O Cisne Acorrentado escrita por louisevondini


Capítulo 5
Capítulo 5




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QUANDO UMA MÚSICA MAIS agitada começou a tocar no salão, finalmente Ikki de Fênix parecia ter se cansado de dançar. Ele levou a mão ao cabelo, arrumando-o para trás, enquanto procurava um lugar para sentar. Avistou a mesa onde Seiya, Shiryu e Hyoga estavam sentados.

— Ah, ali — disse o cavaleiro de Fênix. — Vamos nos sentar ali, descansar um pouco.

Shun de Andrômeda olhou na direção que o irmão apontava e não pôde deixar de sentir um leve tremor em seu corpo quando viu a silhueta de Hyoga Yukida, que conversava com Shiryu.

Sorriu nervosamente para o irmão, e disse:

— Vá na frente, eu vou daqui a pouco, preciso ir ao banheiro.

Ikki levantou uma sobrancelha, como se não estivesse tão convencido da desculpa do irmão, mas, mesmo assim, aceitou.

Vendo o irmão partir, Shun tomou a direção oposta, saindo do salão sem ser percebido.

Havia um leve tom lilás no céu e a maioria das estrelas brilhavam com várias cores, a lua parecia um pouco mais amarelada. Shun Amamiya desceu apenas cinco degraus e parou, olhando para o céu. Pensou que seria bom estar em casa agora, sozinho, tomando uma xícara de chá. Deixou um leve suspiro escapar quando voltou a ouvir as vozes no salão mais altas, lembrando-o de que ele deveria ficar ainda mais um pouco. Ficar naquele salão lotado, ouvindo músicas que não gostava e exposto aos olhares dele.

Aquilo lhe trazia lembranças amargas.

Meneou a cabeça, como se com isso as memórias pudessem o deixar em paz e foi então que ouviu a voz de seu discípulo vinda de um canto mais afastado, de trás de um pilar e, logo depois, a voz de Sora também se fez ouvir.

— Não olhe para baixo, olhe nos meus olhos.

Was ist1...? M-mas... wartet2! Você está indo muito rápido! Eu vou pisar no seu pé de novo!

Shun desceu mais a escada, afastando-se para não interromper o momento intimo dos dois novos cavaleiros. Quando achou que já estava longe o bastante, recostou-se num pilar que ladeava a escada, sua mente apenas vagando.

“— Pensei que eu e você tivéssemos alguma coisa...

Você não deveria dar importância demais ao que não tem importância alguma.

Nós não temos importância?

Não existe ‘nós’.”

Certas lembranças doem, e são exatamente essas que nunca se apagam. Para Shun Amamiya, que naquele momento olhava insistentemente para as estrelas, a vida que ele levava, dividida entre o que podia tocar e o que podia apenas lembrar, não poderia verdadeiramente ser chamada de vida.

Ele suspirou, e seu suspiro levou, junto com o ar quente, parte de sua agonia, mas não sua dor.

De repente o vento, que soprava do norte, desapareceu.

Shun abriu os olhos e sua boca se abriu levemente, a voz saindo fraca quando ele viu quem estava perto, dois degraus acima. Quem quer que fosse que havia descoberto primeiro como esconder seu cosmo merecia o fogo dos infernos.

Alexiei Hyoga fitava o cavaleiro de Andrômeda com nenhuma expressão em particular.

— Você está lindo — disse o cavaleiro de Cisne, depois de um longo tempo. — Os seus cabelos estão... longos... — falou, aproximando-se e estendendo a mão para tocar as madeixas verdes, mas Shun deu um passo para trás, se esquivando.

— Eu deixei crescer, nada demais. — Retrucou Shun, buscando a entrada do Salão do Mestre com os olhos.

Hyoga suspirou e sentou-se num degrau cruzando as mãos entre as pernas abertas, fitando o céu estrelado.

— Podemos conversar?

— Há o que conversar? — Questionou imediatamente Shun, os olhos mantendo-se longe do outro cavaleiro.

— Sim, muito. Sente-se, por favor.

Shun permaneceu em pé por algum tempo, seus olhos se cruzaram com os de Hyoga e o cavaleiro de Andrômeda, por algum motivo, não conseguiu desviar o olhar. Sim, Alexiei estava ainda mais belo que da última vez que o viu. A convivência com o deserto de gelo lhe fazia bem. A Sibéria era o complemento perfeito para a ânsia de solidão do homem que amava, e que, ao mesmo tempo, queria longe.

Mas os olhos de Hyoga não eram mais apenas frios e solitários. Talvez Shun estivesse enganado, ou a noite estava mais densa do que havia pensado. O azul claro estava opaco, tornando-o levemente cinza. Shun conhecia aquele tom, porque o via todas as vezes quando se via no espelho. O tom da tristeza e da dor.

Sentou-se ao lado do outro, mas um pouco afastando, o vento achando espaço livre para correr entres os dois e fazer seus cabelos esvoaçarem. A fita branca que prendia a ponta da trança de Shun escorregou e foi levada pelo vento, seus longos e brilhosos cabelos ondularam, incomodando sua visão. Ele tentou prendê-los novamente, mas Hyoga segurou sua mão.

— Deixe solto — disse o cavaleiro de Cisne. — Gosto do seu cabelo.

Shun retirou delicadamente a mão de Hyoga da sua, mas fez o que ele pediu, sentindo os fios baterem em seu rosto e percebendo que também tocavam no rosto de Hyoga.

O silêncio pairou entre os dois e foi quebrado, depois de muito tempo, pelo cavaleiro de Cisne.

— Eu sinto muito pelas flores — foi tudo que disse, os olhos fixos no horizonte.

— Tudo bem, quase ninguém sabe que sou alérgico.

Hyoga riu baixinho, amargurado.

— Se eu houvesse dado flores a você há cinco anos, talvez eu soubesse.

— Mas você não deu.

— É, eu não dei...

Shun ajeitou as mexas verdes atrás da orelha e se distraiu com uma pedrinha no degrau, suas palavras saíram como uma afiada lâmina para o cavaleiro de Cisne.

— Você não me chamou para lamentar seus erros, não é?

Erros.

Não houve palavra que mais afundou Alexiei Hyoga no buraco de sua depressão que ninguém via ou percebia, mas que estava lá, visível para ele, perceptível.

Ele não sabia exatamente quando começou, nem mesmo como. Não foi precisamente as lembranças, nem os sonhos compulsivos que tinha todas as noites, que lhe mostraram que alguma coisa estava errada. Foi a dor. A dor que sentia quando a imagem de Shun Amamiya, o rapaz puro que ele havia profanado, vinha à sua mente. Em suas lembranças Shun sempre sorria, mas em seus sonhos ele chorava e era eternamente engolido pelas sombras.

Hyoga sabia que não o amava quando esteve com ele durante todo aquele tempo, usando-o, tomando seu corpo e o abandonando antes que o sol nascesse. Ele mesmo nunca soube ao certo porquê fazia aquilo. Apenas fazia.

Mas foi preciso estar longe de Shun, longe de seus braços e seus carinhos que nunca, nunca eram retribuídos, para que Hyoga começasse a se questionar: ele realmente não é nada para mim?

Ele via o Shun de agora, tão triste e tão diferente, mas tão parecido consigo mesmo. Shun Amamiya era agora uma de suas obras, porque foi ele, Alexiei Hyoga Yukida, quem o esculpiu do modo mais doloroso possível. Os olhos de Shun procuraram os seus, esperando uma resposta que não vinha, e só então Hyoga pôde ver nitidamente: estava lá. Por todos os deuses, estava lá, claramente e tão suavemente, quase puro, provavelmente esquecido. Mas não havia se apagado durante todo o tempo que se passou. Intocável.

— Alexiei?

Só quando os olhos verdes piscaram foi que Hyoga pôde entender que seu nome fora chamado. Seu primeiro nome.

— Alexiei? Você nunca me chamou assim.

Shun parou por um momento, ainda fitando Hyoga. Enlaçou alguns fios de cabelo nos dedos, numa brincadeira que não tinha exatamente graça nem sentido.

— Hyoga é para os íntimos — disse Shun, voltando a olhar as estrelas. — Eu não sou intimo. Nunca fui.

— Você está sendo cruel. Você sabe que nós...

— Não existe “nós” — cortou Shun, repetindo as palavras que lembrara há pouco. Sua voz não soou triste, nem mesmo amargurada, mas quase sarcástica.

Aquelas palavras, Hyoga nunca as esqueceu. Elas eram quase a essência de seu erro, transmitidas pela fala e, pelos deuses!, não havia pior arma que a língua de um homem. Hyoga sempre acordava de um pesadelo — Shun sendo engolido pelas sombras — com essas palavras ecoando em sua mente. Não existe “nós”.

— Você sempre teve esperanças de que um dia existisse — insistiu Hyoga.

Shun sorriu amargamente.

— Dizem que a esperança é a última que morre. Mas a minha esperança morreu cedo demais, quando também morreu parte da minha felicidade. Mas eu nunca te culpei Alexiei. Por Athena, eu não fui capaz de culpar ninguém...

— Eu sou o culpado, Shun. Não houve um dia em que eu não acordasse e dissesse isso para mim mesmo. Não houve um momento em que eu não pensasse em você e quisesse voltar e dizer: mate-me se quiser, eu sou o culpado.

— Eu não quero te matar.

— Você não quer vingança?

— Não — murmurou Shun remexendo a pedrinha entre os dedos. — Eu só quero que você fique longe de mim.

Hyoga também achou algumas pedrinhas nos degraus e começou a jogá-las escada abaixo.

— Você pode ir embora se quiser — disse o cavaleiro de Cisne.

Mas Shun permaneceu como se não houvesse escutado, agora remexia seus cabelos que esvoaçaram mais violentamente com o vento que soprou. Seus olhos brilharam por um segundo, que não passou despercebido por Hyoga.

— Eu não imaginei que você havia pensado em mim.

— Todos os dias — disse Hyoga, contente pelo que tinha ouvido. Se Shun disse que suas esperanças haviam morrido, então ele não sabia o que era esperança. Mas Hyoga sabia muito bem, porque nunca a perdeu.

— Eu gostaria de poder acreditar nisso com toda a certeza, mas não confio em você.

— Eu não esperava que confiasse.

Shun Amamiya não estava gostando do modo quase submisso com que Alexiei falava. Era quase como um pedido de desculpas por tudo que havia lhe feito e isso Shun jamais havia imaginado que aconteceria, nem mesmo em seus sonhos mais otimistas, aqueles em que ele acordava pensando que havia enlouquecido. Mantenha-se longe dele­, não o deixe saber que ainda o ama ou você vai sofrer, ele dizia a si mesmo enquanto fitava Hyoga e via seus cabelos loiros ondularem no ar.

— Você está me pedindo desculpas? — Perguntou, a voz saindo como uma navalha.

— Estou.

Shun ergueu seu corpo esguio e subiu dois degraus da escadaria. Parou.

— Eu já te desculpei há muito tempo. Eu te desculpava todas as manhãs em que acordava sozinho, te desculpava quando você era rude e quando era frio e te desculparia muitas vezes mais, por todos os erros que ainda pudesse cometer. E eu te desculpo hoje, porque eu não quero que você caia no mesmo buraco em que eu caí.

Voltou a subir as escadas, mas parou uma segunda vez quando a voz de Hyoga chegou a seus ouvidos.

— Eu já cai. Há muito tempo eu caí nesse buraco.

Shun suspirou baixinho.

— Então não há nada que possa reverter isso, nem mesmo todas as desculpas do mundo.

Hyoga também se levantou e os olhos dos dois homens voltaram a se encontrar. Shun tremeu, mas foi de frio.

— Há uma coisa — as sobrancelhas de Shun cerraram-se levemente, numa pergunta muda. — Você.

Shun Amamiya nunca se surpreendia, o que sempre foi motivo de admiração de seu discípulo, mesmo que o próprio Loren Manara também não se surpreendesse com nada. Mas, naquele instante, quando o vento soprou mais calmo, porém mais gelado, os olhos de Shun se arregalaram e seu coração disparou de tal forma que sentiu suas pernas fraquejarem e elas se dobraram, mas ele foi amparado pelo homem que amava e tentou desesperadamente se soltar dele, em vão.

— Por todos os deuses! Por que você está dizendo isso?! Por que está mentindo para mim desse jeito?! — Seus delicados braços esmurravam o peito de Hyoga, mas o cavaleiro de Cisne não se movia.

— Não estou mentindo — foi tudo que Hyoga disse.

— Você nunca vai parar? Nunca vai parar de me machucar? Oh, Zeus, eu preciso ir para casa, eu preciso...

Mas não conseguiu terminar o que dizia, os nós na garganta impedindo que continuasse e soluços começavam a se formar.

— Eu vou levar você. Seu discípulo está com Sora.

— Não... Alexiei, por favor, fique longe... Fique longe de mim...

— Se você me disser exatamente que caminho devo tomar, estará mais cedo em casa — retrucou Hyoga, ignorando os lamentos de Shun, que chorava em seu peito, sem força para livrar-se.

O vento soprou mais forte, querendo levar o que se punha em seu caminho. O cabelo de Shun esvoaçou com tal violência que doeu em seu rosto e ele o afundou mais no peito do homem que amava e que queria longe, mas não conseguia se afastar. Só queria voltar para casa, porque lá era seu refugio. Era lá que ele podia chorar ou sorrir sem mentiras, sem olhares. Ele queria apenas uma xícara de chá e sua cama.

Ele queria ver seu quadro.

O quadro de Hyoga.

Sentiu-se ser carregado por braços fortes e o cheiro de Hyoga se tornou ainda mais intenso em suas narinas, quase o sufocando daquele perfume que há muito não sentia, mas que nunca havia esquecido. Sua boca se abriu, mas ele não poderia ter certeza se falava alguma coisa, apesar de poder ouvir, ao longe, sua própria voz.

Durante o caminho para sua casa, ele dormiu.

FIM DO QUINTO CAPÍTULO


1 O quê há com...?

2 Espere!


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