Rainha Do Egito escrita por MayLiam


Capítulo 3
Maluca


Notas iniciais do capítulo

Sei que faz tempo, e que pareceu que abandonei a fic, mas eu nunca faço isso com minhas histórias. Peço desculpa pela demora, aos que acompanham Rainha do Egito. Acontece que estou muito envolvida em trabalhos acadêmicos na universidade. E ainda estou tentando ajustar meu tempo. E dentre outras atividades, também estou devendo mais um capítulo de ELE, pra quem acompanha, planejo postar até o fim de semana. Está na reta final da primeira temporada. Adicionei a tradução instantânea como escolhido.
Beijos e boa leitura!



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Eles estavam no deserto a dois dias. O cenário para Elena, agora era bastante diferente. Quanto mais se afastavam das redondezas de sua cidade, mais se notava toda a calamidade que assolava o Egito. Dois dias sem montar acampamento, apenas parando para dormir e comer. O que mais Damon queria era regressar o quanto antes ao reino de seu pai e voltar a fazer algo que julgava realmente útil, quanto antes se livrasse desta missão, melhor.

Nestes dois dias de viagem, Elena já tinha se aproximado de metade da comitiva, já se tornando admirada por muitos, principalmente os homens. Tudo a sombra do olhar de Damon. Ela se aproximara bastante de Meredith, adorava a sua habilidade com as plantas, e a lida com doenças, ela parecia conhecer tudo que era ligado a medicina natural. Por outro lado não conseguia se relacionar com Rebekah, não que ela não quisesse, mas apenas a moça era a sombra de Damon e não mostrava o mesmo interesse ou curiosidade dos demais. Sempre ajudava Damon nas indiretas pra Elena, que eram muitas, isso só fazia a antipatia entre elas aumentar.

-Meu príncipe, a cidade de Badari não está distante de nós, meio dia a frente. É um bom local para o primeiro acampamento. – falou Niklaus encarando Damon, que tinha a atenção presa em sua espada, polindo-a.

-Vamos seguir por mais um dia. Embora seja mais viável Badari é muito propensa a ataques Hicsos e não temos guarda para defesa, não o suficiente.  – ele argumenta ainda distraído em sua tarefa.

-Pra quem nunca esteve no deserto, tem sido uma viagem muito cansativa alteza. – Niklaus continua e ganha a atenção de Damon que lhe olha meio perdido. – Me refiro a melim (sacerdotisa) é claro, está muito puxado pra alguém que nunca deixou a cidade, o deserto castiga o corpo e a alma também.

Damon olha seu general em silêncio, em seguida corre a vista pelos os arredores e se depara com Elena, ela está ao lado do sacerdote e parece interagir em uma conversa muito interessante. Damon tem reparado na moça durante estes dias, ela realmente consegue se relacionar bem com todos, tem o dom da persuasão e o carisma de uma boa líder, talvez isto explicasse muita coisa, mas não era como se Damon estivesse dando razão ao pai, essa viagem e seu objetivo era total perda de tempo.

-Mais um dia e acampamos em Qau, eu prefiro assim. – ele termina e se afasta de seu amigo, que apenas assenti em reverência.

Eles haviam parado para uma pausa depois da refeição e ficariam mais algumas horas, Damon queria evitar possíveis tempestades de areia e logo depois seguiriam viagem.

-Meu príncipe. – era Rebekah, que se aproximara dele, Damon apenas acenou consentindo o movimento dela. Ela sentou-se ao seu lado. – Enaium (preferido, querido), achei que minha presença nesta comitiva fosse ditada pela tarefa de fazer-lhe companhia, se soubesse que a de meu irmão era mais apropriada, bem, com sua permissão eu declinaria de sua intimação.

-Enaiumi (querida, preferida),não seja tão ardilosa. Apenas não estamos grudados um no outro. Por que não faz como Meredith, Bonnie e Caroline... Busque outras tarefas em minha ausência ou com nossa distância.

-Elas estão cercando a sacerdotisa, prefiro a minha própria companhia se não tenho a sua. – Damon sorri com a implicância explicita existente entre as duas.

 No final da tarde quando Damon estava reunindo a todos para a nova retirada, ele percebe que as queixas de Rebekah silenciaram por longo tempo, estava tudo muito quieto e todos ocupados e calados com algo, mas... O sacerdote estava só, Meredith com suas plantas, ajudada por Bonnie e Caroline conversava com Niklaus. “Onde está a melim (sacerdotisa)?” ele pensou consigo mesmo, rolou os olhos, mas nada dela. Estava ficando inquieto e resolveu ir pra junto dos camelos e cavalos, ela sempre estava perto deles quando não tinha outra coisa que fazer, mas nada, Meredith notou a inquietude de seu príncipe e resolveu se aproximar dele.

-Ela decidiu banhar-se antes de nos retirarmos, se queixava muito do sol. – ela fala docemente.

-Banhar-se onde naiumi (concubina)?

-No rio meu amum (príncipe), onde mais seria?- os olhos de Damon saltam de sua face. Ela só pode ser maluca ou sua ingenuidade é mesmo de irritar. Banho no rio no final da tarde?? O que ela queria?! Virar comida de crocodilo?

-Só pode ser brincadeira. – ele está perplexo e a mulher apenas encolhe os ombros.

-Ela estava comigo, mas saiu a algum tempo, um de seus homens a seguiu por ali amum (príncipe), como você sempre deixa ordenado. – Meredith aponta a direção e neste momento Rebekah se aproxima deles.

-Qual o problema? – ela pergunta encarando Meredith que apenas vira-lhe as costas e ignora.

-Volte para as suas obrigações enaiumi (querida).

Damon fala em um tom ríspido que faz Rebekah abrir a boca e encarar outra vez Meredith que lhe soltou um riso abafado em deboche. O príncipe deixa as duas para trás e segue na direção que lhe foi apontada.

...

Ela é mesmo inacreditável, tem uma imensa necessidade de ser o centro das atenções. Durante apenas alguns dias já tem metade da comitiva aos seus pés. Fico imaginando o que não conseguira do meu atormentado pai, e sinto ainda mais fúria de seus modos fúteis de encarar a realidade que a cerca. Como se não me bastasse estar bancando a babá, ainda tenho que lhe ensinar que não se entra no Nilo a estas horas. Ah... eu adoraria sinceramente que um crocodilo lhe mostrasse o porque. Se meu pai não estivesse atrelando suas esperanças a ela eu certamente arrumaria um.

Ao me aproximar das margens do rio eu noto primeiro meu soldado, ele parece estar atento a qualquer que seja a atividade vinda do rio, mal me percebe chegar, eu poderia facilmente o acatar com minha espada. É exatamente o que faço, lhe pregando um baita susto, ao agilmente, prender seu braço direito atrás de suas costas e pressionar minha espada em sua garganta.

-Guarda muito baixa med (soldado). Não terá tanta sorte da próxima vez. – ele esta se debatendo, os pés não tocam o chão, ele bate em meu braço para que eu afrouxe sua garganta e assim o solto. Ele se afasta atordoado, e se curva diante de mim. – O que pensa que está fazendo? – pergunto furioso e ele encara o chão com os joelhos enterrados na terra.

-Mei amum (meu príncipe), eu realmente tentei. Apenas não pude impedi-la, não tenho permissão para tocá-la, mas não desviei o olhar. – ele está falando rápido e enquanto fala minha vista corre pelo rio, mas não vejo a melim (sacerdotisa)

-Oh, eu imagino que não. Por isso quero que me mostre exatamente onde diabos ela se meteu! – estou gritando e o soldado ergue o olhar para o rio as suas costas e se agita, pois ele está vendo o mesmo que eu: nada.

-Mas ela estava... Como? – ele desespera perdido e a luz do dia está se esvaindo, é quase noite. – Eu juro meu príncipe, estava a olhando antes do senhor chegar, ela estava bem ali, - ele aponta pro centro do rio a sua frente – havia acabado de submergir. – ele termina.

-Submergir?! – dou um grito maior, ele retoma sua posição de submissão afundando outra vez os joelhos diante de mim. – Você é alguma espécie de darcum (idiota)? Ela não deveria estar dentro deste rio e muito menos submergindo nele. – o puxo pelos os ombros e o ponho de pé- Entre imediatamente dentro desta água e só saia dela com a melim, você me entendeu? – ele engole e acena que sim. – Entendeu?! – grito, porque quero ouvir.

-Entendi. – ele diz apavorado e o solto. Rapidamente ele se desfaz de suas armas e entra no rio e eu sigo olhando e andando pelas margens, me distanciando de meu soldado e seguindo Nilo abaixo, está cada vez amais escuro, e nada da melim.

Depois de uns minutos mais eu já estou perdendo a paciência e a calma também, meu soldado me alcança e seu olhar de medo me diz que não a encontrou.

-Continue descendo o rio, não acredito que ela tenha sumido assim, só se algum animal a pegou, mas teríamos escutado seus gritos, ela adora chamar atenção. – ele assenti e se vai e estou voltando todo o caminho que percorri. Só imaginando que já deveríamos ter saído deste lugar, não é seguro aqui e mais uma vez me vejo com vontade de matar esta mulher, ela não pensa em ninguém além dela, temos toda uma comitiva que não pode ser exposta a nenhum perigo e no entanto, ela quebra minhas ordens e faz o que lhe dá na telha.

Estou cansado disso. Sento-me no chão na tentativa inútil de me acalmar, finco a espada na terra, com toda fúria que me preenche. Eu deveria estar fazendo algo de mais útil pro meu povo.

-Me procurando? – sua voz suave e desafiadora entra em meus ouvidos me provocando e me faz a encarar, ela está diante de mim, mas dentro do rio, exatamente onde o soldado me apontou que estava. Mas como é possível?Ele ficou esse tempo todo aqui e não a viu? Apenas a cabeça dela está fora do rio, me coloco de pé de imediato e me aproximo da margem.

-Saia desta água agora, ou eu juro por Amón-Rá (deus egípcio) que eu mesmo tiro você daí. – rosno e ela sorri, um riso irritante e petulante.

-Não poderia medjay, sabe que não tem permissão de me tocar. – diz esnobe e volta a mergulhar, mas emerge logo.

-Ah, eu tenho toda a permissão do mundo, apenas disse que não o faria, mas não significa que eu seja um homem que cumpri tudo o que diz. Qual o é? – eu desafio e ela cerra os olhos, é ameaçador no começo, mas ela depois adquiri um olhar diferente, eu diria até temeroso. Isso! Tenha medo de mim sua desajustada.

-Não se atreveria. – ela ofega.

-Saia da água!

-Não posso.

Essa é boa.

-Não vou repetir melim, sai da água ou eu tiro você.

Ela não diz nada, apenas fica me olhando, ainda imersa até o pescoço, parece estar duvidando que eu vá fazer o que disse ou realmente não pode se mexer. Tenho certeza que á a primeira opção, e como não estou com paciência para nada disso eu avanço para dentro da água.

-Não faça isso, por favor! – ela quase grita e eu a ignoro. – Não entre com raiva. – ela quase chora, mas eu não ligo a mínima, ela que pediu por isso, provavelmente, a minha vontade era estar a quilômetros deste rio, fazendo algo que preste.

Quando a água já está quase em minha cintura a escuridão do rio ao meu redor ganha um movimento anormal, algo se agita na água, eu paraliso.

-Por Ísis! – a melim ofega e me faz a encarar e estou paralisado. Por Amón-Rá, era disto que eu estava falando sua imprestável. Ah! Como a odeio por me colocar nisto.

Diante de nós não um, mas exatos quatro enormes e provavelmente famintos crocodilos começam um cerco cada vez mais fechado ao redor dela e para cima de mim.

-Por Osíris... – falo meio sem pensar.

-Não se mexe medjay. – ela avisa. Tenha santa paciência, devo ficar esperando eles decidirem qual irá me atacar primeiro? Eu passo a mão no lugar onde minha espada deveria estar e fecho meus olhos com a lembrança de que ela está a poucos metros fincada na margem do rio. Perfeito!

-Mei amum (meu príncipe)! – o soldado volta num momento impecável e grita da margem ao notar a situação.

-Fica quieto! – a melim grita pra ele, é incrível que em todo este tempo de lenga lenga ainda não tenhamos virado comida dos animais a nossa volta. Meu soldado freia seu movimento mais eficazmente do que se eu o tivesse pedido e estou revirando os olhos... Certo! São por coisas assim que ela acha que pode fazer tudo.

Com o soldado quieto a melim avança entre os crocodilos, e agora eu tenho toda certeza do mundo: ela é maluca.

-O que diabos você pensa que está fazendo? – rosno em baixo tom, não é como se eu quisesse a atenção desses bichinhos pra mim, ela me ignora e avança contra mim nadando, até que, quando está bem perto, eu posso a observar, apenas com vestes menores, molhadas e coladas contra seu corpo. Sua pele tem uma cor perfeita em contraste com a água e a luz que agora a lua decidiu acender no rio, discreta e confundida com a do sol, mas inda sim perfeita para admirar a... Hein?!

-Respire medjay! – ela fala e me faz a encarar no olho e voltar a mim mesmo. Onde eu estava? Ela está sorrindo e tem deboche nisso. Eu estava encarando o colo dela, seu decote, mais especificamente. – Eu falei pra não entrar com raiva. Você está os deixando nervosos e eles não gostam de se sentirem coagidos. – ela fala encarando os animais. Essa é muito melhor. Eles coagidos? Noto que ela está perto demais de um, que praticamente encosta nela, vejo ela tocar um deles. Definitivamente maluca. – Mei melon (meu amigo), ele não fará mal, deixe apenas ele sair e não irá atrapalhar.

Socorro! Meu pai está confiando todo o futuro do Egito a uma maluca que acha que fala com crocodilos...

-Você é muito maluca, saia logo de perto deste bicho e desta água. Há mais que crocodilos aqui. – falo e estou quase exasperado, estamos cercados por quatro feras e ela simplesmente acaricia uma destemidamente. Espera! Ele não está a atacando...? Na verdade, nenhum deles está dando sinais de que vão atacar, mas o que diabos está acontecendo aqui?

-Eu lhe fiz um pedido antes de deixar Ati (cidade do baixo Egito) medjay, dois na verdade. Você lembra do segundo? – ela pergunta com meiguice, sua voz tão doce e singela, ela tece teias, só pode. Apenas aceno pra indicar a ela que sim, me lembro. De alguma maneira ver a cena na minha frente me deixa sem voz. Ela toca o segundo crocodilo e dois deles se afastam mais de nós. – Um deles está machucado, mas não estou conseguindo o convencer a me deixar ajudar. – ela continua... Maluca – Eu estava próxima até você invadir a água com sua fúria, eles sentiram isto e acharam que você iria me machucar.

É um discurso doentio demais pra mim, estou apenas paralisado e ela continua.

-Bem, já que se lembra da sua promessa vou lhe explicar. – ela engole e avança contra mim, os bichos a seguem e eu paraliso ainda mais. É possível? – Não sei como faço isso, só sei que posso ajudar eles e entender também. Começou com o cavalo de meu pai. Ele havia sido picado por uma cobra e nenhum curandeiro do reino de Ati podia ajudar por que não sabiam ministrar o soro, por não saber qual cobra tinha o picado. Meu pai estava triste, era seu cavalo amado e estava desenganado. Eu sabia, o cavalo praticamente gritava em minha mente o nome da serpente e eu falei, meu pai me olhou torto e minha mãe pediu pra ele tentar, era uma esperança afinal, e ele não tinha mais nenhuma. Quando tudo deu certo e o cavalo foi curado ele me perguntou como eu sabia e eu falei que o cavalo tinha me dito. Os sacerdotes do templo se inflamaram e daí veio a história que seu rei e faraó acredita. Eu tinha apenas oito anos. – ela suspira e a lembrança parece doer. – Eu continuei fazendo coisas estranhas, porém, um belo dia, algo não estava certo e no meio destas vozes e fluxo de energia que rondavam minha mente e corpo algo... eu não estava muito bem. Ao tentar ajudar uma criança com sua dor eu acabei sangrando. – ela engole e me olha com medo – De alguma forma quando eu faço, seja lá o que for que eu faço, uma parte de minha energia vital se esvai. Eu não sei explicar, foi isso o que me contaram, apenas me sinto muito fraca. Meus olhos e nariz sangram. Por isso pedi pra você não me deixar ir longe demais e cair em tentação. Minha inclinação é fazer, mas se eu não puder parar... – ela me olha no final esperando minha compreensão. Eu não consigo assimilar nada.

-Apenas quero tirar você desta água. – falo.

-Apenas me deixe o ajudar, só preciso saber o que é.

-Se eu tenho que acreditar nesta sua história de maluco, então tenho que ser esperto e, se que de fato isso lhe fará mal, então o que eu tenho que fazer é tirar você daqui e fazer com que nada te aconteça e você chegue inteirinha sem uma gota de sangue a menos pro meu pai.

-Amón-Rá, dei-me forças. – ela desespera. - Você é sempre tão ... Irritante!

-Digo o mesmo de você. Saia da água. Você preferi ajudar um crocodilo e sangrar até morrer, ou se guardar para uma causa maior? Como, salvar o Egito?– Ela cerra os olhos pra mim incrédula.

-Eu não queria estas coisas pra mim, no entanto elas ficam na minha cabeça e a necessidade de cumprir é mais forte do que o temor da dor que me causa. Você está brincando, mas não me entende, eu farei de qualquer jeito, mas se você me ajudar será mais fácil de garantir minha chegada sã e salva em seu reino.

Certo isso foi longe demais e estou cansado, já deveria ter saído daqui a tempos, todos esperam por nós. Que se dane a loucura dela. Avanço contra ela ignorando os bichos em nossa volta, seria capaz de acabar com um com minhas próprias mãos, dada a falta de paciência que me atinge agora, ela recua vários passos, fugindo de mim, e então, tudo acontece muito rápido.

-Mei amum! – é o grito de meu soldado, sua voz atrai minha visão e apenas avisto a boca da fera aberta contra mim num segundo e em outro ele está longe, algo forte o arremessou para longe, antes que eu possa saber o que, o segundo se aproxima com igual fúria e eu recuo indo para cima da melim, ergo os braços num movimento de defesa e as águas a minha volta se agitam contra o bicho e percebo que foi isso que atingiu o primeiro e agora o segundo também foi afastado. Mas de onde veio isso? Não há correnteza no rio e muito menos um vento tão forte. Recuando mais um pouco bato de costas contra algo e ao me virar temendo ser outro crocodilo estou diante da melim, ela me encara, sua respiração arrastada e parece chorar. Sim, ela está chorando!

-Só precisava me ouvir. – ela soluça, - Não era pra eu machucar eles, não por você. – rosna furiosa e avança contra as águas em direção a margem. Deixando finalmente o rio, passa por meu soldado que está imóvel a observando. Num surto de realidade eu olho alarmado ao meu redor e sem pensar mais duas vezes eu deixo a água. Alcanço minha espada na margem e a ponho em seu devido lugar.

-Meu príncipe, isso foi um gardak (milagre)! Você viu, não viu? Ela é realmente a deusa. Por Amon-Rá! – meu soldado está como louco, me deixando ainda mais confuso.

-O que está falando não houve nenhum milagre aqui. – eu rosno. A loucura dela é contagiosa?

-Não viu mei amum? Ela agitou a água contra os dois crocodilos e com isso afugentou os outros ao longe. Bem assim, - ele imita um movimento de braço – eu vi tudo. Não estou maluco, estava diante de seus olhos. Veja o rio, não há nada. Mal corre brisa. De onde acha que surgiu a onda que os atingiu?

Minha mente estava bagunçada, minha visão pode ter me enganado na hora da tensão, certamente a dele também. Ele gritou pouco antes em pavor.

-Não procure coisas med (soldado). Isso foi um bom golpe de sorte. Aquela maluca não tem nada de divindade, só uma mente bastante perturbadinha. – o ignoro e volto para junto do resto da comitiva, no meio do caminho Niklaus me alcança.

-Por onde esteve? – seu tom é petulante e eu o encaro e ele engole. – Mei amum, estávamos a sua espera, foram quase duas horas de atraso. Não é seguro sair agora.

-Eu sei de tudo isso general. – rosno contra ele. – Perdemos tempo aqui o que significa que sua sugestão de mais cedo será atendida. Vamos ficar acampados em Badari, mas só até o rataman ( danças ministradas pelas mulheres em honra aos deuses, ocorre todas as sextas pelo anoitecer).

-Assim será amum. – ele recua, me reverencia e afasta. Estou alcançando os outros, todos prontos para partir. Vou direto para o meu cavalo, estou molhado, mas pouco me importa, só quero deixar este lugar. Ao longe meu olhar encontra o de Rebekah em seu cavalo. Não sei que expressão estou usando, mas ela desvia e sei exatamente para onde olha, eu sigo seu olhar e encontro a melim, sendo ajudada pelo sacerdote a subir em seu cavalo, ela me olha e desvia, está brava, esta é boa! Quase nos mata e ainda fica brava?!

Eu apresso meu cavalo e logo estamos em movimento, pela manhã já estaremos na cidade de Badari. Pelo menos lá os habitantes são mais simpáticos ao meu pai e isso significa que de certa forma, estaremos como em casa. No entanto, ainda teremos que estar atentos. Todas as cidades aliadas de meu pai sofrem ataques hicsos.

...

A caravana seguiu até a cidade de Badari, e, como o príncipe previu, chegaram logo pelo amanhecer, sem descanso. A recepção foi mais acolhedora, todos na cidade eram gentis, embora o cenário não fosse tão bom, todos os habitantes se esforçavam para dar a caravana do príncipe do Egito a estadia merecida. E então como Damon havia decidido eles permaneceriam até o rataman. Toda cidade estava em polvorosa, além da presença do príncipe, havia  ainda a da dançarina mais prestigiada do reino, que faria as honras no ritual. A fama de Rebekah decorria além das fronteiras do castelo e mesmo que a maioria do povo nunca a visse dançar antes, nutriam este desejo dentre muitos outros. Seria tudo memorável.

Desde o ocorrido, Elena e Damon não se falaram mais. Estando mais distantes um do outro que antes. Na sexta, ao final da tarde, bem perto do ritual, Elena estava mais uma vez conversando com Meredith e agora também Bonnie.

-Sempre quis participar de um rataman. – Elena fala para as duas que se preparam para a noite.

-Nunca participou? – Bonnie pergunta com alarme.

-Não. – Elena responde simplesmente, enquanto Meredith encara a amiga como se fosse a pergunta mais estúpida já feita por alguém. – Eu aprendi os passos quando criança. Mas nunca pude dançá-los, não desde que meu pai decidiu que eu serviria aos deuses.

-Sabe do que se trata Elena? – Meredith pergunta docemente.

-Sim, vocês mulheres, concubinas, enfim. Toda filha de Ísis deve escolher um mantra dos livros antigos e oferecer ao seu etor (pretendente). Esta dança tem que simbolizar o que deseja que ele seja e o quer ser para ele.

-Acredita, a maioria de nós gostaríamos de oferecer ao amum, mas apenas Rebekah o faz, e ele só aceita a dança dela. Caroline já tentou e ele permaneceu sentado. – Bonnie explica.

- Por que ele não a desposa de uma vez? Ela já é sua enaiumi (preferida). – Elena pergunta quase que indignada.

-Mei enaium (meu preferido) não acha que é digno para o casamento, - Rebekah surge na conversa, fazendo as três moças se sobressaltarem. – mas ele muda de ideia um dia. Eu o farei ver que não há homem mais digno em todo Egito. – termina esnobe e se afasta.

-As vezes eu tenho vontade de matar ela. – Bonnie esbraveja.

-Naiumi (concubina)! – grita Meredith e Elena sorri com elas.

Logo a noite chega e todos na cidade se dirigem a arena improvisada que montaram. Um banquete foi preparado, as mulheres estão bem vestidas. Há música no ar e homens bebendo ao longe, o príncipe toma a palavra, Elena apenas o observa.

-O rataman é uma festa muito prestigiada pelo faraó e o príncipe herdeiro. Todas as sextas há uma comoção por todo o palácio. Eu realmente não aprecio qualquer adoração, mas não é heresia, apenas não entendo muito bem o que se passa com a dança e as intenções por trás do passo, embora eu consiga ler o olhar de certa mulher. – ele diz e todos direcionam o olhar para Rebekah que está resignada e quase sem jeito escutando seu príncipe. – A todos os presentes um bom rataman e aos homens, sorte com suas etiris (pretendentes femininas).

Aos poucos mulheres da cidade e algumas concubinas da caravana egípcia começam suas danças. Caroline intencionou a sua ao general Niklaus, algumas vezes ela havia repetido este ato, e era já quase tão comum quanto Rebekah e Damon, muito embora Niklaus nunca tenha levantado para a dança. Bonnie sempre guardava sua dança para seu enaium (preferido), que no momento havia ficado no palácio, então apenas dirigiu sua dança também a Niklaus, com o intuito de aborrecer Caroline. Meredith se ateve e preferiu não dançar. Elena observava cada dança e seu coração se inflamava com o som, ela sentia cada passo tentar se libertar.

-Você sabe que pode dançar criança. – disse Abtabe, o sacerdote. – Você abdicou de seu dever com os deuses, não é mais uma melim. É uma mulher comum. – ele termina e faz Elena se voltar outra vez para a arena, ela sabe disso, mas teria coragem de fazer? E então chega a hora, a música muda e todos se inflamam, é sempre a mesma canção, é sempre o mesmo etor (pretendente). Chega a hora da dança de Rebekah.

...

Ela se aproxima do centro da arena devagar, ao redor, se vê mulheres correndo, homens também. Afinal o que há de tão especial em sua dança? Me aproximo, pois fica difícil ver de onde eu estava e com o aglomerado de pessoas que se formou do nada, e então, eu avisto; o corpo dela se move lenta e sensualmente, ela escolheu a dança do ar, o mantra da sensação, e devagar seu corpo pulsa e ela parece acompanhar o ardiloso vento do deserto a noite. Com movimentos sutis e fortes, ao mesmo tempo. É realmente lindo, ela transmite como ninguém o que o mantra quer dizer: o sentir que não é visto. Em um dado momento ela se aproxima dele, e eu percebo; mais que a comoção para prestigiar a dançarina mais habilidosa e invejada do Egito, há a comoção pra avistar o príncipe guerreiro dançar. Ele perde o posto de medjay e assume um papel humano, vulnerável, igualador, pode ser qualquer um, mas ainda sim, o mais aclamado, pois é dele a melhor dança.

Damon aceita a dança, ele sempre aceita pelo que dizem, e conhecendo bem o mantra, não a toca, apenas senti, o vento que seus movimentos mais ousados lhe causam, o calor das respirações tão próximas, é lindo de se ver. Eles parecem um só e em toda noite não houve melhor dança. Quando terminam são ovacionados e Damon faz os gestos da aceitação: meus pensamentos ( duas mãos pelas têmporas), meus sentimentos (mãos no coração) e meus olhos ( mãos sobre as pálpebras) são seus ( se ajoelha diante dela) e uma chuva de palmas se ergue. É a confirmação da satisfação, da aceitação dos termos. Ela é dele, ele foi feito pra ela.

Neste momento, no entanto, em meio aos aplausos um som cortante entra em meus ouvidos, são gritos, medo, fogo. Por Amón-Rá. O que está havendo? É tudo tão rápido, a multidão se dissipa, e agora só há correrias e eu não sei pra onde ir. Crianças, homens, mulheres, idosos, soldados, fechas e lanças e mais fogo, tudo se aglomera diante de meus olhos e eu não sei o que fazer. Corro, mas não sei para qual direção, acho que ouvi meu nome, mas minha mente pode estar me pregando peças, tudo está confuso e turvo, porque com a vista embaçada, percebo a face queimar, meu coração está doendo e quase não respiro, pelo chão eu vejo homens agonizando ou dando seu último sopro em vida, mulheres inocentes. Por que?

-Ora veja quem eu encontro no meio do fogo cruzado... – eu conheço a voz e não é das mais adoradas. – Minha amumi (princesa) de Ati, princesa Elena. – Elijah, eu daria tudo para nunca mais encontrá-lo e como é mais uma desfeita, meu corpo me trai, tudo ao redor me causa dor e desespero e eu apenas cedo, e mais uma vez, antes da escuridão me atingir, ouço meu nome.

...

Foi tudo tão rápido e avassalador. Maldito amum (príncipe) hicso. Eu quero proteger a todos, quero poupar a todos. Protejo Rebekah, a tiro de lá, Niklaus guia quantos podem para longe da batalha. Temos que proteger a todos aqui. Por Amón-Rá, a melim! Me vejo vasculhando a batalha a sua procura e a vejo ao longe, perdida e cercada por fogo, sangue, gritos, dor.

-Elena! – eu tento e avanço contra ela que parece estar em transe, paralisada. E então ele se aproxima, altivo em seu cavalo. Não posso deixar que a pegue, não posso deixar que a machuque, dei minha palavra. Ele põe seu cavalo diante dela, que parece não enxergar mais nada e antes que eu possa me aproximar, vejo Elena sucumbir e ir quase ao chão, não fosse o hicso em seu cavalo, a amparando com precisão. - Não! – Elena! – grito e é ele quem me olha, me dirigindo um olhar vitorioso e se afastando da batalha antes que eu possa reagir. Não vou deixar você levar ela de mim príncipe hicso. Vou perseguir você até o inferno.

Agarro o primeiro cavalo a minha frente e avanço na direção que ele se foi.

...

Damon se afastou de tudo e não parou até que encontrasse um rastro, quando o fez percorreu todo o caminho e se afastou ainda mais, cavalgou por mais de dois dias, até que o hicso parou e ele em seu encalço. Não sabia o que tinha acontecido, não sabia se ela estava mais viva, apenas sentia que aquele era o seu papel, que ele não deveria estar em nenhum outro lugar. Beni Hassan, era uma das províncias egípcias conquistadas pelo príncipe hicso. Damon estava em zona proibida, sem sua guarda, por conta própria. Ele tinha que ser uma sombra. Esperar a hora certa. Esperar seus homens. Certamente Niklaus estaria vindo. Agora era só esperar. “Que ela esteja bem. Que eu possa tirar ela daqui.” Damon pensava e se pegava orando por isso.


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Notas finais do capítulo

Até o mais breve possível. As coisas estão começando a ficar interessantes.
Beijos!