Contos De Gaveta escrita por Mamy Fortes


Capítulo 28
Vá pela sombra.


Notas iniciais do capítulo

Eu gostaria de pedir desculpas, honestamente. Estou sendo descuidada com a minha gaveta como eu nunca deveria ser. Estou deixando-a por tempo demais fechada, e ela sente falta do brilho que só um olhar pode dar. Mas estou aqui, agora, com um espanador, e um bocado de carinho, pra ver se a gente faz a gaveta ficar tinindo de novo. Té lá embaixo, galera.



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Quando pequena, com uns cinco anos, sempre que ouvia alguém recomendar-lhe ir pela sombra, sorria. Pensava, cheia de si, que a sombra é que ia por ela na maior parte das vezes, projetada atrás de seu corpo. Mesmo assim não deixava de persegui-la sempre que aparecia à sua frente, correndo brejeira pelas ruas de pedra.

Aos oito, achava a sombra divertidíssima. Dizia ser marca do beijo do sol em seu corpo, e não se dava ao trabalho de evitar ser beijada. Vivia vermelha, corada, por vezes descascando pela tão carinhosa carícia. Mas continuava a rir-se da recomendação de ir pela sombra, sem saber o que é que queria dizer.

Feitos dez, achando-se adulta, pensava ter entendido a expressão, e evitava o sol, mantendo a pele alva sempre beirando o marmorizado. Adorava parar-se à sombra das árvores, porém, apenas para sentir o frescor e deixar que os raios filtrados pelos bordados de folha lhe atingissem o rosto por um minuto, alegando que esses não lhe faziam mal.

Aos catorze anos não era capaz de se importar com recomendação alguma, muito senhora de si, seguia por onde queria. Quando queria bronzear-se tomava o caminho do sol, quando sentia calor buscava a sombra, quando lhe recomendavam algo fazia estritamente o contrário. Era rebelde.

Quando fez 16, sua vó lhe pediu para ir pela sombra. E lembrando-se de quantas sombras tinha em sua vida, sorriu, e tentou obedecer, mas era demais para ela. Teve medo do que podia se esconder nas sombras. Teve medo de quem poderia estar lá. Ela ouvia as pessoas na TV falando sobre o homem das sombras, e não podia se deixar vitimar.

Aos dezoito anos, chorou quando acenderam as luzes, pensando que talvez as sombras fossem muito mais confortáveis, e que eram elas o seu lugar. Mas aos dezoito ninguém mais lhe recomendava que tomasse o caminho escuro. Era já adulta, e não haviam conselhos para lhe dar.

Aos vinte, adorava as sombras intercaladas pelas luzes neons dos lugares que frequentava. Mas também corria atrás das sombras como aos cinco, se deixava beijar pelo sol como aos oito, deitava-se para receber a luz filtrada pelas folhas como aos 10, rebelava-se quando mandada como aos 14, temia os becos escuros como aos dezesseis e chorava baixinho no escuro como aos 18.

Percebeu, então, que se não precisasse escolher quem queria ser, se fosse todas, quando as sombras definitivas chegassem depois dos 70 anos, ela poderia apenas abraçá-las, depois de terem convivido por toda a vida. E ai passou a ser ela quem recomendava aos outros que fossem pelas sombras, finalmente entendendo o que queria dizer aquela tão simples expressão.


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Notas finais do capítulo

Então, eu escrevi esse texto agora, especialmente. Espero que gostem, de verdade. Me deixem um review, me deixem saber que ainda estão ai. E, se quiserem, tenho uns textos meio malucos que posso começar a postar daqui a uns dias, o que aceleraria o processo. Enfim, amo vocês, muitão. Beijos.



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