Jogos Vorazes por Cato escrita por AmndAndrade


Capítulo 18
Capítulo 18 - Clove


Notas iniciais do capítulo

Uma ideia: escutem "kiss it all better" do "he is we" antes de ler. Fiz um desenho pra vocêssss



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– Clove! – ouço-me gritar mais uma vez.

Desespero. Morte. Dor. As palavras giram na minha cabeça num turbilhão que eu não consigo controlar. Não tem como descrever direito, mas sabe quando você está mentalmente travado? Sem conseguir processar nenhuma informação complicada? A única informação conexa que consigo processar agora é corra. Corra depressa. O chão afunda debaixo de meus passos mal feitos e eu quase caio por duas vezes. Atravessando a planície, escutando o grito de Clove ecoar e tomando nota das palavras que continuam girando na minha mente, mas sem conseguir realmente processá-las. Pelo contrário, não sei o que elas significam. Sei que elas estão ali. Escondidas. Prontas a ganhar um significado maldito e cruel a qualquer minuto. Corra, Cato. Mexa as drogas das pernas. Rápido. Mais rápido.

Corro sem me importar em controlar o fôlego. Quero chegar lá rápido, o mais rápido possível. Quando na frente da Cornucópia, vejo o Garoto Onze desaparecer no limite da planície com duas mochilas grandes presas numa mão e uma pedra que mais parece um tijolo na outra. A minha mochila! Brasinha desaparece na floresta, mas eu não quero persegui-la. Meus pulmões estão doloridos e eu puxo o ar freneticamente enquanto corro os olhos para a Cornucópia, notando a mesa vazia colocada ali. Já tomei nota dos participantes que fugiram e o ar não consegue voltar aos meus pulmões. Estou tonto, tentando absorver a imagem que se projeta aos poucos na minha visão turva.

Clove está no chão. Estirada.

– Clove! – grito mais uma vez, mas ela já não responde. Agarro-me à ausência do som do canhão, o que significa que ela não está morta. Não é o suficiente para me tranqüilizar. Estou desesperado. Louco. Irritado por ter concordado com a idéia maldita de deixar a única coisa que valeu a pena nesses Jogos escapar de mim e se ferir. Idiota, maldito, imbecil. São essas as palavras que giram na minha cabeça agora, e dessa vez eu sei bem o significado de cada uma delas. Elas simplesmente me definem.

Ajoelho ao seu lado e então vejo o estrago. Não há sangue em lugares importantes e seu corpo está inteiro, a não ser pela marca de ponta de flecha em seu braço esquerdo. O sangue, pegajoso e quente, escorre devagar pelo ferimento. Maldita brasinha. Mas ali, em sua têmpora direita, vejo uma reentrância da espessura de minha mão. Idiota, maldito, imbecil. Idiota, maldito, imbecil.

Ela respira com dificuldade e os olhos verde-escuros me encaram por uns instantes até que ela, reunindo o que parece ser muita força, me estende a mão. Agarro-a como se fosse eu que estivesse morrendo, e não ela.

– Desculpa – é tudo que consigo dizer, sem me importar que Panem veja minhas lágrimas. Agora, eu já não me importo com nada disso. Todo o calor, vida e humanidade que essa droga de Jogo tem para mim estão escapulindo bem debaixo do meu nariz. – Eu não devia ter te deixado ir. Não devia...

Suas mãos estão tão frias... Não estão quentes como no dia que ela fez o curativo em mim. Isso só faz com que eu chore ainda mais, meu corpo impulsionado para frente e para trás em diversos soluços.

– Shhh – ela sussurra, tão baixo que mal ouço. – Não é sua culpa.

Não há sentido em dizer coisas como “vai ficar tudo bem” agora. Clove não vai ficar bem. E ela sabe disso.

– Eu não devia ter te deixado sozinha – não paro de repetir. – Fica comigo, Clove. Por favor, te imploro, fica comigo. Fica comigo.

Sei que estou sendo extremamente egoísta e insensível, mas não consigo parar de implorar para que ela fique comigo. Sei o quanto aquelas palavras doeriam nela. Talvez ainda mais do que em mim. Ela sabe que não tem condições de atender ao pedido. Respiro rápido, mas não tenho certeza se pela corrida ou pela situação. Simplesmente fugiu do meu controle. Seus olhos tremem e ela respira com mais dificuldade, limitando-se a afagar as costas de minha mão num toque frio e delicado, incapaz de se mover.

– Clove, por favor... Perdoe-me...

– Cale a boca – ela diz em voz baixa, me interrompendo. Não consigo ficar bravo por ela me interromper dessa vez. Gostaria que ela ficasse ali, para me interromper por muitas vezes mais. Para que eu escutasse seu riso baixo, suas poucas palavras, pra que a sentisse mais uma vez. Suas mãos quentes e ágeis, seu cabelo roçando no meu rosto. Suas sobrancelhas se erguerem quando ela diz qualquer coisa irônica. Mas eu sei que não, não vai ser assim. A consciência disso vai me possuindo enquanto tudo que eu consigo fazer é chorar como uma criancinha.

Permanecemos em silêncio quando ela aspira o ar mais uma vez, a dor emanando por cada movimento que ela faz. Sinto um nó se formando em minha garganta e espremendo meu estômago. Dor, dor física. Meu corpo se curva para frente como se eu estivesse tossindo, mas não emito nenhum som.

Talvez seja essa a sensação de medo, aliás.

Clove parece um animalzinho ferido, estirado ao meu lado. Extremamente menor. Mais delicada que nunca e completamente indefesa. Está pálida e os lábios se contraem em agonia até que seus olhos comecem a ficar vidrados.

– Cato – ela chama num sussurro tão baixo que mal escuto.

– Estou aqui. Bem aqui. Do seu lado – as palavras saem rapidamente enquanto seguro sua mão, temendo que se tocar em seu rosto lhe cause mais dor. Temendo que ela vá embora de uma vez.

– Busque um copo d’água pra mim – escuto-a sussurrar entre a respiração cortada.

E sei exatamente o que ela está tentando fazer.

– Não, Clove. Por Deus, não. Não posso te deixar agora. Não agora...

– Por favor – ela sussurra e lágrimas começam a escorrer pelos olhos vidrados que tremem, ameaçando se fechar.

Encaro-a por alguns segundos, absorvendo dela cada detalhe que posso. Sei que ela só quer que eu vá para não ver tudo que ainda vai acontecer com ela. Sei que ela quer me poupar. Apenas isso.

Mas sei também que não posso negá-la um último pedido. Então tangencio sua testa com os lábios, temendo que ela sinta ainda mais dor pelo leve contato. Ela fecha os olhos quando ergo a cabeça, ainda agarrado a sua mão. Absorvendo a textura da pele, a temperatura. Tudo.

– Agora – é tudo que a ouço sussurrar.

– Certo, Cat Clove – digo e a muito contragosto me levanto. Seus lábios pálidos tremem por alguns segundos até que ela finalmente consiga esboçar um sorriso. Viro-me e dou alguns passos na direção oposta.

Quando estou de costas para ela, tentado a olhar para trás, ouço o último som que gostaria de ouvir no mundo, em qualquer hipótese: o canhão de Clove. De uma maneira quase robotizada, vou até o acampamento que montamos ali com os pés arrastados e reviro a mochila de Clove até pegar alguma coisa. Volto de cabeça baixa e em silêncio, com um odre de água devidamente purificada na mão.

E ela obviamente não estava lá.



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Notas finais do capítulo

Tristeza define... =(
O que acharam do capítulo? E do desenho? Rewiew, por favor... Preciso da opinião de vocês...