Eu corria, corria muito para alcançar aquela criança, mas ela era mais rápida quando menos percebi eu quase caia de um precipício, parei bruscamente e ouvi as risadas.

-Ora! Tenho que passar para lá, mas como?

-Como deseja passar minha cara?

    Me virei e vi aquele maldito gato outra vez.

-Não sei! Só quero passar! Tem como? Me explique!

-Posso mostrar...

-Então mostre logo!

    Vi ele sumir e fiquei furiosa, mas logo ouvi a voz daquele gato outra vez dizendo um “você vem?”, fui junto com ele e percebi algo estranho, a paisagem estava mudando... Como assim mudando de forma tão brusca? Isso era realmente possível?

-Onde está me levando maldito? – perguntei um tanto receosa.

-Te levarei a Lebre e Chapeleiro, só isso e nada mais... Estará mas segura e confiante lá. – disse com um sorriso zombeteiro.

    Continuei andando atrás daquele gato um tanto esquelético e medonho, além de seu sorriso mais coisas nele me assombravam, como por exemplo, a voz e o corpo. Ele era peculiar... Para não se dizer bizarro e incomum! Fiquei analisando o lugar enquanto ouvia o bater de minhas botas pretas contra o chão de terra dura e escura, arvores distorcidas e bules de chá eram encontrados no caminho, algumas xícaras e cubos de açúcar também!

-Quanto mais distraída, mais estará trancada.

-Como disse? Não entendi...

-Nada, continue andando menina.

-Alice!

-Já conheço o seu nome.

-Então por que não o fala?- perguntei furiosa.

-Pelos mesmos motivos pelos quais você me chama de Gato Maldito.

    Ele me olhava enquanto seu rabo cheio de ossos balançava de forma ameaçadora, e em nenhum momento sequer ele tirou o sorriso assustador do rosto magro, me calei... Quais eram mesmo os meus motivos? Ora nem eu mesmo sei!

    Voltei a analisar o local, vi que agora estávamos no meio de uma fumaça com cheiro de camomila, as arvores distorcidas agora continham algumas partes de ferro, os bules?Alguns estavam despedaçados das mais diversas formas! Os cubos de açúcar? Agora alguns pendurados por cordas, outros dentro de xícaras coloridas e cheias de chás diferentes! Também havia mesas por várias partes, com bolos, doces, pães, bules e até mesmo presentes! Parei e olhei tudo maravilhada! Era tudo tão lindo e magnífico! Nem dava para crer que eu realmente estava ali!

-Vejo que gostou do local...

-Sim! Achei magnífico!

-Como imaginei... Você sempre gostou mais daqui de qualquer maneira.

-Sempre? Não me lembro de ter vindo aqui antes!

-Você não se lembra de muitas coisas, tenho que admitir... É falta de tempo lhe trazer de volta.

    Olhei irritada, mas só pude ver o sorriso maldoso e zombeteiro sumindo entre a fumaça de chá. “Oh! Chá! Quero uma xícara! Não duas! Três! Mil xícaras!” pude ouvir vozes ao longe cantarolando alto tal frase, fui andando rumo às vozes com calma. Quando cheguei ao local percebi que lá continha uma grande e grossa camada de fumaça de chá, mas densa do que a de antes por sinal! Vi um pequeno portão, curiosa entrei pelo mesmo as vozes que cantarolavam estavam mais altas e mais alegres, fui caminhando até o começo da mesa... Ora! Que linda mesa tão bem decorada! É de dar água na boca de qualquer pessoa com boa sanidade mental! Bolos... Diversos, decorados e maravilhosos! Doces... Tão chamativos e bonitos que quase poderia sentir o gosto deles em minha boca! Pães... Tanto doces quanto salgados! Tortas... Tão variadas e suculentas, dava até arrepios leves na espinha! Chás... De tudo que se podia querer e imaginar, boldo, camomila, maçã, limão, verde, doce, azedo, até mesmo de banana e melancia tinha! Ora e os cubos de açúcar... Branquinhos e empilhados em várias torres, alguns construíam castelos, outros pontes e até mesmo xícaras! A mesa tinha uma longa e bela toalha roxa e branca! Tudo tão belo! Ainda mais vista com uma belíssima e deliciosa fumaça densa de chá por cima de tudo! Ah claro! Quase me esqueço! Também tinha glacê e coberturas variadas! E cremes doces! Pude sentir até o estomago roncar de fome, seria muito bom poder me maravilhar com tantas coisas deliciosas e bonitas!

-Chapeleiro! Temos uma convidada! –uma voz fininha falou, logo senti um cubo de açúcar me acertar a nuca.

-Ai!

-Ora, mas vejam só! Chá para todos! Sente-se convidada! Aprecie nosso chá! – ele disse sem me olhar.

    Sentei-me em uma das cadeiras altas que lá tinham e peguei uma xícara azul com um chá de morango, coloquei dois cubos de açúcar e me servi com um pedaço de torta... Ora que torta deliciosa! Era de framboesa silvestre e amoras frescas! Uma verdadeira delicia!

-Obrigada... Está tudo muito gostoso!

-Ora nem agradeça! Seja bem vinda! Como se chama?

    Olhei para ele e vi que ele também me olhava com um sorriso doce nos lábios, ele tinha olhos verdes como verdadeiras esmeraldas, dentes retos e brancos impecáveis, um rosto pálido e cabelos revoltos e alaranjados. Sua cartola era grande e negra com alguns detalhes em brancos e uma fita vermelha amarada na mesma.

-Alice! Meu nome é Alice!

-Alice! Mas ora vejam só! Então já chegou a hora da matança? Nem pude aproveitar meu chá de bom grado! E nem são dez da noite ainda!

-Matança? Mas eu quero apenas comer!

-Ora! Então coma! Chá para todos! – ele disse distribuindo várias xícaras de chá pela mesa de forma rápida e com um sorriso insano nos lábios.

    Ora pelo visto não existem pessoas normais aqui! Fiquei olhando para ele... Me parecia estranhamente familiar aquele rapaz, sim rapaz... Ele aparentava ter no máximo uns 20 anos! Enquanto comia eu ouvia as diversas músicas sobre chás e até mesmo um morcego que brilha! Ora! Ri com tudo aquilo, era divertido, insano e muito aconchegante e familiar.

-E você como se chama? – perguntei enquanto bebia minha vigésima quinta xícara de chá e comia o quinto pedaço de bolo de chocolate com chantilly e morangos.

-Ora! Me chamo Tristan... Ou será que é Trisker? Não me lembro de muito bem minha cara! Mas me lembro de muitíssimo bem, mais do que muitíssimo bem de quem sou! –ele disse me olhando sorrindo.

-Então quem você é?

-Sou o Chapeleiro Maluco! – disse orgulhoso! – Como será meu nome? Ora pouco importa! O chá está em boa temperatura, temos comida e continuo com a minha cartola! Bolo e chá para todos!

    Sorri com aquilo, ele falava de forma calma e cordial, como se tudo aquilo fosse à coisa mais natural do mundo! Bom... Talvez aqui devesse ser! Nunca se sabe. Assim que me fartei de comer fiquei fitando o local, parecia que ali vivia em eterna festa e diversão, mas logo pude ouvir a risada insana da criança e percebi que ela estava do meu lado se deliciando com os doces que lá havia.

-Você!

-Eu! – todos os presentes ali responderam, desde a criança até mesmo o pequeno camundongo dentro do bule rosa e lilás.

-Não! Você! –apontei para a criança. – Quem é você?

-Não sei! Mas gosto daqui! Chá para todos! Bolo também! –e todos concordaram.

    Aquela frase me parecia estranhamente comum... Ora! O Chapeleiro diz isso a todo o momento! Mas que porra está acontecendo aqui?

“Não confunda os seus mundos, não se esqueça do real Alice... Desperte Rainha e se lembre de quem você é! Lembre-se de nós... De mim...”.