As Aventuras De Um Cacumbu Ordinário escrita por Sr V


Capítulo 6
Labirinto




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Capitulo 6: Labirinto

Perséfone e Hades nos levaram até os limites de Novo Purgatório, estávamos em um campo de futebol abandonado, o ar ali era bem diferente da cidade onde tudo era movimentado e cheio de entusiasmo. As construções em volta do campo eram sem graça e caindo aos pedaços.

- É diferente não é? – Hades se dirigiu a mim.

Eu só fiz assentir, tinha tanta coisa na minha cabeça que se eu começasse a falar eu poderia simplesmente desmoronar e o pior era que aquele bolinho que Hades me deu parecia pesar uma tonelada no meu bolso infinito.

- Estamos em Purgatório, depois que eu entrei no poder decidi criar um lugar melhor.

 - E fez um grande trabalho, amor. – Perséfone estava mexendo a bolsa a procura de algo.

Miki estava cheirando o gramado alto.

Fiquei imaginando como seria Purgatório nos tempos do Diabo, parecia um bairro pobre onde se encontraria gangues de rua, pessoas insatisfeitas com a vida e ratos gigantes.

- Encontrei – Perséfone tirou da bolsa um martelo de pedra. Ela ergueu o martelo e bateu na pedra. O chão começou a tremer, no meio do campo uma protuberância se ergueu da terra até ficar do tamanho de uma porta, um buraco formando uma caverna.

- O que é isso? – Perguntei.

- É a entrada para um labirinto – Perséfone tirou um pergaminho da bolsa e me entregou. – Ele te leva para qualquer lugar que desejar, o mapa é um tipo de GPS.

- E a propósito o labirinto não foi todo mapeado, então, quando a borda ficar vermelha é porque vocês chegaram a uma área desconhecida – Hades completou.

- O que é que podemos encontrar lá dentro? – Eu tinha medo da resposta porque naquele ponto eu já não sabia mais que tipo de bicho existia nesse mundo. Mas Hades só chacoalhou a mão.

- Nem eu sei, faz um tempo que eu não entro aí.

Vamos estamos ficando sem tempo, Miki tinha ficado tão calado que eu me espantei com a voz dele na minha cabeça.

Quando eu entrei na caverna escura ouvi Perséfone desejando boa sorte e eu podia jurar que enquanto Hades acenava para mim eu ouvi: “Será que foi a melhor ideia manda-los direto para o labirinto?”.

Antes que eu pudesse dar meia volta à porta se fechou e nós mergulhamos – literalmente – na escuridão.

Uma luz laranja irradiou no chão iluminando as paredes de pedra do labirinto.

- Eu pensei que você só brilhasse de noite.

Sério? Só de noite? Patético, você não sabe de nada mesmo, Miki bufou ou algo parecido.

- Talvez se você me falasse mais sobre as criaturas mágicas eu não precisaria perguntar tanto – retruquei.

Eu te falo no caminho, pegue o mapa e procure a porta mais próxima de Portugal.

Desembrulhei o pergaminho e dei uma olhada, estava em branco, olhei ao redor estávamos em um corredor que levava para lugar algum no escuro. Eu não sabia como chegaríamos a Portugal. Com esse pensamento o mapa tomou cor, linhas pretas riscaram o papel fazendo curvas e criando vários corredores, numa das extremidades havia uma seta apontando para frente. Olhei para o papel e depois para o corredor.

- Eu acho que devemos seguir em frente – disse apontando para o caminho.

Nós andamos por alguns minutos quando Miki resolveu falar.

O que você quer saber?

- O que faz uma Raposa do Poente diferente de uma raposa normal?

Nós Raposas do Poente temos uma tarefa muito importante, Miki lambeu o focinho, nós trazemos o pôr do Sol protegendo assim a Terra da Noite.

- Eu não entendi direito, pode explicar melhor?

A camada de Fronteira que existe entre o Céu e a Terra é muito fina, se as Raposas do Poente não levarem o pôr do Sol a Noite cai e seu mundo estaria condenado.

- Como? – Estava ouvindo atentamente para não ficar perdido.

As Criaturas da Noite mexem com o Tempo e o Espaço, a Noite é aonde elas vivem e é aonde não fazem nenhum mal, Miki suspirou, e todo o dia eles tentam cruzar a Fronteira e nós os impedimos.

- Então as Raposas do Poente salvam o dia todo o dia?

Basicamente, sim.

Era uma história louca demais para acreditar, mas eu acreditei. Nunca imaginei que existia outro mundo – um bem perigoso – acima de mim, com certeza não olharei para o céu do mesmo jeito de novo.

- Ok, como foi que você foi parar no meu quarto?

Enquanto nós corríamos pelo Céu eu me desprendi do grupo por causa de umas estrelas arrogantes e elas me derrubaram, mas foi uma tragédia eu ter caído na casa de um Cacumbu tão inútil...

Antes que Miki terminasse de falar uma parede se ergueu entre nós dois, nos separando.

- Miki! – Eu bati na pedra com a esperança de que pudesse quebrar, estava escuro de novo e eu não queria ficar sozinho. Ouvi um chiado, me virei e vi que uma estranha criatura me encarava do chão.

Era um urso, bem pequeno na verdade, sua cabeça batia no meu joelho. Ele era azul e eu podia ver através dele como um fantasma.

- Finalmente você chegou, estávamos esperando esse momento a muito tempo – ele chacoalhou seus brancinhos e pulou me dando um abraço apertado na barriga, parecia feliz. Quando ele desceu minha camisa ficou grudenta e cheirando a açúcar.

- Desculpa, mas eu te conheço? – Eu tinha que tomar cuidado, esse ursinho podia ser algum demônio querendo me devorar.

- Não, mas eu sei quem você é! – Ele deu duas pisadas no chão e um buraco apareceu embaixo de nós, caímos num escorrego vertiginoso que deu várias voltas e loops até que saímos numa caverna muito grande.

O urso se levantou e saiu correndo em frente. Enormes cristais emitiam uma luz branca no teto, pelo menos não estava mais escuro. Me levantei e tirei o excesso de poeira das minhas roupas e fui atrás daqueles urso, não demorei para encontra-lo ele estava falando com outros ursinhos coloridos e balançava os bracinho enquanto falava.

- Eu o encontrei irmãos, ele vai nos salvar!

Uma ursa rosa apontou para mim e seus olhos brilharam de alegria.

- Olhem, é verdade. – Todos os ursinhos se viraram e correram na minha direção gritando. O ursinho azul começou a falar:

- Eu sou Gummy Sugar, esses são os meus irmãos: Gammy, Gemmy, Gimmy, Gommy, Gaunmy, Goemmy, Grummy e Gordon.

O urso laranja, Gordon, me cumprimentou.

- Prazer em conhecer todos vocês, mas posso saber o que está acontecendo?

- Uma guerra – Gummy explicou. – Um disputa entre famílias e foi dito que um humano apareceria nos túneis e nos levaria a vitória.

- E vocês acham que eu sou esse humano?

- Sim – disse timidamente Gemmy, a ursa rosa. – Não passam muitos humanos por aqui, por favor, nos ajude!

É claro que eu tinha que pensar muito naquilo, eu estava em um túnel perto do Inferno e urso de gelatina queriam me ajuda numa guerra, se uma situação normal eu correria, mas como não me chamaram de cacumbu eu resolvi ajudar.

- Claro, não vejo motivo para não ajudar.

Logo adiante eu pude ver o exército, milhares e milhares de ursos de gelatina treinando para a batalha. Gummy, Gemmy e Gordon me levaram para uma tenda. A mesa no centro tinha um mapa todo rabiscado, provavelmente estratégias.

- Contra quem estamos lutando, afinal?

- As tartarugas de chocolate – Gummy cuspiu.

- Ok, por que vocês estão lutando?

- Para pegarmos de volta a estátua da nossa padroeira, ora.

Então era uma guerra religiosa contra tartarugas de chocolate, talvez eu não morra só fique lambuzado.

- E quem é a sua padroeira?

Gemmy pegou uma foto da parede de lona.

- Não é tão bonita quanto vê-la pessoalmente.

Olhei para imagem e não acreditei no que estava vendo.

- A padroeira de vocês é... – Ergui uma sobrancelha. – A Celine Dion?

- Você a conhece? – Gordon se manifestou. – Então sabe que nossa causa é nobre. Nós é que devemos ficar com a estátua.

- E como eu me encaixo nesse plano?

- Qual o seu nome? – Gummy perguntou.

- Charles.

- Bem, Charles, você deve se infiltrar na base inimiga e pegar a estátua e trazer para gente.

- Não parece difícil.

- Nós vamos lhe dar cobertura – Gordon falou com convicção. 

Gemmy me empurrou um vidro com um creme branco dele. Destampei e tinha um aroma doce de baunilha.

- O que é isso?

- Cobertura, vai te tornar invisível. Venha vamos te mostrar uma coisa – Gummy acenou para eu segui-lo.

Do lado de fora tinha um telescópio, Gummy pediu para que eu me aproximasse. A visão do telescópio dava para o acampamento inimigo, era igual a dos ursos, só uma tenda e os soldados treinando.

- Preparado?

Eu queria dizer que não, mas o quão difícil poderia ser?

A cobertura tinha um gosto incrível, derretia na boca e logo fiquei invisível. A primeira parte foi fácil: andei por alguns minutos até o outro lado. Muitas tartarugas ainda treinavam, então foi difícil passar sem esbarrar em nenhuma. Por mais que eu goste de chocolate, o cheiro estava revirando meu estômago.

A tenda inimiga estava vazia, fiquei aliviado por isso. Quando entrei vi um corpo de tartaruga comido ao meio e ouvi um ressonar leve. Fiquei visível de novo, a cobertura não durava tanto assim. Ainda bem que eu levei o pote comigo.

E lá estava a estátua em pedra sabão cor de marfim da Celine Dion vestindo um vestido longo e segurando um microfone com uma das mãos e com a outra acenando para um público qualquer, tinha o tamanho dos ursos e estava no chão, mas não sozinha alguém dormia perto dela algum guarda que caiu no sono, provavelmente. Me aproximei e vi que estava enganado.

- Miki?

A raposa abriu os olhos lentamente, seu focinho estava sujo de chocolate.

O que? Disse rabugenta. Ah, é você, Cacumbu, o que está fazendo aqui?

- Eu poderia lhe fazer a mesma pergunta! – Elevei um pouco a voz, estava um pouco feliz por ter encontrado Miki, não sabia se o veria de novo.

Quando nos separamos uma dessas tartarugas me achou e disse que eu era a raposa destinada a proteger a padroeira contra os ursos e blá-blá-blá. E como eu estava com fome, quando me deixaram sozinha comi a primeira tartaruga que apareceu.

Eu peguei um pedaço da tartaruga no chão e comecei a contar como eu vim parar naquele lugar. Minha boca ficou um pouco suja de chocolate, mas eu não tinha tempo de limpar, precisava levar a estátua de volta para os ursos.

Pode pegar essa pedra, eu não ligo para nada diss, Miki deu de ombros.

Abri o pote e comi um pouco de cobertura, ainda tinha bastante, coloquei o vidro no chão e peguei a estátua que era bem pesadinha.

Gostoso, me virei com a estátua na mão e Miki comeu o resto de cobertura, ele já não estava à vista.

Carregar a estátua até a tenda dos ursos foi complicado, esbarrei em três tartarugas. Na metade do caminho parei para tomar um pouco de ar e fiquei visível. O chão começou a tremer. Gritos vindos dos dois lados da grande caverna ecoaram. A guerra havia começado.

Já podia ver os ursos e tartarugas se aproximando.

Tentei aperta o passo, mas pisei em algo que emitiu um grunhido, logo em seguida senti uma dor lacerante no calcanhar. Deixei cair à estátua que se espatifou no chão em vários pedaços.

E tudo ficou em silêncio, tanto tartarugas quanto ursos ficaram parados pasmos olhando o resto da estátua.

Os cacos de pedra brilharam e uma mulher emergiu do chão. Era a própria Celine Dion pairando no ar, uma aura vermelha a contornava. Ela estava como na estátua, vestindo longo, microfone.

- Meus queridos, sou eu, Celine Dion, a sua padroeira – ela usou o microfone para falar, seus cabelos esvoaçando ao vento, que por sinal não existia.

Precisamos sair daqui e rápido, Miki alertou em algum lugar que eu não podia ver.

- Vocês têm mais coisas em comum do que imaginam – a voz dela era tão suave que todos olhavam para ela como se fosse uma divindade, de certa Celine Dion era isso para eles. – Não lutem, em vez disso, matem aquele que me desrespeitou – a voz dela soava bruta enquanto ela apontava para mim.

Eu to caindo fora daqui, adeus.

- Miki, vai me deixar sozinho aqui?! – Os ursos e tartarugas correram na minha direção com espadas nas mãos. Minha cabeça começou a doer horrivelmente, eu ia morrer ali, só podia ser isso.

Santa Hebe Camargo, eu tenho que fazer tudo por aqui.

Eu comecei a girar como se estivesse num furacão, senti o impacto em algo sólido. Perdi a consciência por alguns segundos.

Quando acordei estava de volta ao labirinto deitado no chão. Miki não estava à vista.

Minha cabeça ainda doía. Eu tinha que continuar aqueles doces animados podiam vir atrás de mim a qualquer hora. Meu calcanhar doía muito. Levantei a banha da calça, as marcas dos dentes estavam vermelhas e inchadas.

Quem mandou pisar no meu rabo, bem feito.

Foi por culpa dele que eu tinha deixado cair à estátua, fiquei com tanta raiva naquele momento. Não falei nada porque Miki salvou a minha vida.

- Onde você está?

Virei um boton.

Era verdade, podia sentir a agulha fria no meu peito.

Tirei o mapa do bolso. Estava em branco a não ser pelas bordas que estavam vermelhas.

- Estamos numa zona não mapeada, que droga.

Andei por vários minutos que mais pareciam horas até encontrar uma porta de ferro. Estava trancada e nem tinha fechadura. Suspirei, estava perdido, não tinha como sair daquele lugar.

Ouvi um barulho de engrenagem se movendo e a porta abriu.

Levava a um aposento que se parecia com uma sala de terapia. Um divã de veludo vermelho e uma poltrona também de veludo estavam no centro, o chão era um carpete cheio de gravuras estranhas de ceifadores e símbolos que eu não conhecia, as paredes eram listras vermelhas e beges, havia também um armário, um penteadeira, uma estante de livros.

De repente um espelho apareceu do outro lado do quarto. E uma mascara flutuava entre o divã e a poltrona.

Uma sensação estranha me tomou, eu não sei por que, mas eu queria usar aquela mascara. Me aproximei mais.

Não toque nisso, não sei o que é, mas não parece bom, Miki me avisou. Mas eu não queria saber de nada só queria usá-la.

Era uma daquelas mascaras de festas antigas, não cobria o rosto todo só metade, era branca e lisa. Quando estava quase pondo no rosto vi dezenas de símbolos estranho gravados na parte de trás dela.

A mascara simplesmente voou para o meu rosto como se eu fosse metal e ela um ímã. Toda aquela sensação de posse foi substituída por dor como se eu fosse rasgado ao meio, também senti uma sucção estranha. Ouvi Miki grunhir, ele devia estar sentindo o mesmo.

Mãos tiraram a mascara do meu rosto. Quando abri os olhos estava me encarando, não estava ficando louco, tinha outro eu na minha frente, só que esse Charles tinha cabelo preto e o meu é castanho, usava as mesmas roupas e tinha um boton da bandeira do Japão. Miki, coloquei a mão no peito e pude sentir o boton ali. Meu outro eu foi à direção do espelho, colocou a mascara, olhou para mim e deu um sorriso malicioso e um aceno de despedida e adentrou no espelho que quebrou em milhares de pedaços.

Eu não sei o que foi aquilo, mas tirou todos os seus poderes mágicos. Agora você está mais humano do que nunca, Miki falou com certo desprezo.

Quando saímos do quarto o mapa voltou a mostrar os corredores, pelo visto o labirinto mudava. Me sentia estranho como se uma parte de mim fosse tirada.

Chegamos ao portal que levava para Portugal, subi as escadas de pedra em direção à luz. O portal dava numa rua pouco movimentada. Já que estávamos numa cidade eu precisava descansar, o que ocorreu no quarto me esgotou totalmente.

- Finalmente te encontrei agora você vai pagar! – Uma voz me ameaçou. Eu não sabia quem podia encontrar a mulher que me atacou no Inferno, uma tartaruga, um urso ou a Celine Dion. Tinha o tamanho de um dos ursos doces, mas estava todo encapuzado e a voz era de uma criança.

- Olha eu não estou com tempo para brincadeiras...

- Não quero saber. Devia ter pensado duas antes de ter ajudado Lennin! – O carinho encapuzado tirou um estilingue do bolso e bola de chumbo enorme. Senti o boton/Miki saindo da camisa. – Morra.

Então aquele tinha sido o demônio que atacou Lennin. Desviei da bola de chumbo antes que acertasse a minha cabeça. Pensei rápido, peguei a bola e joguei na criança, acertou em cheio na barriga. Ela caiu e começou a chorar.

- Socorro, ele está tentando me matar! – A criança gritou. Dois policiais apareceram e me jogaram contra a parede.

- Você acha engraçado atacar crianças no meio da rua! – Um dos policias gritou comigo enquanto botava as algemas.

Entrei na viatura. Do outro lado da rua a criança-demônio estava de pé como se nada tivesse acontecido e me mostrava os dois dedos médios.

E foi assim que eu vi o Sol nascer quadrado. 


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