O sol já aparecia inteiramente quando os últimos soldados inimigos imploravam por piedade. A formação que havia garantido a vitória já havia se desmontado há muito tempo e lentamente foram aparecendo pessoas que iam olhando o chão em duplas. Verificando se não sobrara nenhum soldado vivo sem ferimentos mortais. Cada vez que localizavam um, colocavam o corpo na maca e o levavam para a enfermaria, onde curandeiros e ajudantes trabalhavam a pleno vapor.

O arqueiro ocultado pela sombra percebeu tristemente, que raramente algum corpo era levantado.

Olhou aos lados, procurando seus amigos. Havia se encontrado com Halt pouco antes, e verificara aliviado que não sofreu lesões preocupantes. Avistou em seguida uma figura baixa e jovem demais para estar numa guerra. Por que tinha deixado Kyle participar? Mas ele também estava bem e ajudando a carregar os feridos. Mas onde estava Horace? Havia perdido de vista o guerreiro há muito tempo, quase no começo. Olhou ao redor, esperando que avistasse a figura musculosa ajudando também. Mas não o achou. Correu em direção ao rapaz.

–Kyle! Onde está o Horace? – E expressão do garoto não foi lá muito animadora.

–Ele não está com vocês?

–Não! –explodiu. Achou a pergunta do rapaz muito desnecessária. Ele não perguntaria se estivesse com ele. Mas respirou fundo. Kyle só estava querendo ajudar.

–Da última vez que o vi ele estava indo...–sua voz foi ficando cada vez mais baixa a medida que entendia a importância do que estava dizendo. –atacar...Salter...

–O que?!

Will correu até Puxão, que esperava calmamente até poder servir de utilidade ao dono.  Os cavalos já estavam num lugar mais próximo, agora que a guerra havia acabado. Puxão trotou até a enfermaria, e desmontou antes mesmo do pequeno cavalo parar. Entrou e deparou-se com varias camas, fechadas com uma cortina para garantir uma relativa privacidade aos feridos. Foi abrindo com força cada cortina, sem se importar com os gritos de reclamação dos curandeiros que pediam que se retirasse.

–Quem o senhor está procurando, arqueiro? –perguntou um velho homem que parecia extremamente calmo. Parecia-lhe a Will que ele já havia presenciado centenas de vezes essa mesma cena de alguém procurar desesperadamente por outro.

–Horace Altman– disse. A calma do homem parecia contagiá-lo. Mas mesmo assim permaneceu tenso.

–Sinto muito arqueiro, mas não o temos na lista. –disse após verificar em sua prancheta–Embora possa ser que ainda esteja lá fora.

Will agradeceu ao homem e correu em direção a Puxão. Olhando desta vez o chão. Venceu a tentação de trotar mais rápido e não se importar em quem pisasse no caminho, mas logo depois se assustou. Como poderia estar cogitando uma coisa dessas?

No fim do dia sua busca pelo cavalheiro não lhe rendeu nenhum resultado. Estava sentado ao redor da fogueira com Halt e Kyle, em silêncio E comiam a carne de um delicioso carneiro sem embora sentir o gosto.

–Olá

 Will encarou o dono da voz

–Olá? –repetiu não acreditando. –Nós o procuramos o dia inteiro e tudo o que você diz quando chega é olá?! –disse se levantando, seu tom de voz aumentando a medida que ficava cada vez mais revoltado.

Horace encarou-o irritado também e finalmente disse em um tom desprezível, o mesmo tom que usavam antes de se tornarem aprendizes. Já estava suficientemente irritado antes disso, e decidiu que Will seria a pessoa em quem descarregar

–desculpe, não é essa a reação que eu esperava quando vocês descobrissem que eu estava vivo.

–Seu... –Will lhe socou o maxilar.

Horace cambaleou para trás, agarrando o lado machucado.

–Você acha que nós não procuramos por você?

–Parem, parem! –gritava Kyle desesperado, mas os dois pareciam não escutá-lo, ou se sim estavam ignorando-o completamente.

Preparou o punho para revidar–Eu quase morri hoje!! Bob morreu hoje!! Letícia morreu hoje!! –sua mão acertou o nariz do arqueiro, que começou a sangrar.

–Não, não! –continuava a gritar Kyle.

Will cuspiu o sangue que chegou na boca. –Porque ao parecer você se importa mais com a Letícia do que com a gente não é?

Horace lhe socou o estômagos. Will se encolheu, agarrando a área, lutando para conseguir ar. O cavaleiro o segurou pelos cabelos, e bateu seu rosto no joelho.

–Isso não é verdade!! Eu me importo com vocês!! Eu amo a Cassandra!!

–Basta! –a voz firme o fez parar

Halt estava bastante irritado

–não vou permitir que vocês dois briguem como duas criançinhas!

Horace fez outro ruído de desprezo, agora totalmente decidido a culpá-lo por tudo e foi embora.

Caminhou pelo acampamento xingando Will, decidido a se afastar o máximo do arqueiro por enquanto. Até que tropeçou em alguma coisa grande. Se levantou com todo seu ódio. Mas parou assim que viu que tinha tropeçado em uma cabeça. E não qualquer cabeça, ele a reconheceu.

Ele não queria avisar Halt e os outros, principalmente não Will. Achou que seria bem merecido. Mas logo depois parou levantou a cabeça e percorreu o caminho que acabara de fazer.

–O que foi? Sentiu fome e não conseguiu preparar nada? –perguntou um Will provocador assim que chegou. Segurando um pano para estancar o sangue que continuava a escorrer de seu nariz.

Horace lhe lançou o seu melhor olhar assassino.

O arqueiro mais jovem sorriu de lado. Viu que havia conseguido irritá-lo novamente e abriu a boca para recomeçar, mas parou assim que viu uma cabeça sendo jogada de um lado para o outro.

–O que é isso? –perguntou Halt sério.

–É a cabeça de Salter. –respondeu como se isso fosse óbvio e a coisa mais comum do mundo alguém trazer uma cabeça.

–Você o matou? –perguntou Kyle surpreso.

Por um momento Horace pensou em dizer que sim, e observar o olhar assustado e admirado de Will, mas acabou negando, decidido a não olhar para Will então.

–Como sabe que é dele?

–Eu já o encontrei cara a cara. Eu sei que é dele. Letícia o matou. –não tinha certeza dessa ultima afirmação, mas alguma coisa lhe dizia que sim.

Houve alguns minutos de silêncio até que Halt disse –Pegue um pouco de carne Horace, e nos conte tudo.

Horace obedeceu, servindo-se de carneiro e contou tudo, sua raiva diminuiu um pouco, embora continuasse decidido a não olhar para Will, ao menos que fosse com desprezo.