Telling Lies escrita por Yokichan


Capítulo 4
Fogo morto


Notas iniciais do capítulo

Shipper: Uchiha Sasuke x Haruno Sakura.
Classificação: +13.



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Ele era uma assombração.

            Sakura havia feito de tudo, mas nada nunca funcionara. No começo, quando o trouxeram de volta para Konoha, ela acreditou. Teve esperanças de que, com a morte do irmão, toda aquela antiga história de dor, ódio e vingança teria fim, de que a escuridão iria embora, de que todo o sofrimento dele poderia ser curado com o amor que ela ainda sentia.

            Mas não foi assim.

            Mesmo depois do perdão, da reconciliação com aqueles que ele havia traído e machucado ao longo do tempo. Mesmo depois de ela ter dito que o amava e de ele tê-la levado para sua cama, de ter pedido para que ela ficasse. Mesmo depois do casamento em que ele não sorriu. Mesmo depois do filho ter nascido... Sasuke parecia morto por dentro. Um corpo sem alma, um sofrimento sem fim, uma lembrança, uma sombra, uma coisa que nunca está realmente ali. Uma assombração que já não assusta mais ninguém vagando pela casa escura.

            Era como se ele tivesse se esquecido de si mesmo.

            E tudo por causa daquele maldito irmão morto...

______________

            Ele quase nunca falava.

— Acho que vou ser promovida no hospital. — ela disse enquanto mexia o molho na panela. — Tsunade disse que o Conselho Médico tem falado bem de mim.

            Ela acrescentou um pouco mais de sal e espiou a rua pela basculante da cozinha. Era uma bela manhã de sol e o filho corria de um lado para o outro da rua puxando um filhote de cachorro por uma cordinha. Sakura sorriu ao ouvir as risadas de Hikaru, agora um menino de cinco anos com os mesmos olhos negros do pai e a camiseta dos Uchiha dançando no corpo magro e pálido.

            O cachorro começou a latir quando cansou de correr atrás dele.

— Hikaru vai para a Academia ano que vem. — disse pensativa.

            E depois de uma pausa:

— O tempo passa tão rápido...

            Ela tirou a panela do fogo e virou-se para despejar o molho sobre as panquecas que havia feito para o almoço. Mas parou ao vê-lo ali, sentado à mesa, os olhos perdidos no tampo de madeira, e sentiu o coração apertar dentro do peito. Ele nem mesmo escutara o que ela havia dito e Sakura se perguntou se ele ao menos percebia que ela estava ali, se ainda se lembrava de que ela existia e de que era sua mulher.

            Seus olhos se encheram de lágrimas e ela murmurou qualquer coisa sobre precisar ir à despensa — como se ele se importasse. E lá, no escuro de um cubículo que cheirava à farinha e solidão, ela chorou por tudo o que nunca aconteceria.

______________

            Sakura decidiu inventar mentiras ao filho quando o viu perguntando ao pai o que era um nukenin. Ela interrompeu seu caminho até o quintal, o saco de veneno para formigas ainda na mão — ah, as malditas estavam arruinando as suas flores —, e ficou ali parada na porta da sala, sentindo-se mais gelada do que uma manhã de inverno.

            Sasuke estava sentado em sua poltrona ao lado da janela como costumava ficar o dia inteiro, a barba por fazer, os olhos fundos e cheios de sombras encarando um ponto qualquer, os chinelos de ficar em casa meio soltos nos pés e aquela aura de esquecimento e sonambulismo pairando ao seu redor. Geralmente, nada nem ninguém era capaz de alcançá-lo, de arrancá-lo de seu silêncio sepulcral, mas o menino simplesmente colocou a mãozinha sobre seu joelho e sacudiu-o.

— Papai, o que é um nukenin?

            E então ele encarou o filho com aqueles olhos vazios que davam medo. Pela primeira vez em muito tempo, Sasuke sentiu alguma coisa além da dor e do arrependimento. Sentiu raiva. Por um momento, aquele vermelho que queimava cobriu-lhe os olhos e tudo o que ele pôde ver foi o rosto de Itachi. Por que diabos eles não paravam de amaldiçoar seu irmão mesmo quando ele já estava morto?

            Mas então o grito assustado de Sakura atravessou-o como um espinho de gelo e ele viu o menino que era seu filho correndo para longe dali. Ouviu os passos apressados quando eles subiram as escadas e o choramingo do garoto meio abafado pela voz dela.

            Depois havia apenas o silêncio de sempre.

______________

— Mas a riqueza não o modificou. Oferecia sempre arroz aos que tinham fome e ajudava todos os que o procuravam. Diziam que sua sorte tinha começado com um fio de palha, mas quem sabe se não terá sido com a sua generosidade?*

            Sakura terminou de ter a história do Sr. Palha e fechou o livro. Esperava que o filho tivesse adormecido no meio da história, como geralmente acontecia, mas encontrou-o com os olhos bem abertos e grudados em seu rosto.

— Oh, mas ainda está acordado... — ela sorriu.

            Passou-lhe a mão pelos cabelos num carinho e ia inclinar-se para o beijo de boa noite quando ele falou de repente, como se estivesse pensando naquilo durante muito tempo:

— O papai está bravo comigo?

            Sakura sentiu um nó apertar na garganta.

— É claro que não, querido. Não pense mais nisso.

— Eu acho que ele não gosta de mim.

— Não, Hikaru... — ela negou com a cabeça. — Seu pai ama você.

            O menino desviou os olhos para o abajur ligado ao lado da cama.

— Mas ele nunca fala comigo.

            Então vieram as mentiras ensaiadas que ela andara planejando para momentos como aquele, para não deixar que o filho caísse no mesmo buraco de tristeza e depressão para o qual Sasuke a havia arrastado. E enquanto as dizia para Hikaru, era como se estivesse tentando convencer a si mesma.

— Seu pai está muito triste porque sente saudades do irmão dele. É só isso, querido.

— E onde ele está? — o menino piscou curioso. — O irmão do papai.

— Ele está muito, muito longe. Num país distante do nosso.

— E por que ele não volta?

            Porque Sasuke o havia matado com as próprias mãos.

— Porque agora ele está trabalhando e não pode vir nos ver. Ele é um homem muito ocupado, você entende?

            Hikaru fez que sim.

            Ela abriu seu melhor sorriso triste e apertou-lhe as mãozinhas pálidas.

— Nunca mais pense que seu pai não gosta de você. Tudo bem?

— Uhun.

— Mesmo? — e ergueu uma sobrancelha.

— Sim.

— Então agora tente dormir.

            Sakura cobriu-lhe melhor com o cobertor e deixou-o com um beijo no meio da testa e uma ilusão em que acreditar. Hikaru era um menino tão bom e ela só queria protegê-lo de toda a maldição dos Uchiha até quando fosse possível. E desejou, com todo o seu amor de mãe, que ele não cometesse os mesmos erros do pai.

______________

            Ela costumava demorar a pegar no sono. Ficava deitada de barriga para cima, os olhos cravados no teto, rodeada de escuridão. Às vezes passava horas escutando a respiração dele, deitado ao seu lado, sem saber se estava dormindo ou acordado. Às vezes apenas pensava.

            Pensava se ele a amava, se um dia a havia amado. Pensava no espectro que ele havia se tornado e tentava imaginar como seria suportar aquela dor todos os dias como ele suportava. Pensava se ele ainda sentia o gosto da comida e o calor da lareira nos dias de frio. Pensava se um dia ele acordaria daquele pesadelo.

            Às vezes ela chorava em silêncio.

            Olhava para o lado e tudo o que via eram as costas dele, e pensava, uma dor quente arranhando por dentro, há quanto tempo não faziam amor.

______________

            Com o passar do tempo, enquanto via as próprias esperanças morrendo lentamente e uma resignação se tornando cada vez mais pesada sobre os ombros — porque, tudo bem, tinha que ser assim mesmo, não é? —, Sakura percebeu que havia envelhecido e que estava viúva de um homem que ainda dormia ao seu lado na cama. Um dia ela simplesmente se olhou no espelho e encontrou uma mulher triste cujos olhos já não tinham brilho algum.

            Hikaru agora era quase um homem e não acreditava mais em suas mentiras.

           

— Por que você não o deixa e vem comigo? — ele havia perguntado. — Ainda podemos ser felizes longe daqui, mãe.

            Ela ergueu os olhos da costura e sorriu, uma velha de quarenta anos que parecia carregar um mundo nas costas. O filho nunca entendeu por que ela continuava ali suportando o insuportável para qualquer outra pessoa.

            Nunca entenderia.

— Oh, querido, como eu poderia deixá-lo? Nós já nos tornamos um só.

            E voltou a costurar o botão da camisa de Sasuke. O tecido estava velho e desbotado e ela fez uma nota mental para comprar-lhe camisas novas ainda naquela semana. Um rabo de vento entrou pela janela ao seu lado e ela sorriu, os olhos cheios de água e a camisa velha apertada contra o peito.

            As roupas dele tinham sempre aquele cheiro de fogo morto.


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Notas finais do capítulo

* Trecho do conto japonês O Sr. Palha.
(http://contadoresdestorias.wordpress.com/2007/10/01/o-sr-palha-conto-japones/)
~
Pra quem gosta de um bom drama, essa oneshot foi um prato cheio, não? Particularmente, penso que é bem possível que o Sasuke se torne uma pessoa assim se, depois de tudo o que viu e fez, voltar pra Konoha.
Enfim, o que acharam? Curtiram? Lágrimas nos olhos?
Hm?