Exorcize-me Se Puder escrita por Kou


Capítulo 1
Exorcize-me se puder


Notas iniciais do capítulo

Às vezes é bom soltar os nossos demônios... Boa leitura!



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Se eu existo ou deixei de existir, você não tem como saber. Se eu vivo ou deixei de viver, você não tem como provar. Se será hoje ou amanhã, você não tem como prever.

Eu me perco em devaneios muito facilmente, então já começarei com um exemplo. Gostaria que você não se perdesse, se possível, porque eu não serei aquele que lhe dará a mão se você cair. Não é isso que importa.

Mas existem fatos. Você acreditar neles é que faz a diferença.

É duro o desconhecimento da vida. A descerteza da realidade. A improbabilidade e incompatibilidade da ciência e fé. Os acertos da raça humana. A miséria de um sonho utópico, e a falsa riqueza do dinheiro capitalista. Tudo isso não faz o menor sentido se o seu objetivo é a semente da vida, ou a negação dela. Se a dor do esquecimento é pior que a da ignorância, se a morte é o pior castigo para quem será julgado.

Onde está a justiça no julgamento de “iguais”? Por que ela está ali? Já me perguntei isso uma vez ao observar a vida de uma advogada da classe alta. As falcatruas que estavam sobre a sua pele e por baixo da sua calcinha... Foi engraçado me deparar com a falta de equilíbrio de alguém tão eminente, frente a frente com uma barata, uma pequena beldade da natureza, inofensiva e faminta. Quase como eu. Porque me lembrar de uma presa ruim não é um bom passatempo.

Você se surpreenderia de ver a verdade do que eu sou, se a máscara das pessoas caísse tão fácil por uma cruz como cai por uma nota. Uma época era um saquinho de moedas, de ouro, de preferência. Hoje é um pedaço de papel com dígitos impressos, e valem mais que meio mundo. Porém, têm gosto ruim. Feito aquela advogada ali, sangue ruim. Não valeu o drinque.

Não que um rosário fosse surtir algum efeito sobre mim, se isso ficou subentendido. Não sou da classe dos vampiros. Eu saio ao sol.

E se você me conhecer, você não vai acreditar em mim. Não sou Deus, não ouço preces nem faço milagres. Não salvo as pessoas. Pelo contrário, costumo matá-las. É saboroso.

Não sei para que ou por que vim ao mundo. Se nasci aqui ou se aqui fui jogado, não me lembro. E nem faz diferença. Minha refeição do mês que vem de nada depende do meu nascimento.

O que, eu te confundi? Obrigado, costumo ser bom nisso. É assim que conheço os humanos e seleciono aqueles que são interessantes o suficiente para fortalecer meu corpo e engrandecer a minha alma, se você quiser pensar que eu tenho uma. Se ela não for brilhante e pesada, não há problema, você pode sonhar.

Entretanto, tudo o que eu citei por aí são as principais preocupações da superficialidade da existência dos reles e miseráveis mortais que habitam e superpovoam o planeta Terra, aquele pontinho quase inexistente da imensidão do universo. Vulgo meu lar, onde eu habito. E você também, eu suponho, com 97,315% de certeza. Não, ainda não conheci ETs, mas eles devem existir e ser muito legais. É, eu acho isso.

Você não acredita em ETs? BINGO! Não deve acreditar em mim também. E, olhe só, isso não vai impedir que eu exista. Você não precisa realmente de mim para se corromper, mas ficarei grato em ajudar. A humanidade é perversa, sabe? Às vezes chego a considerar que foi ela quem me criou, e alguma alquimia incorreta que me deu vida, tipo a descoberta da pedra filosofal.

Acho que você vai dizer que eu viajo feito um drogado, que eu enxergo ilusões e sou viciado em algum baseado mal enrolado. Hm, não, você errou. Eu vejo coisas demais ao mesmo tempo, e vacilo demais com as possibilidades que descubro a cada pessoa. Não lembro quem foi a primeira que vi, todavia, sei que a matei. E sei que filosofei com um psicólogo em um banco de um metrô, que esbarrei ao acaso, que me ouviu murmurar que “eu gostaria de matar”. De olhos arregalados ele me fez três perguntas – as perguntas certas, arrisco-me a afirmar: “quem, quando e por que você gostaria de matar?”

“Não você, certamente. Apenas para descansar, para encontrar a paz que uma vez me foi prometida. E talvez hoje, quem sabe.” Respondi. Paz é outro assunto divertido, caso venha a me pronunciar novamente. E não sei quem foi que me prometeu ela, daí eu teria que inventar...

Mas isso acaba por ali. Porque também costumo me perder na ilusão das pessoas quanto ao natural e ao divino, ao digno e ao profano, ao certo e ao errado. É engraçado, elas são burras. Não que eu me diga um inteligente, se o sou, levei milênios para ser. (Não me considero, para ser sincero. Ri. Que engraçado, de que vale a minha sinceridade?!? Tá, deixa pra lá.) Voltando. Elas se prendem às ilusões de tal forma que algemas não seriam mais úteis aos sádicos abusando dos parceiros masoquistas. Ou, na linha normal, o gás oxigênio sendo necessário à vida em qualquer estágio.

Pareço um psicopata, não é? Se eu fosse humano, provavelmente me encaixaria nessa definição. Não tenho o menor senso de nada, e estou pouco ligando. Se você for legal, você vai morrer, e fazer parte de mim até que eu te substitua. Doloroso, não? Quem sabe isso te dá prazer. Eu sei fazer, caso esteja interessado. E nem cobro muito. A não ser que a sua vida valha mesmo alguma coisa. É nessa hora que dou o meu melhor sorriso, aquele insolente e desgraçado, mas que te derruba no melhor ponto. Você me odeia, mas me deseja. Você não sabe o que é a morte, e nunca vai poder contar para alguém. Porém, eu sei o que você pensa. Eu sei o que eu posso realizar, e você também sabe o que quer viver. Vai recusar? Posso ser seu maior fetiche, sua pior vitória, e seu completo desconhecimento.

No fundo no fundo do fundo, você sempre soube que demônios existem, ainda que transfigurados na forma humana. Se não soubesse também, eu te conto. Ou melhor, eu insisto. Uma hora ou outra você vai perceber que eu não sou como você. Eu posso ser mil vezes tudo o que você é, e melhor. Mais gostoso. Mais quente. Mais sedutor. Mais ou menos vivo. Mais profundo. Mais fatal. Mais maldoso. Mais amável. Mais patético. Menos real. Mais impossível. Mais... uma porrada de coisas.

Mais enganador, também. Quando você souber como eu sou, se sobreviver ao sétimo (e então ao décimo terceiro) encontro, vai se lembrar eternamente da imagem que criou de mim rindo bestamente de você pelas suas costas.

Como eu sou? Solte a sua mente, eu estarei em alguma fresta dela. Em algum medo (uuuuh, gosto muito deles!), algum trauma, algum arrependimento. Passo a língua nos dentes ao imaginar a pressão do seu sangue nos meus lábios, enquanto minhas unhas se tornam facas e lhe rasgam a pele e a carne, só por constatar como você me vê bonito e atraente, no auge da sua futilidade. Você se arrepiaria, sério. Completamente envolvido, e em breve, entregue. Hahahahahahahahahahaha!

Eu sou um pouco convencido, se me permite a pouca modéstia. Não é.

Irresistibilidade medonha, eu sei. Devastadora. Oops, desculpe. É meio alucinante falar de mim assim. O que, quer três palavras sobre mim? Que grande dúvida. Se eu dissesse “demônio” pouparia as outras duas, só que... para quê? Eu devo te convencer mais dizendo que sou, hm...

Imaturo, sedutor e imprevisível. É mais preciso.

Foi o que uma vez me disseram. E ele era um humano muito intrigante, quase me arrependi de tê-lo comido. Foi um desperdício. (E para variar, era tão... saciável.) Acho que seu nome era Miles. Ou Mike. Ou Maicon. Não, Moxie não. Sei lá. Ele foi um dos poucos que não me olhou ternamente quando eu disse que era um demônio. Não que eu diga para todo mundo o tempo todo, ficar me revelando também perde a graça. Mas com ele foi diferente. Ele bufou, como quem negava a realidade, e depois perguntou minha idade. Se eu já tinha comido alguém naquele dia. Se eu estava com fome. Se doeria. Quase nos tornamos íntimos, se a dor dele não tivesse me impelido a ceder, da forma como o recebi. Memorável, é verdade, mesmo que você não tenha entendido completamente por quê.

Todos têm memórias. Ou amnésia.

Agora vamos lá. Olhe nos meus olhos e me responda. Você não ficou com medo?

Não pense, apenas responda. Não quero dicas, quero levar um susto.

Sim? Não? Se fosse esperto, diria que não, com toda a dignidade que lhe foi concebida. Eu gosto de desafios, mais do que dos medos. Assustar alguém não é tão bom quanto derrotá-lo, ainda que muitas vezes um esteja relacionado ao outro. E não, não precisa correr. Não de mim nem para o meu abraço. Espere. Espere e encontre a sua conclusão. Se você tiver azar, eu o deixarei em paz, e partirei para outra guerra. Alguém com mais fibra nos músculos. Que me dê tesão de tanta fome. Ui.

Acho que passei dos limites. Perdi o controle. Assim como você ao se perguntar se eu seria homem ou mulher. Ao supor como seria minha fisionomia, se você me desejaria ou não. Se você me compreenderia a ponto de me ver dar de ombros a cada ironia ou indireta. Se você me alimentaria ou não. Também não é como se você soubesse, porque pode ser nessa noite, quem sabe. Não é você que manda no tempo, meu bem. Não é você que manda em mim.

Não é você que escolhe.

A propósito, você acha que escolhe alguma coisa nesse período de tempo que entende por vida? Que escolhe realmente, que a sua opinião é realmente válida, que a alteração vai ser realmente significativa? Parabéns, você é um humano otimista! Desgostei de você. Para brincar, talvez, uma possibilidade. Os céticos são os mais cômicos, mas isso não quer dizer que suas chances sejam menores, posso me interessar por outros fatores, por que não... ? A cor dos seus olhos, assim. O número que aparece na sua balança, ou na sua conta bancária. Ou uma frase que você pensou na minha presença, ao acaso. Um vislumbre meu, uma curiosidade. Uma fé demoníaca. Você não tem ideia da vastidão desse negócio... !

Eu sorrio com muita frequência, conseguiu sentir? Rio também, claro! Diversão deveria ser o meu sobrenome. Quer me dar esse prazer? Não, não, não queira. Não seja tão bobo a esse ponto. Estou eu aqui te avisando, e você louco para me dar? Ah... impagável, é o futuro (e o fruto) da humanidade. A perdição. O que, você acha que o paraíso é bonitinho? Okay, não vou estragar sua fantasia, que você criou com tanto afinco. Às vezes, quando me dá na telha, eu até sei respeitar, viu?

Viu nada, já entendi. Está no fim. Uma última coisa...

Você está gostando?

Que pena. Sou apenas um ensaio. Se você realmente quiser que eu exista... me curvo em agradecimento. Você é criativo e gentil, depois de tudo o que leu. Falho, como todo o resto da sua espécie, desde a minha aparição. Mas gentil. E o mais estranho... é que você me quer.

Perverso, não? Negue! Eu amaria argumentar... Resista ao meu sorriso e quem sabe eu te mate amanhã. É um avanço na sua sobrevivência, concorda? Sinta minha mão no seu corpo, deixe-me explorar seu ponto fraco, permita-me invadir sua vida...

Até me sinto a solução de um mistério: você quer morrer? Talvez tenha notado, sim, você vai morrer. Eu não. E eu gosto de matar. Fomos feitos um para o outro, as presas e o predador. E sou mais felino, cruel, daqueles que torturam a comida... Não é que combina?!

Não? Tá, tudo bem, vou embora mesmo. Eu nem queria te pegar. Tchau.

Antes que eu caia pelo abismo da devassidão dos devaneios reais e presentes que violentamente me dominam mais uma vez, calo-me, então. FIM. Até mais ver. Tome cuidado.

Não está acreditando? É fácil e simples se apegar aos fatos, não? Faz muita diferença, percebeu? Está desconfiando, duvidando?!? (Terceiro parágrafo, meu bem, confira.)

Ah, mas talvez você goste de saber: eu costumo ter chifres. Sem nunca ter sido traído.


17.04.2013


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Notas finais do capítulo

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O personagem tratado acima agradece sua leitura, e eu também :3 Beijos!