Amor ou Amizade? escrita por Aki Nara
Nós éramos iguais e inseparáveis. Bianca era minha bússola que limitava meus passos para os próprios erros. Mas quem poderia imaginar que preferiria seguir o eco de seus passos?
***
_ Você ainda vai ficar? – Bianca fez bico.
_ Voouuu... Mas não fica triste, hoje só tenho mais uma aula de Instrumento Complementar.
_ Credo, Erika – a amiga fez o sinal da cruz. - E que instrumento escolheu?
_ Para o primeiro semestre o violino.
_ Estou pasma. Tem gente que nem aguenta um instrumento quanto mais outro complementar. Você está falando sério?
_ Eu quero fazer composições para uma orquestra, então... Preciso compreender melhor cada instrumento.
_ Bem... Então, é capaz de encontrar o “ID” – Bianca encarnou. – Acho que vou junto. A aula vai ser no anfiteatro?
_ Yeap!
Elas caminharam conversando e rindo ao mesmo tempo até entrarem no anfiteatro. O ar frio gelou os dedos de Erika ou talvez fosse nevorsismo. Afinal, seria sua primeira aula com o professor Tokunaga, o maior virtuoso em piano e violino, além de regente da Orquestra Filarmônica do Japão.
_ Por favor, garotas. Aproximem-se mais. Não quero ter de gritar para que ouçam o que estou dizendo.
Os olhares se voltaram para as duas e elas apressaram o passo para se sentarem nas poltronas, mas antes de se acomodarem avistaram Kamioka sentado na primeira fileira e Bianca a cutucou com o braço.
_ Bem... Hoje quero definir as parcerias em Música de Câmera, mas para isso preciso ouvi-los e ver em que nível cada um está. Hum! Mas pelo jeito estamos em número impar...
_ Oh! Eu sou apenas uma observadora, professor. – Bianca corou até a raiz dos cabelos.
_ E seu nome é?
_ Morelli, senhor – ela disse apreensiva.
_ Que seja uma expectadora silenciosa ou se arrependerá amargamente de ter cruzado meu caminho – o professor foi enfático em seus gestos dramáticos.
A amiga aquiesceu empalidecendo mais a sua tez branca. E Erika pensou no quanto todos os professores eram temperamentais sem exceção.
O professor Tokunaga iniciou sua atividade ouvindo cada aluno formando seus pares até chegar a vez tão esperada do dia, Richard Kamioka tocaria seu violino.
_ Bem... Parece-me que ninguém está em seu nível até o momento, mas por obséquio dê-nos a graça de ouvi-lo. Quem sabe algo menos erudito em seu repertório? Algo não muito difícil e popular. Que tal Dvorak, Humoresque?
Richard postou-se no meio do palco, o corpo ereto e com o busto para frente. As pernas um pouco abertas para estabilizar o equilíbrio do corpo. Ele colocou o violino em cima da clavícula, apoiado de leve sobre o ombro esquerdo com a queixeira encostada no queixo.
Ele tinha presença de espírito. As luzes o envolviam-no tornando-o algo mais que um mero aluno, era o garoto prodígio. Os acordes da música soaram de forma aguda, brilhante e estridente.
O timbre do violino preenchia ecoando por todo o anfiteatro. A peça era tocada com maestria e perfeição, mas para os ouvidos sensíveis de Erika... Ele tocava sem alma.
_ Bravo! – as vozes e os aplausos ao redor tiraram-na de seu transe musical.
_ Acho que terminamos por hoje. Grato a todos.
_ Professor... – Érika se levantou espantada.
_ Sim, senhorita? – Tokunaga se voltou para encará-la.
_ O senhor não me chamou, sensei.
_ Não pode ser... – ele consultava sua agenda até que seus dedos bateram. – Qual é seu nome?
_ Amane.
_ Ah! De fato. Amane, Erika. Eu pensei que também fosse uma observadora já que chegou acompanhada de sua amiga – apontou para Bianca que se encolheu na cadeira. – Posicione-se, minha cara.
_ Eu não tenho violino, senhor. – Erika disse mortificada.
_ Uma aluna sem seu instrumento... – ele mostrava incredulidade. – Não seja por isso. Use o meu. – Erika sentiu seu coração quase saltar pela boca quando pegou um legítimo Stradivarius e com cuidado pegou o instrumento encaminhando os pés pesados para o palco.
_ O que vai tocar para nós? – a curiosidade estampada no rosto do professor pela audaciosa aluna.
_ O mesmo que ele. – Erika apontou com o arco para Richard, que não conseguiu esconder o ar de deboche no rosto bonito.
Ela causou furor entre os que estavam presentes gerando murmúrios e sussurros. De repente, um silêncio mortal e toda atenção se voltaram para Erika, que fechou os olhos e respirou profundamente antes de começar a tocar.
Sem dúvida era Humoresque, mas tocada a maneira dela. Os dedos pressionavam acordes e o arco imprimia novos arranjos em cima do tema sem alterar a essência clássica.
Quando terminou, ela recebeu uma ovação e os presentes a aplaudiam de pé.
Os olhos de Erika automaticamente procuraram pelos de Richard. Ele continuava sentado calmamente, mas os lábios apertados lhe contradiziam, a tensão podia ser sentida nos dedos esbranquiçados que apertavam o cavalete com força.
_ Bravíssimo! – o professor Tokunaga aplaudia. – Não convencional. Deve ter praticado bastante.
_ Nunca ouvi essa música, professor. Mas quis expressar o que estava sentindo nessa música.
_ Está querendo dizer, minha jovem... – ele demonstrava espanto – que é a primeira vez que ouviu Antonin Dvórak e fez arranjos mentais para ela porque quis expressar seus sentimentos? – disse voltando-se para Richard. – Será que tivemos a sorte de encontrar uma parceira para você, Kamioka?
_ Com todo o respeito... O senhor deve estar brincando. – Richard se levantou, os olhos azuis reluziam de raiva contida, mas seu rosto tornou-se novamente uma máscara de frieza, a voz suave e controlada era como um tapa dado com luva de pelica. – Eu jamais tocarei com uma garota sem técnica... Ela não tem nível para tocar corretamente e ainda é pretensiosa a ponto de acabar com uma obra clássica.
_ Kamioka! – a seriedade nos olhos do professor avisava-o que tinha um limite para o que podia dizer. – Espere em meu escritório.
Richard pegou suas coisas e com passos duros saiu do anfiteatro.
_ Com exceção da senhorita, os outros estão dispensados. Você não está em simbiose senhorita Morelli. – Bianca olhou para ela preocupada, mas obedeceu apressando os passos para sair.
_ Agora que estamos a sós... Vai continuar sustentando a mentira que disse a pouco? – o professor Tokunaga a olhou com severidade e esperou que todos saíssem para tornar a falar.
_ Não tenho nada a temer – indignada Erika desceu do palco e devolveu o violino ao estojo. – O senhor deveria averiguar a verdade antes de julgar, professor.
Erika simplesmente pegou suas coisas para ir embora.
_ Não poderá ficar sem a minha matéria, senhorita Amane.
_ Bem... Não me parece que o seu aluno prodígio queira parceria. Ele é estrela demais para saber o que é um dueto. Além do mais posso me esquivar da sua matéria até só me restá-la como opção. E quando isso ocorrer gostaria de saber a opinião da diretora Ootsuka a esse respeito.
_ Você é muito atrevida – ele segurou-a pelo braço. – Jamais vire a costa para mim.
_ Foi o senhor quem desistiu de mim primeiro.
***
O brilho do palco e o prazer de ser aplaudida desapareceram e nada além do meu orgulho restava naquele momento em que me recompus e caminhei para a saída.
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