Dilema Platônico escrita por Metal_Will


Capítulo 54
Capítulo 54 - Escolhas




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    Como o sinal não demora muito para tocar, Miguel não tem muito tempo de ficar divagando. Ele sobe as escadas, coçando a cabeça sobre o que Danieli estava querendo dizer até o momento em que vê uma cena inesperada. Não era a Camila beijando o Toni ali? Como assim? Ele fica parado por alguns instantes, ainda surpreendido com a cena até que o casal vem em sua direção.

    - Ah, oi primo! - diz Camila, um pouco vermelha

    - Fala, Miguel - Toni também cumprimenta, de maneira amigável.

    - Vocês...por acaso - balbucia Miguel, mesmo já sabendo da resposta que ela daria.

    - Pois é...a gente tá namorando

    O rapaz arregala os olhos por um instante, mas aquilo não era algo tão inesperado. Apenas não imaginava que a prima tivesse superado seus problemas tão rápido.

    - Namorando? Vocês? Assim? Do nada?

    Camila, ainda de mãos dadas com o novo namorado, pede pra ele subir na frente, já que ainda tinha uma coisa para falar com Miguel. Eles dão um último selinho e Camila começa a falar

    - Pois é..eu decidi...encarar de frente meus próprios medos. Descobri que não vale a pena se meter nos problemas dos outros quando você não pode resolver seus próprios problemas, não é?

    - Hã? Eu...não entendi muito bem, desculpa

    - Não. Sou eu que te peço desculpas

    - Por que? O que você fez?

    - Esse tempo todo fui hipócrita demais em dar palpites na sua vida sentimental, sendo que eu sequer tinha resolvido a minha. Eu exagerei. No fim, eu estava até me achando dona dos sentimentos dos outros

    - Dona dos sentimentos?

    - Olha, Miguel...eu não tenho a menor ideia do que você sente ou o que você vai fazer. Mas, ainda assim, eu sou sua amiga e estou aqui para te ajudar, mas...tem escolhas que só você pode fazer. A partir daí, eu não posso mais me meter. Não posso mesmo

    - Escolhas - repete o rapaz, olhando para o chão - É. Acho que você tem razão.

    Os alunos ainda estavam subindo. Camila dá meia-volta e pede para que o primo a acompanhe se não quiser chegar atrasado na aula. O rapaz concorda e segue o fluxo, caminhando ao lado dela

    - Acho que...olhar bem no fundo de si mesmo vai te dar a resposta que você quer, Miguel

    - Como assim?

    - Eu perdi a confiança nos meninos depois de tudo que aconteceu comigo, mas...olhando para mim mesma e para as pessoas a minha volta eu pude perceber que estava errada em generalizar tanto assim. O Toni...tem algo bem diferente daquele Danilo...assim como eu sei que você é totalmente diferente dele...bem, é difícil de explicar, mas eu simplesmente percebi meus erros

     - Erros, é? - repete Miguel - Erros...

     - Errar é humano.    

     Miguel não fala nada até próximo a entrada da sala. Camila percebe que a expressão dele estava mais tensa e depressiva do que de costume. Era como se estivesse passando por alguma angústia ou algum problema muito sério.

     - O que houve? Você não costuma falar muito, mas a sua cara...tá triste demais até pra você, Miguel!

     - Você acha?

     - Está pensando em que? - ela pergunta, parando antes de entrar na sala

     - Eu também não sei - ele responde, desviando o olhar e tentando procurar uma resposta - É como se eu estivesse sentindo que alguma coisa muito estranha estivesse para acontecer

      - É? Não é do seu tipo acreditar nessas coisas

      - Bem...a Dani disse que tem algo pra me contar hoje...hoje eu ensaio com ela, não é?

      - É verdade. Vocês andam ensaiando bastante juntos...aliás, nossa peça já vai estrear logo, logo, né? Será que você não tá nervoso com a apresentação?

      Ele faz que não com a cabeça.

      - Já decorei e redecorei aquelas poses e falas. Isso aí é o de menos. O que eu sinto é...é algo bem mais estranho do que isso

      - Gente. Pra sala, vamos! - chega o professor da próxima aula

      - Depois a gente se fala

      - Tá - diz Miguel, respirando fundo e entrando na sala. Ele cruza o olhar com o de Dani que responde com um sorriso. Seja lá o que ela tivesse para contar parecia uma notícia muito boa.

       Na parte da tarde, Miguel segue para o local de ensaio habitual daqueles dias. Parando para refletir ele ainda não acreditava que tinha aceitado ser protagonista de uma apresentação. Uma apresentação bem chinfrim, mas tendo algum público já é motivo mais que suficiente para um tímido se preocupar. Muito embora Miguel até conseguisse lidar bem com esse tipo de desafio, mas não era sua especialidade, claro. Tudo aquilo só para agradar a Danieli? O rapaz suspira e olha para o relógio. Quinze minutos adiantado? Tempo mais que suficiente para se espreguiçar e continuar a pensar nos problemas.

        "Olhar para si mesmo", ele pensa ao se lembrar das palavras da prima. Miguel achava que já tinha olhado para si mesmo mais do que qualquer outra pessoa. No que mais ele podia refletir? Ele começa a se lembrar de todas as conversas que teve e todos os conselhos que os amigos lhe deram até agora. Mas por mais que soubesse o que devia ser feito simplesmente não conseguia romper as barreiras do próprio medo. Afinal, aquilo tudo era medo da garota? Medo de perder a pouca afeição que conseguira...ou medo de começar um relacionamento e descobrir que não era nada aquilo? Era questão de fazer uma escolha: arriscar ou não arriscar. Arriscar os desafios do relacionamento ou permanecer num dilema eterno. O que seria pior? Apesar de ainda não entender muito bem a ideia de amor platônico, Miguel se lembrava perfeitamente da alegoria da caverna que seu professor comentou na primeira aula de filosofia. Os prisioneiros estão seguros na caverna, mas ao mesmo tempo estão cegos para o mundo real.

         Miguel, mesmo que inconscientemente,  era um prisioneiro que se recusava a sair da caverna. Ou o porco-espinho que preferia morrer de frio do que sentir picadinhas dos espinhos da parceira. "Sou mesmo um covarde", Miguel pensa, olhando para o horizonte do banco onde estava sentado. "Espere, mas e se...

e se fosse o contrário. E se fosse ela que dissesse que gosta de mim!"

          O rapaz começa a sentir o coração mais acelerado. Danieli disse que ele seria a primeira pessoa a saber de uma coisa...será que ela poderia? Não, não, impossível. Mas não totalmente. Será? "Se for isso...como eu vou reagir? Eliminaria o não, mas...como seria depois? Não..não, não. Preciso parar de pensar no depois...por que sempre tenho que pensar lá na frente? Quer dizer, se eu namorasse com ela iria viver os momentos aos poucos e....e...o que estou dizendo? Isso nunca iria acontecer...o que eu tenho para ela gostar de mim?"

           Miguel fica entretido nesses pensamentos por mais alguns instantes, sem obter nenhuma conclusão. Nisso, Danieli chega, quase dando um susto no pobre rapaz.

           - Oi, Miguel! - ela grita, toda sorridente.

           - Ah, oi, Danieli

           - Nossa, seu chato...achei que ia conseguir te assustar.

           - Hahauha. Senti seu perfume

           - Sério? Nem tá tão forte assim...mas, tudo bem, vamos fazer um ensaio definitivo?

           Miguel fica calado por um tempo. Dani percebe o olhar dele e estranha um pouco.

           - Que foi, Miguel? Não tá animado para ensaiar? A peça já tá chegando!

           - É que...já ensaiamos tanto! Já decorei todas as falas e textos! Já sei decorado até as falas do resto do pessoal...acho que já tá bom

           - Hmm....você que sabe. Bem, eu também acho que já peguei bem o espírito desse papel

           - Sério?

           - Claro. "Pelo menos, vamos morrer juntos" - ela diz, interpretando uma das últimas falas da peça e segurando a mão de Miguel. Por inesperado e fora de ensaio, ele fica vermelho.

            - O que foi? - repara Danieli - Está passando bem? Sua cara ficou meio estranha?

            - Não, não. Não é nada

            - Então, tá

            - Bem...ah, sim. Ao invés disso...você não tinha uma coisa para me contar?

            - Ah, claro. Eu ia te falar depois do ensaio, mas já que você está tão confiante...eu te conto no caminho

            - Caminho?

            - É! Vamos dar uma volta! É uma praça tão bem conservada e a gente nunca tem tempo para passear, né?

            "Que? Isso é um...é um...encontro? Quer dizer...pelo menos parece um. É isso. É uma oportunidade única. Eu vou...eu vou..arriscar! Mesmo que ela diga não, não acredito que vá me odiar só por uma coisa dessas...e...e...caso dê certo...dá pra olhar para os problemas depois. É. É isso aí. A questão é...como falar isso?"

             - Bom...é uma coisa meio repentina

             "Repentina? Ai, meu Deus...será? Não, é melhor esperar o que ela tem pra me dizer...", pensa Miguel, fazendo um esforço gigantesco para disfarçar sua tensão.

             - Repentina?

             - Isso. Mas é algo muito bom

             "Algo bom, é? Vamos lá...estou preparado! Pode falar!"

              - Eu... - a garota continua - ...Eu consegui a oportunidade da minha vida!

              - Oportunidade? - repete Miguel - Como assim?

              Ela remexe na bolsa e tira um tipo de carta.

              - Recebi isso pelo correio hoje. Consegui uma bolsa para um curso de três anos de teatro na Itália. Não é fantástico?

              - I-Itália? Você disse Itália?

              - É? Maravilhoso, não é? Participei desse concurso em uma palestra que fui há um bom tempo atrás, mas só agora saiu o resultado. Fui uma das cinco sorteadas no país todo!

              - Isso...para depois de você terminar o Ensino Médio, não é?   

              - Não. Já é para o segundo semestre desse ano.

              - Sério?

              "Fuuuu", ele pensa, "Eu não esperava por essa..então...ela vai sair do país? Itália...Itália...isso é do outro lado do Oceano!"

              - É...é sensacional - diz Miguel, tentando demonstrar o máximo de alegria possível (o que estava difícil). Naquela hora ele sequer conseguia pensar em algo para dizer a ela. Aquela notícia o deixou sem chão. Então...eles não iriam nem terminar o Ensino Médio juntos? E ela entrou na escola aquele ano! Já iria tão rápido assim?

               - É uma oportunidade e tanto, mas..

               - Mas? - Miguel parece ter gostado daquele mas

               - Mas é tão de repente. Eu estudei italiano por um tempo, mas não lembro de muita coisa. E, puxa, eu só fiquei um semestre na nossa escola. Nem deu para aproveitar o tempo com vocês

                - E a sua família? O que eles acharam?

             - Acharam o máximo. Dão todo o apoio. Mas disseram que isso é uma coisa que eu preciso decidir por mim mesma.

                - A vida é cheia de escolhas, né? - diz Miguel, realmente se esforçando para não deixar as emoções falarem mais alto.

                - É uma escolha complicada. Eu só preciso dar a resposta daqui a duas semanas. Bem, participar da peça de vocês eu garanto que participo.

                - Hehe. Que bom

                E agora? Miguel ainda tentava digerir a notícia, mal prestando atenção a todos os detalhes do tal curso que Danieli lhe mostrava tão entusiasmada. Justo agora que ele finalmente tinha decidido arriscar se declarar? O que iria fazer? Se declarar e esperar que ela desistisse da oportunidade da vida dela? Tudo bem que até o segundo semestre ainda tinha algum tempo, ou melhor, pouquíssimas semanas! Por outro lado, a notícia aumentou a pressão ainda mais! Se ele não se declarasse rápido iria ficar naquele dilema para sempre. Essa era uma daquelas situações onde se deve pensar pouco e agir mais. O rapaz percebe que se não enfrentasse seus medos agora estaria perdido. Enquanto Danieli estava próxima, como colega de classe, sua situação de amor platônico era bastante cômoda. Mas com ela distante, esse dilema martelaria na cabeça dele para sempre. "Vamos lá, Miguel!", ele pensa, "Chega de pensar...dane-se tudo...apenas fale isso. Só fale"

                - Danieli...

                - Oi? O que foi?

                - É que eu...pode se meio estranho falar isso agora, mas..

                - Dani! É você? - surge uma voz desconhecida do nada. Ao se virar, Miguel vê um cara barbudo, cabelo comprido, camiseta com figuras sem sentido e uma calça surrada. Ele cumprimenta a mocinha com beijinho e tudo.

                 - Opa. Tudo bem, Oscar? Ah, é, Miguel, esse é o Oscar. É da outra turma de teatro que eu participo. Esse é o Miguel...da turma de sábado.

                 - Prazer - diz o tal Oscar, estendendo sua mão para Miguel

                 - Prazer - repete Miguel, não tão ensusiasmado.

                 - Fazendo o que por aqui? - pergunta o tal cara para Dani

                 - Dando umas voltinhas com ele. E você?

                 - Cortando caminho. Ia comprar o presente de aniversário da minha namorada e...

                 Miguel sente um alívio ao ouvir "namorada". Ameaça ele não era, mas era estranho ver outra pessoa com tanta intimidade para o lado da Danieli. Infelizmente, o cara não vai embora rápido e fica um bom tempo papeando com a ruivinha. Foi o suficiente para Miguel perder todo o clima. Quando eles finalmente se despedem, Dani faz questão de lembrar o que Miguel estava querendo dizer

                 - Desculpa. Você queria dizer alguma coisa?

                 - Bem...era meio estranho, mas... - ele procurava as palavras, mas não encontrava. Não dava. Precisava, pelo menos, de mais tempo - Mas...

                 - Mas?

                 - Você...você me promete que só vai dar essa resposta depois da nossa peça?

                 - Ué? Por que? O que tem uma coisa a ver com a outra?

                 - Por favor, só me promete

                 - T-Tá...prometo, mas...

                 - É que...temos que nos concentrar bem na nossa peça, não é? - diz Miguel, tentando disfarçar essa atitude repentina - Olha, já tá tarde. Eu te acompanho até em casa

                  "Duas semanas...duas semanas é tempo suficiente para pensar num jeito perfeito de falar com ela", pensa Miguel, com o coração acelerado, "Eu poderia falar agora, mas...estou tenso demais...por favor, só duas semanas, Dani", ele continua pensando, confiando na promessa que a ruivinha fez. Quando ele deixa Danieli em casa, sai dali correndo, com a mente a mil por hora. "Duas semanas...o que eu vou falar? Preciso de algum conselho...agora realmente eu preciso de conselhos!" pensava o rapaz, enquanto percorria as ruas o mais rápido que podia.

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