Pirando Em 3, 2, 1... escrita por Eica


Capítulo 16
Capítulo 16




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Eu ainda estava muito chocado com tudo o que havia acontecido. Tomas gostava de Niko, que por sua vez gostava de mim. Daniel ficou sabendo de tudo e, aparentemente, não foi muito afetado pela descoberta, pois discutiu com Tomas sobre o caso com a maior naturalidade do mundo. Eu me senti completamente culpado pela expulsão de Tomas da banda. Sabia que ele se importava muito com ela, todavia, jamais poderia compreender porque ele mudara tanto seu comportamento. Não pensei que ele se chatearia tanto comigo. Michel e Niko ficaram tão chocados com a volta de Tomas ao Brasil quanto eu. E, é claro, todos da equipe técnica também.

— Você o demitiu? – indagou Michel, quando Daniel revelou o ocorrido a todos numa reunião de emergência.

— Eu dei a ele uma escolha e ele fez a escolha dele. Se tivesse admitido suas atitudes, não teria ido embora. Se quisesse mesmo continuar com a turnê e com suas amizades de forma saudável, teria continuado conosco.

            Daniel não fraquejou em momento algum. Estava totalmente decidido. Não aparentou arrependimento e ninguém quis contrariar sua decisão, até porque, acredito que todos tinham certeza de que Tomas não voltaria se pedissem para voltar.

            No voo à Alemanha, Niko e Daniel conversaram em particular durante quase uma hora.

            Mesmo depois de chegarmos à Alemanha, não havíamos decidido fazer qualquer tipo de pronunciamento a respeito de Tomas. Íamos participar do Wacken Open Air pela primeira vez na história do Opera. Era um momento muito importante para a banda, mas não parecia ser tão importante agora depois de um rompimento tão triste.

            Ainda assim, durante o show, que aconteceu logo após a apresentação da banda Kamelot, dei tudo de mim, tentando esquecer-me dos problemas durante o tempo em que nos apresentaríamos. Quem havia substituído Tomas na bateria foi um de nossos técnicos, Adriano. Tocou durante todo o show com bastante profissionalismo e habilidade. Conhecia super bem as músicas da banda. Ao fim do show, nos unimos em frente ao palco e agradecemos a plateia animada que nos ovacionou.

            Não demorou nem um dia para os comentários aparecerem nas redes sociais sobre a suposta substituição de Tomas por um “desconhecido”. E Daniel finalmente viu-se obrigado a esclarecer o ocorrido numa carta publicada em nossa página oficial.

            “Esta foi, sem dúvida, a mais difícil decisão que já precisamos tomar durante toda a história do Opera’. Após longos anos de parceria, anunciamos, por meio desta carta, a demissão de um de nossos mais queridos companheiros: Tomas. Foram anos de ajuda mútua, lealdade e companheirismo. Mas sentimos que, após alguns desentendimentos, seria preciso todos nos darmos um tempo. Tomas é extremamente talentoso, capaz de coisas extraordinárias e sempre terá um lugar especial no Opera’, se algum dia desejar voltar...”

            Adriano tocou conosco em nossos últimos oito shows. Foram dias muito exaustivos e tristes. Eu conheci muitos países que nunca imaginei que chegaria a conhecer um dia. Fiquei meses longe de minha família. Estávamos fazendo coisas muito boas para a banda. Ganhando cada vez mais visibilidade e reconhecimento. Mais do que o Opera’ já tinha. Todavia, senti que todos ainda estavam muito abalados com a saída de Tomas.

            Durante algumas entrevistas para sites e revistas especializadas, tivemos – ou melhor, Daniel e Niko tiveram – que explicar a saída de Tomas. Ambos não deram detalhes pessoais do ocorrido. Somente disseram que houvera um desentendimento durante a turnê e que infelizmente tiveram de tomar essa decisão dolorosa. Disseram estarem tristes e desapontados, e de fato pareciam estar durante as entrevistas.

            Nosso último show aconteceu na Dinamarca. Depois de lá, respiramos aliviados e voltamos para o Brasil. Descobrimos, tardiamente, que Tomas havia se pronunciado sobre sua demissão em seu perfil do Facebook. Ao contrário do que dizia a carta escrita por Daniel, Tomas disse no Facebook que não foi a banda toda quem o demitiu, mas somente Daniel e ainda completou dizendo: “ele [Daniel] foi bastante insensível com meus problemas pessoais”. E que se Daniel o quisesse mesmo na banda, não o teria demitido.

            Assim que desembarcamos no aeroporto de Guarulhos, já comprei uma passagem para Curitiba. Estava com muita saudade de minha família e precisava vê-los o mais breve possível. Despedi-me de Daniel no aeroporto com um beijo apaixonado.

— Vai voltar comigo para Sorocaba, não vai? – indagou-me, enlaçado a mim, cheirando meu pescoço.

            Embaraçado por estarmos no meio do saguão, tratei de afastá-lo educadamente de mim.

— Só vou ficar um tempo com meus pais. Contar as novidades e depois a gente se vê.

            Daniel denotou preocupação.

— Um tempo? Quanto?

            De repente, Michel apareceu atrás de Daniel.

— Vamos logo aí! Se despeçam logo ou perdemos o voo. Nosso jato está esperando e não vai esperar por muito tempo. Que horas é seu voo, Emil?

            Daniel me deu outro beijo.

— Se cuida! Nos falamos pelo Whats’ mais tarde!

            Acenei para os dois. Também acenei para Niko, há poucos metros de nós. Foram embora. Embarquei cerca de uma hora e meia depois. Embora eu não tivesse muita vivência em aeroportos, estar ali fez-me sentir uma gostosa sensação de familiaridade. Era bom estar de volta. A sensação só aumentou quando coloquei os pés em Curitiba. Havia avisado meus pais que voltaria e ambos foram me encontrar no aeroporto.

            Minha mãe deu-me um abraço super apertado. Estava bastante emocionada, com muitas lágrimas nos olhos.

— Você está bem, meu bebê? Como foi a viagem?

— Tudo certo, filho? – indagou meu pai, dando-me um tapinha no ombro.

            Demorou até minha mãe me largar. Fomos até o carro deles estacionado na rua.

— Viajou muito? Deu para aproveitar bem? – perguntou meu pai, sorrindo.

— Nunca pensei que viajaria tanto e foi bastante cansativo, mas gostei bastante de tudo o que fiz.

— Que bom! – exclamou minha mãe. – Eu vi várias fotos dos shows da sua banda na internet. Eles elogiam bastante vocês, sabia? Você estava tão bonito...! Estou orgulhosa de você!

            Senti um nó na garganta e agradeci minha mãe.

— Seu cabelo cresceu! – comentou meu pai.

— Está tão radiante! O Daniel está cuidando muito bem de você. – piscou minha mãe.

            Enrubesci. O que ela quis dizer com isso?

            A casa de meus pais, ou melhor, nossa casa, continuava igual. Exceto a pintura. Meus pais haviam trocado a cor das paredes externas. Meu quarto estava arrumado. Minha mãe disse que nunca deixou de arrumá-lo e limpá-lo e confessou que de vez em quando entrava nele quando sentia muita saudade de mim.

— Vai morar em Sorocaba definitivamente? – perguntou minha mãe, durante o almoço.

            Não havia pensado seriamente sobre o assunto com tudo o que aconteceu nos últimos meses.

— É claro que ele vai! – respondeu meu pai, olhando para minha mãe. – O namorado dele está lá. Por que ele voltaria para cá?

— Mas é muito longe!

— Eu não sei se vou ficar. – respondi, impressionando até a mim mesmo.

            Eu gostaria de continuar morando com o Daniel, mas eu estava me sentindo extremamente culpado pelo que havia acontecido ao Tomas. E por um instante, senti que só havia um jeito de não me sentir mal por tudo. Só havia um jeito de “acertar” as coisas...

— Você enlouqueceu?? – disse Enzo, quando nos encontramos em frente de casa, um dia depois de minha chegada. – Sair da banda é a maior burrice que você pode cometer na sua vida!

— Expulsaram ele por minha causa! – tentei argumentar.

— Sair da banda não vai trazê-lo de volta. Ele está fora, e pelo que eu entendi, foi por burrice e vontade própria. – retrucou ele. – Ele foi babaca e você será babaca no mesmo nível se sair da banda. Acha mesmo que vão deixar? Se o Daniel souber que você quer sair, ele vem aqui e te leva de volta na mesma hora!

            Estava indeciso. Olhei para a rua.

— Você está indo bem. É famoso agora. As pessoas gostam do seu trabalho. Se sair da banda, vão começar a especular sobre isso. Não acha que vai ser estranho você sair logo depois da demissão do Tomas?

            Mesmo depois da conversa com Enzo, ainda estava indeciso sobre o que fazer.

Como você está?— perguntou Daniel, ao me ligar às dez horas da noite. – Quando volta? Estou com saudade.

            Sorri. Estava deitado em minha cama, com o celular ao lado do rosto. Ouvir a voz de Daniel sempre me deixava feliz.

— Só faz dois dias que estou aqui em Curitiba.

Mas para mim é muito tempo. É muito bom namorar você.

            Ri, enrubescendo.

— Gosta mesmo de me namorar?

Claro! Gosto de tudo em você! A casa está silenciosa demais. Muito grande para mim.

Ainda não respondeu quando volta.

— Vou ficar um tempo com meus pais. Não sei quanto tempo. E o que você vai fazer agora?

Hmmm... Não sei... Talvez tentar criar alguma coisa... Pensar no próximo passo...

— Posso te perguntar uma coisa?

O que?

— Sobre o Niko... – disse, sem jeito.

Ele me contou que gostava de você. É sobre isso que quer saber? – respondeu ele, com naturalidade.

— Sim, mas...

Ele havia curtido você desde quando você entrou para a banda. Na verdade, nós dois havíamos gostado de você. Mas ele meio que sentiu que não ia ter chance.

            Admirei-me.

— Por que ele pensou isso?

            Daniel riu.

Ele achou que você gostava de mim. Eu não tinha certeza, mas ele te observou bastante e achou que eu teria mais chance.

            Fiquei pasmo.

— Eu não pensei que... Eu não achei que estava óbvio.

            Daniel tornou a rir.

Meu irmão tem bom gosto. Nós ainda nos amamos. Não se preocupe. Vai ficar por aí, então? Mas não demore muito. Não podemos deixar de ensaiar. Se eu criar alguma coisa, vou querer que você venha tocar comigo.

            Meu sorriso se desfez.

— Eu... – respirei fundo. – Não sei se quero voltar para a banda.


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