"Eu sou tudo o que o seu pai disse, Gabe."

"O quê? Como assim? Olha, você não precisa..."

"Gabe, eu não sou uma humana. Eu não sou como sua mãe, por exemplo. Eu sou um demônio."

"Sheba..."

"Escute. Apenas escute o que tenho pra dizer. Aquela noite no baile, eu estava fazendo de tudo para estragar a festa. Era o meu trabalho. Destruir aquele baile. E eu estava fazendo muito bem. Eu até iria ganhar um par de chifres dentro de pouco tempo!" Ela sorriu com a possibilidade. Era um sonho que tinha, chegar ao nível de Jezebel. Sentiu uma centelha do fogo e percebeu, naquele instante, que Gabe tentou dar um passo em sua direção para socorrê-la, ao mesmo tempo que Mitzrael lutava contra o mesmo instinto.

"Gabe, eu sou um demônio. E um demônio de um nível mais graduado que eu, Jezebel, me armou uma cilada. Ela percebeu que você estava lá e não me contou nada, permitiu que eu fosse até você. E essa foi a minha perdição."

"Como assim? Eu?"

"Você já falou o bastante, demônia!" A voz de Mitzrael era ameaçadora. Sheba voltou-se para ele e encarou-o nos olhos. Ele desviou o rosto.

"Não. Ele merece saber tudo."

"Você não tem o direito de decidir isso!" Gritou a mãe de Gabe.

"Vocês não tinham o direito de decidir sobre mim." Gritou. "Eu não era mais uma demônia ao lado de Gabe, vocês sabiam disso!"

"Quem decide as coisas sobre mim aqui sou eu!" Foi a vez de Gabe gritar. Todos voltamos para ele.

"Filho..."

"Não, pai. Eu quero saber. O que quer que seja a meu respeito eu tenho o direito de saber. Ainda que seja... que seja pela boca dela..."

Gabe disse isso com tal nojo que foi para ela uma bofetada. No mesmo momento sentiu o fogo tentar consumi-la. Estava próximo o momento de voltar pra casa.

Casa.

"Gabe... você já sentiu o desejo quase irracional de proteger alguém? Quase como se você não soubesse nem mesmo porquê, mas que precisava proteger?"

"Eu... bem, sim mas... como você pode saber disso?"

"Isso aconteceu comigo naquela festa não foi?"

Gabe ficou em silêncio. "Foi o mais forte que já senti."

"Isso se deve ao fato de eu ser um demônio. Por isso, sempre que eu me sinto bem, você acha que eu estou precisando de ajuda. Por causa do fogo do inferno que me consome."

"Isso é tão... trash!" Sheba sorriu, mas ele não parecia fazer piada.

"Mas você sabe por que você se sente assim?"

"Cale a boca agora mesmo!" Mitzrael gritou atrás de Sheba.

Sheba apenas virou-se e olhou para Mitzrael, que imediatamente desviou os olhos. "Não tente me enfeitiçar, demônia!"

"Isso acontece com você, Gabe" voltei-me para ele "porque o seu pai é um anjo."

Um silêncio se sucedeu.

"Gabe, eu posso explicar..."

"Como é que é?" Gabe disse, ainda me olhando com aqueles profundos olhos azuis.

"Seus olhos, por exemplo. Você já viu essa cor em outros olhos, que não sejam os seus e os do seu pai?"

Gabe olhou-se no espelho, mas não respondeu.

"Você é um semi-anjo, Gabe."

Ele demorou um tempo pra responder, mas quando o fez, sua voz era amarga.

"Então você está aqui não porque deseja, mas porque está presa a mim?"

"Bem... no início sim, mas..."

"O que você quer para ser livre, Sheba?" Ele virou-se e seus olhos agora adquiriram um tom frio de azul.

"Para que eu seja livre, você tem que me mandar para o inferno."

Ninguém disse nada por alguns longos segundos. Até que o silêncio foi cortado por sua voz estrondosa no quarto.

"Vá para o INFERNO, SHEBA!"

No mesmo instante, línguas de fogo subiram no chão em sua direção, e seu corpo perdeu a forma, apenas uma substância nevoenta, disforme, até desaparecer por completo. Suas roupas ficaram em cinzas no chão.

E um vazio consumiu o ser de Gabe.