Pouring Rain escrita por Mirchoff


Capítulo 3
Capítulo II - The things we lost in the fire




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Minha mãe morreu num incêndio quando eu tinha oito anos. E, para todos os efeitos, eu fui o culpado.

Todas as noites me pego pensando em Esperanza Valdez. Suas risadas, sua voz, seus abraços e palavras carinhosas. Os biscoitos que ela assava todo dia, quando o sol já ia desaparecendo.

Às vezes o vovô aparecia e contava histórias para mim. Histórias que ele começava de um jeito e eu terminava de outro. Um dia, ele contou uma diferente. Segundo ele, havia uma moça muito bonita em North Houston. Todos os homens queriam se casar com ela, diziam que tinha o sorriso mais doce de todos. Mas, essa moça era muito triste e sozinha., até que encontrou um cara que a fez feliz, e então ele foi embora. Porém, a moça não voltou a ficar triste, porque o homem havia lhe deixado um filho. E ela nunca mais parou de sorrir. Então, meu avô se virava para mim e sorria.

– Sabe quem era aquela moça, Leo?

– Quem?

Seu indicador frágil e trêmulo apontava para minha mãe, ali na cozinha.

– E quem era o bebê? - indagava o pequeno Leo, com um dente da frente faltando. Dessa vez, ele apontava para mim.

Era minha história preferida.

Talvez eu pudesse ter ficado com Sammy Valdez depois da morte de minha mãe. Mas, ele já era velho e frágil, morreu alguns meses depois. E eu perdi as únicas pessoas que se importavam, de verdade, comigo.

Todas as noites, desafiando o silêncio do dormitório, me pego chorando baixinho., ainda ouvindo gritos de Esperanza.

Uma vez, Frank perguntou-me como eu me sentia. Ele também perdeu a mãe. Compartilhamos esse elo estranho de "minha-mãe-morreu-e-a-sua-também". Eu disse que não conseguia sentir mais nada. E era verdade.

Foi então que ela surgiu.

Reyna, a das palavras cruzadas.

Reyna, a do frappuccino com muito creme e pouco caramelo.

Reyna, a da trança caindo pelas costas.

Reyna, a da mochila com alças folgadas em seus pequenos ombros.

Reyna, só Reyna. Ao mesmo tempo tão perto e tão longe.

Porque ela era a garota de Jason…

– Leo? - de repente, caio de para-quedas na realidade. Dios Mio, preciso me focar mais no que acontece fora da minha cabeça. - você tá bem?

– Ah, Piper. - eu descolo a bochecha da mesa. - eu declamei um poema com a Reyna! A Reyna!

Ela sorri, bagunçando meu cabelo. A sala está vazia, a não ser por nós dois. Pips diz que depois dos poemas, eu me sentei com Reyna novamente e conversei com ela.

Eu. Conversei. Com. Ela!!!

– Mas não fique tão feliz assim. - Piper diz enquanto joga a mochila em mim. - depois de um tempo, o papo morreu e tudo voltou a ser como era antes. Você com vergonha e ela toda séria e concentrada.

– Ela sorriu pra mim? - pergunto, ignorando essa última parte. É claro que o papo morreu, eu sou um inútil no quesito "conversa". Afinal, que tipo de idiota diz "Como dizia Shakespeare, sim"?

Eu, claro.

– Sim. Agora, vamos indo. Você ficou aí babando por uns vinte minutos e se eu perder o almoço, vou te matar.

Ah, eu poderia morrer feliz agora. Mas a minha alegria vai sumindo enquanto andamos pelo corredor. Nada impede os murmúrios de sempre. Valdez isso, Valdez aquilo.

Piper olha feio para a maior parte dos alunos no corredor. Ela aperta meus ombros com as mãos pequenas e me arrasta para o refeitório.

– Sabe, você não devia ligar para o que eles dizem. - ela coloca um sanduíche em minha bandeja, como se eu tivesse cinco anos e não soubesse monta meu próprio almoço.

– Eu não ligo. - é o que digo, mesmo que esteja mentindo. Não dá pra não ligar. - não me importo. Eu não... Eu não sou um monstro. Não matei minha própria mãe. Eu... Eu não sou...

Sinto a garganta fechar e não completo a frase. Piper equilibra sua bandeja em uma mão só e passa o braço por meus ombros.

– Eu sei que você não é o culpado, Leo. Todos sabem disso. Mas...

– Sempre tem de haver um culpado. - resmungo. - eu sei. Em que mesa o Jason está?

Almoço com os dois, diferente do habitual. Costumo ficar sozinho no pátio da escola, acompanhado apenas pelo silêncio. Mas os gritos do refeitório, de algum modo, me fazem bem. Aos poucos, mais pessoas chegam até a mesa. A conversa toma vários rumos diferentes, e então me levanto, sem ninguém perceber.

– Ah, é muito melhor desenhar nesse silêncio. - murmuro ao sentar na grama, debaixo dos galhos de uma árvore. E então, alguns rabiscos surgem nas folhas cor de creme.

É ela, de novo. Desta vez, rodeada de flores. E sorrindo, do mesmo jeitinho que sorriu pra mim.

Leo, você precisa parar com isso. Vai se tratar, cara, você precisa de aj...

– Você desenha muito bem. - dou um pulo e o caderno vai direto para o chão. Ao olhar para cima, me engasgo. Acomodada num galho, lá está ela.

– Ah, oi! - chuto, desesperado, o caderno para dentro da mochila. - tudo bom, Reyna? O que... O que você tá fazendo aí em cima? Haha...

Ela deve achar que eu sou maluco.

– Estava lendo... - ela acena com um livro pocket. - aí você chegou, e fiquei observando enquanto desenhava.

– Ah... E você gostou?

Reyna dá de ombros, voltando sua atenção para o livro.

– Sim. - é o que diz. E isso faz o meu dia. - não quero atrapalhar. Pode continuar.

E como naquele ônibus cheio, todas as manhãs, ela não olha para mim. O que é bom, visto que devo estar vermelho como um pimentão. Mas...

Quero seus olhos só pra mim.

Pego o caderno, novamente. Dessa vez, os traços são exatamente como eu queria. Uso aquelas canetas para desenho que ganhei de Hazel, no Natal. Nunca toquei nelas. Pra mim, eram tão bonitas que não mereciam ser usadas. Mas, agora é diferente. Preciso usá-las, e é a ocasião certa.

Sempre gostei do jeito que desenho. Não é realístico, mas também não é cômico. É na medida certa, do jeito que gosto.

Em poucos minutos a árvore surge, assim como Reyna, escondida por entre seus galhos. Sorrio ao colocar suas sobrancelhas franzidas no papel, como se estivesse intrigada com algo acontecendo naquele livro. Noto que seu cabelo está solto, e ele cai por seus ombros em cascatas cor de breu. Finalizo com um "Leo" rabiscado no canto da página, que destaco do caderno e coloco num bolso aberto da mochila dela, caída ao pé da árvore.

O sinal bate e me levanto, murmurando um tchau tão baixo que, provavelmente, ela não ouviu. Mas Reyna acena para mim, e eu sorrio como um idiota quando ela não está mais olhando.

– Cara, eu tô desesperado! - é o que digo assim que tranco a porta do quarto. Nico foi passar o dia na cidade e Frank está fazendo um trabalho qualquer na casa dos Stoll. Posso sentir Jason revirando os olhos, do outro lado da linha.

Leo, relaxa.– diz ele. - ela disse que gostou dos seus desenhos, e você a desenhou. Isso foi legal. Se eu fosse uma menina e você fizesse isso pra mim, eu ficaria caidinha.

– Não quero você caidinha por mim, com licença. - me jogo na cama, com a cara no travesseiro. - e se ela achar que eu sou um babaca?

PORRA, LEO! – ele grita. - já disse que ela vai gostar! Eu conheço a Reyna muito bem, esqueceu? Ela gosta de coisas inesperadas.

Ah, Deus, por que? Tiro o rosto do travesseiro e encaro o teto. Esqueci que estou falando com o ex-namorado dela.

– Jason? - o chamo, depois de alguns minutos no silêncio total.

Que foi?– ele responde. - desculpa, eu fui pegar um copo de água. Colocar algo nessa tua cabeça dura deixa a garganta de qualquer um seca.

– Você ainda gosta da Reyna?

Ele se engasga e demora alguns minutos para responder. Eu daria risada se não estivesse roendo as unhas de nervosismo. Ah, meu Deus. AH, MEU DEUS.

Pareço uma garota.

Muito prazer. Leo Valdez, o boy-florzinha.

Olha, cara...– ele começa. - eu não gosto mais da Reyna como gostava antes. Sabe, não do mesmo jeito. Ela é uma garota incrível, do tipo que não dá pra esquecer. Mas... Sei lá, ainda sinto algo. Não como antes, mas ainda tem alguma coisa. Mas, olha, eu sei o que você sente por ela. Eu não poderia fazer isso com o meu melhor amigo. Não fica bravo, ok? Eu n...

– Obrigado. - digo. - me sinto muito melhor assim. Afinal, o boy-florzinha não é nada perto do superman loiro. Vou desligar, preciso me afogar no chuveiro.


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