Bárbara

Garotas pareciam desfilar pelas calçadas como se fossem verdadeiras passarelas, mostrando seus corpos fúteis em vestidos curtos e calças tão justas que olhadas de relance davam a impressão de serem pinturas sobre o corpo.

Rapazes olhavam e cochicham entre si, fazendo alguns gestos quando elas passavam por eles. Eram poucas as pessoas ali que não davam importância pra isso, já estavam acostumadas, afinal toda volta de semestre era a mesma coisa.

Bárbara era uma dessas pessoas que já nem se importava com a movimentação a sua volta.

Estava no quarto semestre de administração, porém durante os três semestres anteriores enfrentava todos os dias ônibus e metrô lotados até chegar à faculdade.

Agradecia a Deus por ter ganhado uma ajuda de custo da empresa com os estudos, pois se não fosse isso, não teria conseguido comprar seu possante em trinta e seis vezes. Ainda levaria um tempo para terminar de pagar, mas não se importava com isso. Só o fato de ter um pouco de conforto já a satisfazia.

Ao fim de seu expediente no trabalho, pegou seus cadernos e algumas canetas, jogando no banco de trás do seu KA prata e dirigiu alguns quilômetros até a faculdade.

Deixou o carro em um estacionamento próximo e se dirigiu até uma das entradas principais da faculdade.

Como era de se esperar estava lotada. As filas nas catracas que davam acesso ao interior do prédio estavam com filas imensas. As escadas rolantes encontravam-se cheias, tanto a ponto de fazer com que Barbara criasse coragem e subisse quatro lances de escada até chegar em sua sala de aula.

Chegando nota que alguns de seus colegas de turma já estavam por lá. Cumprimenta alguns e ignora outros. Na faculdade nem todos são amigos como no ensino médio.

Sentou em uma das cadeiras da fileira da porta e pegou um livro que estava com seus cadernos, dando continuidade a leitura que havia começado aquela semana.

Barbara sempre gostou de ler. Não tinha o costume de viajar sempre como suas amigas faziam, afinal não tinha tanto dinheiro assim, mas quando lia, sentia como se estivesse viajando também, talvez até se divertindo mais do que se fosse uma viagem real.

Enquanto lia, percebe o movimento a sua volta, de outros alunos entrando e tomando seus lugares.

Nota que alguém senta ao seu lado, mas não se preocupa em tirar os olhos do livro para ver quem era.

Pouco depois o professor entra. Ele já havia dado aulas para aquela turma no semestre anterior, então dispensou apresentações e coisas do tipo.

Barbara estava atenta a explicação, mas não escondia o sono. Havia levantado muito cedo e temia pegar no sono bem no meio da explicação.

Ela espera o professor concluir o que dizia então se levanta e vai até o banheiro lavar o rosto.

Quando se sente mais desperta, se dirige a saída do banheiro, onde é atingida por uma garota que entrava com pressa.

Barbara olha com uma cara de poucos amigos, mas mal tem tempo de xingar a garota, pois a mesma entra em um dos boxes e se tranca. Parecia chorar, mas Barbara não teve certeza.

Ela então volta para a classe e volta a prestar atenção na explicação do professor.

Alguns minutos depois ele enfim para de falar e passa a escrever um texto na lousa branca. Barbara começa a copiar assim como os demais, porém se distrai ao perceber a porta abrindo e uma moça com os olhos inchados entrar e se sentar a sua frente, em uma das poucas cadeiras vagas.

Barbara tinha quase certeza que era a mesma moça que quase a derrubara no banheiro, mas não se importou. Devia ser uma aluna nova que ainda não conhecia a faculdade.

Barbara só se deu conta de que estava enganada quando o professor fez a chamada. A garota a sua frente não era aluna nova, pelo contrário, estudava com ela desde o primeiro semestre.

O nome da garota era Raquel, mas algo estava diferente nela, diferente com ela.

Barbara não costumava falar muito com todos os colegas de turma, mas era observadora ao ponto de guardar características deles, as mais evidentes.

No caso de Raquel, uma dessas características era o alto astral. Era uma garota falante, que sorria praticamente a aula toda, buscando interagir com todos. Aquela sentada a frente de Barbara não era a mesma Raquel de três semestres atrás.

Quando a jovem levantou a cabeça para responder a chamada, Barbara notou que os olhos estavam sem brilho, os lábios mal se abriram para responder ao professor. Se ela não estivesse bem na frente dele, provavelmente teria colocado falta para a garota.

Ao fim das primeiras aulas, a turma começa a sair da sala, alguns para comer, outros para fumar, outros já para irem embora. Raquel continua no lugar, com as palmas das mãos sobre o rosto.

Barbara sai da sala, mas fica encostada a porta. Estava com fome, mas se voltasse a descer aqueles quatro lances de escada pra comer alguma coisa, dificilmente encontraria o ânimo para voltar e assistir a segunda parte da aula.

Ela olha para Raquel que parecia ter voltado a chorar e sem entender o porquê, resolve ir falar com ela.

– Oi. – diz Barbara com certo receio.

– Oi, tudo bem? – responde Raquel tentando forçar um sorriso amigável enquanto secava os olhos.

– Comigo sim, mas já com você... Porque está chorando? Está se sentindo mal?

– Não, não é nada, está tudo bem.

– Tem certeza? – insistia Barbara mostrando não acreditar em Raquel.

– Tenho sim, está tudo bem, mas obrigada por perguntar.

– Ok, tudo bem então. – diz Barbara dando de ombros e pegando seu celular.

O restante da aula não foi muito diferente. Barbara parecia estar com mais sono e o tempo não passava. Raquel também não havia mudado em nada, a não ser pelo inchaço dos olhos que havia diminuído, mas continuavam vermelhos.

Ao término da aula, Barbara arruma suas coisas para sair, mal vê quando Raquel sai praticamente correndo da sala.

Ao chegar em casa, Barbara toma um banho e come alguma coisa, tomando cuidado para não fazer barulho além do necessário.

Apesar de ter 25 anos ainda morava com os pais. Aquilo não a incomodava, mas ela não via a hora de ter seu próprio canto, sua privacidade.

Enquanto comia, pensava no que poderia ter acontecido com Raquel para que ele tivesse ficado daquele jeito. Apenas um dia ruim. TPM talvez. Até a pessoa mais alto astral do mundo tem seus dias ruins.

É, deveria ser isso mesmo. No dia seguinte Raquel estaria como sempre foi. Ao menos era isso que Barbara achava.