O silêncio era constrangedor. Depois que Gajeel contou o que ele viu, Lucy tentava puxar de sua memória o fogo. O fogo, a fumaça, a dor. Eram memórias que simplesmente não voltavam, que vinham em fragmentos manchados de sangue, vistos de um terceiro ângulo, como se ela nunca tivesse realmente vivido aquilo. Por isso ela queria acreditar que era só um sonho. Foi um sonho. Uma ilusão. 

As últimas semanas tinham passado num branco, num borrão. Estilo filme americano, quando as cenas surgem numa tela branca, durando menos de um segundo. Era dessa maneira que Lucy lembrava as últimas oito semanas. Algumas cenas aleatórias numa tela branca, durando menos de um segundo. O grito, o sangue e a música de terror. 

Por isso que ela não gostava quando alguém perguntava para ela o que aconteceu, ela não queria lembrar. Ela tinha medo de lembrar.

—Você realmente não se lembra?

A voz de Gajeel soou como um trovão barulhento numa garoa, acordando Lucy de seu pesadelo. Ela balançou a cabeça negativamente. Gajeel suspirou.

Ele não queria que ela tivesse esquecido. Será que ele teria que falar tudo aquilo de novo? Talvez se ele tentasse refrescar a memória de Lucy...

Gajeel testou sua teoria. Ele inclinou-se em sua cadeira, sua mão esquerda encaixou-se na nuca de Lucy, puxando-a mais para frente, mais para perto dele e sua mão direita levantou seu rosto. "O que ele está fazendo?" Ela perguntou, corando violentamente. "Eu deveria ficar nervosa?" Lucy se perguntou, percebendo que não estava nervosa. Ela não estava tremendo como achou que deveria estar. Ela deveria estar?

Ele foi em direção dela, seus lábios ao encontro um do outro, como se ele fosse beijá-la. Lucy fechou os olhos. Mas o beijo não ocorrera. Quando ela abriu os olhos, ele estava ali, à um centímetro de seus lábios rosados, como se Gajeel não fosse avançar a menos que ela desse um sinal. O olhar entre os dois era intenso. Gajeel a desejava e Lucy o anseava.

E assim, naquela posição, à um centímetro dos lábios de Lucy, pronto para um beijo, ele pergunta, extremamente provocante:

—Você não se lembra disso?

Lucy estremeceu. Ela estava louca para beijá-lo, queria anular aquela distância. Suas mãos queriam puxá-lo para si. Lucy, que antes nem sabia o quanto o anseava, agora arrepiava-se. Imagens não lhe vieram à cabeça, apenas um toque. Um calor. Ela lembrou-se do calor dele. Do gosto dele. 

Ela fechou os olhos por um segundo, tremendo por dentro enquanto tentava controlar aquela vontade de se deixar levar. Ela apertou uma mão na outra em seu colo, enquanto suspirava, controlando-se. Então, Lucy balançou sua cabeça levemente enquanto abria os olhos. Lucy tentava acreditar que aquela atração era apenas ilusão.

Era apenas ilusão, não é? 

Ela não estava ficando louca, ela realmente queria Gajeel Redfox, o dragon slayer de ferro?

Gajeel ainda estava a um centímetro da boca de Lucy quando suspirou. Ele a soltara na cama, voltando a sentar-se novamente em sua cadeira. Agindo como se nada tivesse acontecido, ele coçou a cabeça tentando mudar de assunto.

—Vou buscar a Wendy para dar uma olhada na sua perna. — Ele disse, se preparando para pular a janela. 

—Espera! — Gajeel parou e olhou para trás, esperançoso. Ela se lembrara? Ela recordara dos momentos que passaram juntos? Ou apenas pediria para ficar com ela? Não importa qual fosse, ele desejava que o pedido tivesse segundas intenções. — Tem uma coisa que eu quero que você faça.

Ele se afastou da janela, preparando-se. Ele decepcionou-se uma segunda vez quando Lucy lhe disse para pegar uma coisa. Gajeel suspirou mentalmente. 

—Está no banheiro, dentro de uma caixa rosa de sapatos. É uma caixinha de música. — Orientou Lucy.

Sem reclamar, ao contrário do que Gajeel faria normalmente caso qualquer outra pessoa pedisse, ele segue as orientações de Lucy. Abrindo a caixa, remexendo nos sabonetes de hotel barato, ele fala para a Lucy, num tom alto para que, mesmo do quarto, ela pudesse ouví-lo:

—O que tem de especial nessa caixinha de música?

—Era da minha mãe. — Lucy disse, respondendo no mesmo tom. — Meu pai disse que foi com essa caixinha de música que ele a pediu em casamento.

Não demorou muito para encontrar. O fato de que Lucy era organizada facilitou a vida dele. Era uma caixinha de música minúscula, que parecia caber um único objeto, um par de brincos ou até um anel, como ela mencionou. Parecia um pequeno baú em miniatura, com detalhes em ouro. Gajeel se perguntou se era ouro de verdade. 

Tentando abrir a minúscula caixa, enquanto voltava para o quarto, bateram à porta. Que estranho... Quem seria? Lucy imaginou que fosse qualquer outra pessoa da Fairy Tail, exceto por Erza, Gray e Natsu, que entravam pela janela ou abriam a porta e invadiam sua casa sem nenhuma hesitação. 

Lucy não precisou dizer nada. Ainda com a caixa na mão, Gajeel foi abrir a porta.

E se surpreendeu com quem encoontrou.

Quer dizer, não foi surpresa. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, eles começariam a visitar Lucy e fazer perguntas. Era inevitável, todos queriam saber o que tinha acontecido com Lucy. E eles tinham razão em querer saber, não era pura curiosidade. 

Gajeel apenas achou que a primeira pessoa que viria seria Natsu.

Ah, é. O Natsu já tinha ido mais cedo. Aquela hora, as lágrimas de Lucy foram o resultado da conversa de Lucy com Natsu. Ele não podia esquecer daquilo. Não conseguia. Não queria mais vê-la chorar.

—Gajeel. — Erza exclamou, morrendo de vontade de perguntar o que ele fazia ali.