New Perspective escrita por Boni


Capítulo 11
Estrelas são fadinhas zumbis


Notas iniciais do capítulo

Acordei inspirada hoje.



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Marti:

Atos de caridade não são meu forte, mas talvez meu bom humor por ter hibernado durante três dias no colchão super-confortável do Gus tenha compensado o meu desânimo com relação a acampar, então resolvi a ajudá-los a guardar as malas e as barracas no carro.

Dessa vez fomos no carro do Isaac, era uma Hilux, grande e espaçosa. Resolveram dar carona para os meninos, ou seja, tive que dividir meu oxigênio com mais idiotas, maravilha!

Se juntaram a nós mais dois garotos, um era alto e meio gordinho com o cabelo e olhos castanhos, nome dele era Jim, eu por incrível que pareça o achei simpático, mesmo que tenha estranhado a minha presença e provavelmente nunca tenha ficado tão perto de uma garota antes, e o outro não era feio, mas também não era grande coisa, tinha um cabelo loiro comprido, uma pseudo-barba, olhos cor de uísque, magrelo e meio hippie; tentou flertar comigo mas foi grosseiramente cortado pelo meu "foda-se", nome dele eu acho que é Nate, mas o chamam de "Zip".

Mesmo estando muito puta com essa confraternização de otários, resolvi ficar quieta durante o percurso e arquitetar meu plano maligno de me vingar e fugir do mato.

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August:

Acho que o banho frio afetou os neurônios e alma (se é que existe) dela. Primeiro ela nos ajudou a guardar as malas no carro, sem resmungar ou esmurrar ninguém, depois ela foi até simpática com o "pequeno" Jim, que ficou um tanto confuso em descobrir se Marti era uma menina ou não, e nem foi tão grossa com o Zip quando ele resolve falar as asneiras dele pra ela, só soltou um "foda-se" e o ignorou.

–Poww, Gutin, vc nunca mencionou nada sobre suas primas.- falo Zip, com aquele jeito hippie dele.

–É porque ela é o tipo de parente que você deseja que não exista.- Tentei provocá-la, esperava um ataque furioso mas ela parecia estar perdida num universo paralelo.

–Seria tão carinhoso se tivesse uma prima dessas...pera, isso não é incesto? Pegar prima?

Zip pode ser bem babaca às vezes, mas é inofensivo. Ele tenta ser pegador, mas na verdade ele é um crianção.

–Verdade, será que é pecado pegar prima?-disse Isaac fazendo uma careta e coçando a cabeça.

–Sei lá, nem quero saber, afinal quem vai querer esse troço?- Tentei acabar com o assunto. Comecei a me lembrar do meu beijo com a Marti, senti um misto de calor e náusea, ainda não consegui entender o tinha sido aquilo, como pude beijá-la? Teria sido uma vingança contra o Jake? Mas se foi isso, como pude GOSTAR de beijá-la? E era essa última pergunta que me assombrava.

–El...Ela é uma menina?-comentou Jim surpreso.

Jim é um cara calado, do tipo que presta atenção em tudo e do nada solta comentários aleatórios, não sabemos ao certo se ele é maluco ou se são espasmos filosóficos.

O silêncio de Marti começara a me preocupar, uma parte de mim estava com dela estar planejando a minha morte por tê-la arrastado pra cá, e outra parte de mim estava com mais medo ainda dela estar pensando sobre o beijo.

–Opa...-Isaac falou com a voz trêmula.

–O que foi? -perguntamos em coro (menos o Jim, porque ele nunca fala).

De repente sentimos o carro diminuindo até parar.

–...Esqueci de colocar gasolina...

Marti e eu nos entreolhamos, com o mesmo olhar de cumplicidade da confusão do almoço.

–Às vezes me surpreendo como você consegue ser idiota!- Falou Marti ao dar um belo tapa na cabeça de Isaac.

–Porra! Como você sai sem abastecer o carro antes???

–E...Eu não uso muito esse carro...

–A gente tem que tirar esse carro do meio da estrada e colocar no acostamento ou vão bater na gente, e a última coisa que eu quero é morrer no mesmo carro que esses idiotas!

–Nossa, obrigada, fico lisonjeado...- Falei sarcástico.

–Mas ela tá certa, temos que empurrar o carro até o acostamento ou vão bater na gente.- Constatou Zip.

Saímos todos para empurrar o carro...todos menos a demônia.

–Você não vai ajudar?

–Por acaso eu tenho cara de otária? Olhe para essas belas mãos- Ergueu as mãos- Você é meu lacaio, ande ande!

Segurei todos os palavrões e ajudei os meninos.

–E agora, como vamos sair daqui? Tá escurecendo,vamos ser estuprados aqui! - Gritou Marti. Pela primeira vez vi uma expressão desconhecida nela, acho que era medo, desespero, uma expressão que remetia uma infantilidade, cheguei até acreditar que ela tinha sentimentos por alguns segundos...antes dela começar a silabar palavrões.

–Podemos acampar aqui mesmo.- Falou Isaac apontando para o mato que tinha à beira do acostamento.

–Mas como vamos tirar o seu carro daqui? Eu e o Jim poderíamos buscar gasolina pra você.- Sugeriu Zip.

–Mas como?- Franzi o cenho.

–Podemos pedir carona até o posto, ou pegar um pouco de gasolina de alguém.

–Mas esse carro só bebe gasolina aditivada.

–Vodca resolve?-Marti abriu a boca para nos abençoar com seu sarcasmo.

–Pegar carona com um desconhecido?- Falou Isaac prestes a ter seu colapso nervoso.

–É, relaxa cara!

–Bem, acho melhor então começarmos a montar as barracas né?

–Será que tem cobra aqui?-Falou Marti preocupada.

–Bem, se tiver tenho certeza que ela irá fugir ao te ver.

–Ha. Ha. Ha.- Fez uma careta.

Jim e Zip ficaram uns 40 min pedindo carona, até que um caminhoneiro, já grisalho e com um rosto simpático parou.

–O que vocês fazem aqui meus jovens?- Falou com um forte sotaque do sul.

Nessa mesma hora, Marti que estava cochilando no carro enquanto nos matávamos pra montar as barracas se levanta rapidamente e até chega a bater no teto do carro.

–Earl?

–Princesinha?

–Earl!- E ela saiu correndo e pulou pela janela do caminhão par abraçá-lo.

–Caralho, ela conhece todo mundo!

–Earl, você veio me salvar desses manés!

–Mas o que aconteceu princesinha?

–O carro enguiçou, esqueceram de colocar gasolina.-Falou virando para Isaac, fuzilando-o com os olhos estreitos.

Ele soltou uma longa risada.

–Posso emprestar um pouco da minha gasolina, meu tanque tá cheio.

–Mas sua gasolina é aditivada?

–Infelizmente não, a minha velha Pearl só bebe comum.-falou acariciando a porta do carro.

–Ah...

–Mas,- continuou- tem um posto de gasolina daqui a alguns quilômetros, posso dar uma carona de ida e volta pra vocês.

–Ah, muito brigada Earl!- Exclamou Marti, dando um beijo estalado na testa do velho.

Zip e Jim subiram no caminhão e foram. O sol já estava se ponto, em xeque com o relevo da estrada, Marti olhou pra mim, e levantou as sobrancelhas numa tentativa de parecer angelical:

–Gussss, Eu quero fazer xixi.

–Faz ué, e eu co isso?

–Aonde tem banheiro aqui?

Apontei para o mato e ela fez uma careta.

–Eu tenho medo de ir sozinha, tá escurecendo e pode ter cobras.

–Pensei que não tivesse medo de nada.

–Gus, por favor, vem comigo?

–Eu???- Senti meu rosto avermelhar- Deve ser um dos seus planos malignos, vai fazer xixi no meu pé ou sei lá!

–É sério Gus! Por favorrrr.

Sua voz era chorosa, ela realmente tinha medo. Hesitei, mas concordei em ir. Ela pegou o papel higiênico e me deu as mãos, ela suava frio.

–Vira de costas.

–Que?

–Não quero que me veja fazendo xixi.

–Ok né...-Me virei.

–Ei! Quem mandou soltar a minha mão?

–Sério isso?- Ela me metralhou com os olhos. Segurei sua mão e me virei sem reclamar.

Logo ecoou pela mata o barulhinho do jato de xixi. Por algum motivo, me veio uma vontade incontrolável de rir, toda aquela cena era bizarra: ela com medo, segurando com afinco a minha mão e fazendo xixi na mata depois do nosso carro enguiçar.

–Para de rir!

–Desculpa.-Tentei me segurar, mas não consegui.

–Para...kkkkkkkkkkkkkkk.

De repente ela começou a rir, uma risada espalhafatosa e sincera. Foi a primeira vez que eu senti uma harmonia, acho que aquilo era uma trégua.

Ela se levantou e voltamos para as barracas, onde Isaac inutilmente tentava acender uma fogueira.

–Deixa isso comigo.-Marti sacou um isqueiro e acendeu a fogueira. Não sabia se me sentia aliviado por ela ter um isqueiro e nos salvado de passarmos frio ou se ficava preocupado porque era a Marti com um isqueiro.

Sentamos em volta da fogueira, estava ventando muito então Marti pegou uma colcha e se enrolou, eu e Isaac pegamos um pouco de comida industrializada e dividimos igualmente. Ficou um silêncio, Jim e Zip sumiram e Isaac estava claramente preocupado com eles.

–Calma, eles estão com o Earl, estão seguros.

–E como posso confiar em você?

–Bem, Earl é meu amigo de longa data, me ajudava a fugir de casa, me buscava em festas, como um pai pra mim, melhor até que o meu pai de verdade.

Vi sua expressão apagando, ela nunca falava da família, nem expressava saudades ou qualquer outro sentimento. Peguei o violão e resolvi tocar pra quebrar o clima.

–O clássico adolescente com o violão pra pegar garotas. Patético.- Disse enquanto afagava o rosto com as mãos.

–Você poderia cantar comigo.

–O que?

–Já te ouvi cantando, e por mais que eu odeie admitir isso, você canta bem.

–Bom, já que você odeia, cantarei pra você.

Encarei aquilo como um sinal de trégua, ela era tão melhor quando não está gritando, xingando, batendo ou me irritando, e ela parece confortável, como se ela estivesse tentando esconder aquela risada espalhafatosa que faz os olhos e o nariz enrugarem.

So, so you think you can tell

Heaven from Hell

Blue skies from pain

Can you tell a green field

From a cold steel rail?

A smile from a veil?

Do you think you can tell?

A voz dela cantando Wish you were here soava tão calma e doce, como um canto de sereia. Isaac deu um longo bocejo:

–Vou dormir.- E se dirigiu a sua barraca.

Ficamos sozinhos, a fogueira estava quase apagando, a luz estava fraca e suave, ficamos em silêncio, entretanto não me contive:

–Por que você estava chorando naquele dia?

–Que dia?

–Depois da confusão do almoço.

–Ah...

–Desculpa perguntar, mas fiquei curioso, não sabia que robôs choravam.

Ela revirou os olhos.

–eu não que...- Ela parou no meio da frase e deu um longo suspiro, como se precisasse tirar aquele peso de si.- Estava falando com a minha mãe.

–Sente saudades dela?

–Queria que ela sentisse saudades de mim.

–Como assim?

–Ela não gosta de mim. Eu sou um peso na vida dela, uma âncora do passado, que a impede de ter a família feliz de comercial de margarina dela. Ela deve estar agradecendo or eu não estar lá.

–Como assim?

–Ela tá grávida, tá formando uma nova família, e eu não me encaixo nela.

–Como não? É filha dela.

–O babaca do meu padrasto me odeia. Ele acariciou a minha coxa, contei pra ela mas ela não acreditou.

–Mas isso é assédio! É crime!

–Ela falou que era eu querendo atenção e destruir a felicidade dela, e desde então o Caetano me vê como ameaça, me joga contra ela, enquanto eu tento salvá-la desse babaca.

–Já tentou falar com alguém?

–Falar com quem?? Ninguém acredita em mim, e agora aquele canalha venceu, se livrou de mim e fez um filho nela.

Ela não conteve as lágrimas e nem tentou disfarçá-las, na verdade, parecia aliviada e nua, exibindo uma fragilidade humana. Me aproximei e sequei as lágrimas da bochecha. Meus olhos pousaram em seus lábios rubros. Queria beijá-la. Queria beijá-la, mas aquilo não soava mais como um embrulho no estômago e sim como um frenesi interno.

Ela entendeu pelo que eu ansiava, e virou o rosto e pousou os olhos no chão.

–Não, sobre isso eu não quero falar.- E se levantou nervosa.

Senti um vazio me corroer, não era como levar um fora, era pior: Era não saber sobre os sentimentos dela. A dúvida era o pior sentimento que já pude sentir.

Nesse exato momento a barraca da Marti se soltou e saiu voando por dentro da mata.

–AHHHHHHH-Deu um pulo para desviar da barraca- Me ajuda!

Levantei na mesma hora e corri atrás da barraca fujona, mas estava escuro e não consegui alcançá-la.

–Vamos ter que dormir na mesma barraca.

–Não!

–Ok, então você pode dormir no mato junto com as cobras.

–Táá.

Ela se aconchegou junto a mim no saco de dormir, ela se virou para evitar me olhar, enquanto segurava o impulso de abraçá-la e afagá-la no meu abraço, mas minha mente se preencheu de perguntas. Será que ela gostava do Jake?

Ouvi barulho de passos, aparentemente Marti já tinha adormecido. Gelei. Poderiam ser estupradores, mas logo depois ouvi Jim soltar um dos seus comentários aleatórios:

– Estrelas são fadinhas zumbi.


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Notas finais do capítulo

Mereço mais que reviws, mereço um busto esculpido em carrara.
Beijos Boni.



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