As Histórias De Thalia escrita por GiGihh


Capítulo 69
Luz prateada




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THALIA

E assim se deu início a uma festa olimpiana. Nunca me senti mais encantada; tudo era perfeito no sentido mais literal possível. Tentei durante vários minutos intermináveis me distanciar da multidão de seres imortais, mas eles choviam para cima de mim do mesmo modo que formigas são atraídas por doces; todos me davam os parabéns por entrar na Caçada, por fazer parte da imortalidade... Tudo parecia tão vazio, sem sentido... Andava sem um rumo fixo, apenas seguia para um lugar mais afastado.

–Quer companhia? - a voz era profunda, mas não era como um trovão. Parecia mais como o quebrar de ondas em uma rocha.

–Depende. Não está interessado em matar ou está? - Poseidon riu.

–Depois do que vi que estava disposta a fazer lá no conselho... Não. Eu não a quero morta.

–Então será um prazer caminhar com o Senhor dos Mares - senti seu sorriso mesmo sem vê-lo e seguimos em frente. Um caminho de mármore branco cercado por um corredor de lindas flores azuis, tudo coberto por uma fina camada de cristais feitos de neve, o céu tão escuro e estrelado e a brisa fria me fizeram suspirar... Mais uma vez senti um pequeno sorriso no deus.

–Teria mesmo dado sua vida pela vida do meu filho? - ele havia parado de andar e me encarava com seriedade.

–Me dê um motivo para não dar minha vida por ele.

–Ele é meu filho...

–Qualquer problema que eu tiver com você não vai afetar em nada o que penso sobre Percy.

–Mas seu pai e eu... - sorri em quanto o interrompia de novo.

–Caso não tenha notado, você e Percy não são a mesma pessoa; o mesmo vale para mim e Zeus.

–São bons amigos, é isso o que está querendo dizer?

–Percy é minha família. Não importam nossas discussões, nossas brigas... Sempre que ele precisar estarei lá por ele. E não vejo razão para você e meu pai não serem da mesma forma.

O deus ficou refletindo, mas eu segui em frente. Não tinha nada contra a companhia de Poseidon, mas acho que queria mesmo ficar sozinha; tinham acontecido coisas demais em um intervalo muito curto. Sentei-me no gramado branco que tinha uma vista limpa da cidade de NY, mas que não me dava náuseas pela altura. A cidade que nunca dorme; a luz de diversos prédios acessa iluminando a noite e apagando a beleza de algumas constelações.

"... A filha de Zeus e o fiel servo de Cronos... Proibidos um para o outro..."

O vento que me jogou os cabelos parecia rir de mim, desdenhar do meu silêncio. Droga! A afirmação do titã tinha fundamento. Muito mais fundamento do que eu gostaria que tivesse. Fiquei ali desejando a companhia de alguém que oferecesse um consolo sincero, mas a única pessoa que eu conseguia pensar era inalcançável e indiferente... Nunca minha mãe perderia seu tempo para me escutar chorar por um homem.

Já estava deitada quando percebi que cantarolava a mesma música que havia sonhado há tantos anos atrás... Um riso me escapou quando me senti livre de todo o meu passado... Ele não poderia voltar a me assombrar; poderia?

–Você deveria rir mais vezes - a voz era tão profunda quanto um trovão; aquele sem dúvida era Zeus.

–Não é algo que me venha com facilidade.

–Sei disso. Venha; nossa adorável festinha já teve fim. Você dormirá aqui no Olimpo e quando estiver descansada irá com Ártemis.

Levantei e limpei a neve das minhas roupas e caminhei ao lado do meu poderoso pai. Aquilo não foi agradável como a minha caminhada com Poseidon. O ar pareceu ficar tenso e um nó se formou em minha garganta. Queria dizer tantas coisas, perguntar tantas coisas... Mas nada saiu; eu esperava que Zeus estivesse passando pelo mesmo que eu.

–Acredito que fez o certo, entrando para a Caçada com sua irmã.

–Era o certo.

–E quanto a Luke Castellan? - sem perceber, soltei um ofego de dor, por ouvir aquele nome tão belo e tão terrível.

–O que tem ele?

–Não acredito que você esteja disposta a esquecê-lo.

–E não estou - Zeus mantinha os olhos tão focados em mim que era difícil pensar no que eu senti - Nunca vou esquecê-lo, mas aquele menino do meu passado ficou lá. O passado está morto e não volta.

Uma lágrima quente escorreu lentamente pela minha bochecha.

A sala estava muito iluminada para àquela hora da noite. Desci as escadas sem fazer o menor dos ruídos e cheguei à sala. O som do choro era alto o suficiente para acordar uma menininha de seis anos de sono muito leve... Os cabelos longos, lisos e espessos de minha mãe eram tudo o que eu via, mas não precisava enxergar para saber que existiam garrafas de vidro a seus pés e cigarros sobre a mesa. Ela ergueu um pedaço de papel nas mãos e voltou a chorar ruidosamente como se não tivesse controle para parar de derramar lágrimas de dor e saudade.

Dei um passo para trás, apreensiva e assustada demais para continuar a olhar minha mãe naquele estado tão frágil... Tropecei nos meus próprios pés e cai de bunda no chão.

–Thalia? - sua voz soou tão forçada e surpresa que achei que o som doía a lhe sair da garganta. Levantei e me virei para subir as escadas correndo, mas ela voltou a me chamar - Eu acordei você?

Assenti sem forças para falar. Ela me convidou a chegar mais perto com um aceno de mão. Meus pés descalços traçaram o caminho até estar em frente a uma mulher que tinha tudo para ser linda, mas que estava tão destruída pela dor que não sobrava espaço para nada. Caminhei assustada; minha mãe nunca havia se dignado a me convidar para uma conversa, um carinho ou afago... Ela sempre preferiu me manter a distância. Parei a sua frente por um reflexo de obediência; eu sabia que era melhor obedecê-la ou eu sofreria as consequências depois. Ela me puxou para seu colo e alisou meus cabelos, brincando com um cachinho. Seu rosto estava manchado de lágrimas e maquiagem borrada.

–Por que está chorando? - minha voz fininha saiu apenas preocupada. Eu era ingênua demais para me preocupar comigo mesma quando via minha mãe chorar.

–Por dor...

–Quer um remédio? Eu vou buscar...

–Não, minha pequena... - ela esboçou um sorriso tristonho e ajeitou a alça da minha camisola - Choro por não ter quem amo ao meu lado. Isso é a pior das dores, menina. - sua voz falhou; eu não compreendia como essa dor era terrível - Quero que me prometa uma coisa, Thalia - assenti sem parar para pensar muito no assunto - Não importa o que aconteça, você nunca irá chorar por um garoto. Meninas não merecem chorar lágrimas por quem não as valorizam... Me promete, meu anjo? Nunca vai sofrer por amor? Não vai demonstrar fraqueza... - ela fungou - Suas lágrimas são mais preciosas do que parecem... Chore apenas pela razão certa. Prometa!

–Prometo - falei sem compreender tudo aquilo; a mulher me abraçou fortemente e voltou a soluçar por minutos preciosos. Mas ela se afastou e voltou a olhar em meu rosto impassível, impenetrável... Misterioso...

–Vá para o seu quarto, Thalia - sua voz não era mais suave, doce ou embargada; era ríspida, dura e fria - Não deveria ter vindo aqui... Você não deveria estar aqui! - ela gritava com os olhos empossados de lágrimas... Subi as escadas correndo, mas a vi pegar um cigarro em meio a um soluço.

Limpei a lágrima com agressividade. Não iria chorar mais por ele; não podia chorar por ele. Eu havia prometido de uma forma tão ingênua, mas não deixava de ser uma promessa... E eu queria mantê-la viva não apenas por aquela mulher que só se mostrou mãe uma única vez. Queria manter a promessa por mim mesma.

Aquela lembrança era a única em que havia um mínimo sinal de carinho e amor pelo lado de minha mãe. E mesmo essa lembrança não terminava muito bem.

–Thalia? Você está bem? - Zeus me olhava muito mais profundamente agora... Seus olhos pareciam tão infinitos, tão meus... Parei para pensar na razão pela qual minha mãe me colocava sempre a distância: era a minha semelhança com aquele deus...

–E eu alguma vez já estive verdadeiramente bem? - devolvi um pouco abalada pela lembrança, pela promessa, mas respondendo mais para mim mesma. Não demorei o olhar no deus.

Meu pai me orientou até um templo grande, mas não tinha certeza de que deus era, mas acho que isso não importava tanto. Ele me guiou até um quarto amplo com uma suíte no fundo.

–Vou deixá-la aqui. Tome um banho e vista o pijama que Afrodite fez questão de lhe dar - ele apontou para um amontoado sobre a cama - Eu volto logo.

Assim que Zeus me deixou observei o cômodo com mais atenção. O quarto era magnífico e simples. As cores predominantes eram o branco e o prateado, o teto parecia ser feito de vidro me permitindo enxergar as constelações... Caminhei até a suíte levando comigo a troca de roupas. O banho realmente me fez bem: a água quente relaxou meus músculos doloridos e cansados; vesti a calça xadrez e a blusa de mangas compridas, tive o imenso prazer de encontrar minhas botas UGG. Voltei tentada a me jogar no colchão e, se possível, morrer ali, mas notei o piano preto no canto do quarto.

Aquilo estava ficando cada vez mais doentio para mim. O piano era de longe o instrumento que eu mais apreciava, não pelo som ou algo assim, mas por trazer lembranças e fantasias que ainda se confundem em uma só. Inconscientemente, meus dedos percorreram as teclas enquanto me permiti fechar os olhos... Afastei minha mão como se o instrumento estivesse em chamas e me virei para a porta. Meu pai me observava e trazia um cálice nas mãos.

–Sem sono?

–Não. Só não quero ter pesadelos de novo - ele adentrou o quarto e me indicou a cama. Sentei-me e percebi o quanto minhas pernas estavam cansadas. O deus me ofereceu o cálice; não o aceitei.

–Por que razão você está me oferecendo vinho? Senti o cheiro de longe.

Zeus sorriu. Aquela era uma visão agradável.

–É Vinho dos Sonhos. Beba e não terá um único sonho perturbador ou agradável; apenas escuridão.

–Sem sonhos? - em dúvida estendi a mão devagar. Aquilo parecia perfeito demais.

–Sem sonhos; prometo - ele estendeu o vinho, mas assim que ele prometeu fiquei tensa; meu corpo imóvel e alerta. Ele percebeu - Essa não é uma promessa vazia, Thalia.

–Como vou saber?

–Terá de confiar em mim. - ele afastou uma mecha de cabelo do meu rosto - Não seria capaz de fazê-la sofrer ainda mais hoje.

–Acho bom; estou cansada de me machucar por causa de promessas. - Tomei todo o vinho em um gole só. O líquido parecia se alternar em quente e frio, doce se misturando com o acido. Apreciei muito o sabor incomum. No mesmo instante me senti mais leve, quase etérea. Se não estivesse sentada teria caído, isso era certo. Zeus pousou sua mão grande e pesada em meu ombro e com uma delicadeza desajeitada que eu nunca esperaria dele, me deitou na cama. Sentado ao meu lado, meu pai me acariciou levemente os cabelos e meus olhos ficaram cada vez mais pesados... O piano parecia tocar a melodia mais suave possível, o tilintar de estrelas no céu, talvez, e a mesma voz, a mesma música da minha infância...

LUKE

Quebrado. Eu estava quebrado graças a ela; vivo graças a ele. Tinha um braço enfaixado para garantir que meus ossos se fixassem com força e no local certo. Tomava néctar de hora em hora e comia ambrosia pelo menos uma vez ao dia.

Mas a guerra ainda estava de pé; agora mais do que nunca, meus soldados, meus monstros queriam agir e destruir os semideuses. Kelli estava sempre por perto examinando cada ferimento e me beijando sempre que tinha uma chance ou por algum deslize meu. Eu tinha febre e alucinações em que revivia minhas piores dores; muito provável que fosse um castigo de Cronos. Não me importava. Eu merecia aquela dor por acreditar que ainda poderíamos... Bom, talvez ainda pudéssemos...

Este era um dos momentos mais felizes em que a noite estava sossegada e Kelli distante. Pensei que poderia dormir em paz, mas não sabia se o que eu via era uma alucinação ou um devaneio; poderia ser o pior dos meus sonhos... De longe o mais doloroso.

Na janela aberta estava uma visão terrivelmente linda: Thalia, ou minha consciência, estava ali. O vestido longo esvoaçava com a brisa suave, o camafeu prateado de tantos anos antes em seu pescoço. Os cabelos estariam livremente soltos se não fosse uma tiara belíssima... Espera! O vestido era branco, mas coberto de prata. A tiara me era conhecida: pequenos diamantes espalhados em aros de prata representando estrelas, representando a noite; uma coroa para uma princesa... Sua pele reluzia em uma aura prateada enquanto ela era iluminada pela lua...

Não! Não era verdade!

–Thalia... - ela olhou para mim; seus olhos refletiam a lua - O que... Por que está vestida assim?

Ela caminhou para longe da janela, se aproximando da cama.

–Você sabe o que significa. Sabe o que me tornei.

–Por quê? Por que desistiu de nós?

–Eu? Não, meu querido - ela sorriu tristemente - Você desistiu de nós.

–Mas eu... Tudo isso... Você...

–Foi você quem morreu na colina Meio-Sangue; Thalia Grace deu sua vida para salvá-lo, mas você morreu mesmo assim.

Balancei a cabeça negativamente mesmo sentindo dores indescritíveis.

–Você se foi. Não me sente mais aqui... Pra que irei falar se você não quer ouvir? Diga, Luke: quando essa tempestade que você criou acabará. Diga para eu voltar a me sentir inteira...

Seu tom era triste. Lágrimas me escorriam pela face. Voltei a negar com a cabeça... Seu corpo pareceu se diluir, cercado de vento, de poder, o luar a banhou...

–Eu não vou voltar mais... E você sabe disso...

–Não! NÃO... THALIAAAAA!

Levantei da cama em um salto mesmo sentido o corpo queimar em protesto. Não eram lágrimas o que escorria, mas suor. Semideuses menores entraram no quarto e logo Kelli chegou.

–Deite. Tragam Néctar!

–Precisamos...

–Não, meu senhor. Deve descansar...

–Cale-se. Devemos investigar as caçadoras...

–As Caçadoras de Ártemis? Aquelas puritanas? - Kelli riu com escárnio - Não precisa se preo...

–Terei que mandá-la se calar mais uma vez? Teremos grandes problemas com elas... Com a tenente da deusa... Quero saber de tudo... Nenhuma garota estará segura na Caçada; garanta que nenhuma menina tenha um lar.

O sorriso do demônio foi marcado de satisfação... E ansiedade.

THALIA

Sabia que estava acordada, mas ainda assim me recusei a abrir os olhos. Estiquei meu corpo e bocejei; meus olhos ainda estavam pesados. Meu corpo parecia disposto e sem qualquer sinal de cansaço.

–Já acordou? - a voz de Ártemis tinha um sorriso implícito.

–Quase. - abri os olhos bem devagar; na janela, o sol parecia na sua posição das três da tarde. Me ergui nos cotovelos - Por quanto tempo eu dormi?

–Dois dias e meio.

–Dois dias?

–Thalia, você estava cansada física e psicologicamente. Ninguem aguentaria tanto tempo sobre tamanha pressão; principalmente semideuses.

Baguncei ainda mais meus cabelos e soltei um bocejo.

–Ainda está cansada?

–Não.

–Ótimo. Antes de nos encontrarmos com as caçadoras, nós duas temos coisas a fazer.

–Temos?

–Sim; sugiro que coloque uma roupa confortável. Coloque algo mais leve, agora você não sente frio como uma pessoa ou um meio-sangue normal. Vai gostar do frio...

–Sempre gostei do frio; ele definitivamente não é um problema - ela sorriu.

–Então vista-se.

[...]

O lugar deveria ser uma clareira, mas eu não tinha plena certeza de que cidade, estado ou país nós estávamos. O importante era que estávamos em uma paisagem natural... E a deusa estava me testando de várias formas possíveis.

–Uma Caçadora age pelo instinto de liberdade. Ela é livre e leve para executar qualquer movimento. Você vai usar apenas a natureza a seu favor. Sem armas. Apenas você e o ambiente ao seu redor.

Ela dava voltas ao meu redor. Os olhos perolados brilhavam como os de uma tigresa brilhariam para sua presa. Havia tanta beleza naqueles olhos que por um instante era fácil esquecer o perigo.

–Terá de impedir meus ataques...

–Está brincando? Você é uma deusa! Eu não tenho a menor chance...

–Grande parte das forças de um herói vem da ingenuidade... - ela sorriu - Prometo pegar leve contigo, tenente.

–Duvido.

Ártemis desapareceu em um piscar de olhos. O vento soou forte e gélido; o balançar das poucas arvores eram os únicos movimentos visíveis. Isso me assustava... O farfalhar das folhas me vez virar atenta... Aquilo era um truque, eu já sabia. A deusa planejava atacar pelas minhas costas... Tão rápida quanto sumiu, ela voltou à vista. Seus punhos tentavam me atacar, mas eu desviava com uma estranha facilidade... Bloqueei alguns ataques com os braços e segurei seu punho.

–Foi muito bom... Mas podemos melhorar, minha Tenente.


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Notas finais do capítulo

Oie!
Como este cap ficou, hein amores? Eu amei os momentos em Zeus foi "atencioso" com a filha, mas amei fazer o flashback com a mãe da Lia... Para o Luke a ficha ainda não caiu... Mas logo cai, hahahaha
Até breve anjos!