We're All Heroes escrita por Nistlu, Nistlu


Capítulo 4
Planos


Notas iniciais do capítulo

Geente

Socorro, demorei demais para postar, mas estou aqui, com um novo capítulo, ninguém se importa, eu me importo, eba. Enfim, não tem nada de extraordinário nele como em nenhum dos capítulos já escritos, mas como quero muito muito mesmo terminar alguma fanfic pelo menos uma vez na minha vida, estou aqui, às duas e meia da manhã para postar a dita cuja.

Boa leitura ♥



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ISABELLA

Arrasto-me pelo chão de mármore, reprimindo os gritos de dor que o ferimento em minha perna proporcionava. Eu não fazia ideia de como aquilo acontecera, mas parecera ser real demais. Principalmente porque duvido que estou sangrando desse modo apenas por ter caído nas escadarias, ou qualquer outro tipo de desculpa que eu poderia dar à polícia.

Algo estava queimando. Sei disso porque já presenciara um incêndio antes. O cheiro do fogo era familiar.

Arrisco abrir os olhos, apenas uma pequena ação que poderia custar à minha mãe anos de terapia. Mas quando minha visão entrou em foco, não havia nada de aterrorizante em meu campo de visão. Pelo menos, não tanto quanto eu esperava. Blocos de cimento, cinzas e rastros de sangue espalhavam-se pelo chão, em restos de caos, lembrando-me silenciosamente de tudo o que acontecera minutos atrás. Me amaldiçoei em voz baixa por ter aberto os olhos. Passos apressados aproximaram-se e tratei de fechá-los novamente. Talvez se ficasse imóvel, achariam que eu estava morta e me deixariam em paz.

É claro que a razão não venceu a curiosidade, e entreabri os olhos apenas para me deparar com sapatos de salto parados a alguns metros de mim.

Era uma mulher, com toda certeza, mas o jeito que ela se vestia era esquisito até para mim. Parecia-se com uma capa de veludo que ia até a altura do tornozelo, perfeitamente limpa e passada em meio aos destroços da escola.

– O que aconteceu aqui? - uma voz masculina perguntou, aproximando-se de onde ambas estávamos.

– Mais um ataque. - a mulher disse pesarosamente - Não há mais tempo, Horácio. Temos de agir agora. Começando por estas garotas.

Um calafrio percorreu minha espinha. De que diabos eles estavam falando?

Desataram a sussurrar coisas inaudíveis e não tive tempo de prestar atenção, porque ouvi passos. Eles também pareceram ouvir, se calando de imediato. Depois, ouvi um estalido baixo seguido pelo silêncio.

Arrisquei abrir os olhos, me surpreendendo ao ver o vazio novamente. Como o homem e a mulher saíram dali tão rapidamente? E de modo tão silencioso que não pude ouvir seus passos?

Olhei à minha frente, e vi algo em contraste em meio aos destroços. Um pequeno pedaço de papel branco, sem nenhum vestígio de sangue ou cinzas, como se me aguardasse.

Com certa dificuldade, estiquei o braço e o agarrei sujando-o de sangue. Percebi que nele estava escrito à mão.

A chegada será logo uma partida

Fechei os dedos em torno do papel, tremendo. Aquilo me era familiar.

Mas não tive muito tempo para pensar naquilo, porque os passos se aproximaram e vi Juliana e Thomas correndo em minha direção.

GIULIANA

Eu realmente acho que esqueci de tomar meus remédios.

Monstros? Maravilha. Normal.

Pai, eu dissera, não preciso de terapeuta. Sou completamente lúcida. E agora percebo que foi a maior mentira que já contei para alguém. Ver monstros e voar em um Pégaso do lado de seu amigo com pernas muito peludas não é algo de alguém que se preze lúcido. Pelo menos, eu acho que não.

Para falar a verdade, eu estava tão entretida com o fato de que eu estava louca, que quase me esqueci do meu medo de altura. Quase.

Foi só dar uma olhadinha inocente para baixo, e eu senti aquele famoso calafrio. O frio na barriga, comecei a suar frio e achar que meu coração ia saltar pela boca. Me agarrei em Thomas com todas as forças que me restavam e pedi a qualquer pessoa que estivesse lá em cima para que isto fosse um pesadelo, e que logo eu iria acordar na minha cama e meu pai me confortaria. Tudo bem, isso foi meio ridículo.

Como eu sabia que era um Pégaso? Simples: um cavalo com asas.

Quase comecei a rir. Senhor, eu estava ficando louca de verdade. Medo de altura e loucura não pareciam uma boa combinação. Mas monstros e cavalos alados também não. Então, por que diabos eu estava lidando com aquilo tão bem?

– THOMAS – alguém gritou ao nosso lado, mas com a neblina não pude ver mais do que um cabelo esvoaçante – PRESTE ATENÇÃO, ESTAMOS CHEGANDO.

Chegando?

Olhei para baixo e vi um grande campo verde cheio de pequenas casas e algumas plantações e um lago logo ao lado, margeando aquela vastidão verde tão bonita. E tão familiar. O Pégaso deu uma guinada para frente e meu coração quase saltou pela boca, me agarrei a Thomas, rezando para que ele soubesse pousar um cavalo alado, senão estávamos completa e dolorosamente ferrados. De verdade.

Numa tentativa de não olhar para baixo, olhei para os lados, e vi Juliana montada em um Pégaso escuro, parecendo completamente concentrada na tarefa de chegar no tal lugar. Atrás dela estava Mafê, que parecia deslumbrada com tudo aquilo, e acariciava as costas do animal feito uma criança. A cena poderia até ser bonitinha e reconfortante se ela não empunhasse uma espada de prata que poderia decepar minha mão. Ou pelo menos eu acho que poderia.

Isso me fez com que me lembrasse da luta novamente, e estremeci. O som da pele dos monstros sendo rasgada ainda retumbava em meus ouvidos, eu estava em choque, poderia dizer-se assim. Como na vez em que meu pai me contara sobre a morte de meu tio avô de ataque cardíaco.

Pensando bem, não sei se é a mesma coisa.

O chão se aproximava numa velocidade enjoativa e fechei os olhos, tentando pensar em qualquer coisa. Flores no jardim. A placa “Cuidado, cão extremamente afetuoso” que meu pai pendurara na porta de casa, referindo-se ao nosso maltês de estimação. O cheiro de maresia. O gosto de morangos recém colhidos. O vento batendo em meu rosto enquanto voava em um Pégas...

Os cascos do animal bateram no chão num baque surdo, lançando-me para frente, e bati minha cabeça nas costas de Thomas. O Pégaso relinchou, irritado.

Ai – resmungou Thomas – tudo bem, Rion, acalme-se, já vamos descer. – ele saltou do cavalo e me estendeu a mão. Eu estava tonta, e mal consegui organizar meus pensamentos. Pegar a mão dele, certo. Pular do cavalo, certo. Respirar fundo, certo. Não entrar em pânico... errado.

– ISSO É UM CAVALO VOADOR – gritei, colocando as mãos na cabeça. Eu só precisava que alguém negasse isso e me dissesse que eu estava louca. Eu me sentiria melhor. Saberia que aquilo não era real e tudo iria ficar bem. Pelo menos acho que sim.

– Bem observado – disse uma voz de garota atrás de mim. Descendo de um Pégaso mais claro, estavam Júlia e Gabriela. Elas estavam sorridentes, parecendo felizes, muito felizes, o que não era normal. – e você tem uma aranha no seu cabelo.

– QUÊ? – sem nem mesmo olhar para o meu cabelo de fato, comecei a me debater, soltando gritinhos e batendo os pés no chão. Monstros, cavalos, altura e aranhas? Esse não era o melhor primeiro dia de aula que eu poderia ter. O que eu diria para o meu pai? Ah, pai, aliás, hoje monstros invadiram o colégio então fui voando em um cavalo para uma fazenda esquisita cheia de pessoas esquisitas. É, iria funcionar.

Como não achei aranha nenhuma, e todos pareciam rir da minha cara, percebi que estava fazendo papel de boba.

– Não tem aranha nenhuma!

– Bem observado – repetiu Isabella, e todos voltaram a rir. Não sei se foi pelo nervosismo, ou simplesmente porque todos estavam rindo, mas também ri. Mesmo que não tivesse a mínima graça.

Alguém pigarreou. Todos olhamos para o causador do som, e me deparei com um homem ligeiramente grisalho montado num cavalo branco. Mas espera: onde estavam as pernas dele? Então notei que o cavalo não parecia ter cabeça, era apenas o corpo. O homem era o cavalo. Fiquei tão confusa que cambaleei até Gabriela, que parecia tão perturbada quanto eu. Todas nós estávamos. Quero dizer, todas menos Juliana e, talvez, Thomas. Ela correu para abraçar o homem cavalo e Thomas ficou a uma distância suficiente para cumprimentá-lo com um aceno de cabeça.

– Quíron! - Juliana afastou-se do homem, apontando para nós - Mafê está aqui! Ah, e... as outras meninas também.

É, as outras meninas estão aqui. O nome delas não importa. Também não tem importância de que elas estejam completamente confusas. Quem se importa?

Como se lesse meus pensamentos, Quíron olhou para nós, sorrindo.

– Bem vindas ao Acampamento Meio-Sangue. Eu sou o Quíron.

– Tá, mas onde está a cabeça do seu cavalo? - Gabi perguntou, estremecendo ao meu lado. - Alguém pode, por favor, me explicar o que está acontecendo?

– Eu sou um centauro - respondeu ele - metade humano, metade cavalo.

– Como eu. - Thomas disse, e abaixou as calças. Digo, de verdade, ele tirou as calças. Júlia soltou um grito e tapou os olhos, mas tudo o que pude ver foi uma camada de pelos castanhos em suas pernas e só consegui pensar que ele realmente precisava se depilar, o que me provocou uma risadinha. Eu estava louca. - Sou um sátiro. Metade bode, metade humano.

– Ah.

– Meninas, houve um ataque inesperado na escola, mas todas vocês se saíram muito bem. Thomas, você sabe se havia algum professor ou colega envolvido nisso?

Thomas pareceu pensar um pouco.

– Provavelmente, mas é difícil dizer. Haviam muitos deles.

– Certo. Juliana, preciso que mostre o acampamento às meninas e explique à elas o que está acontecendo. Eu as encontrarei no jantar. Até lá, assegure-se de que elas sejam reclamadas por seus pais e fiquem em seus devidos chalés.

Ficamos em silêncio, e obviamente eu não entendera uma palavra do que ele dissera. Explicar o quê? Ser reclamadas? Que diabos aquilo queria dizer? Quem quebrou o silêncio, supreendentemente, foi Mafê. Ela mantinha aquela expressão confusa que carregava desde o momento em que largou seu livro.

– Quíron?

O centauro esboçou um sorriso acolhedor, mas cansado.

– Venha comigo, Fernanda. Preciso conversar com você. - Juliana pareceu querer dizer algo, mas Quíron a interrompeu - a sós.

Dito isso, ele e Mafê se afastaram, indo em direção a uma grande construção.

Aquilo era esquisito. O que tornava Mafê diferente de nós? Todos pareciam conhecê-la, mas ninguém parecia nos reconhecer.

– Por que ele a chamou de Fernanda? – Júlia perguntou, saindo de seu posto estou-morrendo-de-medo-desse-homem-cavalo – Eles já a conhecia?

Juliana olhou para ela, num misto de tédio e desprezo.

– Mas é claro que sim. – revirou os olhos e suspirou. Começou a andar e fez sinal para que a seguíssemos – é o seguinte, vou revelar uma coisa que vocês vão ficar super surpresas mas depois vão se acostumar com o fato e daqui a pouco vão sair saltitantes por aí achando que podem salvar o mundo, mas isso geralmente só acontece com Percy Jackson e companhia, lembrem-se disso.

– Isso não é verdade. Não é só o Percy que salva o dia. – Thomas disse, apressando o passo para segui-la.

– Não, mas é ele quem vai para o Olimpo receber as homenagens e recompensas de imortalidade e as recusa.

– Você fala como se não estivesse apaixonada por ele – debochou.

– Thomas! – ela sibilou, corando – Não é paixão, é só... admiração.

– Admiração! Certo.

Gabi pigarreou. Eles estavam se dispersando.

– Ah, certo, vocês querem saber, tudo bem – voltou-se para nós, os olhos acinzentados brilhando de emoção – um de seus pais – disse devagar, como se tivesse medo de nossa reação – é um deus grego.

Houve um silêncio momentâneo, e podia imaginar as engrenagens nos cérebros das outras garotas movendo-se lentamente, porque eu mesma imaginava as minhas. Aquilo não fazia o menor sentido e eu vasculhava a minha mente, tentando encontrar um significado para aquelas palavras. Por fim, Gabi quebrou o silêncio.

– Meu pai não é tão bonito assim.

Sem aviso, Thomas caiu na gargalhada, acompanhado por Juliana. Os dois riam tanto que me contagiou, e até consegui rir um pouquinho, apesar de estar mais confusa que Gabi, que os olhava sem entender.

– Não... foi isso que... – ela tentou dizer, sem fôlego de tanto rir - ...eu quis dizer. Seu pai... ou mãe é... literalmente um deus grego. Tipo Zeus, Poseidon, Hades, Afrodite, Atena, todos eles. Você é filha de algum deles.

Ficamos em silêncio novamente, Thomas ainda dando algumas risadinhas. O que ela queria dizer? Literalmente? Impossível. Meu pai era o cara mais normal do mundo, e minha mãe tinha morrido no parto. Eu só não tinha fotos dela e nenhuma lembrança aparente porque... meu pai não tinha muitas fotos com ela, e nunca cheguei a conhece-la de fato. Pelo menos foi isso o que ele dissera para mim em uma das inúmeras vezes em que perguntei sobre ela. E acreditei. Mas se eu ligasse os fatos, talvez conseguisse perceber algo que se encaixasse nas coisas em que ela dizia. Ele nunca falava sobre o relacionamento amoroso dele com minha mãe. Sempre dava desculpas sem nexo para minhas perguntas. Tudo fazia sentido. Mas, no momento, até meu pai parecia uma lembrança distante.

Uma lembrança distante

Alguém pareceu rir atrás de mim. Um calafrio percorreu minha espinha, mas não me virei. Não. Estava tudo bem.

Júlia pigarreou.

– Hã, acho que vocês se enganaram – disse, parecendo inquieta – nenhum dos meus pais é um deus. Meu pai é dentista e minha mãe é professora. Não há nada de extraordinário neles, por mais que eu quisesse.

– Bem, então acho que um de seus pais não é seu parente verdadeiro. – Juliana respondeu, sem parecer dar muita importância – Mas não se preocupe, podemos manter isso em segredo. Agora só precisamos descobrir de quem vocês são filhos, e pronto, bem-vindos a bordo. – ela se virou para um campo repleto de morangos, onde diversos campistas vestidos de camisetas laranjas com os dizeres “ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE” colhiam a fruta, levantando os olhares para nós. O acampamento que meu pai me fazia ir não chegava nem perto desse. – bem, enquanto vocês não são reclamadas, podem fazer um tour pelo acampamento com seu fiel sátiro Thomas.

– Eu? Mas...

Ele interrompeu-se, olhando fixamente para mim, depois para Isa e Júlia. Gabi também nos olhava, incrédula. Sem entender, olhei para cima e notei um brilho esverdeado flutuando acima de minha cabeça. Franzi a testa, e vi que Ju e Isa também carregavam o brilho. Em meio à ele, consegui distinguir um sol para cada uma delas. Que diabos aquilo queria dizer?

Sem mais delongas, caí desmaiada no chão.

JULIE

Sair de casa foi mais fácil do que eu imaginava. Foi só aparatarmos para o jardim e sair correndo. Mais difícil mesmo foi superar a culpa.

– Eu deveria ter os acordado – murmurei pela terceira desde que atravessamos a cerca que separava minha casa da rua – Você acha que eles vão ver o bilhete?

– Credo, Julie, relaxa. Você não costumava ser desse jeito. É a primeira aventura da sua vida, sorri!

– Isso é uma péssima ideia – resmunguei.

Eis meu inventário: dois livros trouxas que, devo admitir, são muito interessantes; minha varinha, pó de flu, duas garrafas de suco de abóbora, quatro tortinhas da mamãe (por favor, eu não conseguiria conjurá-las nem se quisesse, elas são únicas) e um saco de dormir.

Estávamos tentando achar um lugar para fazermos nosso “plano”, embora eu achasse que não iríamos muito longe. Hugo estava quieto demais, o que também não era um bom sinal. Ele geralmente fazia de tudo para quebrar o silêncio, apesar de que quem falava mais era eu.

Depois de meia hora andando, nada mais fazia sentido.

Olhei para as estrelas quase imperceptíveis lá em cima e reprimi algumas lágrimas insistentes. Que droga. Não importa para onde fosse, sempre estaria no meio de uma confusão. Que diabos estávamos fazendo, afinal? Eu nem ao menos sei o que nos aguarda. Meus joelhos cederam.

– Vamos parar – arquejei.

– Você está bem?

– Claro, estou ótima, Hugo, não dá pra ver? Resolvi me jogar no chão por livre e espontânea vontade. Quer se juntar a mim? – deitei a cabeça na grama, sentindo a mochila abaixo de mim.

– Tudo bem. Fique calma – a voz de Hugo vacilou – Lumus. Droga. Tudo bem, aqui está bom. Tem árvores o suficiente. Sim, é isso o que vamos fazer. Vamos passar a noite aqui. Tudo bem.

De olhos fechados, ouvi Hugo sussurrar feitiços e mexer nas mochilas. Eu me sentia fraca sem nenhum motivo aparente, só queria sumir.

O que estou pensando? Achar a irmã perdida da família Weasley, começar uma aventura ao lado de meu melhor amigo de infância, é loucura. Socorro. Eu não iria fazer aquilo de verdade, ia?

Minha garganta se fechou, mas as lágrimas não vieram. Era patético, meu ataque de nervos. Eu deveria ser a bruxa mais covarde do século. Respirei fundo. É claro que eu iria. Viver uma aventura, se o Harry Potter de minha geração? Quem não quereria isso?

Levantei-me, envergonhada demais para olhar para Hugo, e vi que ele montara uma pequena barraca e empilhara nossas coisas.

– Você pode acender uma fogueira? – ele pergunta de maneira vaga, olhando para as tortinhas de minha mãe numa concentração exagerada.

Assenti, e peguei alguns galhos secos perto de mim e os empilhei até achar suficientemente nobre para uma fogueira, depois peguei minha varinha.

Incendio – chamas irromperam da varinha, incendiando os galhos. Voltei-me para Hugo – você pode comer essas tortinhas. Não estou com fome.

Ele passou mais algum tempo olhando para as tortinhas e depois se virou, balançando a cabeça, e sorrindo timidamente. Eu quem tinha surtado, e ele que estava envergonhado. Achei fofo da parte dele, mas eu acho tudo fofo, então ignorei. Estendi meu saco de dormir e, ignorando minha agitação, entrei nele. Mas eu sabia que não dormiria tão cedo.

– Hugo?

– Sim?

– O que nós vamos fazer?

– Vamos viajar para oeste.

– Como você sabe? – virei-me para ele, e percebi que ele ainda estava de pé ao lado das tortinhas. Ri. – pegue uma.

– Bom, minha irmã sempre sonhou em morar nos Estados Unidos. Se ela fugiu, deve ter fugido para lá. – pegou uma tortinha.

– Mas e se ela tiver sido... sequestrada?

– Então teremos que arriscar – disse, de boca cheia – mas não quero pensar nisso. Prefiro pensar que ela é uma louca irresponsável que fugiu para Nova York.

– Rose? – ri – Irresponsável? Você só pode ter ficado louco. Hugo, você tem certeza que quer fazer isso? Quero dizer, é uma viagem que pode não ter volta. Somos adolescentes indo para os Estados Unidos, à procura de uma menina que não sabemos se está perdida, fugiu ou foi sequestrada, e olhe Hugo, se ela tiver sido sequestrada não estamos mais seguros que ela! Espero que saiba disso, porque nós dois vamos nos ferrar! – desandei a falar, coisa que acontece quando fico muito nervosa. Com o tempo, vou me acalmando. – Só me diga se tem alguma confiança que isso vai dar certo.

– É claro que vai, Julie. Eu sei como me orientar, sou maior de idade, tenho dinheiro trouxa, uma bússola interna e você de companhia! Se minha irmã estiver sendo mantida em cativeiro ou sei lá o quê, não é hora de pensarmos em nós mesmos. Se você quiser voltar para casa, pode ir. Eu não me importo. Eu só quero a minha irmãzinha em casa.

Eu suspirei. Sabia que isso vai ser a maior estupidez da minha vida, mas não podia fazer nada; estava quase convencida que tinha que ir. Tinha que ficar ao lado de Hugo caso ele encontre alguma coisa. Tinha que ajudá-lo a encontrar Rose.

Deitei-me novamente, esperando dormir, mas então abro os olhos. Tinha mais uma coisa.

– Hugo?

– Sim?

– Por que você me trouxe? Por que eu?

Eu podia senti-lo sorrindo atrás de mim.

– Porque você é minha melhor amiga.

JULIANA

– Elas não parecem ter reagido muito bem. – disse Will, que me ajudava a carregar Giu, que estava inerte em nossos braços – tem certeza que você contou para elas com paciência?

Olhei para ele irritada, pronta para ralhar com ele. Meu dia não estava sendo um dos melhores. Aconteceu exatamente o que eu temia: um ataque à cinco meninas desamparadas que nunca tinham segurado em uma espada na vida, enquanto a malvada da Juliana salvava aquelas cabecinhas de serem decapitadas, ou qualquer coisa assim. Elas em olhavam como se eu fosse um ser de outro mundo, e isso me irritava. Não é porque eu não passei metade de minha vida maquiando bonecas que sou diferente delas. Na verdade, somos mais parecidas do que deveria.

Tudo bem, talvez algumas delas não sejam tão ruins. Júlia lutou bem. Giuliana era esperta o suficiente para fugir nas horas certas, e até conseguiu desviar a atenção de alguns monstros. Isabella era um desastre com a espada, e só no final da luta conseguiu um arco e atirou em alguns monstros. Gabriela parecia achar tudo muito divertido, até mesmo quando um manticore quase a matou, e isso me deixou bastante irritada.

Mafê parecia se lembrar dos golpes que treinamos por tanto tempo, mas sua habilidade de fazer estratégias parecia ter desaparecido. Ficou metade da luta zonza, olhando fascinada para Anfisbena, e depois foi fazer alguma coisa. Na viagem para o acampamento, ficou o tempo todo olhando para Luter, o Pégaso, com os olhos arregalados.

– É óbvio que sim – falei, mexendo os braços e quase deixando Giu cair.

– Cuidado – ele disse, sorrindo cinicamente – você não vai querer que sua irmã se machuque.

Ah, e também tinha isso. Isabella, Júlia e Giuliana tinham sido reclamadas ao mesmo tempo. E adivinhe só? Giu, a garota que gritou por causa de um Pégaso e desmaiou no meio dos campos de morango, era filha de Atena, o que a fazia automaticamente minha irmã. Ou meia irmã. E respectivamente irmã de Mafê. Isabella e Júlia também eram irmãs, ambas filhas de Apolo, e depois que souberam disso, deram alguns gritinhos de garota e não se desgrudaram mais. Só Gabi não foi reclamada, e ela parecia triste. Bem, tudo a seu tempo.

Revirei os olhos.

– Tanto faz. Só continue andando.

Depois de a deixarmos na enfermaria, fui procurar Quíron. Precisava conversar com ele. Mas no meio do caminho até a Casa Grande, ele me encontrou. Tinha uma expressão cansada. O dia também não parecia estar sendo muito bom para ele. Pediu para que eu o seguisse, e me levou para uma roda com alguns campistas, incluindo Clarisse e Chris. Todos olharam para mim quando entrei, e alguns sorriram. A atmosfera estava tensa. Sentei-me ao lado de Jules, um filho de Nêmesis não muito simpático, e esperei até que alguém me explicasse o que estava acontecendo.

– É o seguinte – Quíron falou, fazendo todos se calarem imediatamente – um de nossos campistas foi levado.

– Levado?

– Quem?

– Por quem?

Os campistas começaram um tumulto, um tentando falar mais alto que o outro, fazendo milhares de perguntas ao mesmo tempo. Me mantive quieta até que Quíron retomasse o poder sobre nós novamente.

– Alguém levou nosso Oráculo ontem à noite.

Todos soltaram um ruído de espanto. Ninguém esperava por isso. No entanto, minha mente trabalhava, tentando entender o que acontecera.

– Rachel? – alguém perguntou.

– Não, ela era bastante esperta para ser capturada, isso não é possível. Você tem certeza disso?

– Bem, não sei se esperteza ajudaria em algo nesse caso, Connor. – respondeu Quíron – não foi encontrado nenhum sinal de arrombamento ou qualquer violação em nossa segurança. Ela simplesmente sumiu.

– Como Percy?

– Como Mafê?

As pessoas continuaram a falar, e percebi que realmente havia algo nisso. Recentemente haviam muitos desaparecimentos, perdas de memória, e cada desaparecimento terminava com mais meia dúzia de novos semideuses no acampamento. Era um padrão estranho; talvez fosse coincidência, mas não me parecia ser. Mas algo era certo: não podíamos arriscar nosso Oráculo.

– Se não havia nenhum tipo de violação, talvez o sequestrador seja alguém dentro do acampamento – disse, suspirando. As pessoas param de falar e olham para mim. Como filha de Atena, tenho um pouquinho de mérito sobre os outros, já que eles acham que eu sou pura sabedoria e blá blá blá. Nem sempre é assim, mas isso faz com que as expectativas deles sejam tão grandes sobre mim, que qualquer coisa que eu diga é sábio – e se não há nenhum sinal de arrombamento, essa pessoa pode ser alguém em quem Rachel confiava. E, se ela confiava nela, nós provavelmente também confiamos. Então, a conclusão mais provável que posso chegar é que temos um traidor entre nós.

Houve um silêncio após minhas palavras, no qual as pessoas absorviam minhas palavras. Sei que essa era uma suposição que poderia estar equivocada, mas eu não me importava. O dia tinha sido longo e eu só precisava me expressar.

– Isso é uma acusação muito séria – Quíron disse, por fim.

– Não é uma acusação. Só estou dizendo. É o que tudo indica.

– Bem o que tudo indica não é suficiente. Precisamos de provas concretas, e suposições arriscadas não vão ajudar – um garoto falou. Ele era filho de Hades. Vou me lembrar disso.

Sem não aguentar mais, saí dali, lamentando o longo dia que nunca parecia acabar.

GABRIELA

Fiquei nas pontas dos pés, tentando ver alguma coisa, mas era inútil. Giu e Júlia eram muito mais altas que eu, e Thomas também não ajudava muito, já que nem ao menos parecia notar eu e Isa atrás delas.

Todas elas tinham pais que eram deuses. Eu provavelmente também, mas eu era a única dali que não sabia de quem era filha. Não sabia muito sobre mitologia grega, mas Giu era filha de Atena, que acho ser a deusa da sabedoria, ou algo assim. Não conheço Giu, mas ela deve ser inteligente, já que, bem, ela era uma semideusa filha da sabedoria. Isso não era pouco, acho. Eu estava ligeiramente mais confusa que as outras em meio à tudo isso. Deuses gregos? Por favor, isso não era aula de história. A princípio, achei que era uma pegadinha. Então pensei que poderia estar entrando num acampamento-hospício para loucos que são politeístas. Achei até engraçado, mas quando os símbolos esverdeados brilharam acima das cabeças de Isa, Júlia e Giu, percebi que aquilo não poderia ser uma brincadeira. Ou era uma pegadinha muito bem investida.

Depois de nos levar para todos os lugares que conseguiu e buscar uma Giu confusa na enfermaria, Thomas nos disse que faltavam apenas algumas horas para o jantar, então deveríamos aproveitar isso para nos habituarmos logo, e nada como termos nossas próprias armas. Era uma filosofia meio esquisita, mas aceitamos de bom grado, até porque eu bem que queria uma arma só minha.

Agora estávamos na escolha de nossas armas, mas Thomas não parecia lembrar da existência de Isa e eu. Ele conversava diretamente com Giu e Júlia.

Ele entregou um livro de bolso à Giu, sorrindo.

– Achei que combinaria com você.

Ela olhou para o livrinho espantada, e estiquei o pescoço para ver melhor. Era um livro de bolso comum, com a capa inteiramente preta. Giu lançou à Thomas um olhar questionador.

– Abra. – disse ele simplesmente.

Quando ela o abriu, algo aconteceu. O livro já não era mais um livro: era uma lança. Giu pareceu tão surpresa quanto eu, e deu um pulo, empunhando a lança e quase furando o olho de Júlia.

– Ei, vai com calma aí. – Thomas riu. Ensinou-a a como empunhar sua lança. – Quando você abre o livro, ele vira sua lança. Quando você faz esse movimento – ele fez uma concha com as mãos sobre a lança, e ela imediatamente virou o livrinho fechado do início – a lança volta a ser o que era: um simples livro de bolso. Seu nome é Aéi.

Sempre – sibilou ela, como se já soubesse a tradução desde que nascera. Thomas sorriu.

– Espera aí – Isa disse – nossas armas têm nome?

– A maioria – ele deu de ombros.

Voltou-se para Júlia e analisou-a. Com os olhos brilhando, mostrou a ela um lindo arco dourado, contornado de ouro e uma aljava também dourada.

– Esse parece ser o seu. – disse – filhas de Apolo são boas em arco e flecha. E amam algo dourado. Ele pode virar uma mochila, acho, mas não sei bem como funciona. Talvez você deva pedir a Will ou algum irmão.

– Certo. – ela não poderia estar mais feliz.

Finalmente, Thomas olhou para nós. Olhou para Isa, também filha de Apolo, e obviamente todas já sabíamos o que ele daria a ela. Provavelmente a cópia exata do arco de Júlia. Elas sairiam por aí feito gêmeas. Patético, Thomas. Ele deveria proteger-nos e não nos fazer alvo de risadas. Mas ele não pega um arco igual. Pega um arco, sim, mas este é muito diferente do de Júlia. Ele é feito inteiramente de prata e parece pesado; o de Júlia fazia uma curva acentuada, este já não parecia tão arredondado. Ao chegar às mão de Isabella, o arco parece ser feito sob medida para ela. Só falta eu.

Thomas me olha, analisando-me. Eu não tinha sido reclamada, então adivinhar minhas habilidades não seria exatamente fácil, então deixo meu lado crítico de lado e o ajudo a escolher minha própria arma. Abro meu melhor sorriso.

– Eu sou boa com facas.

Ele retribuiu o sorriso, mas não diz nada. Virou-se para a prateleira, e pega um batom. Um batom. À principio, não consegui entender, mas ele me estendeu o pequeno tubo e vi o que é aquilo. É como o livro de Giu. Tirei a tampa do tubo e o objeto em minhas mãos se transforma. Ele virou uma faca prateada, cravejada com pedras coloridas por todo seu cabo. Era linda.

– Seu nome é Bitana. – Thomas estava olhos brilhando, ou talvez fosse apenas o reflexo dos meus. Mas então percebi que o brilho não vinha dele ou de meus olhos. Vinha de cima de mim. Um pequeno arco-íris pairava acima de mim num brilho esverdeado como as outras meninas. Eu tinha sido reclamada! Estava tão feliz que quase saí pulando, mas me contive. Aliás, de quem eu era filha?

– Filha de Íris. É claro. – disse Thomas olhando para minhas mechas.

– Íris? Tipo o olho?

– Não – ele riu – Tipo o arco-íris.

Comecei a pensar naquilo. Eu era filha do arco-íris? Aquilo não fazia sentido. Era ou não era deuses gregos? Confusa demais, vi Mafê entrando na sala apertada, seus olhos brilhando.

– Temos uma missão.


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Notas finais do capítulo

Nossa, não acredito que eu acabei, eu tô desde setembro fazendo esse capítulo, cansei. Foram cinco mil palavras, isso é inacreditável pra uma garota que fazia capítulos com duzentas palavras. Parabéns para mim!
Nem vou pedir reviews porque eu sei que isso não vai acontecer, então beijinhos amo vocês, leitores invisíveis

—M



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