Palavras escrita por Blue Coffee


Capítulo 1
Unique~




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Palavras

Eu sempre fui fã das palavras. Das palavras que sempre vinham em momento inoportunos, das palavras que não eram encontradas, das palavras desconhecidas, das palavras que desapareciam da nossa boca em momentos em que eram obrigadas a aparecer.

São as palavras que nos imortalizam.

Eu gosto de ler e gosto de escrever, mas o meu real amor é falar. Falar me faz lembrar. É falando que você concretiza os fatos. E é falando que você entende e compreende.

Não sei quando comecei a gostar de palavras, mas me lembro de cada uma que já pronunciei e de cada uma que alguém já falou dirigindo-se a mim. É realmente um dom, um talento, mas ao mesmo tempo uma maldição.

Acontece que as palavras são as que nos marcam. Cada uma delas é uma cicatriz. E por muitas vezes, quando subentendidas de maneira errada, acabam machucando pra valer. Então, ela não vira uma cicatriz. Vira um machucado incurável, sangrando pela eternidade. Agora pensando melhor, eu acho que entendo como foi que comecei a gostar de ler, escrever e falar.

Eu quis aprender a não machucar mais as pessoas assim como elas me machucaram.

A primeira coisa que me machucou de verdade foi um conjunto de palavras. Eu o guardo até hoje. Não que eu queira. Eu nem queria lembrar que ele existia.

Ele estava guardado junto com um álbum de coisas de Hogwarts, no fundo de um baú. Nunca fui muito bem aceito. Pelo menos não no mundo dos bruxos, sendo meu pai um “traidor” ou um “perdedor”. Essas palavras certamente atingiram meu pai com uma força inexplicável. Afinal, palavras machucam.

O álbum estava quase vazio. Havia rabiscos, boletins e fotos já envelhecidas pelo tempo. Nenhuma me surpreendeu. Eu deveria ter parado quando vi o boletim do quinto ano. Mas foi meu quinto ano em Hogwarts que exatamente me marcou. Foi nesse ano que eu a conheci. Lembro-me exatamente de meus cento e oitenta batimentos cardíacos com duas falhas seguidas e dos quarenta e sete segundos em que eu fiquei olhando para ela pela primeira vez. E lembro-me de ter sentido exatamente a mesma coisa relendo o nome do remetente de uma certa carta vinte e três vezes, tremendo seis vezes por segundo até finalmente relutar para abrir a carta que havia sido mandada dois anos depois de eu conhecê-la. E, finalmente, lembro-me das exatas dez lágrimas consecutivas que eu derrubei depois de ler aquilo.

Após folhar todas as páginas do álbum, lá estava a tal carta, com uma foto dela junto de mim, sorrindo. Seus lábios rosados formando um sorriso perfeito e seus cabelos cacheados ruivos perfeitos caindo sobre seus ombros. Suas íris azuis estavam cheias de lágrimas.

O mais engraçado de eu me lembrar de tudo o que aconteceu naquela noite é que não tenho a menor ideia de como eu a fiz chorar daquele jeito. Eu só me lembro de ter sorrido quando ela pegou minha câmera e tirou essa foto, e de como eu chorei ao receber a carta dela no dia seguinte. Acho que fui um tanto egoísta nesse caso.

Ela nunca me disse se o que eu fiz foi certo ou errado ao não ter perguntado como ela se sentia, não ter dito adeus ao sair do enorme trem vermelho pensando que doeria menos saber que eu poderia voltar a vê-la, criando falsas expectativas. Foi aquela a primeira vez que eu me dei errado com as palavras. Elas não apareceram. Então tive de aprender a controlá-las.

E outra: as palavras dela machucam mais do que as minhas. Eu não suportaria escutar mais nenhuma palavra vinda dela depois da carta. Uma vez que ela errou, eu não a perdoei, mesmo ela tendo me perdoado sempre. Outra vez eu fui realmente egoísta.

Nunca fui tão egoísta com outra pessoa. É que com ela era diferente, realmente doía quando ela me feria. Infinitas vezes mais do que doía com outra pessoa. E quando eu a machucava, ela poderia me perdoar, mas eu mesmo não me perdoava tão fácil.

A carta ainda tinha o aspecto de que eu me lembrava. Mesmo sem tê-la aberto, eu lembrava que ela havia sido mandada no dia quinze de junho de 2021, às nove e trinta e cinco da noite enquanto eu fazia um trabalho de Runas Antigas na sala comunal, no mesmo dia em que faria oito meses, dez dias e cinco horas em que eu havia descoberto que gostava da Weasley.

Abri aquela carta depois de quatro longos anos e as únicas palavras havia escrito ali ainda machucavam. Era como se eu estivesse lendo-as pela primeira vez e mesmo assim abrindo uma cicatriz fechada há quatro anos. Acho que são essas as palavras certas (eu nunca sei o que são palavras quando penso nela). Quando se trata da Rosie, parece que eu desaprendi tudo o que já havia aprendido.

Aquela carta poderia até me pertencer – por mais que me machucasse pensar desse jeito – mas a foto não. Não fui eu quem a tirou, ou quem pediu para tirá-la. Eu nunca quis entregar essa foto. Era a minha única lembrança, tirando as palavras. Palavras frias e dolorosas, mas que, ainda assim, eram lembranças.

A coruja voou assim que eu enrolei o envelope com a foto em sua perna. Fiquei observando-a até ela desaparecer da minha linha de visão. Estava entregando a foto com todo meu amor, e com duas palavras que eu havia escrito há quatro anos no verso da mesma. Quatro não é um número legal. A coruja demorou quatro minutos para desaparecer de minha visão. Hoje faz quatro anos, quatro meses e dez dias desde que a carta foi mandada. E, finalmente, o que mais me machucava, as quatro palavras escritas na carta que ela me mandou.

~

Quatro semanas depois de eu ter-lhe mandado aquela coruja, a porta da minha casa bateu, às seis e quarenta e cinco da noite, no exato momento em que o sol estava se pondo.

Contei cinco batidas desesperadas antes de abrir a porta. Meu coração novamente falhou duas vezes depois de cento e oitenta batimentos cardíacos. Deu três cambalhotas para trás, coisa que sempre acontecia quando eu a via. Contei sete segundos olhando para aqueles olhos de íris azuis inchados e vermelhos até ela entrar no meu apartamento, passando pelo meu lado.

Ela usava um perfume de morango, algo de que eu não gosto. Seu cabelo estava preso em um coque médio com a franja solta junto de uma mecha no lado direito. Eu também não gosto disso, gosto de simetria. Mas quase tudo em Rosie era uma exceção para mim. Tipo seus óculos pretos de aros quadrados que faziam contraste com seu rosto pálido e redondo. Ou seu cachecol que seria melhor se fosse azul claro, mas era azul escuro. Ou sua blusinha preta com corações que seriam melhores se fossem estrelas. Ou suas botas de couro marrom que seria melhor preto. Mas qualquer erro em Rosie se tornava uma qualidade, ficava bonito nela. Sempre descrevi isso nos trinta e dois poemas que eu escrevi para ela. Queimei todos porque eram muito melosos. Não era o estilo de Rosie. Ou, melhor, não era o meu estilo.

Nunca me declarei para Rose nesses seis anos em que a conheço. Mas sempre deixei evidente em meu olhar. Rose nunca foi boa em desvendar expressões. Mas mesmo assim eu esperava que ela adivinhasse o que eu sentia. E, de fato, esperei por todos esses anos. Em nossos dois últimos anos em Hogwarts eu deixava evidente que a amava. Nos quatro anos que se seguiram, eu a esperei bater à minha porta falando que havia descoberto que eu a amava.

Mas ela nunca veio. Ela nunca foi boa em desvendar expressões e nunca foi boa com palavras que vinham em momentos inesperados.

Ela ficou de costas para mim e eu vi uma gota cristalina pingar no meu carpete cinza claro, que, como sempre diziam, combinava com meus olhos. Rosie nunca me disse nada sobre meus olhos. E foi isso que sempre me fez achar que eles eram feios.

– O que é isso? – ela me perguntou jogando a foto no carpete, onde ela caiu de costas, mostrando as duas palavras que eu escrevi.

"Rosie e Scorpius (Malfoy?)"

– Uma foto.

– Não vim de Londres para receber essa resposta, Scorpius.

– Mas não há nada a falar além de “uma foto”. É a nossa foto, Rosie.

Pela primeira vez ela me olhou com aqueles olhos cheios de lágrimas.

– Você me fez chorar naquele dia. Meu coração foi partido.

– Quando eu estava com você meu coração era partido a todo o momento, mas eu não me importava, enquanto ainda estivesse em sua companhia. A dor é uma das únicas lembranças que eu tenho de você, seguida de palavras e desta foto. Você estava chorando nessa foto. Eu estava chorando no dia seguinte. Você tinha partido meu coração mais de uma vez. E continuou quebrando constantemente até este momento. O momento em que você aparece em minha casa, depois de quatro anos seguidos, sem compartilhar uma palavra sequer. Até este momento em que a encontro chorando em casa. E é essa a pior cena que eu poderia ver depois de quatro anos seguidos.

– Esta foto... Foi tirada antes do dia, não é Scorpius? Antes da carta? Você não deve se lembrar o porquê de eu estar chorando, não é? – eu balancei minha cabeça, negativamente. Como ela sabia? Não era ela a Rosie que não sabia desvendar olhares e que não era boa com as palavras? – Suspeitei disso – ela sentou-se no sofá de veludo preto.

– Você nunca me disse.

– Você nunca me perguntou. É, acho que é isso. Você nunca se importou em ter quebrado meu coração.

Eu ainda estava parado olhando para a porta, como se ela ainda estivesse ali parada, olhando para mim. Eu tinha de sair dessa. Acho que ela me viu beijando Isabelle há quatro anos, mas acho que ela não viu meu olhar pedindo desculpas. É. Ela nunca foi boa em desvendar olhares.

Ela já tinha se levantado e estava segurando a maçaneta da porta, de costas para mim. Eu peguei a foto e entreguei-lhe. Meu braço passava por cima de seu ombro direito. Ela olhou para a foto e virou seu rosto para mim.

– É sua, Rose. É uma lembrança sua. Assim como a carta me pertence, a foto é sua. Ainda assim, palavras machucam mais que fotos.

Então, ela virou subitamente seu corpo e me abraçou. Eu não gosto de abraços, mas como eu disse, tudo em Rose é exceção para mim. Como, por exemplo, suas unhas que sempre estão pintadas de preto quando ficariam melhores vermelhas, como quando ela passa maquiagem, sendo que sua beleza natural é ainda maior, ou quando ela tenta fazer algo para surpreender alguém, quando ela mesma é uma surpresa. Mas todas essas coisas que seriam defeitos para outras pessoas, é uma qualidade para Rosie. Ela ficava pequena sendo abraçada, por mais que não tivéssemos tantos centímetros de diferença assim. Eu gostava do abraço dela. Era o tipo de abraço do qual você não quer se soltar. Aqueles abraços de amigo. Ou talvez não existam tantos abraços assim no mundo. Talvez seja só os nossos.

– Eu amo você Rosie. Mais do que como amigo. E, não importa quantas vezes ele seja partido, meu coração continua querendo amar só você. Não importa quantas vezes eu beije pessoas como Isabelle, ou quantas vezes eu me obrigue a não gostar de você. Eu amo você. Só você.

Desfiz-me do abraço e comecei a subir as escadas. Não queria ouvir que ela não sentia a mesma coisa. Não queria ouvir o que sempre se ouve quando se declara para alguém. Queria fingir que ela disse que me amava. Criar falsas expectativas novamente. Achei que ela iria embora, mas ouvi seus passos subindo quatro degraus e gritar:

– Eu te amo Scorp. Você vale o mundo para mim.

Ao escutá-la descer os quatro degraus em vinte e quatro segundos, eu desci a escada velozmente. Ela estava novamente na porta, segurando a maçaneta. Virei-a pelo ombro e a beijei. De longe, o dela era o melhor beijo que eu já havia experimentado. Nem o mais belo dos anjos, nem o mais doce dos doces me dariam uma sensação igual. Lembro-me de escrever em dezessete dos poemas que a pele de Rosie era como a neve. Eu estava enganado. A pele de Rosie era simplesmente a pele de Rosie. Não havia comparações.

Eu me esqueci de ter contado os segundos, meus batimentos cardíacos e o dela também. Só me lembrei de ter entrelaçado meus braços em sua cintura e ela em meu pescoço. Era isso o que eu mais gostava em Rose Weasley. Com ela, não importavam as teorias, a ciência, a matemática e as palavras. Com ela, eu precisava ser apenas eu mesmo.

Mas, como tudo que é bom, o beijo acabou. E eu sabia que ela voltaria à Londres. Que ela não ficaria. Ela tinha seu trabalho de curandeira lá. E eu não poderia ir até lá, porque tinha o meu trabalho aqui. Mais uma vez teríamos de nos separar, afinal.

– Rosie, você não pode ir embora!

– Não posso ficar!

O silêncio penetrou, e nós apenas nos olhamos. Eu não gostava do silêncio. Ele era mais inteligente que as palavras.

Ela me deu outro beijo. Um beijo rápido, daqueles que aperta seu coração porque sabe que ele vai terminar logo. Ela disse que me amava, mas iria embora. Se ela fosse embora, eu só teria uma carta de lembrança e um beijo ao pôr-do-sol. Uma carta com palavras doloridas e um beijo doce e angelical que eu sabia que não poderia ter novamente, caso ela fosse embora.

Você é um idiota. Não sei por que sou sua amiga. Até nunca. Vai ser isso novamente, Rosie? – eu gritei com minha voz tremendo, enquanto ela parou no fim do corredor, perto do elevador. Havia lágrimas em meus olhos. Ela sabia que havia anos que eu não chorava. Eu tinha impressão de que ela chorava também – Você me ama ou não?

– Eu não tenho onde ficar, Scorpius. Eu quero estar perto de você.

– More comigo, eu não me importo. Case-se comigo. Eu a amo. Sou seu, só faltava você descobrir isso.

Agora, você me pergunta o que são palavras. Eu não sei, mas eu sempre fui fã das palavras. Das palavras que sempre vinham em momento inoportunos, das palavras que não eram encontradas, das palavras desconhecidas, das palavras que desapareciam da nossa boca em momentos em que eram obrigadas a aparecer. E palavras que você não diz, mas que têm o poder de mudar as coisas. E eu escondi muitas palavras que poderiam mudar minha história. E eu só as escondi por medo, medo do que iria receber em troca.

Palavras machucam, palavras curam e palavras mudam. Palavras são apenas palavras, afinal.


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Notas finais do capítulo

Essa história surgiu ontem de noite na minha cabeça, e simplesmente ficou resolvido que eu tinha de postá-la. Eu não queria prolongá-la tanto assim, mas nós, escritores de fics, sabemos que não é você que controla o número de palavras que sua história vai ter.

Opine, sua opinião vale ouro. E, afinal de contas, é bom saber que tem alguém lendo minha história, não apenas o nada.

~believeinheaven

Um pouco de água com açúcar não mata ninguém.