Enquanto ele sente o vazio onde seu coração deveria estar pulsando, ela fica estagnada no lugar em que está. Por mais fé que ela tenha em suas visões, sabe que o que acontece entre um fato e outro, é sempre uma surpresa. A decepção quase a feaz pensar que tem um coração no lugar da pedra vinho tinto que se esconde em seu peito.

Ele não se importou, ou melhor, fingiu não se importar. Ela sabe o que ele sente. Sabe que do que ele precisa, mas ele não acredita em nada além do sangue de que tanto necessita. Destraída em pensamentos confusos, Alice já não sabe o que é o presente e o que é o futuro. Mesmo o futuro já lhe parece estranho, como se algumas vezes ela estivesse inventando-lhe e não vendo-lhe de verdade. Por estas razões, talvez, ela não tenha visto a monstruosidade que agora se aproxima do pequeno banco em que está sentada. Olhos famintos e raivosos a observam por trás de moitas verdes e largas. Ela não pode vê-lo e adistração é tanta que, quando finalmente o sente, graças ao cheiro insuportável de cachorro molhado, já é tarde demais para ela.

A enorme boca saliva enquanto tenta destroçar um de seus pulsos. A dor é lancinante, o que lhe causa certa surpresa afinal. Não esperava que sua matéria, dura como mármore, pudesse ser tão facilmente alcançada e desfeita. Ela tenta escapar, puxando ferozmente o braço na direção contrária, buscando apoio do banco de madeira. Mas o monstro é enorme, com o dobro de seu tamanho, e não quer largá-la. Não há sangue, apesar de tudo. Só dor. Alice sabe que pode existir por uma eternidade com tal dor se ele não acabar logo com ela.

De repente, a mordida do animal se aperta ainda mais em seu braço, emitindo um rosnado gutural ao mesmo tempo. No entanto, assim como surgiu o ataque, tudo se acalma. A besta está no chão da praça em convulsão. Sangue negro escorre de sua boca e de seu tórax. Jasper está parado, olhando o animal, com o olhar mais vermelho e irado que Alice já vira.

– No que estava pensando? - ele pergunta. - Como não pôde lidar com isso? Queria que ele te destruísse?

– Não estava... espere, você voltou! - ela sorri, esquecendo da dor da cicatrização quase completa em seu braço.

– Não voltei. Apenas decidi mudar meu caminho. E não mude de assunto! Por que não se defendeu? Ia deixar essa coisa te comer?

– Não o vi chegar. Quando senti seu cheiro horroroso era tarde demais.

– Sei...

Ele se vira e some por entre as árvores. Por alguma razão, ele voltou, e isto já é parte do contentamento de Alice. Ela sorri enquanto ouve os passos dele se afastando. Ela sabe que o encontrará de novo, e logo. Um grunido desagradável lhe tira o sorriso. O monstro está vivo e, por um segundo, ela olha em seus olhos e vê algo humano neles. Besteira, ela pensa, antes de arrancar sua cabeça e encerrar seu sofrimento.

Ela não sabe, mas Jasper está no topo da árvore mais alta do parque. Observando qualquer movimentação suspeita, cheiros ou emoções, pretende esperar até que ela esteja segura. Bom, a quem ele quer enganar? Ela nunca estará segura! Nenhum deles estará enquanto despertar o ódio pelas vidas que tiram. Ainda assim, ele a vê, pequena e quase saltitante. Para alguém tão pequeno e distraído, ela até que finaliza o inimigo bem rápido. Jasper mal consegue conter um sorriso ao vê-la partir, solitária e, incrivelmente...

– Linda. - ele murmura para si mesmo. - Não mereço nada disso. Especialmente você.

E enquanto ela some por entre as árvores, provavelmente em direção ao bosque que liga à floresta, ele age como um spider-monkey, pulando de galho em galho, observando-a e seguindo seus passos discretamente. Ele nem sequer acredita no que está fazendo, mas é uma força maior que ele. Precisa estar com ela, inexplicavelmente.