Nuvens escrita por Sakakibara Chiaki


Capítulo 1
A Marca Da Nossa Vida


Notas iniciais do capítulo

Realmente, esse capítulo é enorme. Eu poderia dividir, mas parei e pensei: Qual a diferença de fazer vários capítulos curtos e um enorme? Além de que, no meu ponto de vista, essa é uma leitura que não pode ser interrompida.
Bem, tem uma música, que eu considero como trilha sonora da história. Eu escrevi tudo praticamente ouvindo só essa música. Se quiserem saber qual é: "For blue skies - stays don't sleep"
Eu gostaria que vocês lessem ouvindo essa música. Aí tem um link de um vídeo do you tube:
http://www.youtube.com/watch?v=UWKP1SwHVqI
Espero que gostem *-*



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Nuvens. Isso sempre foi minha paixão. Nossa paixão. Não sei por quê. Elas são bonitinhas, branquinhas, e apesar de eu saber que é apenas vapor, elas parecem ser fofas.

Eu, Hanasaki Ayato, e meu irmão gêmeo, Hanasaki Kou, tínhamos sempre o quarto decorado com nuvens. O papel de parede azul claro com nuvens de diversas formas cobria todo o quarto. Uma vez, nossa mãe até comprou uma luminária em forma de sol para colocar na lâmpada que ficava no teto. As paredes eram o céu e a lâmpada era o sol.

Toda vez que mudávamos de casa e nossa mãe perguntava do que queríamos que fosse a decoração do quarto, respondíamos em uníssono: “Nuvens”. Até que uma hora ela até parou de perguntar.

Já tinham nos proposto colocar estrelas no teto, mas assim, nosso céu viraria noite. Nós éramos alegres, éramos dia. Gostávamos das estrelas também, mas amávamos as nuvens.

Éramos crianças muito felizes. Estávamos sempre brincando, seja dentro ou fora de casa. Me lembro que minha brincadeira preferido era guerra aérea. Tínhamos uma coleção de aviões, helicópteros e qualquer veículo voador de brinquedo. Dividíamos os brinquedos para que nós dois tivéssemos o mesmo tanto de aviões.

Era mágico. Nosso quarto era pequeno, limitado por quatro paredes, mas com aquelas nuvens, era como o céu. Não havia limites. Podíamos voar e ser livres. Por isso eu amava tanto aquela decoração.

Eu tive a melhor infância que poderia querer ter. Não a trocaria por nada. Eu e meu irmão éramos melhores amigos.

Me lembro que as pessoas ficavam maravilhadas ao verem como nós nos dávamos bem, já que dois meninos são propícios a se darem mal. Um menino e uma menina também podem se dar mal. Já duas meninas podem ser melhores amigas. Bem, eu e ele éramos uma exceção. Claro que já tivemos nossos desentendimentos, mas sempre fomos amigos.

Mas tudo começou a desabar quando fizemos 10 anos. Foi descoberto que Kou tinha uma doença gravíssima e sem cura.

Ele não poderia fazer muito esforço com o corpo, pois seus órgãos internos se desgastavam rápido. Qualquer batida poderia fazer ele se corroer internamente. Então, tivemos que parar de brincar.

Alguns diziam que estávamos velhos de mais para brincar, então não tínhamos que ficar chateados, assim como ficamos, mas se dependesse de mim, continuaria sendo criança para sempre.

O que me chateou mesmo foi o fato de que estávamos “grandinhos de mais” para ter o quarto decorado com nuvens, então passamos para uma decoração normal.

Apesar de sermos gêmeos, eu era mais velho por alguns segundos, e me sentia responsável por ele. Eu, por sorte, não peguei a doença também, mas eu preferia ter pego do que ele. Eu não suportava ver a tristeza em seu rosto. Preferia um milhão de vezes que fosse comigo, mas já que eu não podia transferir a dor dele para mim, me encarreguei de fazer o possível para animá-lo.

Parei de fazer brincadeiras que exigiam esforço físico também. Eu não queria esfregar na cara de que eu podia e ele não. Além de que, brincar sem ele não tinha a menor graça.

Continuamos brincando, mas com coisas tranquilas, como bonecos, quebra-cabeças, vídeo-games, etc...

Seu rosto continuavam sorridente, mas às vezes eu via tristeza, medo, desespero. Ele estava assustado, e eu não queria que ele passasse por isso sozinho, então, procurava acalmá-lo.

Me lembro do dia em que tínhamos 11 anos e eu acordei no meio da noite com alguém me cutucando. Era Kou.

– Nii-san – disse ele baixinho, assim que me virei para ver quem estava lá.

– O que aconteceu? – perguntei esfregando os olhos, pois como tinha acabado de acordar, não estava enxergando nada direito.

– Posso dormir com você? – pediu ele

– Por quê? – não entendi o motivo daquilo.

– Eu tive um pesadelo. – respondeu ele meio assustado – Estou com medo. Não quero dormir com a mamãe. Ela quando acorda só me dá mais medo.

Ri de seu comentário sobre a cara feia da nossa mãe assim que acorda e me afastei, para que ele se deitasse na cama.

– Com o que você sonhou? – perguntei assim que ele se deitou e ficou de frente para mim.

– Não sei bem. – ele olhou para baixo, meio triste – Só sei que eu estava morrendo. Sabe, por culpa da doença.

Senti um aperto no coração. Tudo o que eu menos queria era vê-lo com medo e tristeza. Eu não queria perdê-lo também.

– Olha – tentei falar algo só para consolar – Foi só um sonho, não precisa ter medo.

– Eu sei que foi só um sonho, – seu rosto demonstrava tristeza – mas... Uma hora... Vai acontecer, não é?

– Uma hora todos vamos morrer – respondi o óbvio, mas eu sabia que não era exatamente isso que ele queria dizer.

– Eu sei, mas... – ele continuou triste – Eu vou antes que os outros...

– Não seja pessimista! – protestei – Talvez não seja assim! – ele levantou os olhos, que pareciam que iam começar a chorar – E mesmo que aconteça, não será em vão. Lembra que a mamãe disse que a gente só morre quando é a hora certa? Durante a nossa vida, nós temos que ser úteis em alguma coisa. Ela disse, que o mundo é uma grande máquina. E uma máquina, nunca tem peças desnecessárias. O momento que a gente deixa a terra, teremos cumprido nossa missão aqui, nosso objetivo de vida.

Nem sei de onde tirei essas palavras, mas ele pareceu se sentir melhor. Porém, logo depois ele voltou a ficar triste e disse:

– Mas eu nem sei qual é meu objetivo de vida.

– Não precisa saber ainda, mas quando chegar a hora, você vai saber.

Ele sorriu, fechou os olhos e dormiu rapidamente. Me senti bem por ter o ajudado. Virei para o outro lado e dormi também.

Nunca esqueci daquele dia. Foi a primeira vez que conversamos sobre caso ele morresse. Eu não queria que isso acontecesse, mas no fundo eu sabia que a vida dele era mais curta do que o normal.

Enfim, crescemos. Estávamos com 17 anos. Quando éramos pequenos, éramos quase idênticos, que até nossa própria mãe já tinha nos confundido, mas quando crescemos, ficamos meio diferentes. Acabei ficando mais alto que ele. Nosso cabelo era da mesma cor, castanho, mas o corte era diferente, então ninguém nunca mais nos confundiu.

Estava reparando em como eu tinha mudado fisicamente enquanto me olhava no espelho. Dei um passo atrás para sair do banheiro e olhar pela janela. Vi que Kou estava no jardim. Ele estava deitado na grama, embaixo da grande árvore que tem lá, onde bate sombra.

Fui até lá e parei na frente dele.

– O que está fazendo? – perguntei

– Ah, nada. – respondeu-me ele – Só estou olhando as nuvens.

Deitei-me ao seu lado e pude ver como era lindo o céu daquele ponto.

– Eu gosto das nuvens – ele começou a falar – Vejo formas nelas. Aquela ali – ele apontou para alguma parte do céu, que não sei ao certo, já que nossa visão estava em ângulos diferentes – parece um coelho. Naquela – ele continuava apontando para pontos diferentes – eu vejo um rosto sorridente. E na outra... Vejo um avião.

Sorri ao me lembrar da minha infância. Olhei para ele e disse:

– Lembra que a gente sempre queria decoração de nuvens quando éramos pirralhos?

Ele sorriu também, ainda olhando para o céu e disse:

– Claro que lembro. Por isso eu gosto delas. É a marca da minha infância.

Ele ergueu seu braço, para tapar um pouco de luz que bateu em seus olhos. Ele começou a fazer um movimento com as mãos, como se estivesse tentando tocar as nuvens. Então, ele disse:

– Eu queria poder voar. Ir além do que a gravidade pode permitir. Quando éramos pequenos, não podíamos ir até o céu, mas trouxemos ele até nós através daquele papel de parede. – Sorri quando ele disse isso – Apenas aquilo era suficiente. Já me sentia voando. Agora... Depois de tudo o que aconteceu... Eu queria poder voar de novo.

Olhei para ele e pude ver que ele sorria de olhos fechados. Voltei a olhar para as nuvens e disse:

– Seria legal voar. Ser livre, sem nada para te impedir. Sem fronteiras.

De repente, seu sorriso de desfez de seu rosto.

– Eu tenho fronteiras – disse ele, fazendo eu me arrepender fortemente de ter dito aquilo.

Eu já ia começar a me explicar, dizendo que não foi isso que eu quis dizer, mas ele começou a falar:

– Tenho fronteiras que me impedem de voar, mas não de ser feliz. Não vou desperdiçar minha vida me lamentando de coisas que não posso fazer, e vou curtir o que posso fazer. Tenho que aproveitar minha vida já que ela tem chances de ser mais curta que a dos outros. Também tenho que achar meu objetivo de vida, antes que seja tarde de mais. E eu não vou conseguir isso se ficar reclamando.

Tive vontade de aplaudir. Kou tem uns pensamentos bem bonitos, que me fazem ter orgulho dele. Ele era uma pessoa exemplar. Já que ele sabia que sua vida era curta, sempre foi bem prático. Ele não enrolava para fazer alguma coisa e quando tinha que dizer algo, dizia, sem medo das consequências, pois talvez um dia ele não possa dizer mais.

Ele também não guardava ressentimentos de ninguém. Ele sabia que quando alguém o prejudicava, ficar com raiva era apenas drama, e que um dia ele acabaria por perdoar essa pessoa, então, ele perdoava logo. Ele nunca gostou de perder tempo, mas também não fazia tudo na pressa. Cada momento, seja bom ou ruim, ele aproveitava, como se fosse o último de sua vida, pois, talvez fosse.

Quando a mim? Virei um mandão. Kou, apesar de ter a doença, continuava sendo uma pessoa normal e se expondo a riscos. Até mesmo andar na rua era um risco para ele. Eu sempre estive ao seu lado para protegê-lo, chegando a ficar até meio paranóico. O meu maior medo era perdê-lo, então assumi o papel de responsável, para que ele mesmo não acabasse se machucando.

Eu não o defendia somente dele mesmo, mas dos outros também. Se alguém ameaçasse bater nele, eu ameaçava matar, mesmo se a pessoa não soubesse da doença. Eu era super protetor de mais.

Apesar de às vezes eu brigar com ele, e não deixá-lo fazer as coisas, ele apenas me abraçava e me agradecia. Ele dizia que sabia que o que eu estava fazendo era apenas para protegê-lo, e que era grato a isso. É, ele sempre me surpreendeu.

Comecei a relembrar do dia mais trágico da minha vida. Nosso aniversário de 18 anos estava chegando, então pensei em um presente perfeito. Eu já havia trabalhado nele escondido há um tempo. Faltava apenas um pequeno detalhe para terminar, então, saí para comprar.

Era noite. Eu ia andando pela rua deserta segurando a mochila em um ombro. Aquela rua me dava medo. Era repleta de casas abandonadas e era silenciosa. Local perfeito para bandidos.

Estava tudo bem até eu ver Kou. O que ele estava fazendo lá? Chamei seu nome, mas ele não me ouviu, já que devia estar a uns 30 metros de distância. Ele estava concentrado olhando pela janela de uma casa abandonada.

Antes que eu chamasse-o de novo, ele simplesmente entrou na casa. Sem entender, fui andando até lá para descobrir o que estava acontecendo.

Eu ia entrando na casa, quando saiu de lá de dentro uma garotinha chorando. Ela parecia ter uns 10 anos e estava desesperada.

Ela correu rua a fora sem nem notar que eu estava ali. Isso só me fez ficar mais preocupado. Coisa boa é que não estava acontecendo. Entrei na casa e olhei em volta. Tudo vazio.

– Vamos embora antes que a polícia apareça! – uma voz ecoou pela casa vazia.

Estava escuro, provavelmente porque a casa não tinha energia elétrica. Eu não estava enxergando bem, mas pude ver quatro homens saírem da casa correndo.

Eles me perceberam lá, mas não fizeram nada. Fiquei assustado. Onde estava Kou?

Comecei a gritar seu nome, mas ninguém respondia. Fui olhando em cada cômodo, procurando-o, até que o encontrei em um quarto vazio, jogado no chão e todo ferido.

– KOU!!! – gritei enquanto me abaixava perto dele – Ah meu Deus! O que aconteceu???

Ele tossiu, cuspindo um pouco de sangue e disse com a voz meio falha:

– A garotinha... E-eles iam estuprá-la e depois matá-la. F-fui impedir e eles me espancaram.

Me desesperei. Seu corpo era frágil, qualquer batida poderia ser fatal. Senti meu sangue fervendo e o ódio dominando meu corpo.

– Vou atrás deles – me levantei disposto a matar todos aqueles que machucaram meu irmão.

– Não! – ele segurou minha mão, me impedindo de levantar – Fique aqui comigo. Eu não tenho muito tempo.

Um peso enorme apertou meu coração.

– Não é verdade! – me recusei a aceitar aquilo, sentindo uma lágrima escorrer em meus olhos – Eu vou chamar uma ambulância.

Eu já ia me levantando novamente, para pegar meu celular que tinha ficado na mochila, que joguei no chão quando fui o socorrer, mas ele me impediu de novo:

– Não precisa. Não vai fazer diferença. Eu estou sangrando por dentro, não tenho chances...

– Não! Não diga isso! Por favor, aguente – me deitei no chão, o abracei e desabei.

– Está tudo bem – disse ele, com a voz cada vez mais fraca.

– Pare de se esforçar para falar. – consegui dizer no meio das lágrimas

– Mas eu tenho que falar. Não terei outra chance.

Tentei conter as lágrimas e deixei-o falar:

– Lembra que você me disse que a gente só morre depois de cumprir nosso objetivo de vida? Então, eu cumpri o meu.

Me afastei do abraço para ver seu rosto. Ele então continuou:

– Você também me disse, que quando eu cumprisse, eu saberia que era esse meu destino. E o meu, era salvar alguém. Aquela garotinha poderá continuar viva. Eu queria salvar alguém, assim como você me salvou.

Olhei para ele sem entender, então ele explicou:

– Quando eu peguei essa doença, eu achei que seria a pessoa mais infeliz do mundo, mas você estava comigo, ao meu lado, para me fazer feliz, não importava o que acontecesse. Queria poder fazer o bem a alguém, assim como você fez para mim. E eu consegui. Minha vida não foi em vão. O mundo não precisa mais de mim.

Comecei a desabar novamente:

– Não é verdade! Eu preciso de você! – o abracei com força – Por favor, não me deixe, por favor!

– Eu não vou te deixar – ele deitou a cabeça em meu peito – e você não vai viver sem mim. Você pode não me ver, mas eu estarei sempre ao seu lado – seus olhos se encheram de água – Eu vou ser seu anjo da guarda, assim como você sempre foi o meu. E sempre te protegerei. Eu vou estar nas nuvens para te guiar.

Quando ele disse nuvens, me lembrei do presente. Saí do abraço cuidadosamente e fui até minha mochila.

– Aonde você vai? – perguntou ele, quase sem voz

– Quero te mostrar uma coisa – disse eu, enquanto procurava o presente na mochila.

Achei e o tirei da mochila, junto com as pilhas que tinha acabado de comprar. Coloquei o objeto no chão o liguei.

Era uma luminária, onde uma lanterna ficava dentro de um cilindro. A parede do cilindro era feito de um papel azul que transparecia a luz. No papel, foram recortados pedaços em forma de nuvens.

Ele pareceu maravilhado ao ver o quarto, antes vazio, todo azul e com nuvens que rodeavam as paredes e o teto. As nuvens se mexiam graças ao cilindro que girava movido a pilha.

– Eu mesmo que fiz – comecei a falar, depois de me deitar ao seu lado novamente e o abraçar – Eu pretendia te mostrar no nosso aniversário, mas, pelo visto, não vou ter outra chance – contive as lágrimas – Você disse que sentia falta da decoração de nuvens, então, bolei um jeito de trazer o céu até você de novo, já que você não podia ir até ele. Com essa luminária, qualquer lugar poderia ser decorado com nuvens, e todas as noites seriam dias. Não haveria escuridão.

Seus olhos brilhavam encantados, e vi um sorriso brotar em seu rosto. Respirei fundo e continuei, enquanto acariciava seus cabelos:

– Queria te mostrar no nosso aniversário de 18, pois isso representa que estamos nos tornando maiores de idade, independentes e livres. Poderíamos voar, mas jamais nos esqueceríamos de quem nós somos, da nossa infância, e um do outro. É isso que essas nuvens representam para mim.

Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Ele deitou a testa em meu peito novamente e eu o abracei mais forte. Sorrindo, ele disse:

– Dizem que quando estamos prestes a morrer vemos nossa vida passando na nossa frente. Eu estou vendo agora. Não no sentido “místico”, mas eu vejo essas nuvens, e elas representam minha vida. Essas nuvens me lembram de você, e minha vida toda foi com você, que sempre esteve ao meu lado. É minha vez de retribuir. Obrigado por tudo.

E com isso, ele foi fechando os olhos, bem devagar, ainda sorrindo. Comecei a me desesperar:

– Kou! Não! Não me deixe, por favor – voltei a soluçar

– Eu já disse que não vou te deixar – ele disse, sem abrir os olhos – Vou estar com você para sempre. Está tudo bem, eu vou ficar bem. É o ciclo da vida, as pessoas morrem e vão para o céu, assim como o ciclo da água, que evapora e se torna nuvens.

Lágrimas escorreram de nossos olhos quase ao mesmo tempo. Ele limpou meu rosto com o polegar e disse:

– Eu te amo, Nii-san.

– Também te amo – respondi enquanto segurava sua mão que tocava meu rosto.

– Fala para a mamãe que também a amo.

Fiz que sim com a cabeça e o abracei forte. Uma última lágrima escorreu de seu rosto. Como seu corpo estava colado ao meu, pude sentir seu coração dar uma forte pulsada e depois parar.

Tive a impressão de sentir o meu coração parar junto com o dele. Nem sei descrever o que senti, só sei que foi uma dor tão grande que me impedia de respirar. Eu queria gritar, mas não conseguia. Só conseguia chorar, e muito.

Fiquei ali, deitado no chão, abraçado com o corpo dele, olhando para as nuvens que preenchiam o quarto, e relembrando nossos momentos juntos.

Lembrei de quando éramos crianças e vivíamos brincando, de quando éramos pré-adolescentes e passamos por um momento difícil juntos, de quando éramos adolescentes e ríamos de tudo. Queria poder me lembrar da fase adulta com ele, mas não será possível.

Nem sei por quanto tempo fiquei lá, mas só soltei seu corpo quando consegui parar de chorar.

Resolvi ligar para minha mãe, mas assim que ela atendeu caí em prantos de novo. Nem consegui explicar nitidamente o que estava acontecendo, mas ela entendeu e veio o mais rápido que pôde, trazendo policiais e ambulâncias.

Kou foi levado para o hospital, mas ele já estava morto. Como ele mesmo tinha dito, não adiantaria nada.

Minha mãe sofreu muito. Foi um clima pesado em casa por alguns dias, mas aos poucos tudo foi se resolvendo.

E aqui estou eu, deitado embaixo da árvore do jardim, da nossa árvore, olhando para as nossas nuvens, relembrando toda a minha vida.

Os agressores do meu irmão foram presos, mas eu não guardei ressentimentos deles, assim como Kou faria.

Já que ele prometeu me guiar, eu também prometi segui-lo e ser uma pessoa boa, assim como ele foi.

Ele estava sempre sorrindo. Não importava se o momento era ruim, ele sempre via o lado positivo. Mesmo na dor, ele sorria. Até mesmo morrendo ele sorriu, e quero seguir esse exemplo.

Eu tenho uma longa vida pela frente e quero aproveitá-la sorrindo, sem tristeza. Não tenho que ficar lamentando a perda dele, porque eu não o perdi. Ele está comigo, posso sentir.

Suspirei e olhei para as nuvens novamente. Comecei a imaginar formas nelas e vi algo que me surpreendeu. A nuvem tinha a forma do rosto dele. A forma perfeita do rosto dele.

Ergui meu braço, assim como ele fazia, e tentei tocar a nuvem. Fingi estar acariciando seu rosto com as costas dos dedos.

Ele sonhava em tocar as nuvens, ir até o céu, e agora pode. Pena que não poderei vê-lo, mas sei que ele pode me ver.

Vi que a nuvem que parecia o rosto dele se desfez, e bem atrás dela, estava o sol, brilhando forte, como sempre.

Sorri enquanto uma lágrima escorria de meu rosto ao entender o significado daquilo. Aquilo mostrava que meu irmão estava lá, abrindo barreiras para me guiar à luz. O céu azul é minha vida, as nuvens são os acontecimentos, e o sol é meu destino.

Meu destino? Meu objetivo de vida? Claro que será por ele, assim como o dele foi por mim. Algumas pessoas usam a vida para vingar a morte de alguém, mas eu usarei a minha para honrar a vida dele. Por isso, pretendo me tornar médico, para poder salvar pessoas. Assim, elas terão mais tempo de vida para realizar seus sonhos, como ele queria realizar.

Quando comecei a contar essa história, eu disse que não sabia por que sempre fui obcecado por nuvens, mas agora eu sei.

Eu as amo, porque elas me lembram dele. As nuvens não marcaram apenas sua infância, mas a vida toda e a morte também.

Eu jamais vou esquecê-lo. É infinito, nossa amizade é infinita, assim como o ciclo da água, que cai, congela, derrete e evapora, formando as nuvens.

Ah, minhas amadas nuvens.

Ah, meu amado irmão.

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Notas finais do capítulo

Sério, modéstia a parte, se você não ficou nem um pouco, nem que seja só um pouquinho comovido com essa história, meus parabéns, pode se considerar coração de pedra. Não estou dizendo que precisava dar um escândalo (tipo minha irmã quando leu rsrs), mas que pelo menos tenha achado bonito.
Eu nunca fui de me gabar das minhas histórias. Na verdade, eu sempre digo que elas são uma merda, mas essa, eu mesma chorei enquanto escrevia.
Eu achei que é uma história comovente e com lição de vida. Se você gostou, comente por favor, e obrigada por ler