Que bom que finalmente está aqui.

Eu previ o nosso encontro há muito tempo. O que está escrito nas chamas de R’hllor se concretiza, mais cedo ou mais tarde. Não há como evitar o inevitável. A sua sacertodisa de Asshai bem o sabe, desde os tempos de outrora.

Não, não há necessidade de sentarmo-nos a mesa. Obrigada por apresentar-se, mas não havia motivo. Já sei quem você é. Assim como sabe quem eu sou. Sou a Sacerdotisa Vermelha de Asshai, ou a Mulher Rubra, ou até mesmo a Rainha Vermelha... Depende da tradução do livro que comprou.

Apenas estive aguardando a sua presença, estava quase impaciente. Agora, vamos ao que interessa... Ao que eu sei que você deseja saber.

Não se preocupe, estamos perto dos jardins. A fogueira já está preparada. Sim, vou dizer-lhe tudo o que sei a respeito, tudo que o Único Deus disse-me sobre tais grandes conjecturas, tão importantes para todos nós. Não haverá necessidade de sacrifício, muito menos humano. No máximo do seu tempo, e espero que não do seu senso de humor.

Agora aproxime-se, se lhe agradar.

Vê? Olhe bem para o fogo... Observe as chamas dançantes. Atente para o menor dos movimentos, e tenha fé. Em pouco tempo, tudo lhe será revelado.

...

Ainda não está vendo? Tudo bem... É sua primeira vez. Não devemos subestimar os desígnios de R’hllor, o Senhor da Luz.

Assim sendo, proponho que eu mesma, em minha insignificância, alumie-vos a respeito: está tudo escrito.

Não se acanhe, aproxime-se de mim. Isto, mais perto. Agora volte a olhar para as chamas. Direi-lhe o que está escrito nelas.

Veio até aqui com um único propósito: ler fics de As Crônicas de Gelo e Fogo.

Não, não, eu compreendo do que se trata. Não se preocupe. Para o fogo de R’hllor não há barreiras.

Vejo o que lhe atrai e o que não lhe atrai... Vejo o que busca, e o que despreza. Entendo. Porém, sinto-lhe dizer que é o mesmo de todos os outros.

Por que a surpresa? Sim, aprendi a ter o dom da vidência. Não nasci com isso. Mais um motivo para não haver maiores surpresas a respeito... Nenhum de nós é de fato tão especial.

Por que estou sorrindo? Ora. Estou acostumada.

Vocês vêm e me procuram, buscando o mesmo desígnio: histórias sobre garbosos personagens, suas pequenas paixonites e quedas adolescentes. Não, não estou desprezando-lhe. Tampouco o esforço daqueles, também tão apaixonados pela obra (ou por um pedaço da mesma, para ser mais específica), que se dispõem a dedicar sua imaginação e seu tempo para escrever sobre suas possíveis aventuras em um universo alternativo.

O que eu estou a fazer, enfim, reside apenas em prever o inevitável.

Ainda não compreende?

Não importa a quantidade de autores diferentes que escrevam sobre os mais variados personagens, o foco da atenção é sempre nos mesmos nichos particulares. Como suspiram por Jon Snow e seu lobo gigante, por Robb Stark e sua juventude altiva, ou até mesmo por Theon Greyjoy e seu fascínio misterioso, capaz de superar as atrocidades que cometeu – e a má atuação do ator que o interpreta.

Sim, ator... Pois o que eu vejo está muito além. Tal afeição não reside apenas pelos personagens em si, mas muito principalmente por aqueles que os representam: Kit Harrington e seus similares. É compreensível. Jovem, atraente da forma que todos esperariam... É assim que as coisas são. Como diriam no seu país, segundo o que me ensinou o Senhor da Luz: “é disso que o povo gosta”.

Ora, se Rhaegar Targaryen, o que vocês chamariam de “perfeito galã”, creio eu, uma variação de galante, já fazia tanto sucesso no meu tempo, por que esses jovens atores não fariam todas caírem de paixão?

Desde que mundo é mundo, ou melhor, Westeros é Westeros.

Se era apenas isso o que desejava, vejo muito claramente, dançando nas chamas, inúmeras, diversas, inacabáveis em suas formas, duração e quantidade de palavras: abundantes são as fics sobre seus amados personagens, e inclusive seus enredos: Jon Snow apaixonando-se por uma personagem criada pelo autor, Jon Snow com Daenerys, Snow com Arya, ou... Por R’hllor, até mesmo Snow com Robb Stark. Pensava que incesto fosse algo reservado às Casas Targaryen e Lannister, mas o Senhor da Luz fez-me reconsiderar.

Diz-se o mesmo sobre Robb Stark e Theon Greyjoy, podendo-se encontrar, nos lugares mais escuros do fandom, até mesmo hentai do trio dos mais queridos.

Muitas dessas obras são dignas de serem lidas, afinal de contas, não é porque uma idéia é repetitiva ou até mesmo previsível que isso diminuiria o conteúdo da própria. Uma ideia seguidas vezes contada pode ser aprofundada, melhorada, incrementada, desenvolvida de modo a tornar-se única e encantadora.

Stannis pôde comprovar isso algumas vezes.

Agora, se você veio com o propósito de escrever a sua própria obra... Mantenho o discurso. A maior parte dos seguidores de Martin têm o mesmo gosto que você, em especial as seguidoras.

Foque na família Stark, R’hllor me diz, afinal, quem não os ama? Não importa que a família esteja semi-destroçada e muitos dos personagens não tenham grande profundidade, isso não impedirá que sejam queridos. De preferência, escreva lendas sobre um triângulo amoroso.

Não há necessidade de se integrar com grande parte dos personagens: o problema é de Martin se ele escreve capítulos sobre trinta diferentes pontos de vista, inclusive do meu. Sim, também acho engraçado. Mas basta apenas capítulos focados na visão desses três amados personagens, e seu sucesso está metade garantido.

Evite os tabus: não há problema algum em... Como se diz, meu Grande Senhor? “Shippar”? É esta a palavra?

Sim, não há problema algum em shippar personagens como Sansa Stark e Cão de Caça, ou até mesmo com Tyrion Lannister, mas, pelo amor de R’hllor, jamais a faça fazer par com Petyr Baelish. Não importa que sejam dois personagens da mesma diferença de idade, ora. O que diz a voz do povo é que ele é um bastardo – no sentido coloquial – que traiu Ned Stark. Não merece nenhum pingo de afeição, mesmo que seja o personagem mais denso e complexo de todo o livro, além de responsável por grande parte dos acontecimentos, sendo assim um dos mais bem trabalhados.

Ele com Sansa... É nojento. Eca. É claro que você é leitor de um livro que fala sobre incestos entre irmãos, estupro de filhas e de pessoas em geral, além de diversos atos horripilantes de violência... Mas, você realmente vai se dispor a escrever sobre isso? Um homem 15 anos mais velho interessado na filha da mulher que ele amava? Quanta perversão!

Olhe, olhe para onde estou apontando. Viu esse movimento do fogo?

Para que perder tempo escrevendo sua própria história em cima do universo de George Martin? Não é isso que os fãs procuram. Não têm interesse na sua capacidade imaginativa, apenas se você tiver a capacidade de roteiro que os escritores da série: coloque várias cenas românticas, ou até mesmo sexuais, e terá comentários e recomendações garantidas. Quem se importa que seja um livro e uma série sobre um universo em guerra medieval, onde pessoas são mortas, estupradas e violadas o tempo todo? Basta que tenha conteúdo lemon e muitas cenas açucaradas, é por isso que o livro é bom, mesmo que os momentos assim sejam relativos a menos de 1/20 parte do conteúdo total da obra.

Todos esses temas são muito mais interessantes do que a sua capacidade para delinear ação, descrever cenários – ou até mesmo incrementá-los – e, quem sabe, criar tramas a partir disso.

É assim que se conquistam fiéis, ou melhor: leitores.

Vejo uma fagulha crescente nas chamas...

O quê? Sinceramente? Pretende escrever uma trama política? Hahaha!

Perdoe-me pelo riso. A maior parte do fandom não tem paciência para as maquinações de Martin, lendo cada capítulo apenas esperando a próxima vez que Snow aparecerá... Têm mais interesse em saber de sua paixão adolescente por Ygritte do que a respeito do que tramam Aemon e Mormont, enquanto isso. Reduza-se ao seu humilde lugar. Não terão interesse nisso, se for escrito por você.

Em suma: foque na Muralha. De que importa Dorne ou regiões mais ao Sul, se Robb, Theon e Snow são do Norte? Este é o foco dos leitores, e este é o foco de você como escritor. Mantenha toda a trama no mesmo local, ou então faça os personagens se moverem. Mas jamais os abandone, senão os leitores farão o mesmo com a sua fic.

Acabei de vislumbrar mais um detalhe importante: não ouse matar personagem algum. Martin já faz o faz em seu lugar. E provavelmente muito melhor.

Acho que está na hora de nos despedirmos. Acredito que a palavra de R’hllor foi-lhe bem útil.

Aventure-se em seu mundo literário novamente, agora nas mãos de leitores como você. Já está anoitecendo, é hora de ir...

...Pois a noite é um lugar comum cheio de clichês.