Uma Vez Mais escrita por AnaMM


Capítulo 40
Momentos


Notas iniciais do capítulo

Chegou! Imaginei mais forte, mas vocês dirão se ficou bom. Enfim, os capítulos seguintes estão imperdíveis.

https://www.youtube.com/watch?v=NMPm8BTy1JQ - trilha final



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– Lorenzo, onde ele vai dormir? Acho que o sofá não é uma boa ideia nessas condições. – Marcela perguntou ao ver o namorado chegar à sala com o ex-genro.

– Eu pensei em botar o Gil no sofá e o Dinho na cama dele, por que?

– Meu amor, se você acordar o Gil a essa hora pra isso, daí sim que ele não vai querer! – A professora riu. – O Gil já tá meio assim com essa doença do Dinho, eles já têm uma implicância, e você ainda acorda ele no meio da noite pra ir pro sofá?

– Você tem razão. – O médico murmurou sem jeito. – Mas então o que a gente faz?

– Tem a minha cama. – Lia comentou ainda mexida.

– Não! – Lorenzo interrompeu.

– Mas pai, ele não pode dormir no-

– Não!

– Eu durmo no sofá! – Sorriu inocentemente para o pai.

– Ah, marrentinha, mas sem você a cama não tem graça! – Dinho protestou, fazendo a ex-namorada e Marcela rirem e o rosto de Lorenzo corar de raiva.

– Nem pensem nisso!

Com aparência sonolenta, Gil apareceu na porta de seu quarto.

– Que gritaria é essa, hein? E o que esse idiota tá fazendo aqui?

– Oi, Gil, boa noite pra você também. – Dinho zombou.

– Gil, você dormiria no sofá por uns dias? – Lorenzo indagou, chamando a atenção de Marcela.

– Por?

– Porque o Dinho vai ficar aqui e o sofá é muito desconfortável pra ele. – O médico respondeu sem jeito.

– Nem pensar! Tchau pra vocês. – O grafiteiro se retirou irritado, voltando a dormir.

Ao som da porta batendo, Lia recomeçou.

– Pai, eu durmo na sala, qual o problema do Dinho dormir na minha cama?

– Qual o problema? Sabe-se lá o que esse pervertido vai fazer no seu lençol e no seu travesseiro!

– Lorenzo! – Marcela exclamou chocada.

– O Dinho não vai fazer nada disso, né, Dinho? – Lia perguntou angustiada, com medo que o ex brincasse com o assunto e piorasse a situação. – Você vai se comportar. É só uma noite, depois a gente fala de novo com o Gil.

– Eu vou me comportar, Lorenzo. Eu não sou nenhum maníaco sexual, não, por mais que a sua filha me tire do sério. – Dinho riu.

– Sejam rápidos nessa troca, não quero vocês no mesmo quarto por muito tempo. – Lorenzo ordenou. – Eu vou ficar aqui na sala esperando até que a Lia se acomode no sofá. Eu vou estar de olho?

– Lorenzo, sinceramente, o que você acha que eles vão poder fazer com o Dinho nesse estado? O máximo que pode acontecer é rolarem uns beijinhos.

Vendo o estado alterado do namorado, a professora resolveu se retirar antes que falasse algo que o deixasse ainda mais desconfiado, a julgar pela expressão de Lorenzo ao ouvir sobre os tais “beijinhos”. Dinho pegou sua mochila e seguiu Lia para o quarto. Fecharam a porta por um instante, para a agonia do médico.

– Eu vou só pegar as minhas coisas, você pode ir se acomodando. – Lia apontou para a cama.

– Eu tenho boas lembranças desse quarto... – Adriano sorriu pensativo.

– E eu estou voltando pra sala. – A roqueira anunciou sem jeito, sendo impedida por Dinho a caminho da porta.

Adriano a segurou pelo braço e a puxou para si. Ensaiou uma aproximação com o rosto, seus lábios quase roçando contra os de Lia antes de ser levemente empurrado pela ex. A respiração de ambos, no entanto, ainda se confundia.

– Obrigado.

– Por?

– Tudo. Pela cama, por estar do meu lado, por existir... – Dinho aproximou o rosto novamente, levando a mão a uma mecha de Lia. – Rosa... Ainda não me acostumei. – Riu.

– As pessoas mudam.

– Entendi. – Dinho respondeu com a voz trêmula, temia que a ex citasse Vitor.

– Você também mudou.

– Pra melhor ou pra pior? – Sorriu nervoso.

Lia sorriu de volta e levou a mão à testa de Dinho, passando-a pela lateral dos fios raspados do ex. Com um beijo no canto da boca do ex, despediu-se, deixando-o confuso. A porta se fechou atrás da roqueira, e Dinho levou os dedos ao local onde os lábios de Lia haviam tocado.

Observou o local a sua volta. Era bem diferente do antigo quarto. Fotos antigas e novas se confundiam, mostrando a Adriano alguns momentos que havia perdido. O mural era traiçoeiro, mostrando tanto imagens de uma Lia que lembrava bem quanto do grupo agora formado por Lia, Ju, Gil e... Vitor. Tinha resistência em ver fotos onde estivesse o motoqueiro. Lia parecia feliz ao seu lado, embora lhe faltasse a vivacidade de antes. Fotos e mais fotos... Olhava uma por uma tentando entender a nova Lia, com suas mechas rosa e maquiagem acentuada no rosto. Era feliz? Era mas feliz assim ou antes? Queria respostas, queria desesperadamente saber que Lia não sentia por Vitor algo tão forte, que jamais sorrira com o namorado como sorrira com Dinho... E chegava à conclusão de que era absurdamente egoísta. Tinha pouco tempo restante, devia torcer para que a garota que amasse fosse tão feliz com outro quanto fora com ele. Não queria que Lia sofresse, preferia perdê-la a vê-la infeliz. Ainda assim, tremia com o pensamento de que outros braços a consolariam.

Fotos antigas, fotos de um tempo que nenhuma tempestade em alto mar havia apagado de sua memória. Sorriu ao ver registros de quando eram mais novos. Mal sabia que a marrentinha com a qual implicava seria o grande amor de sua vida. Ou talvez soubesse... Talvez soubesse desde o primeiro dia. Fotos de todos reunidos. Sorria tanto... Tinha o mundo a seus pés. Doía-lhe a inocência dos anos que agora lhe pareciam tão distantes. O Dinho que havia perdido... Os amigos que em breve perderia. Amava cada um a seu jeito. Havia voltado por Lia, pelo tratamento, mas também por Fatinha, por Orelha, por Pilha, por Fera... Cada um era especial a seu modo.

Certos objetos do quarto lhe traziam lembranças do namoro. Dolorosas lembranças que jamais voltariam a se concretizar. Um despertador, uma cômoda, uma guitarra, mais algumas fotos. A cama... O armário contra o qual... Aproximou-se do móvel. Abriu-o, curioso. Era agora parte de suas melhores lembranças, precisava passar os olhos rapidamente pelo que guardava. Uma lágrima percorreu seu rosto ao ver certas roupas das quais lembrava no corpo da ex-namorada. A antiga Lia permanecia intacta dentro de seu armário. Um pouco acima dos cabides, uma caixa familiar. Talvez ainda estivesse recheada das mesmas lembranças... Talvez Vitor o tivesse substituído até mesmo na caixa. Temia descobrir. Olhou mais uma vez para a antiga flanela roxa... Beijos à frente do colégio, sorrisos, apitos. Viu uma corda caída para fora da caixa. O apito que haviam roubado de Robson, símbolo dos primeiros dias de namoro.

Abriu a caixa. Uma redação, bilhetes, a maioria de suas fotos, anotações sobre países que conheceriam juntos, a faixa de Dinho da festa à fantasia, um slackline, cartazes, o laser de Tatá, bilhetes de pedalinho. Dias de felicidade plena com a garota que amava que dificilmente voltariam. Como pôde ser tão idiota? Como pôde deixá-la ir? Lia era sua vida, seu rumo, seu horizonte e porto seguro. Como pôde se deixar levar por uma argentina que sequer lhe interessava o suficiente? Devia ter ficado, apoiado a namorada em seu pior momento. Era um imbecil, talvez merecesse todo o sofrimento que o atingia. Talvez partindo, Lia parasse de sofrer, não o contrário. Talvez por fim a libertasse de ser constantemente enganada por um moleque que não a merecia.

Esboços de uma música. Lia o amava tanto... Se ao menos pudesse provar que sentia o mesmo, que Valentina nenhuma jamais havia abalado seu amor pela namorada... Que amava a roqueira e não lhe importava o que os outros pensavam. Que tampouco era bom em confessar o que sentia, ou pior, em sentir algo tão forte, mas que não existia sem a roqueira. Não conseguia imaginar uma vida sem Lia. Nesses momentos, não tinha tanto medo de morrer. Uma vida sem Lia era morte como qualquer outra, real ou figurativa. As fotos que haviam decorado seu aniversário completavam a caixa. Havia sido feliz, muito feliz. Lágrimas mancharam papéis, fazendo com que o aventureiro fechasse suas lembranças rapidamente, antes que as apagasse. Passou a mão pelo rosto, libertando mais lágrimas ao invés de pará-las.

Por que justo ele? Por que justo agora? Estavam bem, estavam se acertando. Não podia morrer, não naquele momento. Morte... A palavra por fim pesou em sua consciência. Era tão final, irreversível. Seus temores voltaram à tona. Não estava preparado. Era um adolescente de 18 anos com uma vida pela frente, recém se reconciliava com Lia, recém reencontrava seus amigos... Tinha uma irmã a caminho e um caçula que sofreria muito sua perda. Tinha seus pais, e até mesmo Lorenzo, a quem havia se apegado nos últimos dias. Deus, talvez até de Gil sentisse falta. Riu lembrando-se de suas implicâncias. Daria tudo por ficar, por poder incomodar o grafiteiro por bons oitenta anos. Tinha uma vida inteira pela frente da qual não queria abrir mão. Tinha que rir de Orelha se um dia o nerd se casasse com Morgana. Tinha que ser padrinho de Fatinha, acompanhá-la sendo mãe. Implicar com Bruno diariamente, ver Pilha se tornar um astro do funk, ver Ju fazendo sucesso com seu próprio programa de moda na televisão e tendo o casamento de seus sonhos, mesmo que fosse com Gil. Precisava ver Bárbara enfim mantendo um relacionamento sério duradouro, aconselhar seu irmão caçula pela adolescência, ver Fera se formar em uma faculdade. Rita seria diplomata um dia, tinha certeza. E Lia. Queria vê-la, apenas vê-la. Não importasse seu rumo, fosse uma cantora de rock famosa ou uma médica como os pais, precisava simplesmente saber que Lia estava bem, feliz. Não queria perdê-los, nem perder um segundo de suas vidas. Queria poder vê-los crescer e se sentir orgulhoso de tê-los conhecido ainda adolescentes, defendendo um vigarista que os havia ensinado mais que qualquer outro professor.

A vida era muito rica para que a pudesse deixar tão cedo. Precisava conhecer cada canto do mundo, cada cultura. Queria levar a ex-namorada em uma viagem de barco como por tanto tempo havia prometido. Queria vê-la vencer seus traumas, entender-se com Raquel. Raquel era um grande mulher. Estava a cada dia mais impressionado com a mãe de Lia, esperava que a ex a compreendesse, que mãe e filha se acertassem. Vitor não sabia o quanto Lia havia chorado, não havia acompanhado seu passado. Não podia deixá-la com um motoqueiro que mal a conhecia.

Seus planos e sonhos atormentavam sua cabeça, vozes do passado ecoando em sua mente. A fala de Raquel. Tinha pouco tempo, era tudo ou nada. Estava na hora. Toda a vida que não havia planejado para que pudesse aproveitar cada segundo se esvaía em sua frente. Estava na hora. Precisava resolver sua situação com cada um. Precisava se despedir de cada promessa, de cada futuro que havia traçado. Precisava aproveitar cada segundo com amigos e família. Desconhecia o amanhã, e, pela primeira vez, temia o desconhecido. Sentia-se sufocado pela própria liberdade, a liberdade que sabia que perdia, atormentado pela própria vontade de viver. Precisava viver. As paredes verdes o cercavam de maneira claustrofóbica. Sua realidade as empurrava. As lembranças de uma vida com e uma sem Dinho estampavam cada canto do quarto. Os rostos criavam vozes, risadas que o atordoavam. Precisava respirar, precisava se libertar.


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Notas finais do capítulo

Agradeço desde já os comentários do capítulo anterior e os que virão. bjs