Lado A Lado - A História ao Contrário escrita por Filipa


Capítulo 11
"O Regresso"




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8 de Fevereiro de 1905. A casa de Laura e Edgar voltava a se iluminar depois de mais de um mês de ausência. Ciente da chegada iminente dos patrões, Matilde arrumara tudo com cuidado e dedicado esmero. Alguns vasos de túlipas brancas decoravam levemente a sala da residência. O quarto do casal também estava pronto. Limpo e organizado, o cómodo emanava a tranquilidade do alecrim que Edgar pedira na última carta enviada antes de saírem de Portugal. Do outro lado do corredor, o quarto de hóspedes estava remodelado. A cama dera lugar a um belo berço coberto com delicadas rendas brancas e a impessoal cómoda, estava agora docemente decorada com algumas bonecas. Matilde sabia que, em algumas horas, a filha de Edgar ocuparia aquele quarto.

O relógio marcava as 16h30m quando batidas na porta quebram o silêncio. Agitada a empregada corre para a porta mas logo se dececiona ao constatar a presença indesejada de Constância. Respirando seu próprio ar superior, a baronesa reclama da pobre receção de Matilde e se posiciona no centro da sala.

Matilde: Boa tarde D. Constância. Perdoe minha indelicadeza mas pensei que seriam D. Laura e o Dr. Edgar.

Constância: Mas então ainda não chegaram? Esses navios sempre atrasados. Espero que não tenha acontecido nada, estou com tanta saudade da minha menina – diz olhando em volta e notando o aprumo da arrumação. - Vejo que você deixou tudo um primor Matilde. Ainda bem que não me enganei a seu respeito. Visto que não chegaram, vou voltar p´ra casa mas antes me traga um chá, por favor. Preciso me recompor do calor infernal que faz lá fora.

Matilde: Com certeza senhora. Com licença.

A empregada sai e deixa Constância na sala. Receando que os patrões cheguem a qualquer momento, Matilde a serve e tenta despachá-la. Constância não sabe a verdade. Para a família, Laura e Edgar foram para Portugal passar uma segunda lua-de-mel. Tendo terminado de tomar o chá, a baronesa se levanta e Matilde a acompanha até à porta. Não tinham ainda se aproximado quando a porta se abre. Constância se choca com o que seus olhos vêem. Na sua frente, Laura e Edgar com Melissa no colo estacam também perante a presença inesperada da baronesa.

Laura: Mãe! O que a senhora está fazendo aqui?

Constância: Laura, minha filha. O que vem a ser isto? Quem é essa menina? – questiona nervosa.

Edgar: Como se a senhora não soubesse. Essa menina é minha filha Melissa. A filha que a senhora tentou esconder de mim se apoderando de uma carta que não lhe pertencia.

Constância: Não pode ser. Eu estou tendo um pesadelo, meu Deus. Você teve o descaramento de trazer a bastardinha p´ra debaixo do mesmo teto da minha filha? Onde você está com a cabeça Edgar?

Laura: Chega mãe! A senhora não tem nada a ver com essa história. Isso é problema nosso, a senhora já se intrometeu demais. Vá embora, por favor. Conversamos outra hora.

Constância: Devia ter feito mais pois vejo que vocês perderam o juízo.

Edgar: Nós não lhe devemos satisfações. Com todo o respeito, nos dê licença D. Constância. Estamos cansados da viagem.

A contra gosto e incrédula com aquela cena, Constância vai embora. O regresso a casa começara atribulado para Laura e Edgar.

Matilde: Dr. Edgar, D. Laura, me desculpem, eu tentei mas ela…

Laura: Está tudo bem Matilde, não se preocupe. Nós conhecemos bem a D. Constância. Como vão as coisas por aqui?

Matilde: Bem. Fiz como mencionaram nas cartas. Está tudo pronto.

Edgar: Obrigado Matilde. Você pode levar a Melissa lá p´ra cima? Vamos arrumar as malas e já vou lá.

Edgar coloca a menina nos braços da empregada e vira sua atenção para Laura.

Edgar: Vou levar as malas p´ro quarto. Você está bem?

Laura: Estou só um pouco enjoada. Edgar, agora que a minha mãe já sabe da Melissa, acho que é melhor reunirmos os meus pais e os seus e contarmos tudo de uma vez. Adiar mais só vai piorar as coisas – diz consternada.

Edgar: Você tem razão mas vamos descansar primeiro. Amanhã os convidamos para um chá aqui em casa e contamos tudo. Agora vem… sorri puxando-a pela mão e apertando-a nos braços – deixa eu sentir você perto de mim outra vez.

A noite não tarda a passar. Na manhã seguinte, Laura e Edgar madrugam. Enquanto o advogado arruma Melissa, Laura desce para tomar o café.

Laura: Bom dia Matilde.

Matilde: Bom dia D. Laura. Posso servir o seu café?

Laura: Pode sim mas eu tomo antes um chá. Ultimamente não suporto o cheiro do leite e do café. Ah, Matilde? Vou precisar de um favor seu. Minhas roupas estão ficando apertadas, você pode chamar uma modista p´ra mim?

Matilde: Claro D. Laura mas, se me permite a pergunta, a senhora está doente?

Laura: Não, pelo contrário. Estou grávida – conta esboçando um sorriso.

Matilde: D. Laura que notícia boa. Fico muito feliz pela senhora e pelo Dr. Edgar.

A empregada se retira e Edgar surge indo sentar-se à mesa.

Edgar: Melissa é muito tranquila. Terminou de tomar a mamadeira e dormiu de novo. Você já tomou café?

Laura: A Matilde foi preparar o meu chá. Eu vou sair. Preciso falar com a Isabel, estou morrendo de saudade dela. Você vai ficar em casa?

Edgar: Não, vou sair também. Vou encontrar-me com o Guerra. Aproveito e envio um bilhete para os meus pais marcando o chá de hoje. Cinco horas está bom p´ra você?

Laura: Sim. Não pretendo me demorar. Volto para almoçarmos e tratar de tudo. Agora vou indo. Até logo.

Laura termina seu chá, se levanta, dá um beijo morno no marido e sai.

Os reencontros com os amigos fluíram entre a alegria e a tristeza. Desabafaram ambos sobre tudo que acontecera em Portugal e nas dificuldades que a nova realidade lhes trouxera. Catarina era assunto a evitar entre os dois. Edgar se sentia triste com a frieza de Laura. Embora não a pressionasse com medo da reação da esposa, o advogado não entendia a dificuldade dela em relacionar-se com Melissa. Laura se sentia abalroada por tudo aquilo. Não culpava a menina mas também não era ainda capaz de olhá-la sem se lembrar da mãe dela. Seu medo era maior que sua coragem.

Às cinco horas da tarde e com a cidade em polvorosa com os festejos do Carnaval, os Vieira e os Assunção chegaram para o chá. Constância mal disfarçava o nervosismo. Por ela, Melissa era despachada para Portugal no próximo navio. As boas vindas terminam e a ansiedade de todos povoa o ambiente. Laura vai direta ao ponto e inicia a narração do verdadeiro motivo daquela reunião familiar.

Laura: Estou grávida! Dentro de seis meses eu e Edgar teremos um filho – conta sem grande entusiasmo transparecendo um brando sorriso.

Todos ficam visivelmente felizes com a notícia e felicitam o casal. Constância abraça a filha. Apesar de suas falhas de caráter, ninguém podia negar o amor desmesurado que a baronesa nutria pelos filhos. Ela sabia o quanto Laura estava sofrendo com tudo aquilo.

Bonifácio: Que notícia maravilhosa, meu filho. Finalmente um neto. Minha continuidade está garantida agora que você terá um herdeiro. Torço para que seja um menino.

Assunção: Já vi que essa criança será mais cobiçada do que os lugares do senado. Filha, Edgar, parabéns. Agora me diga Laura, tem-se cuidado direito? Você me parece um pouco abatida.

Laura: Não se preocupe Dr. Assunção. Está tudo bem com o seu neto.

Edgar: Nós estamos realmente muito felizes. Sonhamos tanto com esse momento mas, tem mais uma notícia que nós queremos partilhar. Matilde! – chama.

Constância: Edgar, você não está pensando em… – interrompe aflita.

Matilde desce as escadas segurando Melissa que ri inocentemente. Margarida, Assunção e Bonifácio não escondem o espanto e a curiosidade ao verem a menina. Matilde entrega a pequena a Edgar que, feliz, faz as apresentações sem rodeios.

Edgar: Pai, mãe, Dr. Assunção, essa é Melissa. Minha filha.

Bonifácio: Sua o quê Edgar? Não devo ter lavado bem meus ouvidos essa manhã… que brincadeira é essa?

Edgar: Não se trata de uma brincadeira, o assunto é sério e bem real. Melissa é minha filha, fruto de uma relação sem importância que tive nos tempos em que vivi em Portugal.

Constância: E de onde jamais deveria ter saído. Você não achou suficiente ter traído Laura quando eram noivos? Como tem coragem de pisar nos sentimentos dela ainda mais humilhando-a com a presença dessa bastarda nessa casa?

Margarida: Constância, contenha-se, por favor.

Constância: Me conter Margarida? Ora, por favor. Nós duas sabemos muito bem que os homens têm seus pecadilhos mas, em circunstância alguma, eles podem interferir dessa forma no casamento. O que as pessoas vão dizer quando souberem?

Laura: O que os outros vão dizer, mãe, é o que menos importa. Melissa veio connosco e aqui ficará.

Margarida: Então você a criará como se fosse sua Laura! Fico aliviada por ver que vocês solucionaram tudo.

Laura: Não! Melissa é filha do Edgar, não minha. Não vou tomar o lugar da mãe dela, muito menos vou viver de aparências fingindo que nada aconteceu.

Edgar: Laura, por favor, se acalme. Não há motivos p´ra tudo isso.

Laura: Não há motivos? Você pensou que eu ia compactuar com uma mentira dessas? Você não me conhece Edgar. Eu aceitei a sua filha debaixo do nosso teto porque ela não tem culpa de nada e você fez questão de trazê-la mas eu nunca, ouviram bem, nunca vou aceitar essa imposição. Eu ajudo na educação e na criação mas a menina e todos sempre saberão que a mãe dela é outra.

Bonifácio: Vocês dois enlouqueceram? Eu sou um senador da República. O que vocês acham que vai acontecer quando o Rio de Janeiro inteiro souber que o meu filho e a minha nora trouxeram uma bastardinha para dentro de casa?

Os ânimos aquecem cada vez mais e a discussão continua. A pressão para que Laura aceite dizer que Melissa é sua filha a deixa fora de si. Um choro de raiva emana de seus olhos mas ela continua irredutível em sua decisão. Edgar e Assunção tentam, em vão, acalmar a todos. Por fim, Margarida e Bonifácio abandonam a residência. Constância insiste em ficar mais um pouco alegando que só ela conseguirá pôr juízo na cabeça da filha e do genro mas Assunção a arrasta até à porta. A sós, Laura e Edgar mal se olham ainda paralisados com tudo o que acontecera.

Edgar: Você diz que aceitou a Melissa mas nunca a pegou no colo. Realmente, eu não sei onde eu estava com a cabeça quando achei que você seria como uma mãe p´ra ela – desabafa sem conter um certo ressentimento na voz.

Laura o olha violentamente e, dando um passo em sua direção, o enfrenta novamente.

Laura: Você acha fácil tudo o que eu estou passando? Se coloca no meu lugar e pensa bem Edgar. E se fosse ao contrário? E se fosse eu que tivesse um filho de outro homem? Você aceitaria? Você criaria como se fosse seu? Seria altruísta ao ponto de olhar para o meu filho e se esquecer que não era seu e sim o fruto de uma traição?

Edgar: Is… isso não vem ao caso… é… é diferente.

Laura: Diferente como? – grita – Porque eu sou mulher e você é homem? Pois eu te respondo: não, você nunca aceitaria. Eu vejo isso nos seus olhos então Edgar, não cobre de mim uma atitude que você não teria. Comparando com você, eu já estou sendo muito complacente e, se o que você quer é uma mãe p´ra sua filha, volte para Portugal. Tenho a certeza de que ela te receberá de braços abertos.

Esgotada ela sobe para o quarto. Edgar se recorda do dia em que, naquela mesma sala, Laura o ameaçara com o divórcio caso ele fosse sozinho a Portugal. Abraçando a filha enquanto tenta segurar a emoção, Edgar se encaminha para as escadas. Depois de adormecer a menina, abre a porta do quarto com cuidado e, em silêncio, observa Laura que, de pé em frente ao espelho da cómoda e de costas para a porta, acaricia seu ventre. Por entre a fina seda da camisola branca que cobre seu corpo, já se desenham os contornos de sua fisionomia em mudança. Vencido, ele deixa as lágrimas se soltarem e a abraça por trás.

Edgar: Me perdoa Laura. Eu fui duro com você mais uma vez, me perdoa. Eu prometo que vou me esforçar por entender. Eu não suporto mais brigar com você. Isso não é bom p´ra nós nem p´ro nosso filho.

Laura: Eu quero tanto acreditar que a gente vai superar tudo e ser feliz outra vez. Mas eu não consigo. Isso me dói demais Edgar. Quando eu fecho os olhos eu não vejo futuro p´ra nós – confessa soluçando.

Edgar: Shh… shh… não repita isso nunca mais meu amor – pede virando-a de frente para si.  Nosso amor é maior do que todos os problemas que possam nos assolar. O tempo vai curar todas as mágoas.


O Carnaval passa. Os dias e as semanas vão-se sucedendo e, com elas, a barriga de Laura vai crescendo. Laura e Edgar dormem tranquilamente. Faltam algumas horas para o sol nascer quando um choro irrompe pela casa. Cansado depois de ter passado o dia anterior no hospital com Melissa, Edgar não se move. Laura acorda e, vendo o sono desmaiado do marido, decide não despertá-lo. Vestindo o penhoar, entra no quarto da menina e, num impulso, se aproxima e a pega no colo. Um calafrio percorre todo o seu corpo e, finalmente, sorri ao ver a forma com que seu gesto acalma o choro da pequena. Aquela era a primeira vez em que tivera coragem de segurá-la nos braços. Carinhosa a deita no colo e a embala sob o olhar emocionado de Edgar que entretanto acordara. O advogado prepara a mamadeira e depois de a adormecerem voltam a mergulhar num sono calmo.


Faltam poucos dias para a Páscoa. A manhã acabava de romper quando os dois acordam.

Edgar: Bom dia! – diz sorrindo e se inclinando para beijar a já notória barriga de Laura. – Dormiu bem?

Laura: Bom dia. Sim, e você?

Edgar: Também. Sabia que você está cada dia mais linda e maravilhosa? – questiona olhando-a com um ar de bobo e um sorriso penetrante.

Laura: Você acha? Eu não me acho nada linda e maravilhosa. Estou cada dia maior e mais amassada – brinca

Edgar: Boba, você é linda de qualquer jeito e grávida então! Não tenho palavras p´ra descrever o quão encantadora você está.

Laura: Espera mais uns quatro meses e quero ver se você vai dizer isso quando a cama for demasiado pequena p´ra nós dois e esse barrigão – brinca rindo.  É melhor deixarmos a conversa p´ra depois e aproveitarmos enquanto podemos – afirma insinuando-se.

Edgar entende o recado e a beija apaixonado. Entre prolongados beijos e carícias suaves mas intensas, os dois se amam demoradamente. Já prontos para mais um dia de trabalho, tomam o café da manhã quando Matilde os interrompe segurando uma pequena bandeja com uma carta.

Matilde: Dr. Edgar! Chegou uma carta endereçada ao senhor.

Edgar: Carta? P´ra mim? Deixe eu ver.

Seu rosto empalidece. Segurando a carta fechada nas mãos, anuncia: “ É de Portugal!... da Catarina.


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