Pirando Em 3, 2, 1... escrita por Eica


Capítulo 1
Capítulo 1




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Saí do ônibus e cheguei à loja Plander no horário costumeiro. Carlos já estava dentro da loja (era possível vê-lo através da porta de vidro). Dei uma batidinha nela. Ele fez sinal para que eu entrasse.

- Bom dia.

- Bom dia.

- Só você chegou?

- Só eu.

Tirei a mochila das costas e fui para o fundo da loja, onde ficava a cozinha e o banheiro. Ajeitei minha mochila no chão da cozinha, dei uma olhada na cara (no espelho do banheiro) e voltei para a frente da loja. Varri o chão, enquanto Carlos ligava os computadores. Em pouco tempo, Enzo e Rodrigo apareceram. Dado o horário, abrimos a porta da loja.

Em certa hora da manhã, Enzo me puxou para a cozinha, quando o movimento estava fraco.

- Você entrou no site da banda hoje de manhã ou ontem à noite?

- Não deu. Ontem fiquei sem internet e hoje não quis entrar. Prefiro não entrar de manhã.

Ele parecia animado. Extremamente animado. Acho que não se agüentava de ansiedade.

- Que foi? Que sorriso estranho é esse? - disse, cerrando os olhos.

- O Opera divulgou um vídeo no site, dizendo que estão procurando um novo tecladista!

- Que? - indaguei, perdido.

Enzo repetiu a notícia.

- Você deveria tentar a vaga! Por que não tenta?

- Eu? Mas como? - disse, nervoso.

- O Daniel disse que qualquer um pode enviar um vídeo pra banda. Segundo ele, o tecladista tem que ser talentoso e bastante rápido no dedilhado. Você é rápido, e é talentoso. Tenta!

- Só enviar um vídeo?

- É. Tem que tocar algumas músicas pra eles verem se o cara é fera, lógico. Se você conseguir... Cara... Vai ser foda.

Por causa da notícia, passei o dia todo ansioso. Na hora do almoço, Enzo e eu fomos comer numa padaria em frente ao serviço. Lá, ele me contou mais detalhadamente sobre a divulgação do vídeo da banda.

- Como vou fazer o vídeo? - perguntei, já com a idéia fixa em minha mente.

- Te ajudo a fazer. Pego a minha câmera ou a sua, e a gente grava. Pode ser no seu quarto. Ele é espaçoso? Acho que isso não é tão importante. O mais importante é: que músicas vai tocar?

- Não estou tão preocupado com isso. Como vou me apresentar no vídeo? O que vou dizer? Não quero pagar nenhum mico. A banda toda vai ver meu vídeo, o Daniel vai ver meu vídeo... Não quero dizer nada... Constrangedor.

- Como eu disse, vai ter que dizer o básico: seu nome, idade, onde mora, desde quando você toca teclado... Acho que o que vai pesar mais é o quanto você pode tocar e se eles foram com a sua cara. Você tem um rosto simpático, por isso não vai ser difícil.

Sorri.

- Obrigado por isso, mas acho que vou ter que competir com muita gente. Quem não quer tocar com eles?

- Ah! E foi confirmado o projeto paralelo da banda.

- Sério?

- O próprio Daniel confirmou que estão ensaiando pra já iniciar as gravações do projeto que ainda não tem nome. Sei lá como vai se chamar. A galera só tá especulando. Ele disse que o CD será duplo. Até agora já foram escritas quatorze músicas.

- Quatorze? Putz!

- Ele compõe música a nível industrial, né? - disse, rindo.

Terminei de comer minha torta de frango e bebi meu refrigerante. Durante o silêncio da mesa, repassei todas as informações obtidas e matutei sobre a melhor forma de proceder. O resto do dia foi igual a todos os outros. Na saída do serviço, fui para casa e marquei com Enzo de nos encontrarmos no sábado.

Encontrei minha mãe na cozinha. Meu pai ainda não chegara do trabalho. A casa cheirava a lombo de porco (minha mãe os estava assando). Fui para o quarto depois de tomar um banho. Liguei o computador e aliviei minha tensão procurando mais fotos de Daniel na internet e mais vídeos. Também tirei minhas últimas dúvidas a respeito do vídeo divulgado pela banda sobre a vaga de tecladista.

Não havia nenhum “porém” contra mim. Não havia por que não tentar. Era só enviar um vídeo e pronto. Esta era uma chance em um milhão. Outra como esta não se repetiria. Eu precisava agir, e rápido.

No sábado, depois do trabalho, Enzo e eu nos trancamos em meu quarto. Arrastei minha cômoda e cama para um canto, para que nada aparecesse no vídeo além de mim e de meu teclado. Enzo se posicionou em frente de mim e com a câmera na mão, fez os últimos ajustes na mesma para começar a gravar.

Vestia minha melhor camiseta preta e meu melhor jeans (mesmo que este último não fosse aparecer). Penteei o cabelo, escovei os dentes, cortei as unhas. Sentei atrás do teclado, mas Enzo disse que, antes de tudo, eu precisava me apresentar.

- Qual a diferença entre ficar atrás do teclado e em frente a ele?

- A diferença é que haverá um teclado atrapalhando. Depois a gente edita o vídeo. Primeiro você tem que falar sobre você. Daí você toca.

- Tá legal.

Tirei a banqueta de trás do teclado e a posicionei em frente dele. Sentei nela, deixando a postura ereta (de maneira a parecer natural. O que foi difícil).

- Coloca o cabelo atrás das orelhas. Tem que mostrar seu rosto.

Fiz o que me aconselhou.

- Legal. Agora... Vou começar a gravar em três segundos. Primeiro diga seu nome, idade, onde mora e por que decidiu mandar o vídeo pra eles. E não vale dizer aquele clichê: “porque eu amo a banda” ou então “porque sou fã da banda, é meu sonho” e todas essas besteiras. Qual o real motivo pra você querer fazer parte da banda.

- Se eu disser, vão rir de mim. - ri.

Enzo fez careta:

- Além do Daniel, qual outro motivo pra você querer se juntar a eles?... Já sabe o que vai dizer?

- Já.

- Então... Em três segundos... Três, dois...

Assim que Enzo apertou o botão e começou a gravar, disse:

- Oi, meu nome é Emil, tenho dezenove anos, moro na cidade de Curitiba...

Por causa de meu nervosismo, tivemos que gravar mais de quatro vezes. Felizmente meu amigo me ajudou a me soltar e, no fim, conseguimos um material legal para enviar. Depois de falar um pouco sobre mim, foi a vez de tocar. Toquei três músicas da banda, cada uma de um álbum diferente, e as que eu considerava mais desafiadoras na hora de dedilhar.

Passamos a tarde toda e o começo da noite dentro do meu quarto editando o vídeo. Quando, enfim, achamos que estava bom, enviamos para o endereço de e-mail pedido. Enzo, entusiasmado, cruzou os dedos.

- Se eu tocasse teclado, também enviaria um vídeo. Pena que não estão precisando de outro guitarrista.

- Acha que eu tenho chance? - indaguei, esperançoso.

- Se você tivesse feito charme no vídeo, teria mais chances com o Daniel.

- Como é?

- Pega mal falar isso, mas você é bonito, e com certeza o Daniel vai notar isso. Se tivesse feito charme, teria mais chances de ser escolhido por ele. Sabe como é. Ele está solteiro, só se envolve com carinhas mais jovens...

- Que horror! Jamais faria charme no vídeo. Isso é coisa de quem não tem talento nenhum e usa o corpo como único recurso.

- Só diz isso porque não tem coragem de fazer. - disse, me olhando de esguelha.

- É, verdade. - concordei, baixinho.

- Bom, mesmo que ele não te escolha para ser tecladista, vai que te acha atraente e entra em contato com você, né?

- Nem brinque com isso. - disse, sentando na beirada da cama.

Sonhei acordado.

Daniel já fazia parte de meus devaneios há quatro anos. Isso é tempo demais para um amor platônico (acho que tenho sérios problemas).

- Tem vídeos novos da banda! Já viu esses?

Aproximei-me de Enzo e, sentando numa cadeira ao seu lado, vimos alguns shows que foram postados no Youtube.

Nesta primeira semana, fiquei bastante ansioso esperando por alguma notícia da banda. Na segunda semana, ainda conservava um pouco da ansiedade da primeira, contudo, o desânimo já começava a se manifestar. Na terceira semana, desisti totalmente e, caindo na real, destruí toda e qualquer esperança que ainda havia em mim.

Enzo achava que havia tempo. “Eles devem estar ocupados”, disse. Provavelmente estavam, mas sinceramente, não queria mais saber. Era melhor esquecer o que se passara para que a decepção não fosse tão devastadora. Para fazer isso, parei de ouvir as músicas do Opera. Parei de ver vídeos e de baixar mais imagens de Daniel. Tomar tal atitude fez doer tudo aqui dentro, contudo, era o melhor a se fazer. Deletei todas as imagens e vídeos que havia guardado com tanto cuidado no meu pen drive. Só não pude fazer o mesmo com aquelas gravadas em CDs. Também achei que deveria me livrar deste amor platônico que só me consumia tempo e nervos.

Numa quarta-feira, estava trabalhando na loja tentando evitar a todo custo os comentários de Enzo a respeito das últimas novidades da banda.

- Ela morreu pra mim. - disse para ele, quando estava atrás do balcão.

- Morreu? Nossa! Que drástico! Só por que podem não te escolher? - retrucou, ao meu lado.

- Você não entende? Se eu não receber um único retorno de qualquer tipo por parte do Daniel, vai ser a mesma coisa que... Que receber um fora dele. Infelizmente agora já é tarde.

- “Nossa!” de novo. - disse, admirado. - Não sabia que estava tão a fim dele.

- Eu sou uma criatura patética.

Enzo riu.

- Ele não é o único cara da face da Terra. Há outros caras por aí.

- Mas não iguais a ele.

- Enchem tanto a bola dele, mas quem garante que ele é tudo o que dizem? Pode não ser simpático. Pode ser grosseiro, porco, de cuspir no chão e coçar o saco na frente de todo mundo.

Desta vez, eu ri.

- Não acho.

- Não acha?

- Quantas pessoas que o conheceram pessoalmente falaram mal dele? Já chegou a conhecer quem o tivesse ofendido com razão?

- Hei! - disse Carlos, próximo a nós. - Vão trabalhar ou 'gralhar'?

- Quem somos nós para gralhar, chefe? Quem somos nós? - brincou Enzo.

Carlos, de bom humor, balançou a cabeça.

Minha hora de almoço passou. Fui ao banheiro para lavar as mãos e escovar os dentes. Enquanto me olhava no espelho, meu celular no bolso agitou-se descontroladamente. Apanhei-o e atendi.

- Fala, mãe.

- Oi, amor. Fiz mal em ligar?

- Não, estou no banheiro. Pode falar.

- Ligaram aqui em casa, procurando você. Um tal de Niko. Dei o seu número de celular. Ele disse que vai ligar para você ainda hoje.

- Não conheço nenhum... NIKO! MEU DEUS! Tem certeza, mãe?

- Tenho, tenho sim. Eu até anotei aqui no meu caderninho. Niko. Não sei se é com “c” ou com “k”. Estranho, né? Mas ele ligou sim, seja lá quem for. Você esperava uma ligação dele?

Se eu pudesse, teria gritado naquele instante. Como não pude, mordi meu dedo para não cometer nenhuma estupidez. Agradeci a minha mãe pela informação e desliguei o celular. Saí do banheiro e procurei Enzo para avisá-lo. Não pude falar com ele, pois estava atendendo um cliente. Esperei. Esperei muito, até, finalmente, cochichar, num canto da loja, que Niko me procurara.

- Abençoado seja, Senhor! - disse, em voz alta, erguendo os braços. - Cara! Você está dentro!

Foi complicado expressar nossa felicidade sem parecermos dois idiotas na frente dos outros colegas de trabalho.

- Que foi que aconteceu? - perguntou Paulo, quando nos viu agitar os braços.

- O Emil será famoso, vai vendo. - respondeu Enzo.

- O celular! - exclamei, quando senti o celular vibrar no bolso do jeans.

- Vamos, vamos!

Enzo me puxou para o banheiro. Fechamo-nos lá dentro. Atendi o celular, tremendo da cabeça aos pés.

- Alô?

- Emil?

- Sim, é ele quem está falando.

- Oi, aqui é o Niko, da banda Operamortuis. Tudo bem?

- Oi, oi. Tudo, tudo bem.

- Você nos enviou um vídeo, nós o analisamos e gostaríamos que, se possível, você pudesse vir pra Sorocaba pra conversar com a gente. Estaria mesmo interessado em fazer parte da banda?

- Claro, claro que estou!

- Estamos com certa pressa, por isso, se não for pedir demais que venha neste sábado... Temos shows marcados pro mês que vem e teremos que viajar, por isso não será possível resolver esses assuntos depois. Percebemos que você realmente tem interesse na banda, que, se tiver oportunidade, dará tudo de si e que, pra você, não tem problema se vier morar na cidade.

- É, verdade. Não me importo. Posso ir pra Sorocaba quando for necessário. Sem nenhum problema.

- Tem como anotar o nosso endereço? Vamos nos reunir neste sábado para acertar tudo com você, fazer um ensaio, essas coisas.

- Eu vou pegar um papel e caneta. Só um minuto.

Foi Enzo quem pegou papel e caneta. Parecia mais empolgado do que eu. Anotei o endereço que me passou e, após mais um minuto de conversa, desliguei o celular.

- Eles te aceitaram?

- Sim. - respondi, numa mescla de alegria e incredulidade.

Quando caí na real, disse:

- Meu Deus! Vou conhecer o Daniel!

Caminhei até o ponto de ônibus ao lado de Enzo quando nosso expediente terminou. Dentro do ônibus, iniciamos uma discussão sobre qual era o melhor álbum da banda. Depois, qual era o melhor clipe.

- “Senhores da noite”. Do terceiro álbum, “senhores da noite”. O melhor clipe. - disse Enzo. - É mais sombrio.

- “Diva” também é sombrio.

- Mas não tanto quanto “Senhores”. Os vampiros são assustadores neste clipe. Do clipe da “Diva”, só salva a “Diva”.

- Que tanto você leu a respeito do projeto paralelo?

- Eles deixaram um áudio de um minuto e meio no site pros fãs ouvirem. É uma das faixas do projeto.

- Sério?

- Ouça lá depois. Com certeza vai ter que tocar essa música quando entrar pra banda.

Sorri.

Cheguei em casa e, como tinha muita fome, fui jantar antes de tomar um banho. Durante a janta, aproveitei para falar aos meus pais que precisava ir para Sorocaba.

- Sorocaba? Onde fica isso? – perguntou meu pai.

- No estado de São Paulo. Preciso ir lá neste sábado.

- Em outro estado? Muito perigoso.

- Muito mesmo. O que vai fazer tão longe? – disse minha mãe.

Expliquei o que acontecia. Frisei que era uma banda famosa e que, se conseguisse entrar para ela, ganharia dinheiro.

- Provavelmente se eu conseguir vou ter que morar lá.

- Morar?

Minha mãe protestou. Meu pai ficou mais preocupado com minha segurança quanto à viagem até a cidade.

- Se tem mesmo que ir, não pode ir sozinho. – disse ele.

- Eu vou com ele.

- Não preciso de companhia. É sério.

- Ou vai comigo, ou não vai.

Realmente não me importei de ter que ser acompanhado por minha mãe. Estava feliz demais. Após a janta, tomei banho e fui para o quarto. Não consegui dormir. Ia conhecer a banda! Ia conhecê-lo!

Arrumei minha mochila (com a ansiedade a mil) na manhã de sábado. Mal dormi na noite anterior. Minha mãe arrumou a bolsa dela. Antes de sairmos de casa, checamos nossos documentos. Meu pai nos levou à rodoviária. Desejou-nos uma boa viagem antes de entrarmos.

Eu continuava nervoso ao extremo. Esperei a chegada do ônibus. No instante em que chegou, entramos e sentamos em nossos assentos. Acomodei a mochila sobre o colo, mesmo que minha mãe tivesse sugerido que eu colocasse no chão.

- Me fale sobre essa banda. – perguntou ela, interessada.

Falar da banda preferida é fácil. Contei tudo o que sabia. Falei demais até. Gostei que ela estivesse dando apoio agora, após não gostar de saber que eu teria que me mudar se tudo desse certo. Eu tinha planos de sair de casa. Planos que minha mãe não aprovava. Ela dizia que eu só sairia de casa quando eu me casasse. Bem, ela disse isso antes de descobrir que eu era gay. Contudo, continuou com essa idéia medieval de que eu só sairia de casa se fosse para morar com outra pessoa.

Enfim. Saímos de Curitiba por volta das oito e meia. Ao chegarmos à cidade de Sorocaba, olhei para a hora no meu celular e vi que já era quase três da tarde.

- Estou com fome. – disse minha mãe, assim que descemos do ônibus. – E sede. Vamos comer alguma coisa? Deve ter alguma lanchonete aqui dentro.

Entramos no interior da rodoviária. Paramos em frente da primeira lanchonete que vimos. Pedimos salgados. Bebi refrigerante e minha mãe pegou uma garrafinha de água.

- Agora é só achar um táxi em algum lugar. – disse minha mãe, assim que terminamos de comer.

Saímos pela mesma porta em que entramos e chegamos à calçada. Olhamos para os dois lados da rua.

- Deste lado não tem. Vamos ver do outro.

Cruzamos toda a plataforma da rodoviária onde as pessoas aguardavam os ônibus e paramos nesta calçada. Por sorte havia um táxi parado logo a nossa frente. Aproximamo-nos dele. O motorista não estava dentro do carro.

- E agora? Para onde foi? – disse minha mãe, olhando aqui e ali.

O dia estava quente. Ensolarado. Tirei minha jaqueta e a enrolei a cintura. Ajeitei a mochila nas costas e procurei pelo motorista fujão. Finalmente, após uns seis minutos de espera, o sujeito apareceu, todo sorridente, se desculpando. Entramos no carro depois dele. Minha mãe passou-lhe o papel com o endereço para onde deveríamos seguir. Logo começamos a andar.

Durante o trajeto, minha mãe foi conversando com o homem, que também era de falar muito assim como ela. Fiquei calado. Agora estava mais calmo, embora meu estômago não estivesse cem por cento bem.

 Chegamos a Avenida Caribe. Quando o táxi parou ao lado da calçada próximo ao número 500 (não deu para parar em frente porque havia dois carros atrapalhando), meu nervosismo atingiu níveis preocupantes. Saímos do táxi. Minha mãe pagou o homem. Também anotou seu número, já que precisaríamos de ajuda para voltar à rodoviária.

Demos uns trinta passos, descendo a calçada, e chegamos em frente ao estúdio. O prédio – um sobrado, na verdade – tinha um design moderno e cores chamativas. A porta de vidro revelava movimentação no andar térreo.

Minha mãe e eu puxamos a porta de vidro e entramos numa espécie de recepção, onde uns três homens conversavam em frente ao balcão.

- Boa tarde. – disse minha mãe.

- Boa tarde. – disseram os homens.

Um deles era careca. Os outros dois eram cabeludos e barbudos.

- Marquei de me encontrar com a banda Operamortuis. Meu nome é Emil.

- Eles estão lá em cima, ensaiando. – disse o careca.

Este saiu detrás do balcão e se apresentou.

- Somos da equipe técnica da banda. O dono deste estúdio é amigo nosso. Está lá em cima.

Fui muito simpático com todos. O careca levou somente a mim até a escada, enquanto minha mãe ficou conversando com os outros dois. Enquanto subíamos, Luiz disse:

- Você terá muito trabalho. – sorriu. – O projeto paralelo tem mais de vinte músicas. Vai dar conta?

- Espero que sim.

Recebi uma batidinha nas costas ao final da escada.

- Vai dar tudo certo. Eles são gente boa.

Luiz abriu uma porta a nossa esquerda. Entramos numa sala técnica, onde três homens estavam lá dentro. Um deles mexia nos equipamentos. Uma janela de vidro a frente dos equipamentos revelava a banda Operamortuis tocando dentro da sala de gravação.

Quase entro em choque!

A banda toda estava lá. Vi Niko com sua guitarra. Michel com seu baixo. Tomas na bateria e Daniel em frente a um teclado! Niko e Michel cantavam em latim, como em coro. A sala de gravação era bastante ampla e bem iluminada. Vê-los diante de mim parecia brincadeira. Rubens me chamou para ficar mais de frente para a janela. Fiquei quase colado aos equipamentos. Observei a banda.

Niko e Michel tinham vozes bastante graves e perfeitas. Ouvi-los cantar era maravilhoso. Suas vozes contrastavam com a voz de Daniel, que era perfeita também.

Rubens interrompeu o ensaio avisando a banda que tinham visita. Pararam de tocar e se aproximaram da porta de vidro, vindo em direção a sala técnica. O primeiro a sair foi Michel, seguido de Tomas, Niko e Daniel.

- Este é o Emil, galera. – disse Luiz.

- Opa! Beleza? – perguntou Michel.

- Tudo bem? – disse Tomas, pegando na minha mão.

Niko também me cumprimentou, assim como Daniel, dando-me um lindo sorriso. Ele era mais alto do que pensei. Se bem que não chegava aos um metro e noventa como o irmão.

- Não teve problemas pra chegar? – indagou Niko.

- Não. Foi fácil até.

- Devíamos ter facilitado a vida do coitado. – disse Tomas.

- Gostamos bastante do seu vídeo. – disse Daniel. – Você toca muito.

- Melhor que meu irmão. – disse Niko.

Daniel olhou feio pra ele. Niko ainda acrescentou:

- Foi impressionante ter conseguido tocar as músicas que tocou. O Daniel toca mais rápido a cada álbum que lançamos. De todos os vídeos de tecladistas que vimos, você foi o único que conseguiu manter o ritmo.

- Acho que não preciso nos apresentar. – disse Daniel. – A não ser estes caras. Sem eles, os shows não dariam certo.

Os três homens dentro da sala também faziam parte da equipe. Apertei a mão de Cássio, Evandro e Mauro.

- Estávamos ensaiando uma música do projeto paralelo. – explicou Daniel. – Por enquanto o nome do álbum é Angels Deep. É um nome provisório. Você poderia tocar uma música com a gente?

- Posso sim.

Era estranho. Meu corpo fazia uma coisa e minha mente queria fazer outra. Ainda era tudo muito surreal. Nenhum deles parecia estar ali, ou eu estava errado neste lugar. Infelizmente para mim, eu tinha sérios problemas de ruborização. Minhas bochechas queimavam e avermelhavam involuntariamente. Não conseguia controlar. Com toda certeza do mundo, todos perceberam.

O enrubescimento parecia piorar quando falava diretamente com Daniel. Em meus sonhos isto não acontecia. Eu conversava com ele sem problemas. E conversava bastante. E fazia coisas que só mesmo um idiota com sérios problemas poderia fazer.

Entrei na sala de gravação com eles. Caminhei com uma força sobre-humana, porque de tanto nervosismo, era dificultoso controlar as pernas.

- Vou tocar primeiro. Depois você toca. Se quiser dar uma olhada nesta partitura. – disse Daniel, passando-me o papel. – Fiz algumas mudanças no decorrer do ensaio. Saiu uns garranchos ai, mas se não entender alguma coisa, pode perguntar.

- Certo.

Fiquei parado ao lado da banquetinha onde Daniel sentou. A banda preparou-se e começou a tocar uma música que eu não conhecia e que com toda certeza era do novo álbum. Durante a música, a partitura não parou quieta porque minhas mãos tremiam. Corri os olhos para os integrantes da banda quando pude e depois baixei os olhos para Daniel.

Sei que pessoas perfeitas não existem, mas exceções existem e, neste caso, Daniel é uma delas. Para não olhar diretamente para seu rosto, olhei para suas mãos no teclado.

Mais tarde, chegou minha vez de tocar. Sentei no lugar de Daniel e toquei a música no tempo certo. Por conta de meu nervosismo, errei algumas notas, mas nada tão grave a ponto de distorcer a música ao extremo. Depois desta, tocamos uma música do primeiro álbum. A seguir, uma do terceiro.

Ao final do ensaio, permanecemos na sala de gravação. Daniel puxou uma banqueta e sentou ao meu lado.

- Você é de Curitiba? – indagou-me ele.

- Sou.

- Você ouve a banda? Bem, claro que ouve, mas gosta? É fã ou algo do tipo? – perguntou Tomas.

- Sou, tenho todos os CDs.

Preferi dizer que tinha todos a dizer que havia baixado as músicas dos dois últimos.

- E realmente não tem problema de vir morar aqui? – indagou Daniel.

- Primeiro achamos que devíamos procurar tecladistas da cidade, mas depois imaginamos que todos deviam ter esta oportunidade. – explicou Niko.

- Contanto que estes mesmos tivessem condições de vir para cá. – concluiu Daniel.

Michel confirmou.

- Pra mim não será nenhum problema. De verdade.

Naquele instante, Niko se ausentou da sala e continuamos o nosso papo sem ele.

- Como deve saber, a Mila terá um filho e tal. – disse Michel.

- Ela já queria sair a muito tempo. – disse Daniel. – Queria casar e formar família. Queria descansar um pouco dessa vida cansativa.

- Fazemos muitas viagens. – disse Michel.

- E não sobra tempo pra mais nada. – disse Tomas.

De repente, Luiz chamou Daniel e este saiu da sala também. Michel tocou alguns acordes e Tomas veio se sentar do meu lado, no lugar de Daniel.

- Se não souber onde morar, pode ir para minha casa.

- O que? – indaguei, surpreso.

- Gostei de você. Minha casa é grande. Como seremos companheiros, e amigos, eu espero, pode ficar comigo até conseguir outro lugar.

- Nossa! Obrigado! Você tirou um peso das minhas costas. Eu não saberia por onde começar.

Tomas sorriu, aproximou o rosto do meu e disse, baixinho:

- Tinham mais outra opção. Outro cara, menos talentoso e muito antipático. Ele foi a primeira opção antes de vermos o seu vídeo. Que bom que você apareceu.

Senti-me muitíssimo bem ouvindo tal coisa e agradeci. Naquele momento, Daniel retornou a sala e disse, da porta:

- Sua mãe está aqui?

- Verdade! – exclamei, levantando.

Vergonhosamente, só lembrei-me de minha mãe quando ele disse. Daniel chamou a todos para que o acompanhasse. No corredor deste primeiro andar, Niko topou-se conosco e nos seguiu até a recepção do andar térreo. Minha mãe continuava ali.

- Oi! Você é a mãe do Emil? – indagou Daniel, aproximando-se antes dos outros.

- Sou. Márcia.

- Daniel. Prazer.

Daniel apresentou a todos para ela.

- E deu tudo certo? – perguntou minha mãe, olhando diretamente para mim.

- Sim, tudo. – respondeu Daniel. – O Emil já é nosso tecladista.

- Que bom! Ele toca muito bem. Sempre disse isso a ele.

- É, toca mesmo.

- E ele terá mesmo que vir morar aqui?

- É importante que venha. – respondeu Daniel.

- Ah, vou sentir saudade. – disse ela, fazendo carinho no meu braço.

Com certeza corei.

- Temos um show se aproximando, precisamos ensaiar com o Emil e gravar as músicas do novo álbum.

- Eu disse a ele que pode ficar comigo até achar uma casa. – comentou Tomas.

- É? Eu também tinha pensado em ajudar de alguma forma. – disse Daniel.

QUE? Ele pensou em me ajudar? De que forma? De que forma? Meu Deus! Acho que nunca saberei!

Conversamos mais um pouco até minha hora de voltar para casa chegar. Agradecemos a Tomas por nos oferecer carona até a rodoviária e eu, um pouco mais tranqüilo, despedi-me de todos e entrei em seu carro junto com minha mãe.

- Muita bondade sua. – disse minha mãe, quando Tomas ligou o carro. – Não queria dar trabalho.

- ‘Magina! Trabalho nenhum.

- Você está preparado para essa vida de shows e apresentações? – perguntou-me ela.

- Acho que sim. Não sei.

Eu já estava mais calmo, e muito mais empolgado. Agora eu sentia o peso de minha responsabilidade e sinceramente era um pouco desagradável, mesmo assim estava feliz.

- Vai se impressionar. – disse Tomas. – Os shows são uma loucura. As casas de shows lotam, os estádios lotam, a galera grita sem parar, mas essa energia é muito boa. É muito legal.

- Você mora sozinho?

- Moro. E o que eu disse é verdade, viu, Emil? É para você ficar em casa. Vai precisar de ajuda até se acostumar à cidade.

- Aqui é bem diferente de Curitiba, não achou, filho?

- Achei.

Minha mãe me abraçou. Sorri para ela.

Chegamos à rodoviária de tardezinha. Compramos as passagens e esperamos pelo ônibus. Chegamos a Curitiba por volta das onze da noite. Meu pai nos pegou na rodoviária e nos levou para casa. Perguntou como tudo se passou. Contei os detalhes a ele. No dia seguinte, fiz a mesma coisa com Enzo, quando ele veio em casa. Conversamos na calçada.

- Vai me arranjar ingressos de graça? Você vai, né? Que sorte a sua, sair dessa vida de monotonia. Não se esqueça de mim quando ficar milionário.

- Claro que não vou esquecer!

- E como são os caras? E o Daniel? Deve ter reparado nele.

- É, reparei... – sorri. – Ele é lindo. Mais lindo pessoalmente se é que é possível. Quase vomito meu coração.

Enzo riu.

- Que exagero.

- Sério! A presença dele me deixou muito nervoso.

- Você vai vê-lo praticamente todo dia. Vai ter que dar um jeito no nervosismo ou terá de viver de calmantes.

- Tomar calmantes! Não é má idéia.

- Eu só estava brincando. Não vai querer ficar o tempo todo sedado.

- Vamos entrar?

Entramos na garagem e continuamos andando em direção a porta.

- Não vai se esquecer de me dar os ingressos.

- Posso fazer melhor que isso.

- O que?

- Vá me visitar em Sorocaba e eu te apresento a todos eles.

- Perfeito. Ah, meu Deus! Tenho um amigo famoso! Que emocionante.

Sorri.


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