O Outro Lado Da Lua escrita por Marie Caroline


Capítulo 37
Em pratos limpos




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No momento que fitei Bernardo uma raiva incomum se apoderou de mim. Por que ele estava gritando com minha mãe e com Felipe?

Caminhei rapidamente até eles. Eles não me viram até que gritei:

-O que você pensa que está fazendo?

Os três me olharam com a mesma expressão de surpresa. Bernardo se adiantou.

-Agatha, eu precisava falar com você.

Encarei-o com a expressão gélida. Felipe respondeu por mim.

-Só que ela não quer falar com você! Você deve ter um probleminha no cérebro pra não entender isso, né irmão?

-Felipe. – disse. – Deixa comigo. – eu queria saber o que ele tinha a dizer.

-Agatha, você não pode estar falando sério! – disse mamãe.

Bernardo simplismente me encarou como se estivesse dizendo: “Vai ouvir a ela ou a mim?”.

-Mãe, me deixa cuidar disso. Ele vai insistir até conseguir falar comigo. – Ela ficou furiosa e Felipe também. – Podem entrar, está tudo bem. E pegue isso. – dei a sacola com os tomates que ela havia me pedido para comprar. Agora eu via que era um pretexto para me tirar de casa. Ela sabia que Bernardo viria. Era ele no telefone.

Eles viram a decisão em meus olhos e entraram, mas Felipe deu um aviso antes.

-É só chamar, e eu quebro a cara dele.

Ri espontaneamente. Felipe se achava muito machão às vezes. Bernardo não demonstrou medo ao ouvir a ameaça, mas olhou fixamente em meu rosto sorrindo ao ver-me rir. Fechei a cara imediatamente.

-Tudo bem, o que você quer? – perguntei assim que meu irmão e mamãe cruzaram a porta.

Ele revirou os olhos para minha hostilidade.

-Te ver. Você sofreu um acidente e nem mesmo me deixa saber como você está. Isso é um pouco rude, não acha?

-Rude? Quem estava gritando com minha família há uns minutos? – cruzei os braços.

Ele deu um sorriso sarcástico.

-Foi preciso. Eles não queriam me deixar entrar. Mas deixa isso para lá, eu quero saber tudo o que aconteceu desde que eu fui embora.

-E o que te dá esse direito? – perguntei séria. – Você foi embora. Se você perdeu tudo o que aconteceu aqui, é problema seu.

-Dá pra sair da defensiva? Está agindo como se eu fosse o vilão da história. Eu já disse que eu não queria ir embora!

-Disse? – perguntei deixando a raiva de lado por um momento. Eu não lembrava disso. Ele me encarou e depois a compreensão surgiu em seu rosto.

-Você não lembra de quando nos encontramos no restaurante?

Balancei a cabeça em negativa.

-Agatha, você ficou com amnésia? – ele perguntou preocupadamente.

-Um pouco. – respondi com relutância. – Eu meio que apaguei os últimos meses.

-Caramba... – ele sussurrou e chegou mais perto de mim. – Eu não fazia ideia de que tinha sido tão grave assim.

O olhar preocupado dele me deixou momentaneamente paralisada. Bernardo era um idiota às vezes, mas eu sabia que aquilo tudo era uma máscara. Que aquele Bernardo que estava à minha frente agora era o seu verdadeiro eu.

-Eu estou bem. De verdade. – afirmei. Não era totalmente mentira. Tirando a sensação de que algo estava faltando em minha vida, eu estava completamente bem. Bernardo olhou em meus olhos e eu senti a necessidade de desviar. – Então, se você diz que não queria ir embora... O que realmente aconteceu?

-Meus pais. – ele disse baixo. – Minha mãe principalmente me obrigou a ir.

-E por que você não disse isso antes? – perguntei com a expressão descrente.

Bernardo hesitou por um bom tempo. Ele sentou-se na calçada e depois continuou.

-Eu não queria te dizer o motivo. Não queria que se magoasse.

-Eu não estou te entendendo.

Ele fez uma careta.

-Ela não achou que nosso namoro seria bem visto pela alta sociedade... – ele riu sem humor algum no rosto. – Eu sei que eu tenho minha parcela de culpa. Mas eu tentei continuar nosso namoro, só que ela me isolou num colégio interno e deu ordens para não me deixar falar com ninguém de fora. Eu roubava uns celulares para falar com você, mas depois de um tempo ficou mais difícil... Até que eu desisti.

Que ótimo. Ele conseguira me deixar sem fala. Suspirei.

-Isso é mesmo verdade?

-Olha pra mim e me diz se eu tenho cara de quem está mentindo.

Seu rosto era sério, mas continha uma ponta de desafio. Bernardo tinha uma personalidade muito forte, mas raramente mentia para mim.

Olhei para baixo sem saber o que dizer. Então aquilo tudo o que eu passei fora em vão? Bernardo não quisera me deixar de verdade e eu sofrera para nada?

Não que eu tivesse muita consciência do que exatamente eu havia passado. Minhas lembranças estavam meio difusas. Eu sabia o que havia acontecido, mas eram memórias sem emoção. Opacas. Era a maldita névoa que cobria tudo. Talvez fosse por isso que estava sendo tão fácil ficar perto de Bernardo, quando na verdade, eu deveria estar me quebrando em pedaços bem aqui na frente dele.

-Sinto muito Agatha. – ele se levantou e se aproximou de mim. – Pelo que você passou. – olhei para ele sem entender. – Ariane me contou que você ficou meio estranha depois... Ela disse que eu não faria nenhum bem para você agora. Isso é verdade?

Encarei-o mordendo o lábio. Sabia que ele não me faria mal. Não havia dor nenhuma. Aliás, eu não sabia o que sentir.

-Bernardo, eu... Eu não acredito que você vá me fazer algum mal.

-Então pode me perdoar? – sua voz era ansiosa.

Ri sem jeito.

-As memórias que eu tenho estão confusas. Quer dizer, elas ficaram meio embaçadas e eu não lembro de toda a... a dor que eu senti. – minha voz falhou. – Não sei te dizer se te perdoo. Por que eu não sei se há algo para perdoar, entende?

Ele me estudou por um momento, pensando. Decidi mudar de assunto.

-Bernardo, você disse que sua mãe não queria você perto de mim. Então o que faz aqui?

Ela fechou a cara.

-Eles não podem mais decidir a minha vida. Eu saí de casa.

Suspirei com impaciência.

-Saiu de casa? Por que você sempre tem que ser impulsivo? Sair de casa não ajuda em nada.

-É claro que ajuda. Eu já sou maior de idade. Posso tomar meu caminho agora. – ele respondeu meio arrogante. – Estou morando com meu tio, até arranjar um emprego e dar fora daqui.

Eu não acreditava no tamanho da besteira que ele estava fazendo.

-Bernardo, isso não faz sentido nenhum. As coisas não são fáceis assim. – argumentei. – Seus pais sabem onde você está?

Ele bufou.

-Sabem. Eles mandaram um empregado me buscar. Eles nem sequer se preocuparam em me buscar pessoalmente. Cansei disso, Agatha. Acredite vai ser melhor ficar longe deles.

Olhei-o solidariamente. Seus pais eram mesmo difíceis.

-Tem certeza que é isso que quer? Afinal, eles são seus pais.

-Tenho. – ele respondeu sério. – Mas chega de falar de mim. Como você está? Está se recuperando?

Dei um meio sorriso.

-Estou sim. Eu até vou voltar para escola na próxima segunda-feira.

Ele pareceu triste.

-Vai?

-Sim, eu tenho que terminar o ano. – respondi sem entender sua expressão. – O que foi?

-É que eu achei que nós poderíamos passar um tempo juntos. – ele murmurou lentamente.

Franzi a testa.

-Bernardo, eu não acho que essa seja uma boa ideia.

-Por quê? Achei que estivesse tudo bem entre nós.

-E está. – disse. – Só que os seus pais não o querem perto de mim e... – Ele me interrompeu.

-Eu não ligo para o que eles pensam. Estou por minha conta agora. – seu rosto era mais uma vez arrogante.

-É, mas eu ligo! – exclamei. – Acha que eu quero que você se afaste dos seus pais? E além do mais, não sei se minha família vai acreditar tão rápido na sua explicação.

-Você acreditou. É só isso que importa. – ele disse densamente. Sua voz tinha uma certeza que me fez recuar ligeiramente para trás. Ele continuou no mesmo tom. – A gente não devia se importar com o que os outros pensam. – ele deu um meio sorriso. – Vamos fazer como antigamente. Você e eu contra o mundo. Nós podíamos fugir para qualquer lugar e deixar para trás toda essa...

Interrompi-o com a voz esganiçada.

-Não, Bernardo! O que você tem na cabeça? Nós não temos mais quatorze anos de idade. A gente não pode simplismente fingir que tudo é tão fácil assim.

-Ah, para com isso! Está agindo como se tivesse trinta anos! O que aconteceu com a Agatha que eu conhecia?

Eu sabia que era uma pergunta retórica, mas por um momento sufoquei internamente por não saber a resposta; eu não sabia o que havia acontecido com quem eu era de verdade. Era tudo muito confuso e borrado.

-Posso te fazer uma pergunta? – ele pediu mais educadamente.

Acenei confirmando.

-Você sente alguma coisa por mim?

Droga. Eu podia lidar com tudo menos isso. Balancei minha cabeça lentamente tentando organizá-la.

-Eu não sei. – sussurrei. – Eu acho que tentei por tanto tempo te esquecer que finalmente consegui sem nem mesmo perceber...

-Não é verdade. – ele disse imediatamente. – Você me ama, eu sei.

Fitei-o completamente incrédula.

-Você não me ouviu? Acabei de dizer o contrário.

Ele deu um meio sorriso.

-Pois eu não acredito. Você é uma péssima mentirosa.

E de repente algo cutucou no fundo da minha memória. Eu sentia como se alguém já tivesse dito isso para mim. Eu quase pude ouvir uma voz diferente da qual eu ouvia agora repetir as mesmas palavras.

-Bernardo, eu acho que é melhor eu entrar.

-Você não pode fugir das perguntas.

Afastei-me um pouco.

-Não estou fugindo. Eu só não acho que essa conversa deva durar mais.

-Por quê?

-Por que um de nós vai sair magoado. – desviei meu olhar para o outro lado da rua. – E eu não quero isso.

Ele me fitou parecendo tentar achar palavras para dizer. Ele não achou. Apenas continuou me fitando até me fazer ficar constrangida.

-Tchau, Bernardo.

Ele continuou calado enquanto eu dava as costas. Dei meia volta antes de chegar ao portão.

-Você devia voltar para casa. – eu disse. Ele me olhou com um sorriso irônico.

-Parece até que você gosta da ideia deles me proibirem de te ver.

-Não seja idiota. – repliquei. – Eu me preocupo com você.

-Mas não se preocupa em quebrar meu coração. – ele desdenhou.

Revirei os olhos.

-Só tente não fazer nada estúpido, ok?

-Não posso prometer nada. – ele disse carrancudo, mas logo depois sorriu.

Sorri também antes de entrar em casa.


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Notas finais do capítulo

Heeey, e aí vamos fazer um desafio?
Se alguém acertar a minha idade, posto cinco capítulos hoje!
Vamos ver quem vai acertar kkkk



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