Eu ainda estava tentando não comparar o comportamento do Aquiles com o do Fred quando desembarquei do trólebus para ir à aula.

Eles eram pessoas completamente diferentes, em situações totalmente distintas. Bem, não tão distintas, mas enfim...

_ Cris!! Bom dia gata!!!

Estranhei encontrar com a Thaís logo tão cedo. Mas talvez ela só estivesse ansiosa como eu para voltar à escola.

_ Bom dia Thaís. E então, foi bem de feriado?

_ Poderia ter sido bem melhor, mas não posso reclamar! Fui viajar com meus pais e com o Fabrício... E sabe como é, né? Até com os beijos a gente tinha que tomar cuidado... Ah, se eles soubessem as misérias que a gente já fez.... Mas não tente me distrair e conte-me tudo sobre o seu!!!

E desde quando eu estava fazendo isso?

_ Bom... Foi muito bom... - Eu quase comecei a falar, mas desisti. - Foi realmente bom.

_ Cris... Você disse três vezes que foi bom... Será que eu posso saber o que houve de tão bom?

_ Ahn, não... Digo, não houve nada demais.

_ Então por que você está vermelha?

Ela estreitou os olhos e começou a balançar um dedo na minha direção:

_ Arrááá!!! Então vocês também fizeram miséria!!!

Era assim que estavam chamando agora?

_ Não tenho ideia do que você está falando.

De repente minha mochila tomou toda a minha atenção. Minha mochila parecia precisar mais dela que a Thaís. E me deixava menos embaraçada.

Ela inclinou-se para frente, de forma que eu pudesse vê-la novamente e um pouco mais séria, perguntou:

_ E foi bom?

Não tinha mais como negar, com o meu rosto em chamas como estava. Então não vi outra alternativa a não ser confidenciar com ela.

Ela gritou por cerca de um minuto inteiro depois de toda a história, enquanto eu implorava por discrição.

_ Que bonitinho, Criiiis!!! Dá cá um abraço, amiga!!!

_ Tá bom, Thaís, tá bom, mas por favor, seja mais discreta... E nunca diga a ele que te contei!

_ Ê laiá... Parece que não conhece o código de conduta entre amigas!

De fato não.

_ Uma hora eu chego lá, Thaís...

_ Mas, por favor, apresse-se!

Não pudemos continuar a conversa, pois o assunto acabava de chegar.

_ Bom dia, Thaís. Bom dia, Mel.

Ele a cumprimentou e em seguida deu-me um beijo. Sentou-se ao meu lado e segurou minha mão.

Inexplicavelmente todos nós silenciamos, e cheguei a ficar sem graça com a situação.

Pensando o mesmo que eu, a Thaís começou a assoviar ruidosamente e então decidiu:

_ É, acho que estou mesmo sobrando! Nos vemos daqui a pouquinho crianças!

Dei risada, mas continuei em silêncio quando fomos deixados a sós.

_ E então, tudo bem?

_ Por que não estaria? - Deixei escapar.

_ Você está meio quieta...

_ Foi você quem começou.

_ Ah, sim! Me desculpe!

Ele soltou uma risada sem graça. Não entendi sua postura insegura, mas preferi não pressioná-lo.

_ Vamos? - ele chamou quando a professora chegou.

Aceitei sua mão e entramos.

Sentei na frente dele, mas me recusei a conversar com ele. Seu comportamento estava mesmo me irritando.

Descemos para a aula de educação física na mesma situação. Estávamos de mãos dadas, porém, mais distantes que nunca.

 

Why don't you feel me?

Por que você não me sente

Why can't I hold your hand?

Por que não posso segurar sua mão?

 

Comecei observando-o jogar, mas logo me perdi nas folhagens dos pinheiros que rodeavam as quadras.

Será que não estava conseguindo se expressar? Estaria constrangido? Queria reclamar de alguma coisa?

Eu sempre me fazia muitas perguntas que não podia responder. Talvez eu me superestimasse. Talvez eu acreditasse que fosse tão inteligente que seria até mesmo capaz de sanar minhas dúvidas emocionais.

Mas no fim eu sempre aceitava que infelizmente esse conhecimento eu não tinha. E nem nunca teria.

“Sem deprê, vai...” Tentei me animar quando o sinal tocou. Talvez ele só estivesse com algum outro problema e precisasse de apoio.

 

Never said that you'd leave me

Você nunca disse que me deixaria

And I know you are somewhere

E eu sei que você está em algum lugar

 

_ Jogou bem.

Tentei ser gentil mesmo sem ter assistido ao jogo.

_ Bondade sua. Mas obrigado.

Ele sentou-se ao meu lado, e fez silêncio.

Então ficaríamos assim durante todo o intervalo? Quietos e imóveis?

Não, se dependesse de mim.

_ O que houve? - perguntei sem encará-lo.

_ Eu não sei.

A resposta me surpreendeu. Imaginei que ele negaria o problema ou ao menos que se fizesse de desentendido.

Voltei a silenciar. O que mais eu podia fazer se ele tinha um problema, mas não sabia o que era?

A fim de deixá-lo confortável, continuei quieta até o fim do intervalo. Em seguida, subimos para a aula de química.

A aula foi mais teórica do que eu esperava; o professor havia iniciado a explicação de compostos orgânicos naturais, mas estava estampado na cara do Aquiles que ele não havia entendido nem a diferença entre um monossacarídeo e um oligossacarídeo.

Eu também não ofereci ajuda. Ele parecia nunca saber do que precisava.

 

I held you up

Eu levantei você

Every time you were down

Toda vez que você estava mal

 

No fim da aula, ele ficou parado ao meu lado, esperando que eu terminasse de arrumar minhas coisas.

Quando eu finalmente terminei, acompanhei-o para fora. O andar já estava vazio, pois todos e qualquer um era mais rápido que eu.

_ Esse seu silêncio em muito me preocupa, Aquiles. - comecei quando iniciamos as escadas.

E como para reafirmar minha preocupação, o silêncio se tornou ainda mais pesado.

_ Tá certo. Se você acha mesmo que será melhor assim...

Eu também já havia tido momentos em que a voz dele era apenas irritante.

Venci os últimos degraus e aguardei por ele. Que já não se forçava a segurar minha mão.

 

Your crying stopped

Seu pranto parava

When I was around, but...

Quando eu estava por perto, mas...

 

_ Não, isso não está sendo justo. - ele disse ao me alcançar.

Cruzei os braços, como se quisesse me defender da conversa.

_ Tudo bem. Eu entendo se preferir ficar apenas consigo mesmo.

Desviei meu olhar para a porta do banheiro feminino logo atrás dele. Uma lembrança engraçada invadiu minha mente sem querer.

_ Você merece que eu lhe diga. É covardia deixar que adivinhe.

Então eu estava certa. Era desolador.

_ Hum. - murmurei.

Ele suspirou e depois de alguns segundos, continuou:

_ Você é maravilhosa, Mel. É sério.

_ E por que isso não soa tão bem?

_ Não pense dessa forma...

_ Certo. Então me diga da forma correta.

Ele hesitou. De qualquer forma, eu já sabia o que viria a seguir. Mas continuei aguardando. Queria ouvir suas palavras. Sua justificativa.

 

Why don't you love me

Por que você não me ama

Enough to stay with me?

O bastante pra ficar comigo?

 

_ Eu acho que a gente precisa... Não sei... Pensar um pouco.

_ Separados, claro.

_ Não fique chateada, é só que...

_ Por que eu ficaria chateada? Eu só queria mesmo transar com você.

_ Por favor, Mel, não pense assim...

_ O que você quer que eu pense? Afinal... Desde então você está tentando terminar comigo.

_ Não tem nada a ver... Foi o momento mais especial para mim... Mas...

_ Mas o quê?! - quase gritei devido à minha irritação.

 

Now tell me truly

Agora me diga sinceramente

Was it there in your heart too?

Isso estava lá no seu coração também?

 

Ele meneou a cabeça, visivelmente atordoado. Virou-se e deu alguns passos. Então se voltou para mim novamente.

_ Se continuarmos, eu vou te magoar. E isso sim é inaceitável.

_ Como você faria isso? Isso é, se eu puder saber.

_ Eu não quero que pense que estou escolhendo, Mel. É por isso. Eu não estou fazendo isso. Pois já escolhi.

Revirei minhas memórias.

_ Estamos falando da sua ex?

_ Só quero que saiba que isso não se trata de escolher entre vocês...

_ Quando esteve com ela?

_ Eu te amo de verdade, Mel. Não vou fazer isso com você.

_ Ontem, não foi? Logo depois de termos... Sabe Aquiles, eu teria sentido um pouco de peso na consciência. Pensando bem, ela não pode pesar, se ela nem ao menos existir, não é mesmo?

_ Nós não fizemos nada, Mel...

_ Só decidiram ficar juntos. Mas me contar antes de consumarem a decisão. Lindo da parte de vocês.

_ Você tem que parar de tirar suas próprias conclusões.

Ele falou com firmeza, me fazendo calar.

_ Não quero que duvide do meu amor. Mas eu também não quero duvidar.

Como ele podia falar de amor enquanto admitia ter estado com a ex no dia seguinte ao nosso momento mais especial?

Eu nunca encontraria alguém que me desse valor?

Eu estava encarando o teto, esforçando-me para manter minhas lágrimas sob meu domínio.

Minha maior dor era a de ter sido novamente enganada e não por estar sendo abandonada. Quando eu ia aprender?

 

All that I'm left with

Tudo o que levo comigo

Is a dream of me and you

É um sonho meu e seu

 

Ele ainda não havia parado de falar sobre os benefícios de terminarmos.

_ ... E é melhor darmos um tempo para que você não sofra Mel...

_ Certo. Pode voltar para a Daphne, eu não vou sofrer.

_ Você não entendeu...

_ Nem você.

Dei-lhe as costas e voltei a subir as escadas. Havia outra saída do outro lado do prédio.

_ Mel, por favor, vamos terminar de conversar. - ele pediu enquanto me seguia.

_ Já conversamos o suficiente.

_ Não. Isso não foi o suficiente...

_ O que mais você quer dizer que eu não saiba? - virei-me bruscamente para encará-lo.

Deixei-o sem palavras.

_ Ótimo. Então por favor, dê-me tempo também.

Os três segundos que nos encaramos em completo silêncio pareceram durar horas. Seus olhos verdes já não me traziam a paz e a segurança que eu sempre encontrava neles. Por quê?

 

You filled my soul

Você preenchia minha alma

With your beauty and with hope

Com sua beleza e com esperança

 

Antes de sucumbir, dei-lhe novamente as costas e continuei subindo. Dessa vez, sozinha.

Completamente sozinha.

 

We're different although

Nós somos diferentes sobretudo

We were just like water in sand

Nós éramos como água na areia

 

 

*~*~*

 

 

_ Moça, seu bilhete... - o motorista do trólebus me alertou.

_ Ah, obrigada.

Tentei me lembrar do conteúdo programado para aquela aula de história. Não queria me arrepender por não tê-la assistido.

Ainda mais por culpa de alguém que parecia não valer nem um pouco a pena.

Sacudi a cabeça de um lado a outro. Eu não ia desperdiçar meus pensamentos com ele.

Chegando em casa, liguei o som num volume alto. Nem me preocupei sobre que música estava tocando. Eu só queria ouvir algum barulho pela casa. Num volume que me incomodasse a ponto de não pensar em outra coisa.

Fui para a cozinha preparar a comida. Não tinha fome, mas queria manter minha rotina como sempre fora.

_ Não posso me atrasar para o curso... - comentei comigo mesma ao olhar para o relógio da cozinha.

Coloquei o prato sobre a mesa e me sentei diante dele.

Um soluço impediu-me de dar a primeira garfada, e os olhos embaçados também não ajudaram.

Empurrei o prato para o lado e debrucei-me sobre a mesa.

Eu não queria que as lágrimas descessem e voltassem a endurecer meu coração.

Mesmo que doesse, sentir emoções era a maior prova de minha existência. Da existência de uma história.

Tentei controlar minhas lágrimas quando disquei o número da Thaís.

_ Oie, Cris! - atendeu animada.

_ Thaís? O que vai fazer essa tarde?

_ Hum... Não sei ainda... Acho que vou... Ei, ei, ei! O que foi? - perguntou preocupada ao notar meu pranto.

_ Meu cabelo está horrível... – eu disse entre soluços. – Será que não iria comigo novamente até sua amiga?

_ Cris... Claro! Nos encontramos em meia hora no mesmo lugar, tudo bem?

_ Aham.

_ Amiga, fica calma, tá?

_ Hum-hum. - confirmei novamente. – Até lá.

Ele tinha o direito de não me querer. Seria egoísmo pensar nele como um mau caráter por ter terminado comigo. Esse era o livre arbítrio.

Só me restava superá-lo.

 

I held you close

Eu segurava você bem forte

When you fell to the ground

Quando você caía no chão

And now you've torn all my hope apart

E agora você destruiu toda a minha esperança

You could have said goodbye

Você poderia ter dito adeus

Continua

 

 

 

 

 

 

 

*

N/A: Okaaayyy... Peço perdão!

Mas acontece!

 

Uma curiosidade: Esse foi o primeiro cap de FA que me veio à mente qdo comecei a escrever.  Por isso o nome "For Amelie"/Amélia. Toda a fic se desenvolveu a partir desse término.

Triste, mas tenham calma! C'est la vie!

 

Kissão flores de meu jardim e xuxus de minha horta. //morre