Lágrimas Do Tridente escrita por Icaro Pratti


Capítulo 2
Capítulo 2 - Tormentas


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, talvez não tenham gostado tanto do primeiro capítulo... estou me esforçando para tentar agradar vocês ;3 Espero que gostem do capítulo! :)



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Tento processar as palavras que saíram dos lábios de Maggs, não pode ser verdade. Tento canalizar minhas forças para me levantar e gritar, me entregar no lugar dela. Olho para Maggs e ela acena com a mão. “Não faça nada”, ela diz com os lábios. Como não fazer nada? Quero gritar, Panem tem que escutar. Ela não, menos ela.



Aperto com força os braços da cadeira que estou sentado, não consegui digerir as palavras ainda. Não pode ser verdade, não consigo levantar meus olhos para ela, é uma dor excruciante só de pensar que ela, logo ela, estará naquela arena.



Nesta noite, um convite está sendo feito ao Senhor, não pode deixar que nada de errado aconteça, um convite especial da capital para o grande vitorioso, o vitorioso mais privilegiado e mais amado da capital. Compareça amanhã sem falta à festa acompanhada de Mrs. McLean, não tenho dúvidas de que causará surpresa a todos.

Pegar um trem e partir para a capital, é o que eu deveria fazer. Todas as minhas roupas arrumadas, o trem localizado na estação às oito horas da manhã em ponto, três horas de viagem até a capital e uma festa de virar a noite. Estar acompanhado de uma extravagante senhora da capital com no mínimo quinhentos enfeites rosas e tridentes pendurados em suas jóias, modinha na capital nos últimos quatro anos. A vida que Finnick Odair não escolheu, essa é a vida que a capital lhe ofereceu.

Roupas oferecidas pela capital, tratamento pela capital, vida pela capital, poderiam respirar por mim. Levanto cedo e sei que tudo está pronto, só preciso ir até a estação. Duas batidas na porta. Pacificadores, é claro. Levanto e olho pela janela, o dia está lindo e a aldeia dos vitoriosos está com mais vida do que nunca, vários começaram a enfeitar suas casas, a colheita estava próxima e afinal, impressionar as câmeras estava acima de tudo. Qualquer entrevista casual, qualquer imprevisão, tudo deveria estar perfeito.



Levanto e caminho até a porta, abro-a e, certamente, dois pacificadores ficam na porta à espera da minha saída. Antes deixo um papel sobre a bancada, onde está escrito: “Te amo, volto logo. Finn”. Espero que Maggs entregue a ela. Levanto com uma pequena mala em mãos e o terno sob os ombros e me direciono ao carro que me espera próximo ao portão da aldeia dos vitoriosos.






Entro no carro e ele logo começa a se movimentar ao longo da avenida que fica de frente para o mar. Barcos, pescadores, redes, pequenas lojas, decks de madeira, o Distrito 4. Passo meus olhos pelo ar e é possível ver refletir os pássaros nas ondas azuis que desmancham na areia, o inconfundível aroma e o barulho. As janelas levantam e não é possível ouvir mais nada, sentir mais nada, apenas plástico, pano e tecnologias me cercam.
Quinze minutos e chegamos à estação. Faltam dez minutos para as oito, mas o trem já está lá. Atrasos jamais são tolerados na Capital. Decido entrar logo no trem, procurar a cabine que provavelmente destinaram para mim. Corredores, corredores, cômodos de luxo, cabines, quadros, poltronas, lareiras, grandes janelas de vidro, lustres e nenhum movimento sequer dentro do trem. Enquanto vivem do luxo, vangloriam morte de tributos.
Paro em frente uma porta, um enorme tridente está exposto e na fivela um pequeno barco, certamente, minha cabine. Passo os olhos e posso observar no topo meu nome. Abro a porta e, como sempre, uma cama, roupas limpas e comida dos mais variados tipos sob uma bandeja. Entro, sento na cama, começo a comer uns pães e logo uma Avox entra na sala.


– Não, não preciso de nada, obrigado – digo tentando falar o menos possível.

Desde os meus jogos, a sensação de passar um minuto com qualquer Avox da Capital me dá angústia e vontade de vomitar. Como podem fazer isso? Tirar a capacidade de uma pessoa de falar, de demonstrar quem ela é. Não tem direito ao perdão, não tem direito de tentar continuar a viver. Não tem mais com quem falar, com quem conviver, seus objetivos são servir as regalias da gloriosa capital.

– Que maleta bonita Finnick – ela diz suavemente.

– Presente especial da Maggs – digo sorrindo.

– Ela tem bom gosto – diz completando um sorriso tímido.

Apenas a mala está ali, vazia. Annie não está ali. Hoje, deveria estar com ela, seu aniversário de dezessete anos, qualquer presente enviado não seria conveniente uma vez que sua presença não estivesse junto. Um buquê de flores. Vê-la sorrindo pegando o anel que certifiquei que estaria no caule da tulipa em meio às rosas. Não era para estar aqui, era para estar ao lado dela.

Levanto-me, começo a admirar a vista do mar que cerca todo distrito. A estação está lotada e em poucos minutos vejo uma movimentação de pessoas em frente ao trem. Poucos são os que têm direito de visitar a Capital, quando muitos são os que precisam visitá-la, encontrar remédios, médicos e todos os tipos de aparelhagem que possam salvar a vida de alguém. A escolha fica por esperar a morte, nos casos mais drásticos.

A janela é suficiente para fazer com que a brisa do mar entre por ela e o seu cheiro, inconfundível, também. Começo a escutar o barulho das rodas, o trem começara a se mover. Logo atingiria uma velocidade extraordinária. Finnick definitivamente não comparecerá a este evento da Capital. Pelo menos um tem como ser explicado, estava doente, ou algo do tipo. Lanço minha roupa e minha maleta pela janela e logo depois me atiro à restinga que se mantém com uma largura de 20 metros antes da areia lisa da praia. A queda é dolorosa, mas não muito, uma vez que o trem ainda não adquirira tanta velocidade. Mantenho meu rosto virado para o chão de modo que não me reconheçam aqui caído, é a minha única esperança, afinal, qualquer suspeita e eu não existo mais.

Somente depois de o trem sumir de vista através da longa curva afastando-se da praia é que tomo atitude para me levantar. Vou até a areia da praia, retiro meus sapatos e coloco dentro da maleta. Caminhar na areia me traz a satisfação na minha casa, os ventos batendo em seu rosto e as ondas se desfazendo próximas aos seus pés. A casa de Annie não é muito longe, próxima ao primeiro deck de madeira, uma palafita muito organizada e com várias redes dispostas sobre os guarda-corpos da pequena varanda que cerca a casa.

Vinte minutos de caminhada e consigo vê-la sentada na pedra próxima à sua casa, pedra que marcou uma de nossas primeiras brigas, nossos primeiros encontros, nossas primeiras conversas. Aproximo-me dela sem tentar fazer barulho. Detesta que a atrapalhem enquanto costura redes que sua família vende em casa e no mercado local. Vou sorrateiramente aproximando-me dela pelas costas. Levo minhas mãos em seus olhos, ela leva suas mãos aos encontros das minhas e faz um carinho.

– Finn, sabe que odeio quando me atra.. – interrompo-a com um beijo.

Aquela mesma sensação de anos atrás, nosso primeiro beijo, primeiro beijo de ambos. Juntos em todas as experiências, um caloroso momento interrompido por um barulho vindo da varanda de sua casa. Seu pai, um homem forte, não muito velho e com cabelos grandes, assim como meu pai.

– Desculpe senhor – digo tentando ser convincente.

Virando as costas sem dizer qualquer outra coisa, entra de volta em sua casa. Volto meu olhar para Annie e juntos damos uma risada. Seguro seu queixo com uma das mãos, é inegável.

– Te amo, sempre – digo olhando em seus olhos e beijando-a.

Foi assim toda a tarde. Montei uma fogueira, fiquei olhando-a montar a rede, ou pelo menos parecia uma. Corremos pelas ondas, tomamos banho de mar, ficamos ali, juntos na tarde de seu aniversário. Por volta das cinco horas da tarde, o floricultor da cidade chegou com um buquê e o entregou direto em seus braços. Minha ação foi abaixar a cabeça e colocar os braços para trás do corpo, numa atitude tímida de tentar convencê-la de que foi na melhor das intenções. Levanto o olhar para ela e percebo que a tulipa está em suas mãos. Sua flor favorita. Ela pega a tulipa e logo a cheira.

– Cheiro de Finnick, sabia? – diz rindo para mim.

Não consigo evitar a risada.

– Me certifiquei de que meu perfume seria borrifado em todas elas.

Ela se aproxima de mim com o buquê na mão esquerda e a tulipa na mão direita e me dá um beijo ali, sem qualquer apoio de seus braços. Ela confiava em mim, sabia que poderia se jogar para mim sem ter seus braços como apoio. Faria de tudo para ajudá-la. Ela para o beijo e começa a colocar a tulipa novamente no buquê de flores quando o anel, que ela não havia percebido, escorrega pelo caule da flor direto na palma de sua mão. Admirado, o adjetivo certo para se usar. Vê-la olhando aquele anel, prata com uma enorme pérola no centro, era um anel lindo, assim como ela.

Coloco minha mão sobre a dela e sinto o quão está tremendo. Pego o anel nas pontas dos dedos e começo a colocar em seu dedo, dedos finos e pequenos, assim como ela é por inteiro, uma menina pequena e frágil com um imenso coração e espírito forte, talvez seu espírito forte junto com minha astúcia bateram de frente e estamos juntos, aqui, neste momento.

– Feliz aniversário – digo com um sussurro em seus ouvidos.

Ela se vira com o buquê ainda em mãos e segura em torno do meu pescoço, como se fosse se pendurar e não diz nada, apenas me abraça. Um abraço de amor, um abraço de carinho, um abraço de amizade, um abraço de confiança. Estávamos ali, parados, perto da pedra ao qual a encontrei cedo, sentindo o calor dos seus braços. Uma onda desmancha em nossos pés, voltando-nos para a realidade. O pôr do sol começa a se fazer em uma troca de cores laranja e amarela, o reflexo no mar e as aves voando naquela linda visão. Uma cena de amor, romance e que ficará para sempre em nossas vidas.

Sentamos, à luz da fogueira com alguns amigos e seus familiares, grelhamos alguns peixes e cantamos parabéns com um pequeno bolo comprado na padaria da cidade. Não era o suficiente para todos, não devíamos prestar ao luxo de um grande bolo devido aos preços superfaturados dos produtos, mesmo sendo fabricados no distrito. Não poderia oferecer meu dinheiro, perderia toda a luz do dia, além de arrumar uma grande briga com o pai de Annie, o que jamais queria novamente como ocorreu quando ele viu um de nossos primeiros beijos.

A noite foi chegando e era hora de todos partirem, aos poucos todos foram procurando rumo de suas casas e os pais de Annie foram os últimos a sair, deixando-nos um pequeno tempo juntos. Sem dizer qualquer coisa, beijo-a e seguro em suas mãos. Interrompo o beijo e acaricio a parte superior e chego ao anel.

– Juntos? – pergunto.

– Sempre. Ela responde.

Pego minhas coisas e volto minha caminhada até a minha casa, o sorriso está feito em meu rosto e não há como desvencilhar-me deste momento, tudo irá se repetir mais vezes e cada vez será melhor. Eu a amo, nós nos amamos. Qualquer atitude, qualquer mentira, qualquer coisa, nada vai nos separar, somos eternos, estamos juntos.

Depois de uma longa caminhada começo a sentir umas bolhas nos meus pés. Caminho até o mar, molho-o e vejo que uma pequena bolha se abriu e outras irão fazer o mesmo. Caminho o mais rápido que posso usando os calcanhares para tentar apoiar e em questão de vinte minutos estou na frente da Aldeia dos Vitoriosos. Consigo avistar minha casa, a sexta pela esquerda. A luz da sala está acesa. Terei Maggs como companhia nesta noite, não poderia ter nada melhor. Chego próximo a porta, bato os pés, rodo a chave e entro.

– Maggs? – pergunto, entrando em casa.

Não há qualquer som de resposta, passo pela sala e vou até o escritório que fica na primeira porta depois da sala. Abro a porta.

– Maggs, está aí? – digo estendendo os braços até o interruptor.

Acender a luz trouxe à tona a pessoa que menos esperava ver esta noite. Seus lábios como de serpente, seus olhos negros como o de uma cobra, seus cabelos brancos como neve. Snow, era ele em carne e osso na minha frente, sentado na escrivaninha que geralmente é ocupada por Maggs.

– Algum problema, senhor Finnick? – diz olhando em meus olhos. – Divertiu-se bastante, não foi?

As palavras me cortam pior do que se várias facas houvessem atingido o meu corpo. Era para ele estar na Capital, curtindo a festa com a tal Mc alguma coisa, uma das madames rosadas na gloriosa capital.

– Pensei que qualquer convite da Capital fosse irrecusável, meu caro. Essa falha foi a quarta dos últimos dois anos, há algumas dívidas pendentes com minhas determinações– diz juntando as mãos e apoiando-as sobre a escrivaninha e depois apoiando seus queixos.

Não tenho nenhum movimento a não ser de enxugar o suor que escorre pela minha testa. Não há qualquer palavra que possa ser dita.

– Vamos, diga algo. Preferia que ela falasse por você? Qual o nome dela mesmo? Annie, Annie Cresta.
As palavras saem da boca dele pior que qualquer ataque pelas costas, usar o nome de Annie para me forçar a qualquer atitude. Usar o amor da minha vida para tirar algo de mim.

– O que ela tem haver com... com isso? – pergunto nervoso.

– Nada, meu caro vitorioso, apenas passou pela minha cabeça que recusar convites da Capital tem seus preços, pensei que já deveria saber disso – diz jogando vários papéis na mesa. – Chegou para o senhor, abra-os – diz indicando os papéis.

Aproximo-me da mesa e posso sentir o cheiro horrível que sai dos seus lábios enquanto fala. Cheiro de sangue, cheiro de veneno, cheiro de gente que não presta, cheiro de gente que nunca quis conhecer. Abro o primeiro envelope e despejo o conteúdo sobre a mesa. Fotos: Annie, seus pais, sua família. A festa de hoje, nossa tarde na pedra, nosso beijo, o buquê. Várias fotos, fotos novas, fotos antigas. Por último cai a ficha técnica de Annie, todos os seus dados. Meus pensamentos voam às fotografias. Agora sim, considero-me submisso a Capital, não há o que fazer. Eles sabem de Annie e podem fazer o que quiserem com ela. Sou manipulado, sou um bestante da capital.

– Finnick? Finnick? – diz o prefeito, sacudindo meu braço.

Só então volto meu olhar para Maggs, que está caminhando com os dois tributos para a grande porta do Edifício da Justiça. Levanto acompanhado do prefeito em direção à porta, êxito logo na entrada. Os tributos são encaminhados para duas salas onde receberão a visita de seus parentes mais próximos, três no total, um minuto e meio para cada um.

Os pais de Annie entram e posso ler os lábios de seus pais em minha direção.

“Você é o culpado disso Finnick Odair”.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima, o capítulo três já está pronto.. só estou revisando-o! :)
Espero que gostem.. está sendo uma aventura diferente "escrever" uma história ao invés de ler.