Assim que abro os olhos, sinto como se tivesse sido pisoteada por vários bestantes.

A dor de cabeça é enorme, e a dor em meu corpo é quase insuportável, sinto minhas costas arderem, mas não me lembro de quase nada. Meus olhos azuis ainda não se acostumaram à clara luminosidade do local, devido á sua sensibilidade, então tudo o que enxergo durante longos minutos, é o nada.

Eu me lembro de morrer, mas continuar viva, se é que isso é possível. Lembro-me subitamente da arena e todas as memórias invadem minha mente. Todas.

Finalmente meus olhos se acostumam com a luz, mas isso não me faz sentir mais segura, pelo contrário, agora com plena visão, temo pelo lugar em que eu possa estar. Parece um hospital, entretanto é muito mais sofisticado que os dos distritos, que o do doze principalmente, porque até então, nosso hospital era a mesa de jantar da minha casa.

Por que estou em um hospital e por que não estou morta?

Aos poucos vou sentando-me na maca confortável em que estou, e vejo algumas pessoas me encarando e outras se levantando como eu. Ignoro a dor mordendo o lábio inferior, talvez com a dor dele, a dor do resto do corpo possa ser apaziguada.

– Quem são vocês? – Pergunto assim que consigo me estabilizar, sinto que os conheço de algum lugar, mas não me lembro de exatamente onde.

– As mesmas pessoas que você. – Uma menina de cabelos cor-de-cobre responde. – Os tributos caídos.

– E não... é... não deveríamos estar mortos? – Massageio minhas têmporas em uma tentativa falha de amenizar a dor.

– Isso é uma longa história, garota. – Outra pessoa se pronuncia, dessa vez vejo um homem com a barba por fazer, por volta de seus 23 anos, carrancudo.

– Tenho tempo. – Digo ajeitando-me na maca.

– Eu vou tentar ser o mais breve possível. – A menina cor-de-cobre respondeu. – Com os jogos vorazes um grande número de pessoas morre e, apesar de Panem ser um país muito grande, não é populoso, ou seja, teríamos sempre um grande declínio com 23 mortes no mínimo por ano, pense só, desde os primeiro jogos foram 1748 mortes, sem contar com esses jogos que estão acontecendo agora.

‘’A Capital, quer dizer, Snow começou a pensar que, talvez nós tivéssemos alguma utilidade, morrer não era o suficiente. Então nós viramos uma espécie de avox, a pior espécie deles, aquela que fica no subterrâneo, nos esgotos, vigiando as passagens, controlando possíveis bestantes.

‘’Desses 1748 tributos, poucos realmente morreram, e eles são aqueles que nem mesmo toda a tecnologia de Panem conseguiu ajudar, porque estavam machucados demais, ou foram feridos e mortos na hora. Os que vivem como nós, bem... Eles vêm parar aqui. ’’

– E o que exatamente é aqui? – Rebato sem ter tempo para assimilar algo, depois penso.

– É uma espécie de cúpula, onde ficamos desde nossa ‘’morte’’, apenas saímos daqui quando chega à ordem de irmos para os esgotos. Não é um trabalho perigoso, porém é desgastante, por isso ficamos aqui, apenas esperando, os mais velhos vão primeiro. – Um garoto ruivo me responde, ele tem no máximo 20 anos, e é muito bonito, além de se parecer muitíssimo fisicamente com carreiristas, talvez tenha vindo do Distrito 1.

– Nós não podemos deixar isso acontecer! Quer dizer... Há muitas pessoas aqui, presas que merecem viver. Eu não quero passar o resto da minha vida aqui. – Digo.

– Na verdade, há apenas 600 pessoas aqui, espalhadas pelos quartos, o resto ou morreram ou já estão nos esgotos.

– Vocês... Vocês estão aqui faz muito tempo?

O menino ruivo parecia o mais interessado em responder minhas perguntas.

– Depende, há alguns de nós como Flexs, um dos mais velhos, que estão aqui desde a 34º edição, os tributos mais velhos daqui são a partir dela.

– Então vocês não tem contato com o mundo lá fora? Não sabem nada do que aconteceu ou está acontecendo?

– Sabemos apenas as informações que os novos tributos como vocês contam á nós.

– Então vocês sabem da rebelião, do tordo e de tudo mais? – Pergunto e espero que a resposta seja positiva porque me pouparia muito ter que explicar todos os detalhes.

Eles assentem e suspiro aliviada, levanto-me da maca assim que me lembro que Kate deve estar aqui embaixo, agora ela é um tributo caído. Tomara, tomara, tomara que tenham conseguido salvá-la.

Ando por mais alguns minutos e finalmente a acho, ela estava dormindo, parecia dopada, talvez os remédios que deram a ela tenham sido mais fortes que os meus, qualquer que seja minha decisão, vou efetuá-la apenas quando Kate acordar. Mas vê-la dormindo aliviou meu coração, suprimi a vontade de chorar, agora não era hora para fraquezas.

– O que está acontecendo ai? – Uma voz feminina fala ao longe e percebo que nem todos os tributos ainda tinham acordado. Procuro a dona da voz e quando acho é como se estivesse vendo Lily um pouco mais velha á minha frente. Porque quem eu estava encarando era ninguém menos que sua irmã e logo atrás dela vinha Marvel.

Eu não sei como, e nem o que vou fazer, mas vou voltar para Capital, com todos eles, e parar os Jogos Vorazes.

A Capital é realmente muito boa medicinalmente, porque conseguiram salvar Glimmer das teleguiadas e Marvel da flecha de Katniss...

Mas se a flecha atingiu seu coração como ele está vivo? Talvez Katniss tenha acertado uma região próxima á seu coração, mas isso não me interessa no momento, o importante é que Katniss irá parar de se culpar por pelo menos uma morte provocada por ela, na verdade duas, por que Katniss também ‘’matou’’ Glimmer.

– Qual é seu nome? – Marvel me perguntou, e vi todos olharem em minha direção, menos os tributos caídos da minha edição que já me conheciam.

Levei alguns segundos antes de tomar folego e responde-lo, ciente do alvoroço que meu sobrenome iria causar.

– Primrose Everdeen.