-la sozinha, o primeiro a acolhê-la como amigo e não apenas por interesse. Ele e Bruno agora eram sua família, e Adriano fizera questão de lembrá-la de seu papel na equação. Não só a levara ao altar, como agora também descobria que o garoto havia escolhido o lugar mais romântico que conhecera na viagem e arranjado duas passagens para uma semana no local.

– Esse moleque sabe que eu não vou com a cara dele e tá querendo me comprar. - Bruno concluiu.

– E tá funcionando? - Riu ao perceber que era a vingança perfeita de Dinho. Havia neutralizado Bruno.

– Sem dúvida! - Bruno respondeu, beijando-a em seguida.

–x-

O sol despertou Adriano violentamente. Sua cabeça o torturava, sua garganta estava áspera. Sequer sabia onde estava. Levou um tempo para se acostumar à luz do dia e reconhecer o local.

– Bom dia, bela adormecida! - Nando saudou.

– Você tá me confundindo com o engomadinho. - Adriano respondeu com dificuldade.

– O único Dinho aqui é você. - O roqueiro zombou.

– E a única "bela" aqui no Botafogo é aquele almofadinha que tá com a Lia. - Adriano retrucou com raiva.

Nando suspirou cansado. Entendia bem o sentimento do garoto à sua frente. Deu dois tapas de apoio nas costas do adolescente, caminhou até o balcão e voltou.

– Nada melhor pra curar ressaca. - Nando explicou ao entregar-lhe um comprimido e um copo de água.

– A minha ressaca já dura quase um ano, Nando. - Confessou Adriano.

– Ajuda se eu disser que foi ela quem me ajudou a te botar nesse sofá?

Dinho enterrou a cabeça entre os braços que se apoiavam em seus joelhos.

– O que ela viu? - Dinho perguntou com medo da resposta.

– A Lia te encontrou dormindo no meio-fio, com a garrafa em mãos. Quando eu cheguei, ela parecia bem comovida. - Nando confidenciou.

– Eu estraguei tudo. - Murmurou. - Ela nunca vai querer voltar com um bêbado que dorme na rua.

– Relaxa, Dinho. Ficou bem claro pra mim que ela ainda gosta de você. Ela quase te beijou, vocês vão se entender. - Sabia que a roqueira o condenaria por revelar o que quase fizera, mas tinha que contar a Adriano.

– Ela tava com pena, Nando! Eu me transformei numa figura patética! Ela deve estar aliviada por não ter se deixado levar por um perdedor que dorme bêbado na rua! Ela... Ela fez bem em se acertar com o namorado.

Da escada entre sua casa e o Misturama, Lia deixou uma lágrima escapar. O nó em sua garganta a incomodava tanto quanto a ressaca de Adriano. A sua ressaca também durava quase um ano, e não seria curada com um simples comprimido. Afastou-se antes que Dinho a pudesse ver.


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Notas finais do capítulo

Demorou um pouquinho, mas espero que tenha valido a pena. Comentários são sempre bem-vindos! bjssss