Apenas Mais Uma História - Para Annah escrita por Amigo Secreto


Capítulo 1
Capítulo 1




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Um pequeno rangido ecoou e logo após a uma fraca luz âmbar acendeu demonstrando o quarto amplo com figuras e desenhos presos nas paredes, bonecos da cultura pop mundial espalhados sobre a mesa bagunçada com papeis e rascunhos de desenhos disputando espaço com livros nas inúmeras prateleiras dispostas em uma única parede e uma cama de casal desarrumada perto da grande janela com as persianas semi abertas.



Um rapaz entrou pelo local caminhando por entre a bagunça do ambiente com total desenvoltura em direção a janela e antes de fechar o restante da persiana seu olhar distante encontra um transeunte anônimo caminhando no parque com seu cachorro e deixando um leve suspiro escapar de seus lábios cansados. Levantou o olhar para encontrar o céu e o tempo nublado, parceiros que lhe informavam ameaçadoramente que talvez aquela noite fosse como as duas noites anteriores, chuvosas. Sua mão em um gesto familiar e automático encontrou seus cabelos levando os cachos escuros para trás os retirando de seu campo de visão em um ato involuntário que costumava fazer desde criança. Quem o conhecia saberia identificar aquele gesto; ansiedade. Mais uma noite em casa, sozinho. Seus amigos o convidaram para mais uma festa, mas assim como nas noites anteriores preferira ficar em casa, precisava entregar um trabalho. Seu editor já estava lhe pressionando, também não era para menos, desta vez já havia passado fazia tempo do prazo estipulado para a entrega de seu ultimo grafic novel. Mas não conseguira ter concentração para por em imagens o roteiro que havia criado em sua ultima mudança pelo mundo.



Era pessoal demais. Como contar uma historia fictícia que era praticamente uma parte de sua vida? Claro que com adaptações, novos personagens e para os que não o conhecia intimamente nunca conseguiria identificar como sua historia. Mas agora teria que fazer, sua historia já estava lá aprovada, escrita em roteiro e semi pronta nas ilustrações, só faltava os 2 capítulos centrais, os principais. Respirou fundo e caminhou para a mesa onde alguns dos seus materiais de rascunho estavam presentes. Pegou um onde mostrava com traços rabiscados um menino de cabelos vermelhos sorrindo e os olhos fechados. Permitiu que uma lembrança o levasse para longe e um leve sorriso do lado esquerdo dos seus lábios surgiu presente, ao desaparecimento do mesmo seus dentes morderam a parte inferior do mesmo lado onde anteriormente se encontra o resquício da lembrança. Novamente a ansiedade demonstrava que estava ali presente como sua única companhia. Tinha que fazer algo a respeito com aquilo tudo.



Recolheu todos os papeis rabiscados, mais todos os desenhos impressos, todos os testes de coloração e o pequeno roteiro encadernado formando uma pequena pilha caótica e saiu do quarto com algum pensamento povoando em sua mente. Caminhou pelo corredor acesso de seu apartamento levando-os para o seu real local de destino, seu real local de trabalho, seu estúdio de criação no final do corredor. Um quarto, maior que o primeiro onde havia duas pranchetas, duas mesas com dois monitores grandes e todo o equipamento que um ilustrador ou quadrinista necessitaria para poder fazer o seu trabalho. Do outro lado do quarto materiais de pintura e de arte estavam sobre postos sobre outra mesa demonstrando que a sua arte lapidada na Universidade de artes plásticas não fora abandonada e latas de alumínio caídas sobre o chão demonstrava que Vincent ainda grafitava ou pelo menos gostava de lembrar que um dia em um passado não tão distante gostava de sair pela noite junto com seus amigos para procurar o melhor lugar para demonstrar a sua arte urbana.

Voltou ao seu quarto, pegou seu laptop do chão ao lado da cama e colocou sobre a mesa. Levantou-se e acendeu as luzes mais fortes que continham apenas naquele local especifico luzes estas que o ajudavam quando possuía surtos de insônias e gostava de trabalhar naquele lugar. Assim que tudo estava de acordo com o que queria apertou um botão e a sua imagem apareceu na tela a sua frente. Iria fazer mais um vídeo, mas desta vez não seria como os que estava acostumado a fazer. Não seria mais uma conversa com seus fãs, ou algum bate-papo sobre seus trabalhos ou algum tutorial de alguma coisa, vídeos que seus que postava em seu site e que continha milhões de acessos. Desta vez precisava se libertar, precisava dizer para alguém o que havia acontecido consigo. Quem sabe assim não estaria ou se sentiria livre para desenhar.



As pessoas o achariam ou o chamariam de louco? A pergunta martelava e a resposta também. Sim, o chamariam de louco. Mas naquele momento ele não estava se importando muito com aquilo. A única coisa que importava era retirar aquele sentimento abafado e sufocador de si.



Olhou através de sua imagem, viu as marcas suaves do tempo em si. Não era mais aquele rapaz de 21 anos que se deixou encantar. Mexeu no cabelo novamente e deixou que a respiração profunda fosse vista, olhou para o pequeno ponto verde diante de si e começou com o seu proposito...



- “Olá. Hoje o vídeo será diferente dos outros aos quais vocês estão acostumados. Não mostrarei nada, não ensinarei nada, apenas quero contar uma história. Apenas quero me libertar e fechar um capítulo da minha vida, quem sabe assim eu não consiga recomeçar.” A fala do ainda jovial rapaz era um tanto quanto melancólica e seu olhar repleto de uma energia diferente do usual, continha um brilho estranho. O brilho da tristeza, mas este mesmo sentimento não o impediu de continuar.



- “Muitos de vocês provavelmente já me conhecem, tanto pelos “quest” ou pela minha carreira profissional, mas mesmo assim acho que será educado me apresentar antes de tudo. Quem sabe não teremos algum novato nisto aqui e será justo ele saber pelo menos o meu nome antes de me chamar de louco ou insano. Sou Vincent, mas a galera me chama mesmo de Vin. Os novatos também podem começar a me chamar assim. Bem, vamos começar logo antes que alguma luz surja e me faça desistir disto tudo. Era uma vez, um rapaz que...” Dito a tão famosa frase que se inicia os contos infantis o olhar se desviou da câmera e de seus interlocutores anônimos e voltou-se para a janela fechada e com um piscar dos mesmos voltou-se novamente para ver a sua linda imagem.



- “Espera. Isto aqui não é um conto de fadas. Na verdade esta bem longe disto. Isto é apenas mais uma história como outras tantas que existem. Alguns de vocês irão classifica-la como uma história de amor, outros irão chama-la de fantasia, outros de devaneio. Eu apenas chamo de acontecimentos.

Quando tinha 22 anos tudo era sinônimo de festa, novidade e curtição. O mundo era meu e eu era totalmente livre para explora-lo. Livre, sempre fui e continuo sendo, mas agora a minha concepção de liberdade mudou. Afinal, com 29 anos eu teria que aprender algo, não é verdade? Mas retornando...
Estava terminando muito “porcamente” a faculdade de arquitetura, abro aqui um parêntese que por pura imposição dos meus pais, mas naquela época, não pensava o quanto ter aquela formação me ajudaria um dia. A única coisa que queria era sair com meus amigos, conhecer pessoas inúteis, ir a festas. Ainda gosto de fazer tudo isto, quem me conhece sabe bem o quanto curto a noite, a boemia, os risos, o brilho, as luzes e o ar magico que somente a noite possui. E no quanto que ela consegue esconder a solidão das pessoas com o seu véu. Sim, os amantes da noite são todos solitários, que apenas se reúnem e se encontram sob seu manto para poderem usar suas máscaras de falsa felicidade. Eu era mais um que não fugia a regra, e a cada dia me aperfeiçoava em representar o meu papel. Acho que isto me encanta na noite. Somos todos atores, atuando em um palco coletivo e para uma plateia que não existe.



E foi em uma destas noites onde a lua cheia sustentava o céu que a minha vida se tornou em algo que nem eu mesmo sei explicar. Talvez vocês que irão ver isto poderão me explicar depois.



No meio daquela noite já estava em um estado alcoolizado que gosto de dizer semi avançado, quando Gia me apresentou o seu mais novo amigo inseparável. Naquele momento não prestei muito atenção no tal cara. E digo que nem foi tanto pela embriagues, confesso que foi por puro despeito e arrogância. Já estava mais do que de saco cheio daquele cara, de tanto que só ouvia todos falarem dele. Do quanto que o ‘gringo’ era bonito, de quanto era especial, de quanto era talentoso, de quanto que sua voz era envolvente. Gia passou os últimos meses o bajulando, assim como a maioria dos meus melhores amigos e como aparentemente todos que me cercavam. Ciúmes; mas do que declarado. Até então, quem sempre fora o centro das atenções era eu, o inovador, o promissor talentoso artista que estava entrando em ostracismo por causa de um cara que viera do fim do mundo da Europa. Que havia chegado à cidade em menos de 3 meses roubando tudo o que era meu, ou o que achava que era meu. Já o odiava, sem ao menos conhecê-lo e o odiei ainda mais no momento que vi seu cabelo comprido da cor do sangue e seu sorriso cínico destinado a mim naquela pequena apresentação.

No restante da festa senti que o ar ao meu redor estava muito mais frio do que o costume dentro daquele local, que o costume era do ar nunca comportar a quantidade de pessoas que respiravam ali dentro. O ar frio brigava com o calor do meu corpo causado pelo excesso de álcool e pela dança. Um torpor mais do que bem vindo e esperado surgiu me retirando de mim mesmo. Ainda consigo sentir este mesmo torpor ate hoje, basta fechar meus olhos que devagar ele vem surgindo querendo me levar embora. E naquele dia me levou, e me levou para um lugar onde tudo o que conseguia sentir era o frio, ver uma paisagem de neve e gelo e um rio onde suas aguas brilhantes eram estranhamente quentes e vermelhas, um rio de sangue cristalino. Quando acordei já estava no apartamento de Gia. Não tinha como não saber onde estava tamanha a familiaridade que possuía com o local, e a doce menina dormia ao meu lado e ao lado dela outra menina. Não me perguntem o que ocorreu naquela noite, é vergonhoso demais.



O que posso dizer é que um porre gerado por uma grande quantidade de álcool e de varias origens não é nada agradável. Quanto a acordar ao lado da Gia... não levem para o lado sexual, por favor. Ela é como minha irmã, minha melhor amiga, crescemos juntos, não há nenhuma hipótese de ocorrer nada entre nós. Sem falar que para ela, sou tão atraente quanto uma abobora e ela, apesar de ser linda, para meus olhos é um chuchu, que não dá o menor tesão em comer.” O jovem antes mesmo de terminar a sua fala já estava chorando de tanto rir e mesmo assim continuou com a sua observação.



-“ Me desculpe minha amiga, não me mate se você vier a ver isto, mas você sabe que é a mais pura verdade. Pra mim você é um chuchu aguado, mas para os outros caras garanto que você é o mais puro filé mignon!” – e novamente lágrimas de risos e alegria escorreram pela pele do jovem homem. Vincent Kevin Ciaran Caprini. Neto de italianos, filho de pai ítalo-americano e mãe escocesa, nascido na Irlanda, morou na cidade de São Paulo até seus 12 anos devido a profissão diplomática do pai, passou sua adolescência e parte do inicio de sua vida adulta em Nova York. Depois mudando-se para Milão onde estudou a faculdade de belas Artes, morando em Berlin, Barcelona, Londres e agora encontrava-se de volta a Nova York. Sempre se sentira um cigano, um cidadão do mundo, um solitário errante que nunca encontrara de fato o seu lugar, seu lar. Vin, sempre soubera onde encontrara a sensação de casa, mais naquele período de sua peregrinação pelo mundo tudo o que ele mais queria era o reencontrar e ao mesmo tempo fugir daquela certeza. E não importava o que falasse, sua contradição era o que o mantinha vivo, que mantinha a sua esperança viva e o medo de ter que pertencer a algo. (E a esperança que voltaria a encontra-lo nem que por alguns leves momentos.)



- Mas vamos esquecer minha linda amiga e seus ataques sapatônicos que a cometem de vez em quando. Mas depois daquele dia minha mente sempre foi levada para aquela sensação fria. Pode parecer estranho, porque na realidade é estranho. Tudo se tornou estranho desde que aquele sujeito invadiu a minha cidade e praticamente a minha vida. Provavelmente vocês iram achar que sou egocêntrico ao supor que minha vida é tão importante assim para que alguma pessoa possa se preocupar com ela a não ser eu mesmo. Apesar de ser realmente egocêntrico, vocês também perceberão no quanto aquele homem entrou metendo o pé na porta da minha vida e ninguém mais percebeu.




Bom, vocês já perceberam que nesta história tem outro elemento, outro personagem. Sim, tem. Mas prefiro não falar seu nome por agora.... não tenho nada a esconder ou preservar a imagem dele ou minha. Afinal esta história ocorreu há exatamente 6 anos atrás. Ninguém mais se lembra do resultado final, farei apenas um leve suspense... na verdade ainda evito dizer tal nome, tamanha a lembrança que vem junto a ele.




Como disse, eu acordei junto a minha amiga e a outra menina. Ao acordar ainda não me lembrava de nada, do que havia ocorrido. Pelo que fui informado fui acometido de uma enorme bebedeira, o que levou a um estado critico de falta de coordenação motora para falar, andar, e todo o restante. E adivinhem como fiquei feliz ao saber que o novo herói da cidade que havia sido o meu super herói particular ao me carregar, conduzir e me colocar na cama como se eu fosse uma garotinha indefesa?



Ódio, raiva, bestialidade, sentia tantas coisas que a única coisa que consegui dizer para a menina loira, que me conhecia mais do que eu mesmo, que ela deveria ter me deixado lá caído ao chão que preferia isto a ter sido socorrido por aquele cara, foi um ataque de viadagem sem tamanho. Mas me perdoem, eu era um jovem dramático, na verdade ainda sou. Dramático, jovem e viado. Acho que as coisas não mudaram muito nestes anos como disse anteriormente.” E um brilhante olhar debochado surgiu diante da tela, e um leve piscar do olho direito em um ato de cumplicidade a algum destinatário em especial.



- Vamos lá, não é novidade alguma que eu seja gay. Sempre me assumi perante todos desde que tive a certeza de que minha preferencia era por homens bonitos à lindas mulheres. E sim, tive deliciosas recaídas para ter realmente certeza. E em meus vídeos anteriores já ficou mais do que claro.
Não, não se preocupem, não irei contar nenhuma das minha aventuras sexuais.



Peraí, também terá alguma aventura sexual, mas como tudo sempre foi muito mais complicado do que o sexo. E sexo já é complicado demais, são as pessoas que costumam dizer o contrário, que nada é mais simples que sexo. Que bastam dois corpos com desejo para que se deixe ocorrer o que tem que ocorrer na natureza humana. Mas bem.... eu não privo desta mesma filosofia. Já tive uma parcela considerável de parceiros sexuais, mas dentre eles mesmo quando tudo fora apenas uma foda casual, tudo sempre se complicava depois. Não pensem que só por sermos homens que tudo são mais simples, e que são apenas as mulheres que complicam o sexo, pois não é. Mas não quero entrar neste assunto agora.... Tenho tanta coisa bem mais relevante agora do que falar de sexo entre dois homens. Ou não.” E novamente a piscada de cumplicidade e logo após um sorriso alto ressoou entre as paredes do quarto mostrando aos futuros ouvinte o quanto que Vincent se iluminava quando sorria daquela forma, livre. Coisa que por muito tempo ficou escondido no tempo.



Nos anos em que caminhou pelo mundo como um itinerante, um perdido fugindo de si mesmo. Vin, como sempre gostou de ser chamado, havia perdido seu dom para sorrisos verdadeiros. Um dom que sempre foi o mais apreciado por todos os seus admiradores. Seu sorriso sempre fora a sua maior característica de deslumbre e conquista, muito mais que seus olhos negros penetrantes, e emoldurado por longos cílios, muito mais que o seu conjunto de beleza de pele clara, cabelos negros de cachos anelados, corpo esguio, lábios vermelhos, rosto quadrado, porém de leves traços andróginos. O sorriso quando surgia, era devastador. Seus olhos fechavam e sua alma demonstrava o verdadeiro Vincent, um menino arteiro e travesso que viera ao mundo para brilhar, encantar e devolver ao mundo a beleza perdida através de sua arte.



Apesar de ter passado quase seis anos de sua vida fugindo de si mesmo e de seus próprios sentimentos o artista nunca deixou de existir, nunca deixou de fazer o seu trabalho ou proposito demonstrar através da sua arte a vida. A vida como ela era diante os seus olhos com suas belezas, magia, tristezas, amarguras, loucuras, solidão, podridão... Tudo com uma realidade que às vezes beirava ao lúdico e a inocência. E esta visão que transformou Vin Caprini em um dos mais famosos e exaltados artistas plásticos de sua geração e das anteriores também. Sua arte não se limitava apenas a telas com tintas, sua arte era inquieta e itinerante como seu criador e passeava em varias mídias e isto alcançava inúmeras pessoas. Um dia suas fotografias estavam sendo expostas em alguma galeria, outro momento suas instalações podiam ser encontradas no interior de alguma floresta urbana ou nas ruas de alguma cidade de gelo. Suas ilustrações adornavam paredes no centro de alguma famosa cidade ou em livros. Podia-se encontrar ilustrando algum personagem famoso de hqs ou como agora no seu mais novo projeto em suas próprias histórias. Projeto este que está sendo desenvolvido a quase um ano. Projeto este que o levou de volta para a sua cidade de alma para que pudesse encontrar a inspiração necessária para termina-la. Projeto este que conta a historia do envolvimento de um rapaz com o seu sonho de menino, o romance de um homem com a sua alma gêmea que nada mais era do que a sua estrela guia. Uma historia que envolvia magia, fantasia, dragões, magos e sábios e um rapaz virtuoso dotado de uma magia forte mais que nunca conseguiu atingir o seu real potencial porque estava sempre sonhando com a estrela de luz vermelha que via da janela de seu quarto. Alguma semelhança com a sua vida pessoal? Todas que possam imaginar, só que ludicamente retratadas com a visão do criador.



O sorriso do homem se apagou e por um instante as lembranças voltaram a surgir em seu lugar, e a luz se tornou solidão no olhar e a mágoa nas palavras seguintes se tornou palpáveis.



- Um dia quando a raiva por ter me sentido humilhado já estava abrandando recebi um convite para adicionar o tal “super herói” em uma rede social. Confesso que já o ‘stalkeava’ antes mesmo de nossa apresentação forma. A atração que sentia em saber o porquê de todos os amores exaltados para aquele cara, sempre fora tão grande quando a minha curiosidade. Sim, confesso que as poucas coisas que tive acesso me intrigavam, ele era talentoso era inegável. Sua musicas eram boas, muito boas. E uma curiosidade quase que doentia se acumulou em mim. E aceitei o tal pedido e naquela mesma noite recebi um recado. “Olá, espero que você tenha ficado bem depois daquele episodio. Fiquei preocupado e queria ter te levado para algum hospital, mas a Gia me garantiu que você ficaria bem depois de algumas horas de sono. Acreditei porque ela te conhece bem, mas mesmo assim gostaria de ter a confirmação de que você esta bem.”
E por algum motivo irracional respondi. É claro que a cada palavra escrita pra dizer que estava bem sim e que a minha amiga estava certa eu apagava e reescrevia, tamanha a minha insegurança diante aquilo tudo. E logo assim que apertei o botão do ‘enter’ recebi outra mensagem e o improvável ocorreu. Conversamos, e o mais improvável é que no meio de tudo minha guarda já estava baixa.




E nos dias seguintes as conversas continuaram. Ele era engraçado, um humor sarcástico e cínico, de um cinismo tão ferino e aguçado quanto ao meu próprio. Comecei a entender porque dele conquistar a todos ao seu lado, ele era um sedutor. Extremamente sedutor e confiante. Duas características que juntas se tornam uma bomba. Ele me contava de sua cidade Natal e de como havia planejado morar por alguns anos pela nossa cidade. Eu contava de como gostava das luzes e do ambiente urbano e ele concordava apesar de nunca negar que preferia a calmaria do campo e o branco da pura neve. Ele me contava sobre sua música e sobre como gostava de escrever e me perguntava da minha arte, de como eu conseguia criar e modificar o meu mundo externo. E de como conseguia conciliar este universo com a faculdade. E de como eu conseguiria termina-la se eu vivia vivendo a noite. E riamos e nos distraiamos. E um dia me contou que estava encantado por alguém e que começou a namora-la. Não sei explicar em palavras como reagi àquela informação. A não ser o meu espanto ao dizer “Como assim namorando?” e impessoal e ate frio respondeu “namorando”. E como se tudo aquilo não significasse nada, me convidou novamente para ir a mais um de seus shows.



É engraçado como ainda consigo sentir a sensação de ser expulso da vida de alguém. Uma sensação péssima, mas foi assim que me senti. Prometi que iria ao show, mas para poder dizer alguma coisa do que realmente sentia vontade de ir. Ele duvidou da minha presença e quando começou a me falar sobre seu repertório inventei que meu celular estava tocando e deixei o computador. Naquela época não sabia o porquê daquela reação ou do porque do meu estomago embrulhado. Mas acho que vocês já sabem o motivo que estava tão claro que eu me negava a acreditar ou aceitar. Quanto aos seus shows e minha recusa em ir é um caso a parte. Nunca senti a necessidade de vê-lo cantar. Já havia ouvido suas músicas é claro, mais pessoalmente nunca. Talvez por medo de que algo se tornasse real, e mais uma vez sabia que aquela promessa não seria cumprida.



A semana toda evitei entrar na tal rede social, porque sabia que não iria resistir e acabaria descobrindo quem seria a tal namorada. E foi o que ocorreu, uma linda jovem de cabelos loiros longo, de corpo longilíneo e olhos tão azuis quanto o mais claro céu surgiu. Minha dor no estomago apenas piorou naquele dia. Como eu era idiota, tão estranhamente tolo.” E novamente o seu gesto característico surgiu levando seus cachos para trás e após isto um olhar vago pode ser notado até mesmo por si, fazendo com que o locutor espreguiçasse diante da câmera para retirar o nítido estresse de seus ombros. O barulho da confortável cadeira pode ser ouvida sendo arrastada e parte da sua camisa branca vista assim que o rapaz levantou-se e ao retornar trouxe consigo seu cigarro já acesso e colocou o maço ao lado do laptop.



- É voltei a fumar esta porcaria desde que cheguei aqui, podem me recriminar. Onde parei mesmo? Ah, nas minhas não idas aos shows do senhor sedutor...



Bem, daquela vez eu fui. Não consegui não ir. Passei o restante da semana me remoendo de curiosidade e raiva. Uma raiva que não sabia o porquê de sua origem, mais tinha raiva por tudo. A cada vez que ele me chamava para conversar minha raiva aumentava sem motivo. A cada palavra lida tinha vontade de soca-lo. Mas conseguia demonstrar bem a minha indiferença a ele ou a qualquer um de seus relatos, na verdade me tornei em um grande mentiroso virtual. E não só virtualmente. No dia do show não conseguia me concentrar em nada, tentei pintar, escrever, ler, fazer meus trabalhos e pesquisas da faculdade, liguei para meus amigos para irmos grafitar. E no meio da noite, me vi no balcão do bar diante de uma plateia de um clube noturno bebendo cerveja e ouvindo uma banda feminina de rock que abriria o show principal. E quando o nome da banda principal foi anunciada senti minha respiração parar pela expectativa.



Virei toda a cerveja de uma vez sem ao menos sentir seu gosto e a larguei em um canto qualquer e fui em direção à plateia e me escondi na lateral do palco não queria que ele me visse ali. Mas meu plano foi jogado para o esgoto quando minha amiga me viu e surpresa me puxou para o meio de todos, bem diante do palco. As luzes se apagaram e depois spots separados iam sendo acessos a cada integrante que surgia e se localizava em seu local. E uma luz azul iluminou o centro e de repente a figura imperiosa com seus cabelos vermelhos ocupou seu lugar. Imediatamente senti aquele mesmo ar frio me envolver e quando sua musica começou e ouvi a sua voz ao vivo fiquei paralisado. Poucas coisas conseguiam me fazer ficar parado na vida e a voz de Tyfis Alfr naquele momento se tornou uma delas. Ouvi três musicas totalmente estático, depois a musica começou a tomar conta de mim e nas seguintes já estava acabado de tanto pular e dançar. O ritmo era mágico, uma mistura de rock, folk, pop e um ritmo normandio com celta que era impossível ficar parado. E aquela voz que enlouquecia e remexia com o nossos cérebros trazendo euforia e paixão. O ar frio continuava me envolvendo trazendo conforto para meu corpo que suava, e quando todos já estavam enlouquecendo olhei para o palco e por um segundo nossos olhos se encontraram e Tye não pareceu surpreso a me ver ali, pelo contrário demonstrou petulância e certeza que me encontraria, mas depois daquilo tudo mudou.



Não conseguia mais dançar como antes, era como se estivéssemos ligados, era como se ele estivesse cantando exclusivamente para mim e meu corpo se movia apenas para ele lentamente. Em um momento a musica parou e o vocalista começou a conversar com a plateia, e todos já eram dele. E a cada comando o público respondia e se movia. Ele moveu-se sobre o palco chamando os demais integrantes e depois da rápida conversa Tye simplesmente disse que iria cantar algo especial para uma pessoa especial, uma musica, derivada de um poema que havia sido criado inspirado em sua terra natal. Todos gritaram, um spot de luz acendeu ao lado do palco iluminando a linda namorada. O casal mais lindo de toda a cidade era o que diziam. E aquilo não me afetou, eu sabia para quem ele iria cantar e não era para nenhuma menina de pernas longas. O som era melodioso e ele dizia que havia feito algumas adaptações, um arranjo mais moderno. Meu corpo se moveu como se estivesse sendo encantado, a voz grave do vocalista parecia dizer algum encantamento que ele correspondia a ele, somente a ele. Nunca irei me esquecer daquele momento ou daquela canção”



Vin move-se sobre o computador e a câmera captou os movimentos sobre os teclados e os seus sons e logo uma musica baixa foi ouvida. A voz grave, os acordes lentos e sonoros, e uma leve guitarra conversava com o cantor. O jovem artista encostou novamente em sua cadeira e seus olhos fecharam enquanto murmurava as palavras junto com a música. A câmera conseguiu captar cada movimento dos lábios e a pele do moreno se ouriçando, se arrepiando e um discreto sorriso adornando seus lábios.

Wer reitet so spät durch Nacht und Wind?

Es ist der Vater mit seinem Kind;

Er hat den Knaben wohl in dem Arm,

Er faßt ihn sicher, er hält ihn warm.



"Mein Sohn, was birgst du so bang dein Gesicht?" –

"Siehst, Vater, du den Erlkönig nicht?

Den Erlenkönig mit Kron und Schweif?" –

"Mein Sohn, es ist ein Nebelstreif."



"Du liebes Kind, komm, geh mit mir!

Gar schöne Spiele spiel' ich mit dir;

Manch' bunte Blumen sind an dem Strand,

Meine Mutter hat manch gülden Gewand…."*



-Esta é a música que me envolveu. Espero que vocês a estejam ouvindo bem. Ela conta a historia do Rei dos Elfos que se apaixonou por um jovem mortal e fez de tudo para seduzi-lo e conquistá-lo. Mas o rapaz o temia, então o Rei passou a ameaça-lo e o levou a força para seu mundo. O matou.”



A música continuava a contar a sua historia ao fundo e Vin se embalava, movendo-se como se quisesse levantar e dança-la. Aos poucos a expressão do jovem foi modificando-se, tornando soturna. Seu corpo deixando de se embalar, curvando-se lentamente. Aprofundando dentro da cadeira, protegendo-se de algo. Os grandes olhos negros voltaram a se fechar. Era clara a expressão de dor e a em segundos a tristeza apoderou-se daquela figura. E assim que Vincent abriu seus olhos dois filetes de lagrimas escorreram em sua face pálida e como reflexo levou suas mãos para limpa-la. E olhando fixamente para câmera não tendo medo de ser expor ainda mais, com a tristeza ainda como sua fiel amiga, com o coração sufocado em seu peito e a garganta seca se permitiu ser filmado chorando e antes de abaixar a tela do seu laptop a câmera registrou seus lábios se movendo e um baixo conjunto de palavras que para todos não tinha o menor sentido, mas para um único ser as palavras Haryalyë melmenya** significavam mais até que sua própria existência.



.... continuará logo....




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Notas finais do capítulo

*Der Erlkönig - Poema de Johann Wolfgang von Goethe. E instrumentada por Franz Schubert.
Encontrei uma tradução em inglês e em português, assim como um link que tem a canção original. Quem tiver a curiosidade em saber como é a música original. Basta acessar ao link.
Tradução da parte demonstrada no texto
Quem cavalga tão tarde pela noite e pelo vento?
É um pai com seu filho.
Ele leva a criança em seus braços,
Ele o segura firme, ele o mantém aquecido.
"Meu filho, por que esconde tanto seu rosto?"
"Não ve, pai, o Rei dos Elfos?
O Rei dos Elfos com sua coroa e manto?"
"Meu filho... É apenas um filete de névoa."
Você, criança querida, venha comigo
Muitas belas brincadeiras jogarei contigo,
Flores coloridas estão na praia,
E minha mãe tem para você vestes douradas."
Link: http://www.vagalume.com.br/franz-schubert/erlkonig-traducao.html#ixzz2G2mYCWm9
** Dentro da pesquisa que fiz, a linguagem élfica varia muito da sua linhagem e origem que podem ser Quenya ou Sindarin. Preferi utilizar a linguagem Quenya pela facilidade em encontrar algumas palavras e dialetos.
Haryalyë melmenya significa - você tem o meu amor.
OBS: Tenho que pedir desculpas a minha amiga secreta. Não cumpri as regras totalmente ao enviar uma fic inacabada, faltando os demais capítulos. Sei que não é justo, mas achei que seria mais correto e honesto lhe enviar um capitulo (mesmo sem betagem e revisão) do que deixa-la sem receber nenhum presente. Afinal tenho a certeza que você fez a sua parte e entregou o seu presente corretamente para a sua amiga secreta e seria muita sacanagem não receber nada. Desculpe-me se não esta dentro dos padrões aceitáveis. Mas deixo aqui registrado a promessa de que tudo será entregue até o dia 31 de dezembro.



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