Almost Human escrita por MsNise


Capítulo 26
Perdendo


Notas iniciais do capítulo

Olááá! Bom, eu sei que eu demorei, mas o capítulo é comprido então eu acho que compensa. Quero agradecer à MsAbel que revisou mais uma vez pra mim s2 Espero que vocês gostem dele (esse foi o primeiro capítulo que eu chorei escrevendo, então eu gostei de escrever ele). Podem lê-lo escutando essa música: http://www.youtube.com/watch?v=Rm41SWnAekc Espero que gostem. Até lá embaixo :**



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Andar de carro com a Susi sabendo de nosso grau de parentesco era completamente estranho, principalmente quando eu ainda sentia raiva dela por sua atitude de ter me escondido a verdade. E ainda por cima estávamos juntos na parte de trás do furgão, enquanto Jared dirigia e Melanie permanecia ao seu lado.

A única pessoa que aceitou sem pestanejar Susan depois de a verdade ter sido revelada foi Jamie, e por isso ele também está nos acompanhando. Ele a abraça carinhosamente, como se a protegesse do mundo. Peg segura firme em minha mão, prometendo sempre me apoiar.

Queria conseguir perdoar Susan. Ela estava esperando o momento certo para a revelação e no fim eu acabei descobrindo por conta própria; ela não esperava. De alguma maneira eu entendia o seu lado, mas ainda assim não conseguia perdoá-la. Toda vez que pensava em fazê-lo me lembrava que ela nunca me deu pista alguma e então a raiva crescia novamente dentro de mim. Ela poderia ter sido mais justa.

Agora, por exemplo, não consigo voltar meus olhos para ela. Quando a vi mais cedo de relance e a descobri com o rosto inchado – provavelmente de chorar –, uma parte de meu coração rachou. Mas foi somente isso. Nada o bastante para me comover e me ajudar a perdoá-la. Penso que talvez eu nunca consiga amá-la da maneira que ela espera.

Não vejo quando a movimentação acontece – permanecia ridiculamente distraído -, mas de repente tudo passa a acontecer rápido demais. Eu não consigo mais acompanhar o ritmo ou a ordem dos acontecimentos. Sinto coisas indistintas apenas e me percebo perdido.

Uma freada brusca. Luzes iluminando nossos rostos – nossos olhos humanos. Barulhos estridentes e desconhecidos. Batidas de porta. Gritos. Ordens. Algo sobe dentro de meu peito – sei que preciso agir.

Vejo quando Peg salta da parte de trás do furgão e fecha rapidamente a porta sem aviso prévio, deixando-me preocupado. Mas antes disso eu consigo distinguir as formas. Os carros. As roupas. Tudo me é conhecido.

Buscadores.

Troco olhares com Jamie e sei que não demorará – teremos que agir. Tento me convencer que Peg conseguirá detê-los como ela sempre faz e sempre fez. Ela é esperta e eficiente e todos acreditam nela.

– Mulheres têm algo parecido com instinto – Susi murmura baixinho, mais para si mesma do que para qualquer um que consiga ouvi-la. É a primeira vez que a escuto falando depois de um grande intervalo de tempo. – E algo me diz que dessa vez Peg não conseguirá pará-los.

Odiava admitir, mas sentia a mesma coisa. Teríamos que lutar e lutaríamos. Defenderíamos nossa raça humana com garras e dentes. Estávamos em menor número, mas éramos mais fortes. Nós tínhamos uma coisa que as almas provavelmente nunca tenham descoberto. Tínhamos fé.

E não importaria se morrêssemos. Cairíamos lutando.

Os barulhos fora do furgão cessaram. Sem gritos, sem tiros, sem batidas, sem ordens. Somente a voz de Peg e de mais alguém – algum Buscador. Estremeci.

– Olá – disse Peg, mas sua voz estava trêmula. Ela também temia. A confiança dela oscilou e isso nos mataria.

– Têm humanos aí dentro. Eu sei. Eu vi! – o Buscador acusou bruscamente. De cara percebi que não era como os outros; parecia quase humano pelo tom de voz. Concentrei-me para ouvir melhor a conversa.

– Não – negou Peg sem muita convicção. – Não tem nenhum humano ali dentro, posso garantir.

– Então nos deixaria conferir, eu suponho...?

– ...

– Não irá me responder?

– Vocês não eram desconfiados dessa maneira antigamente.

– Ahn... posso te contar algo? Aliás, qual é o seu nome?

– Pétalas – sua voz oscilava, não acreditando na própria mentira.

– Apenas isso?

– Sim.

– Então, Pétalas, algumas coisas mudaram de alguns tempos para cá – sua voz carregava sarcasmo. – Digamos que... nós, almas, nos cansamos um pouco. Sempre ser o bonzinho da história cansa. Portanto, sempre que achamos algum grupo de humanos nós os prendemos imediatamente. Eles nos são muito úteis.

– Eu sou... contra. Não que eu tenha algo a ver com isso.

– Não tem nada a ver com isso?

– Não. Nada. Absolutamente – Peg não deveria dar tantas certezas. A convicção dela falhava; e consequentemente nos entregava.

– Pegamos uma pequena parcela de outro grupo de humanos recentemente. O resto se escondeu, mas eu tenho certeza que os acharemos. Tinha outra alma, tal como você. O líder do grupo se chamava Nate. Mas eu não consigo me lembrar do nome da outra alma, como era mesmo...?

– Cal – Peg sussurrou involuntariamente. Tenho certeza de que não foi sua intenção nos entregar. Ela estava horrorizada. Cal era quase seu amigo. Mas esse pequeno erro custou a nossa vida; foi o bastante para eles saberem que tinham humanos dentro do carro.

Com a mão trêmula peguei na única arma que ficava na parte de trás do furgão – e me preparei.

– Isso. Exatamente – novamente o sarcasmo e mais alguma coisa: a certeza de que tinha novas vítimas. Podia imaginar um sorriso maléfico se abrindo em seu rosto que eu não conhecia. – Levem-na. Ela será muito útil para nos ajudar a encontrar o resto dos humanos.

Peguei a arma com mais firmeza e me concentrei melhor.

– Não – Peg berrou com a voz aguda. – Soltem-me. AGORA!

Não consegui mais me concentrar – minha preparação foi inútil. Escutar o grito de Peg me desestabilizou por completo e agi sem pensar. Precipitei-me pelo espaço pequeno e saltei do furgão, com a arma já pronta e apontada para qualquer que fosse o lugar onde Peg estivesse.

– Ian! – Susi gritou, como se para chamar minha atenção.

Não me virei. Não olhei. Só conseguia me concentrar em procurar Peg; onde ela estava?

Talvez a minha atitude tenha despertado a ação, talvez a ação tenha despertado minha atitude. Mas logo depois que saí do carro os outros também saíram. Jamie, Jared, Melanie, Susan.

Nosso tamanho de fato os intimidava, mas eles estavam em maior número e cada um apontava uma arma direto para os nossos peitos. Não viveríamos para contar essa nossa aventura. Não viveríamos para ver o casamento da Mel e do Jared.

Eu não viveria para me casar.

E como ficam as promessas? Prometi para Kyle que me cuidaria. Prometi que voltaria são e salvo como todas as outras vezes. Como eu poderia abandoná-lo, deixá-lo, logo agora?

Meus olhos começaram a pinicar, mas não foi de tristeza. Eram lágrimas de raiva. Onde diabos eles meteram Peg? Estreitei meus olhos diante de sua destreza calculada.

O líder do grupo dos Buscadores – provavelmente o que conversara com Peg – nos olhava com um sorriso malicioso em seu rosto. Tudo fora um truque? Peg não mentiria para nós. Não lutaria a favor deles. Por que ela gritou?!

Esquadrinhei mais uma vez o local; e finalmente achei. Eles mantinham Peg espremida contra um carro ao longe e, para ela não gritar, pressionavam sua boca. Tamanha brutalidade fez a minha calma subir até a tampa e mais uma vez não pensei no que faria: mirei a arma.

– Ora, ora... – disse o Buscador, totalmente alheio a qualquer coisa.

Atirei.

E não consegui mais pensar ou me concentrar em coisa alguma.

A mesma ira que eles causaram em mim por machucar Peg eu causei neles por ferir um dos seus. Eles lutariam contra mim. Bateriam em mim até a morte certa. Eu não seria perdoado.

Eu morreria.

Com os olhos turvos e com a vista cheia de pontinhos pretos eu gravei a última expressão de Peg: ela cobria a boca com a mão e chorava copiosamente.

Senti o impacto vindo por um dos lados de meu corpo e só senti alguma coisa novamente quando alguém me imprensou contra a lateral do furgão. Minha arma havia caído de minha mão, deixando-me sem munição. Eles não queriam a minha morte certa e irremediável. Pelo contrário, me desejavam ver morrer pouco a pouco. Queriam minhas forças se esvaindo. Queriam se vingar.

Um dos seus espremeu meu rosto contra a lateral do furgão e berrou no meu ouvido:

Você o matou! Você sabe o que é isso?! Não tem volta! Você acabou com a vida do meu melhor amigo! Seu humano cretino! – e então ele me deu um soco perto do olho. Um soco forte. Consistente. Que me fez ter certeza de uma coisa: eu não me renderia.

Eu tinha perfeita consciência de minha força e sabia exatamente como usá-la. Eu não perderia sem ao menos lutar. Eles haviam abandonado suas armas: acharam mais justo lutar. Eu também achei.

Envolvi sua cintura como se fosse abraçá-lo e deixei minha cabeça embaixo de seu braço, empurrando-o pelo espaço entre carros e pessoas que lutavam contra pessoas. Deixei-o bater em um carro e cair no chão, completamente sem forças. Coloquei meus dois joelhos em seus cotovelos e ele soltou um grito inaudível. Subi em cima de seu tronco. Eu havia o imobilizado; ele não conseguiria escapar de mim.

– Você acha que a desculpa de eu ter matado seu amigo é suficiente? – gritei em seu ouvido, somente para ele escutar. – Você matou uma civilização inteira! Você não tem o direito de dizer que tem algum direito!

E então descontei toda a minha raiva reprimida de todos esses anos. Provavelmente nunca havia dado tantos socos em uma só pessoa em um só dia. Ele poderia morrer – eu poderia matá-lo. Mas eu não conseguiria. Eu não era capaz de fazê-lo. Portanto, levantei-me e o deixei inconsciente no chão, mas o dei uma nova chance de vida. Eles o resgatariam, o trariam de volta para a vida, o fariam sobreviver.

E, pela primeira vez, analisei o caos que estava à minha volta. Todos lutavam. Todos queriam sobreviver. Nunca nada me emocionou tanto quanto isso. Lágrimas encheram os meus olhos. Mas eram lágrimas de alegria e de orgulho. Eu fazia parte de um grupo que lutava pela própria vida, entretanto principalmente pela vida dos outros que permaneceriam aqui. Defendíamos a nossa raça.

Mesmo que o mundo todo venha lutar contra nós, nós não desistiremos. Talvez essa seja uma das únicas coisas que os alienígenas nunca conseguiram entender sobre nós. O porquê nós não desistimos, como muitos fizeram. A resposta não é difícil.

Nós tínhamos uma arma. Nós tínhamos vontade e fé. Nós acreditávamos. E, sobretudo, nós tínhamos fogo. Ardíamos. Queimávamos. Tínhamos sede de vida. Tínhamos sede de lutar pelo que acreditávamos. E nós acreditávamos no amor e no ódio.

Nós acreditávamos na humanidade.

Não podíamos fugir dessa responsabilidade.

Talvez morrêssemos. Contudo, morreríamos sabendo que tínhamos sido heróis. Cumprimos nossa jornada na Terra. Fizemos tudo o que podíamos. Lutamos com tudo o que tínhamos. Aceitamos. Perdoamos. Vingamos-nos. Cobramos os empréstimos de vida com juros.

E sobrevivemos pelo tempo que nos foi concedido.

Mais uma vez o caos. Eu estava próximo o bastante para ouvir e ver essa nova movimentação. Susi estava próxima de mim e a imprensavam contra o furgão como haviam feito comigo. Uma arma estava apontada direto para sua cabeça. Concentrei-me novamente quando algo se acendeu dentro de mim.

– Você pensou que eu me esqueceria de sua cara – o Buscador rosnou para ela. Ela chorava e, com os olhos fechados, esperava pela morte. Morte que não viria. Eu tinha certeza. – Pois bem, eu me lembro exatamente do chute que você acertou em meus tornozelos.

Chute nos tornozelos? Uma lembrança me atinge.

Finalmente ela resolve parar de chutar o ar e chutar alguma coisa concreta, como o tornozelo do que a segura. Isso o pega desprevenido e ele afrouxa os braços o bastante para a garota pular deles e cair agachada no chão, logo levantando e correndo com toda velocidade.

Impossível. Não pode ser aquele mesmo Buscador que quase a capturou na última vez. Não pode ser o mesmo Buscador de quando eu a salvei. Realmente, não pode ser ele.

– E agora você está em minhas mãos. E eu irei matá-la. Não esperava por essa vingança, não é?

Susi estava diferente. Não tinha mais forças para lutar ou defender coisa alguma. Quase desejava a morte. Suas lágrimas e sua expressão faziam-me lembrar de outra pessoa. Minha mãe, que virava tantas noites chorando por causa de nosso pai cretino.

E subitamente eu entendi. Entendi os motivos de Susan. Ela não havia me falado claramente quando foi feita a revelação, mas naquele momento, vendo-a pronta para morrer, eu soube. Eu soube que ela tinha escondido a verdade por causa de sua mãe. Compreendi que, enquanto ela mantinha o segredo em pé, ela defendia de minhas acusações aquela que havia lhe dado a luz. Ela estava com muito medo que eu culpasse a pessoa que ela mais amava na vida pela culpa que eu carreguei comigo por todos esses anos. Era isso que ela sentia e isso que queria evitar. As acusações. Ela fez isso por amor à mãe dela. Não. Ela fez isso por amor à nossa mãe.

E eu descobri que a entendia. E entendi que eu a perdoava. E perdoei quem eu amava.

E soube por que eu tive certeza de que ela não morreria.

Precipitei-me pelo pequeno espaço. E mais uma vez eu a estava defendendo do mesmo Buscador. E mais uma vez ela sairia sã e salva. Só não tinha tanta certeza quanto a mim.

Tudo aconteceu como se fosse em câmera lenta.

Quando os alcancei, empurrei-a para o lado afastando-a dele, e acabei o afastando de nós. Ela tropeçou em seus próprios pés e caiu ao meu lado. Ele cambaleou alguns passos, antes de se estabilizar novamente. Continuava segurando aquela maldita arma em sua mão e, de repente, apontou-a para mim, direto para o meu coração, com o propósito de que o tiro fosse fatal.

Ele atirou. Contudo, um milésimo de segundo antes, Peg apareceu para empurrá-lo. Ele deve ter se movido uns dois centímetros para o lado, mas foi o bastante para desviar o tiro, que acertou em minha barriga.

NÃO! – Susan berrou.

Pouco a pouco comecei a ver o chão de um ângulo estranho. Ele foi virando, se tornando indecifrável. Eu não conseguia entender por que. A inconsciência me engolia de segundo em segundo, tornando difícil pensar com coerência. Senti outro impacto, mais forte, e então os pontinhos pretos começaram a preencher minha visão novamente.

Outra movimentação que a cada segundo – ou milésimo de segundo – mudava. Pés perto da minha cabeça. Gritos. Pedidos. Ordens. Declarações. Lágrimas.

Alguém entrelaçou sua mão na minha. Não tive forças para ver quem era, mas me acalmou. Deixou-me em paz para finalmente fechar os meus olhos. Eu sabia que estava indo, desaparecendo no escuro. Mas antes disso, minha vida passou como um filme de trás para frente em minha cabeça. E, devo confessar, nada de tão incrível já havia acontecido comigo.

Vi a cara de Susan. Senti sua mão segurando a minha e me deixando em paz para descansar. Senti novamente o perdão por todos se estabelecendo dentro de mim. Vi Peg tentando me defender. Vi-me tentando defender Peg. Entendi que amava Susan como a irmã que ela era; caso contrário não estaria morrendo por ela. Revivi a dor e senti a culpa indo embora novamente. Senti a alegria do pedido de casamento de Peg e também a plenitude de me unir a ela. O filme acelerou. Revivi todas as brigas que aconteceram depois que resgatei Susi. Revivi o resgate de Susi. Senti novamente a alegria de Peg ter voltado para mim e a dor de ela ter partido. Experimentei novamente os lábios de Peg encontrando os meus com vontade. Passei mais três dias no escuro de luto. Joguei novamente bola com Kyle. Acusei-o novamente. Resgatei Peg da morte. Tentei matar Peg. Quebrei um vaso no meu quarto. Vi Claire me deixando. Senti pela primeira vez a culpa. Acordei e percebi mais uma vez que minha mãe havia desaparecido. Brinquei com Kyle. Briguei com Kyle. Estava novamente no colo de minha mãe. Senti os tapas de meu pai. Nasci.

E agora estou morrendo.

Apesar disso, me sinto vivo. Vivo e completo. E, mais do que qualquer coisa, eterno.

A consciência finalmente me abandona por completo enquanto eu peço perdão mentalmente por todos os meus erros. Está na hora de perceber que eu fui uma pessoa boa. Está na hora de abandonar toda a culpa e o receio. Está na hora de parar de temer. Está na hora de tentar viver outra vida – se essa existir.

Perdão, mas está na hora de ir.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Por favor, não me matem e nem me abandonem. A fanfic ainda não terminou, ok? Eu chorei tanto escrevendo e depois chorei em todas as vezes que eu reli ele antes de postar, meu Deus ): Enfim, espero que tenham gostado, comentem, me chamem por MP qualquer coisa ou, sei lá, pelo meu twitter @lenisemendes. Até o próximo capítulo :**



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