Comecei a sentir a estranha ausência de João depois de uma semana. Perguntei para uns colegas da sala dele e confirmei minha percepção: ele havia faltado todos os dias a escola, desde o "Incidente da Professora". Era assim como as pessoas chamavam o dia em que a professora Manuela foi demitida. 

    O engraçado é que ninguém se importava com ela antes daquele dia. Desde do Incidente, várias gangues se formaram: das garotas que não se conformavam com o caso, e diziam sempre desconfiar de que a professora era uma tremenda vadia; dos garotos que não se conformavam com o caso, não acreditavam que ela escolhera João, e não eles; e dos que não estavam nem ai, a minoria do colégio.

    O problema é que eu não estava em nenhum desses grupos. Eu estava num que só continha eu mesma, o grupo que se preocupava com João, com Manuela, inconformada com a rigidez do colégio. 

    Preocupada demais com João, liguei para ele numa tarde de domingo. Ele me atendeu e, com a voz rouca, disse que estava ocupado. De tanto insistir, ele falou que era para nos encontrarmos em meia hora perto de uma praça.

    Fui o mais rápido possível e quando cheguei, ele estava sentado num banco.

    - Como você chegou antes de mim? Sei que você mora longe - falei.

    - Eu já estava aqui. 

    - Fazendo o que?

    Ele suspirou e me olhou.

    - O que você quer?

    - Saber de você, João! Você sumiu do colégio! 

    - Porque será, Juliana? Todos me olham como se eu fosse o maior perdedor que eles já viram. Meus pais descobriram e querem abrir um processo contra a Manuela. Porra, eu sou tão culpado quanto ela nessa história. E o que eu fiz de tão errado afinal? Me apaixonei... A Manu nem fala mais comigo. D-Desde daquele dia, ela tem me evitado completamente. Eu só queria sumir. Arranjar uma maquina do tempo que me fizesse impedir minha paixão ridícula por ela. Impedir com que eu arruinasse a vida de todo mundo...

    Naquela altura, João estava com os olhos transbordando mas mesmo assim, fez força para não deixar nenhuma lágrima cair. 

    - Você não arruinou a vida de ninguém, João. Olha, eu queria te pedir desculpa. Eu que te meti nisso. Sabe, se não fosse por mim, seu segredo ainda estaria salvo e...

    - Juliana, nem ouse falar isso! Foi ótimo você ter me metido nisso. Você estava certa, a Senhorita X ia me chantagear pra sempre se eu não fizesse nada... Olha, eu tenho que ir. Hm, nos vemos outro dia. 

    Preferi ir pra casa de Camila em vez da minha. Estava com saudade dos nossos momentos de compartilhamento de segredos e ideias. Ao chegar, o carro de Leandro estava estacionado na frente. 

    Leandro estava sentado no grande sofá de couro da sala de estar. Como era domingo, não tinha empregados por lá, e pelo jeito os pais dela não estavam também, levando em conta o silêncio. 

    - Oi, Jaqueline - falou Leandro.

    - É Juliana - respondi - Cadê a Camila, ein?

    - Ela tá trocando de roupa.

    - Nossa, acho melhor você ligar a tevê ou algo assim porque isso vai demorar! 

    Leandro riu e segurou meu pulso.

    - Então vamos ver tevê. Eu não sei como que mexe nesse controle nem nada, me mostra.

    - Hm, claro - falei, tirando gentilmente sua mão de mim. 

    Foi um daqueles momentos que você sabe o que está acontecendo mas você tenta negar pois parece algo absurdo demais. Eu percebi que Leandro estava dando em cima de mim. Ele se sentou muito perto de mim no sofá, olhava pra mim demais, e ainda por cima passou o braço por trás de meu ombro. Ignorei todos os movimentos, até que ele colocou a mão em minha perna.

    - Leandro, qual é? 

    - O que que foi, Jaqueline? Eu sei que você quer. Eu percebo o jeito que você me olha. Esse olhar cheio de paixão e desejo... Eu não sou cego. Vamos lá, a Camila não precisa saber. 

    Ele foi aproximando seu rosto de mim com rapidez.

    - Deixa de ser burro! - sussurrei, esquivando-me - Eu não olho pra você de jeito nenhum, ok? Sério, se você não parar eu vou contar pra Camila. Ela não merece você. 

    - Que isso, Jaqueline! Você e a Camila gostam de tagarelar ein. Que tal você parar de falar e usar essa boquinha linda pra outra coisa?

    Foi um movimento tão rápido que eu não tive como me afastar. Seus lábios encostaram nos meus e eu me senti tão enojada que dei um empurrão nele. Mas o Leandro era mais forte. Bem mais forte. Eu tentava gritar "Me solta!" mas a boca dele imprensada na minha não ajudava. Tentei dar um tapa, um soco, alguma coisa que o fizesse largar de mim mas ele segurava meus braços com uma mão só, e com muita força por sinal. Leandro passou a mão pelo meu corpo inteiro e bem nesta hora, ouvi:

    - Que merda é essa?! 

    Camila estava longe, mas não tão longe para não notar. Ela estava com o rosto vermelho, o que sempre acontecia quando ela estava com muita raiva. 

    - Ai, Camila, que bom que você chegou! - gritou Leandro - Amor, você viu como ela me atacou? Eu tentei tirar ela de perto de mim mas ela insistiu!

    Dei uma risada sarcastica mas parei ao ver a cara de Camila. O olhar de ódio dela era pra mim. 

    - O que? Cam, você não está acreditando nele, está?

    - Juliana, pra ser sincera, estou. Ultimamente você está tão distante. Não fala mais direito comigo, sempre parece que está escondendo alguma coisa... E pelo jeito estava mesmo. 

    - Camila, pelo amor de Deus, o Leandro que me beijou! Não é possível que você não viu que eu estava tentando sair das garras dele!

    - Realmente eu não vi isso. Eu só vi a minha melhor amiga quebrando totalmente a minha confiança. Você sempre se preocupou com garotos quebrando meu coração mas a verdade é que agora você que fez isso. 

    - Camila! Eu...

    - Eu não quero mesmo você aqui agora. Vai embora, Juliana. Sério. Vai embora. 

    Não discuti nada. Eu sabia que ela não iria mais me ouvir. Então eu só fui pra casa.