Eu acho dormir uma perda de tempo. Uma perda de tempo deliciosa! É a melhor coisa que se pode fazer... Pelo menos é que eu acho. Tem dias que eu desejo simplesmente ficar na cama o dia inteiro, dormindo e sonhando. Para ficar melhor que isso, só se eu acordar para comer um pedaço de chocolate e depois voltar a dormir. Sério, Lucius que espere até o dia seguinte, ele não vai morrer por ter um pouco de paciência, vai?
Mas sério, dormir é a coisa que mais gosto de fazer! Afinal, eu virei advogado por ter vantagem de não ter que cumprir horário todos os dias, por que mais eu estaria resolvendo problemas alheios? Ta, é mentira. Eu gosto do que faço, mas claro que também a-do-ro esse tipo de vantagem! Digo, o melhor pecado capital que tem é a preguiça... Lucius pode achar que é a luxuria e a Allinton que é a gula, mas para mim não, preguiça é tudo de bom! Por isso despertadores foram banidos do meu quarto há alguns anos e toda vez que Lucius compra um novo, ele acaba sendo jogado para fora da janela no dia seguinte assim que começa a encher o saco. Mas ele aprende? Não, claro que não. Vai lá e compra outro! É SEMPRE assim, teimoso feito uma mula... Talvez isso o deixe tão fofinho! E tão... Ah, nada, esqueçam!
Hã, sobre o que eu tava falando mesmo? Ah, sim, dormir...
- PAI! – Allinton gritou com um tom de preocupação na voz. E foi assim que eu voltei para a realidade e percebi que eu tinha realmente conseguido queimar o brigadeiro que ela tinha feito. Mimimi, eu devia ter prestado mais atenção em vez de ter ficado pensando em... Em... Dormir? É, acho que era isso...
- AH, DESCULPA! – Respondi largando a panela em cima do fogo e olhando para o estrago feito. – Eu me distraí um pouco.
- Percebi! – Ela respondeu no tom agressivo de sempre. Pergunto-me porque ela não pode ser um pouco mais delicada, afinal, não aprendeu essa grosseria comigo e muito menos com Lucius. Ta bom, quem estou querendo enganar, foi com Lucius... – Eu só pedi para você ficar mexendo enquanto eu ia ao banheiro, qual a dificuldade? Conseguiu acabar com a única chance de comer brigadeiro essa semana! Como vai sobreviver com isso?!
- Não exagere, filha. – Respondi. A verdade? Ah, eu tenho chocolate espalhado por tudo que é lugar da casa, então acredito que vou sobreviver.
- Droga, devia prestar mais atenção no que faz! – Ela começou o sermão. E, acreditem, não é nada legal ter que levar bronca da sua filha de 14 anos... Pior que isso, só se for levar sermão do seu marido gay sem moral nenhuma. Mas isso quase nunca acontece, normalmente é ao contrario. Acho que eu sou realmente um pai coruja, quero dizer, tudo que estou conseguindo pensar agora é em como minha filha fica uma gracinha brava! Na verdade, Allinton é uma gracinha o tempo todo, apesar de tudo! Ok, ela não é nenhuma miss universo, mas se usasse maquiagem ficaria um arraso... Alias, por que ela não usa maquiagem mesmo? Eu jurava que Lucius ia fazer questão de ensiná-la. Até mesmo eu poderia ensiná-la... Não, não! Tenho que me conter! Afinal faço questão de ser o “herói” da minha filhinha e saber como passar blush não faz parte desse quesito. Mas não consigo de deixar de reparar nos detalhes, como por exemplo, as pontas duplas no cabelo dela ou a alça do sutiã dela aparecendo... Eu não devia perceber essas coisas, né? Foi um habito que adquiri mais ou menos quando comecei a achar o Brad Pitt mais interessante que a Angelina Jolie, ou quando fui para a cama com o Lucius... Não sei o que veio primeiro.
- Pai! Ta me ouvindo? – Ela indagou provavelmente quando meu olhar se tornou absurdamente vago.
- To, claro. – Eu tava mesmo, só não estava prestando atenção. São coisas diferentes, sabe? Eu geralmente não presto atenção em quase nada, ouço as primeiras palavras e perco o interesse. Não que minha filha saiba disso, afinal, para ela eu sou o cara sério e certinho que prioriza as pessoas. A verdade é que isso ta mais para uma fachada do que a realidade... Eu continuo sendo o mesmo, só que um pouco mais parecido com o Lucius. Esse negócio de ser sério é meio que o outro lado da balança para equilibrar com a hiperatividade do meu marido, mas por dentro eu acabo sendo até mais sensível que ele. Só não faço questão de mostrar isso para Deus e o mundo como ele! E sobre eu ter vergonha da minha opção sexual, como muitas vezes Lucius diz para me irritar, não tem nada a ver! Só porque eu não tenho um arco-íris em cima da cabeça não significa que eu tente esconder. Tenho meus trejeitos, mas só quem é observador, como eu, consegue reparar.
- No que ta pensando, pai? – Ela perguntou reparando novamente que eu estava distraído.
- Nada importante. Onde está seu pai?
- Provavelmente na sala vendo TV. – Allinton respondeu sem muito interesse e foi se livrar do brigadeiro estragado. Eu fui em direção a sala e, obviamente, o encontrei sentado em frente a TV. Quando percebeu que eu entrei na sala, se virou rapidamente com um daqueles sorrisos lindos que sempre me fazem derreter por dentro.
- Ri-chan! Senta aqui! – Ele falou batendo a mão no chão ao seu lado. Por algum motivo ele quase nunca senta no sofá.
- Hum, ta... – Respondi meio desconfortável, preferia muito mais estar no macio e quente das almofadas do que naquele chão duro e frio. Mas por Lucius eu fazia qualquer coisa...
- Hey hey, Ri-chan, adivinha o que aconteceu na novela!? – Perguntou todo animado assim que sentei ao seu lado. Olhei para a televisão que passava a musica de encerramento da novela.
- Acabou? – Arrisquei o obvio e ele revirou os olhos.
- Também, mas não é disso que eu to falando. Então, sabe a médica loira lá? – Ele perguntou ciente do fato de que não consigo decorar nomes (A não ser que seja de algum cara que minha filha conhece. Jake, Ryan... Hum, isso eu não esqueço!) e eu assenti com a cabeça. Então ele desembestou a contar o que tinha acontecido com a tal médica e tudo mais... Claro que eu parei de ouvir o que ele dizia logo depois de “médica loira lá”. Não entendo como as pessoas conseguem se envolver tanto com novelas, eu consigo prestar atenção no máximo uns dez minutos e olhe lá! Mas se bem que isso acontece com quase tudo desde que eu percebi o quanto prestar atenção no mundo real é entediante e que ficar refletindo me dá menos sono. Só me concentro quando é necessário, como nos tribunais, ou quando é de meu interesse. Mas eu nem sempre fui assim, quando era mais jovem, era bem mais concentrado nas coisas e pé no chão... Talvez eu esteja envelhecendo e enlouquecendo junto, nunca se sabe, né? Outra coisa que me tira o sono rotineiro é ler. Sempre que leio entro em um mundo diferente e aí sim me desconecto totalmente da realidade.
Enfim, enquanto Lucius falava e falava, eu apenas mexia a cabeça positivamente, fingindo escutar. Mesmo que ele soubesse que eu não estava ouvindo absolutamente nada do que dizia, era educado fingir... Bom, Lucius é a única pessoa que sabe quando eu estou realmente prestando atenção ou não. O legal é que mesmo quando ele percebe que eu estou viajando, ele continua falando. Ele não precisa que os outros o ouçam, precisa apenas falar enquanto eu não consigo ouvir metade do que as pessoas dizem. Fala sério, somos um belo par. Não, mais do que isso! Somos um par perfeito! Nascemos um para o outro, eu sinto isso... É como se eu fosse incompleto sem ele, é como se eu não existisse mais. Eu sou uma pessoa sentimental demais, tenho que parar com isso!
Mas pensando melhor, essa é uma das minhas maiores qualidades... Modéstia a parte, sou uma pessoa extremamente sensível com os outros e, hum, meiga. Sei que ninguém me descreveria dessa maneira, afinal meiga acaba sendo uma palavra feminina demais e quando me comparam com Lucius, acabam falando que ele sim é uma pessoa meiga. Coisa que eu discordo to-tal-men-te! Ele é alegre, cativante e simpático, mas ta MUITO longe de ser meigo! Com aquela língua afiada dele e o temperamento egocêntrico e explosivo, ele é uma pessoa mais puxada para o histérico do que para o meigo. Porem em minha opinião isso só o deixa mais bonitinho e mordível...
Acho que acabei encarando-o demais com cara de quem está apaixonado, pois ele parou subitamente de falar e abriu um sorriso que conseguia a proeza de ser inocente e malicioso ao mesmo tempo. Ele se aproximou de mim lentamente e me beijou, com a intenção de em tirar do meu mundinho e me trazer para a vida real. E funcionou, CLARO, se não funcionasse, nada mais poderia me fazer despertar.
Retribui o beijo quase que instantaneamente. Sentir aqueles lábios macios e quentes, aquela língua ágil, aquelas mãos delicadas que envolviam meu pescoço e faziam me arrepiar a cada toque... O melhor jeito de despertar.
- No que estava pensando? – Ele me perguntou com um quase sussurro quando se separou de mim, lentamente.
- Estava pensando que a médica foi idiota em ter feito aquilo. – Respondi fingindo ter prestado atenção, de brincadeira, claro. Lucius riu e balançou a cabeça negativamente.
- E o que a médica fez mesmo?
- Hã, aquilo lá que você disse antes... – Disse desviando meu olhar para o chão e logo em seguida, voltei a olhar para aquele azul quase infinito que os olhos dele apresentavam e não contive um suspiro.
- Você não me engana. Não ouviu uma palavra que eu disse, não é mesmo?
- Talvez. – Sorri tímido e deixei que meu rosto corasse um pouco, admito que não esperava uma intimidação tão direta da parte dele. Se bem que eu deveria, afinal é o Lucius! Sempre direto, sempre sem limites, sempre me surpreendendo com sua cara de pau e me fazendo ficar sem graça... Hum, talvez o charme dele seja ser irritantemente sincero, ou coisa do gênero. Eu sou suspeito para falar, né? Mas todo mundo acaba gostando dele! Quero dizer, ele fica exibindo esse sorriso altamente sarcástico e muitas vezes infantil e, vamos encarar os fatos, é impossível não se sentir seduzido por ele. Até mesmo quando eu o odiava, meu coração palpitava ao vê-lo sorrindo.
- Ri-chaaan... – Ele me chamou acariciando minha nuca com uma das mãos. – Já está distante novamente. Hoje você está pior que o normal!
- Desculpa. Eu estava pensando em você... - Dei um beijo em seu rosto e abri um largo sorriso.
- Ah, então tudo bem, eu deixo! – Lucius me abraçou com tudo quase me derrubando no chão. – Mas não prefere parar de pensar em mim e aproveitar o tempo que tenho com você?
- Depende. Se for pra ouvir o que aconteceu na novela, prefiro pensar.
- E se for para isto? – Ele roçou seus lábios pelo meu queixo, quase me torturando, e ao colar seus lábios nos meus, minha mente se esvaziou de qualquer outro pensamento que não fosse relacionado a maravilhosa sensação do momento. Leve e vazia...
Ok, talvez tenha me enganado. Dormir não é a coisa que mais gosto de fazer...
Trocaria todas as horas de sono de toda a minha vida por pelo menos mais um segundo com Lucius.