Fogo e Gelo escrita por Débora Falcão


Capítulo 2
Lembranças do Baile




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As lembranças daquele baile perturbavam Sheba de formas diferentes. Em parte porque tinha raiva só de lembrar que quase estava tudo perfeito, conforme ela planejara e sugerira. Quase tudo dera errado para todos no baile, e ela estava plenamente satisfeita. E no fim das contas, Gabe apareceu e tudo mudou. Os casais pareceram se juntar novamente, e todos pareciam encontrar a felicidade. Até o DJ pareceu encontrar uma música menos péssima para tocar.

"Argh!" Sheba pensou. Quase tudo dera como o planejado. E então ficava novamente perturbada porque nunca estivera tão feliz na sua vida, se é que podia chamar sua existência de cento e oitenta anos de vida. Ainda era uma criança diante de sua espécie, e tinha muito a provar. Aquele baile era a sua chance de provar que merecia ser elevada de categoria e não ser mais meio-humana. Sentia-se deplorável naquele corpo mortal.

Desprezava os humanos. Era simples. Sheba sempre os desprezou. Fazia parte de sua natureza destruí-los pelas próprias vontades deles. Sugerir. Essa era a palavra. Sugeria a eles o que deviam fazer e eles tinham o livre-arbítrio para escolher ou não fazer o que sugeria. Ela era muito boa com sugestões. O baile de formatura quase havia terminado em tragédia, com direito a uma arma de fogo.

Mas então, Gabe apareceu e tudo mudou. E isso a perturbava mais que tudo. A felicidade emanando de si era extremamente incômoda.

Depois do baile, ele se ofereceu para levá-la em casa. Mas ela não tinha casa. Sheba nunca dormia, nunca descansava. Ela tinha sua própria forma de vida. E passava suas horas se divertindo, destruindo um casamento, relacionamentos duradouros, fazendo filhos odiarem os pais, irmãos brigarem... certa vez até conseguiu que uma garota saísse de casa.

Ela era muito boa no que fazia.

Exatamente como Jezebel a havia dito.

Jezebel.

Ela não conseguia tirar da cabeça a imagem da demônia em névoa, nos fundos da quadra do colégio onde acontecia aquele baile, com seus chifres negros e sorriso sarcástico.

Jezebel. Ela lhe dissera que era muito boa para ser tão jovem. E que em breve ela seria elevada de categoria. E então, depois daquela conversa, Gabe a encontrou.

E Sheba perdeu seu fogo interno. Simplesmente se apagou. Quando Gabe a tocou, ela virou uma reles humana.

Jezebel foi traiçoeira. Claro, fazia parte de sua natureza ser assim. Os demônios são maus, eles são traidores em sua própria essência. Trair faz parte do que são, e fazia parte do que Sheba era também.

Jezebel, quando apareceu ali para falar com Sheba, checara o baile, passeando pelas mentes de cada um. Claro que ela viu Gabe, sabia quem ele era, mas não dissera nada a Sheba.

Agora, pensando no baile, ela se lembra bem das palavras dela. Na verdade, quem lançara o assunto fora a própria Sheba.

*** Flashback - Baile: conversa entre Sheba e Jezebel***

"Mas anjos são fracos, Jezebel. Todo mundo sabe disso. Eles são tão cheios de amor que não conseguem se concentrar. Na maior parte do tempo esses cabeças de passarinho se apaixonam por algum humano e trocam suas asas por corpos humanos. Apesar de não entender o porquê de até um anjo idiota querer isso." Sheba demonstrou de cima abaixo sua forma humana. "Eu realmente nunca entendi a razão de termos de usar isso por aí em meio milênio. Eu acho que é só para nos torturar, certo? Os senhores da escuridão devem gostar de nos ver se retorcendo."

"É mais do que isso" respondeu Jezebel. "É para fazer você realmente os odiar. Os humanos, quero dizer."

Sheba olhou para ela. "Por que precisaria de um motivo? Ódio é o que eu faço."

"Acontece, você sabe. Os anjos não são os únicos a desistir de tudo. Há demônios que já trocaram seus chifres por um humano."

"Não!" Os olhos de Sheba se arregalaram e, em seguida, se estreitaram em descrédito. "Você está exagerando. Vez ou outra um demônio se alia a um humano, mas é só para tormentá-lo. Só um pouco que joguinho malicioso."

O rosto de Jezebel se retraiu, movendo sua névoa com um silvo até que se configurassem "oitos", mas ela não rebateu de volta. Isso foi o que fez Sheba perceber que ela falava sério. Sheba engoliu seco. "Uau". Ela não podia imaginar isso. Pegar toda essa deliciosa maldade e jogar fora. Desistir de um par de chifres ganho a muito custo - chifres pelos quais Sheba destruiria tudo para ter agora - e ficar preso num fraco corpo totalmente humano em troca.

Sheba olhou para os brilhantes chifres de ônix de Jezebel e franziu as sobrancelhas. "Eu não entendo como alguém poderia fazer isso."

"Se lembra sobre o que eu disse sobre os anjos? Sobre serem distraídos pelo amor?" Jezebel perguntou. "Bem, ódio pode ser uma distração também."

Então, Jezebel cita o exemplo de uma demônia, Lilith. Por causa dela, Sheba havia sido rebaixada. Todas as vezes que Sheba fazia alguma maldade, Lilith fazia uma bondade para destruir o que Sheba havia feito. Reconciliando casais, amigos, famílias, etc.

"Veja Lilith e suas maliciosas obras de caridade. Talvez isso tenha começado como pegar no pé dos demônios menos graduados, mas quem sabe até onde isso vai chegar? Virtude corrompe."

"Eu não acredito que alguns truques com outros demônios possa deixar você tão idiota quanto um cabeça de passarinho." Sheba murmurou por baixo da respiração forte.

"Sheba, não subestime os anjos" Jezebel criticou. "Não mexa com eles - entendeu? Até mesmo um forte demônio mediano como eu sabe que não deve travar os chifres com os alados. Eles nos evitam, e nós os evitamos. Deixe os Senhores Demoníacos lidarem com os anjos."

"Eu sei disso, Jezebel. Eu não fui desovada nessa década."

*** Fim do Flashback ***

Sheba agora estava certa. Quando Jezebel vislumbrou o baile viu a mente de Gabe e o reconheceu. E depois veio com aquela conversa, querendo ser "útil." Argh. Sheba estava tão preocupada em destruir o baile que não percebeu Gabe. Os olhos extremamente azuis dele deveriam tê-la alertado.

Não, definitivamente Gabe não era um anjo. Mas seu pai sim. E pôde constatá-lo assim que acabou o baile e Gabe levou-a para sua própria casa. Os olhos azuis extremamente profundos e angelicais de Gabe estavam lá, em Mitzrael. Um nome angelical. Claro.

O cabeça de passarinho havia trocado suas asas para ficar ao lado de Grace, a mãe de Gabe. E então, Gabe nasceu. Ele sequer tinha consciência que era meio-anjo. Herdara alguns dons de seu pai. Por isso Sheba não conseguira influenciá-lo, nem a ele nem aos seus amigos mais íntimos, Logan e Libby.

Não havia o que dizer. Jezebel no momento que vira o baile soubera da presença de Gabe e quem ele era. E não o disse a Sheba.

Toda aquela solicitude de Jezebel era falsa, como deveria ter desconfiado. Ela omitira aquela informação para prejudicar Sheba.

Agora, tentava a todo custo voltar à sua condição de demônia. Mas não podia. Não enquanto Gabe estivesse do lado dela. E toda aquela necessidade de proteção e de felicidade que emanava dela, por causa de sua própria natureza demoníaca, impedia Gabe de deixá-la ir.

Então, teria que fazê-lo mandá-la embora.

Para se livrar de Gabe e voltar a ser o que amava ser, Sheba tinha que dar um jeito de Gabe mandá-la para o Inferno.

Bem, no baile, Sheba decidira que não seria tão difícil assim, um garoto mandar uma moça para o Inferno. Ela só tinha que fazer algumas coisas.

Mas estava enganada... não fora tão fácil...


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