Era difícil pensar em algo nessa vida que eu não quisesse fazer quando tinha dezoito anos. Muitas coisas eu já tinha feito. Bem, eu era uma adolescente que já tinha quatro tatuagens pelo corpo, um piercing, os cabelos tingidos por sete vezes em sete tons diferentes e que já arrebentara com duas motos. Não era lá muito tranqüila e responsável, nem boa aluna ou exemplo de cidadã.

Eu era eu, e isso bastava para mim.

– Mianah Antonelli, dezoito anos, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, pega em flagrante violando o patrimônio público – disse o delegado, jogando minha ficha já muito suja diante de mim.

Soltei um suspiro pesado, que provavelmente irritou o delegado Fernandes. Nós já éramos conhecidos um do outro – eu passava pela delegacia vezes suficientes por mês para que ele já não precisasse de minha ficha para saber todas as minhas detenções.

– Mianah, não acredito que não levou meu aviso a sério – disse, frustrado, o delegado.

“Eu não estava fazendo nada demais”, essa era sempre a minha resposta, pelo menos nas primeiras três vezes em que fui presa em flagrante violando o patrimônio público.

Mas, cara, eu não estava violando. Eu estava apenas… enfeitando.

Fazíamos desenhos tão bonitos; eu e as meninas.

Lena e Victoria, minhas duas melhores amigas, formavam comigo um trio que intitulávamos “As Garotas que Arrebentam”. Era uma espécie de gangue de meninas – gangue de meninas, não clubinho de mariquinhas, veja bem, – na qual nós saíamos pintando muros e bancos de praças deixando mensagens subliminares que na maioria das vezes não tinham sentido nenhum. Era um trabalho muito bem-feito, caprichado e que deixava os muros mais bonitos.

Mas naquela noite Lena e Victoria não estavam comigo. Eu fora terminar uma obra perto da Lapa enquanto as duas me esperavam em um bar, e, ops!, uma viatura do delegado Fernandes estava rondando por ali.

Como sempre.

– Então, detenção – adivinhei, falando em voz baixinha enquanto o delegado assinava alguns papéis.

– Quando é que vai se cansar dessa vida? – perguntou ele, e eu poderia até dar o palpite de que talvez ele se importasse comigo, que tivesse adquirido uma espécie de estima pela minha pessoa. Eu não era uma garota ruim, só um pouco rebelde. Nunca tive vergonha de admitir isso.

– Ah, delegado – falei, mas não era um lamento. Era mais um tipo de apelo para que ele não batesse na mesma tecla como sempre, como os pais costumam fazer.

Ok, meus pais já tinham se cansado disso.

Eles pagavam a fiança para eu sair da delegacia, todas as vezes, todos os dias, se fosse preciso. Sempre. Mas depois da quinta ou sexta vez, pararam de me passar sermão e não gritavam mais quando eu saía de casa com o cabelo louro e voltava com ele pintado de rosa-pink. Ou quando minha moto estava inteira e chegava arrastada por mim, destruída.

Eles apenas olhavam e davam de ombros, e iam trabalhar, ver um filme ou dormir, como se nada estivesse acontecendo.

Tinha gente que dizia que primeiro eu levava essa vida por falta de juízo e depois, só para chamar atenção. Mas nenhuma das opções estava correta. Eu apenas gostava de viver perigosamente, com um pouco de loucura. Era tão grave pensar assim?

Um policial me levou para uma cela. Bom, por um lado, passar a noite naquele chiqueiro não era legal, mas disso todo mundo sabia. Eu continuava achando que valia a pena dar umas pichadas por aí, se esse lugar ia ser meu inferno só por uma noite.

Não que eu achasse justo meus velhos desembolsarem uma quantia relativamente grande de dinheiro toda vez que eu era pega. Mas eu já tinha prometido a mim mesma que um dia pagaria tudo a eles, e em dobro. Eu não sabia como faria, mas pagaria.

Enquanto o policial me trancava naquele cubículo escuro e fedorento, me deitei no colchão duro e esperei amanhecer.