Fui para o centro de Gotham de ônibus, misturada no meio das poucas pessoas que se arriscavam em seguir aquele caminho àquela hora. Eu não pretendia nada além de observar, mas levei algumas poucas armas e a roupa que fazia com que me chamassem de Angel. Cheguei à entrada do museu por volta de 22h. Ainda estava interditado, mas os materiais de construção sugeriam que alguém já estava consertando o estrago feito por alguém. Boa parte dos materiais tinha o selo Stark.

Mesmo com materiais à vista, nem sequer um pedreiro ou mestre de obras. Apenas carros pretos e vãs de mesma cor espalhados pelo estacionamento à céu aberto. Aproveite a falta de pessoas por perto e continuei meu caminho para dentro do museu. Conforme ia entrando, percebi a presença de algumas pessoas: homens e mulheres de terninhos pretos combinando e alguns de jaleco branco, como médicos. Escondida atrás de caixas de madeira como eu estava, não conseguiria avançar mais.

Esperei quase três horas até a oportunidade perfeita: uma mulher de jaleco se afastou do grupo procurando um banheiro. Tirei um pedaço de fio improvisado – porém bem feito e muito útil – da minha mochila e esperei que ela entrasse no banheiro feminino. Depois fui atrás. Ela não percebeu nada até que o fio estivesse em volta do seu pescoço, com as minhas mãos puxando as extremidades com força. Ela caiu rápido. Tirei suas roupas e as coloquei, não eram o número certo, mas dava para enganar. Deixei-a desacordada dentro de uma das cabines do banheiro usando apenas suas lingeries.

Saí do banheiro com óculos que não me pertenciam no rosto e o cabelo preso num coque. Passei direto pelo pequeno grupo de onde a moça havia saído e continuei avançando pelo corredor até finalmente chegar onde queria: o local da explosão. As paredes estavam protegidas por sacos plásticos pretos, mais e mais caixas de madeira espalhadas pelo chão – que também estava protegido por sacos plásticos – e todas continham o selo Stark. No centro, um buraco no chão rodeado por máquinas que... estavam medindo radiação? Eu precisava chegar mais perto para ter certeza, mas duas pessoas bloqueavam o caminho: Um homem de pele escuro, roupas pretas, nenhum de cabelo sobre a cabeça e óculos escuros; e uma mulher ruiva, com roupas semelhantes às que eu usava quando vestida de Angel, porém mais elegantes. Ela tinha um cinto com vários compartimentos e grossas pulseiras de metal nos pulsos.

Eu sabia, de alguma maneira, que não passaria por eles.

— ... Como, Fury? – Ela perguntou e parecia irritada.

— Eu gostaria de saber.

— Que motivo teriam para expor, assim?

— Eu gostaria de saber. – Ele nem sequer levantou os olhos para a ruiva. Parecia cansado.

— Você sabe. Você sabe quem foi, sabe seus motivos. O que está te mantendo calado?

— Se eu estou calado, tenho os meus motivos.

— Isso não vai arruinar o acordo?

— Por enquanto, não.

— E o Stark?

— Chega de perguntas, Romanov. Agora eu preciso do Barton.

— Ele está lá fora.

O homem começou a caminhar, deixando o assunto por encerrado.

— Você sabe que os morcegos não vão deixar isso assim. – Ela alertou e ele parou. E voltou a andar para longe.

Eles não pareciam nada com agentes do governo, polícia ou instituto científico. Eram mais.

Não havia nada mais para olhar depois que o homem e a ruiva se foram, então devolvi as roupas da cientista pela janela do banheiro depois de recuperar minha mochila escondida entre alguns materiais de construção.

Cheguei em casa quase 2h da manhã e, graças aos meus passeios noturnos à caça, eu estava sem sono. Considerei aquele raro momento de silencio, como um momento de paz. Sem ter que me preocupar em se a Angel, na vingança, nos raros dias em que eu conseguia uma pista, em horários ou na confusão familiar que eu viveria se Mike continuasse com... aquilo que vinha fazendo. Ou mesmo, em Dick Grayson. O último tópico me fez morder o lábio inferior.

Acordei com o barulho da chuva na janela, me vesti e fui para a lanchonete onde eu gastava a maior parte dos meus dias. Esperei ansiosamente o dia passar e, por conta da chuva incessante, o movimento era menor, então o dia demorava mais para acabar. Apoiei minha cabeça na mão, mantendo o cotovelo no balcão como apoio. Lucy estava no caixa, me observando como um felino.

— Como sono, Alicia?

— Um pouco.

— Essa noite você devia tentar dormir mais, ao invés de ficar se agarrando com o Grayson por aí.

— Como é? – Levantei o rosto para encará-la.

— Você me ouviu.

— Lucy, isso não é da sua conta. Dick e eu somos amigos há anos e-

— Amigos? Me poupe.

— Somos amigos, adultos e solteiros. E isso não é da sua conta.

— Alicia, o Dick era meu-

— Seu o quê? – Ela não respondeu.

Lucy virou as costas e entrou na cozinha, batendo os pés. Imaginei que ela demoraria a voltar, então assumi o caixa. Quando não havia ninguém além dos ajudantes mirins cansados, eu os dispensei e comecei a fechar a lanchonete sozinha.

— O que houve? – Mike entrou pela porta da frente.

— Oi?

— Lucy me pediu para vir.

— Você não tem aula ou coisa assim?

— Vai querer ajuda ou não?

— Certo, então recolhe a louça das mesas.

Ele sorriu, satisfeito.

— Espera aí, gatinha. – Ele se aproximou quando eu passava um paninho úmido no balcão.

— Olha, definitivamente, não.

— Mas por que você insiste em negar?

— Meu Deus, seus pais nos criaram como irmãos!

— Nunca fomos como irmãos, já disse. – Ele desceu os olhos pelo meu corpo.

— É a caça, não é?

— O quê?

— A caça. Você enlouqueceu agora porque eu sempre disse não.

— Não é a caça, Licia!

— É, sim. Você já conseguiu, já ficou com a... prima mais velha, pronto.

— Licia, não...-

— Você não está saindo com aquela garota, Rachel?

— E você está saindo com o Grayson.

— Isso não é uma competição, cara. Você está saindo com ela. Ela gosta de você, fica direito com ela. Ela merece mais do que um babaca.

Ele deu um longo suspiro em resposta.