O Outro Lado Da Lua escrita por Marie Caroline


Capítulo 35
Amnésia


Notas iniciais do capítulo

Ok pessoas, este é o último de hoje. Afinal, eu preciso escrever mais né :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/295164/chapter/35

Eu estava deitada. Disso eu tinha certeza. Mas era tão difícil ter certeza em uma inquietante situação como essa... Eu também não tinha muita noção das coisas. Não havia lembranças, não havia reconhecimento de quem eu era. Uma mente vazia.

O que eu sentia agora não era muito confortável. Havia um peso esmagador em cima de mim e eu não conseguia me mover. Até respirar era difícil. Eu sabia que perderia o controle se continuasse pensando em meu desconforto, então comecei a tentar prestar atenção ao que acontecia a minha volta.

Eu ouvia vozes, e de início pensei que fosse um sonho ou até pesadelo dependendo da perspectiva – penso que ninguém gostaria de ficar completamente inerte, mas sentindo e ouvindo tudo à volta. O que estava me causando ansiedade era não distinguir a consciência da inconsciência. Tudo era muito irreal. Eu poderia estar sonhando e acordar de repente... Ou não.

E isso me apavorava.

Imagens opacas sondavam minha mente agora. Se fossem reais ou imaginárias, eu não sabia dizer. Mas eram muito fortes. Algumas de felicidade outras de uma profunda tristeza. Descobri que apesar da inércia eu podia sentir emoções.

Alguns rostos eu tinha certeza de que não eram reais. Afinal, como poderia os conhecer? Eles eram impossíveis e mesmo aqui, num estado de semi-existência, eu sabia que aqueles rostos não faziam parte de minha vida. A dúvida era: o que era real e o que não era? Minha mãe, meu pai, meu irmão e minha melhor amiga eram pessoas que eu sabia que faziam parte de minha vida. Isso ainda era correto. Mas e os outros? O que eles faziam ali na minha memória como se fosse parte de todo o resto?

Um rosto em particular era perturbadoramente presente em meus pensamentos. Um rosto que apenas existia em minha imaginação. Ele era lindo, mas também improvável... Eu experimentava uma saudade imensa quando esse rosto aparecia e eu não entendia como podia sentir falta de algo que nunca existiu. Ele nunca existira, não é?

Mais do que rostos apareciam. Havia sempre um tom de verde e marrom em meus pensamentos. Árvores, terra, e uma vez ou outra, areia de praia...

O tempo não parecia passar e depois do que poderiam ter sido horas ou dias, eu me vi desesperada para sair daquele transe.

Comecei a perceber que eu estava mais atenta do que acontecia à minha volta. Havia uma voz sempre ali pertinho de mim. Apesar de não entender as palavras, eu reconhecia o tom. Era reconfortante. Antes, eu apenas sentia uma força me esmagando. Agora, eu podia distinguir partes de meu corpo. Eu tinha a curiosa sensação de que se eu quisesse, poderia mexer minhas mãos.

Sabe como quando você está morrendo de sono e apaga em qualquer lugar e depois que acorda não faz ideia do que estava fazendo nem onde estava? Pois é. Era mais ou menos assim que eu me sentia. Mas eu ainda não conseguia abrir meus olhos.

Depois de algum tempo, alguém sussurrou meu nome e foi o que bastou; como uma palavra mágica “Agatha...” e eu abri os olhos para a realidade. Meus olhos estavam embaçados, eu não distinguia mais do que sombras difusas.

Um turbilhão de sensações me ocorreu. A primeira foi confusão; Onde eu estava? O que havia acontecido? Depois a dor; cada parte de meu corpo parecia ter sido socado a punhos de ferro. Será que eu sofrera algum acidente?

E por último: a leve compreensão de quem estava à minha frente. Minha mãe me olhava do alto, completamente surpresa. Ser capaz de reconhecê-la me surpreendeu. Eu duvidava que pudesse reconhecer alguém ou alguma coisa, tanta era a minha confusão interior.

-Agatha, você está bem? – ela perguntou ansiosamente.

Como não consegui achar a minha voz, tentei me levantar. De imediato fiquei tonta, minha mãe me olhava angustiada e a porta do quarto escuro se abriu com violência.

Assustada, olhei para a origem do barulho e arfei. Havia um garoto alto e bonito me encarando. Experimentei uma curiosa sensação; por um momento achei que o rosto tão presente em minha mente antes, viera para me ver. Mas não era ele.

O garoto me analisou por alguns segundos... Aqueles olhos azuis eram conhecidos. Levei um bom tempo, mas finalmente lembrei quem era. Eu o reconheci. Era Bernardo. O que ele fazia ali? Por que eu estava nesse lugar? A última coisa que me lembrava era de estar numa floresta...

-Saia daqui! Como se atreve? – o peito de minha mãe inflou de raiva. A agitação só me fez ficar mais nervosa. O que estava acontecendo? Comecei a soluçar.

-Mãe... – eu só queria que Bernardo saísse dali, queria que me explicassem o que estava acontecendo...

-Meu amor, calma. Está tudo bem. – ela afagou minha testa.

Bernardo se aproximou para o meu terror.

-Agatha... Como você está?

Não respondi.

-Saia daqui. Agora. – disse minha mãe. Sua voz era de gelo.

Ele não se moveu.

-Eu vou chamar os seguranças. – ela ameaçou.

Ele pareceu pensar duas vezes, me fitou e aí sussurrou:

-Eu senti sua falta. – e saiu do quarto.

Comecei a chorar sem nem saber direito o porquê.

-Calma Agatha. – disse minha mãe. – Está tudo bem. Eu vou chamar o médico, ok?

-Não... Mãe, você tem que me dizer o que está acontecendo...

-Shh. – ela me abraçou. – Eu preciso chamar o médico antes, você precisa de cuidados...

 E então ela saiu apressada do quarto.

Tentei me acalmar, mas foi difícil com todos aqueles fios que estavam presos aos meus braços. Uma máquina ao meu lado soava um bipe sinistro. Era o som da morte se aproximando...

A expressão no rosto de minha mãe me intrigara. Era como se ela tivesse passado por muita coisa. Seu rosto estava envelhecido e sua expressão só me fazia imaginar – completamente apavorada. – o que poderia ter acontecido. Estremeci. Agora que os soluços haviam passado, eu pude ter a chance de sentir frio. Não qualquer frio, eu estava congelando. Peguei a coberta no pé da cama e me enrolei. Ainda estava frio... Eu tentava, tentava muito conseguir lembrar do que havia acontecido. Mas minha mente se recusava a sair da névoa. Era como tentar enxergar em plena escuridão.

Logo minha mãe voltara com um homem de meia idade que devia ser o médico. Ele pareceu realmente intrigado ao ver-me acordada. Seus olhos se estreitaram um pouco, então se aproximou.

-Então Dr. Paulo – começou minha mãe. Agora ela estava sorridente, em contraste com a incredulidade do médico. – Eu estava falando com ela, e de repente Agatha simplismente abriu os olhos...

-Como você se sente? – ele perguntou ao checar a máquina do bipe.

Levei um tempo há mais para responder do que o necessário. Eu não tinha certeza do que sentia.

-Eu... Eu acho que estou bem...

Ele sorriu bondosamente.

-É normal ficar confusa. Você passou por um trauma muito grande. – ele se dirigiu a minha mãe. – Vou levá-la para fazer uma bateria de exames. Vou preparar a sala do raio X. – ele saiu da sala.

Encolhi-me. Exames. Eu odiava hospitais. Minha disposição devia estar presente em minha expressão, já que minha mãe se aproximou de mim e me abraçou.

-Querida, isso vai ser preciso. Eu vou ficar com você o tempo todo, está bem?

-Mãe, o que eu estou fazendo aqui? Eu não consigo lembrar... – Por que ela não explicava de uma vez? Ela hesitou.

-Querida qual é a última coisa de que se lembra?

Meus olhos se perderam no vazio por um momento. Tentei forçar a memória, mas nada saiu de meu esforço. Era frustrante não saber o que você tinha feito. O ar começou a me faltar quando cheguei à conclusão de que talvez não conseguisse nunca lembrar.

-Se acalma. – ela pediu e segurou minha mão. – É normal não lembrar, o Dr. Paulo nos disse que isso talvez fosse acontecer. Eu vou te ajudar, tá?

Então ela me contou que na minha última semana antes do acidente eu estava na escola. Que antes das aulas começarem eu não queria ir, mas quando Ariane anunciou que ia para lá também, eu me animara.

-Eu estava na escola? Eu não lembro...

-Sim. E você se lembra do passeio na trilha? – ela perguntou lentamente como se esperasse que eu não entendesse os significados das palavras. Fechei a cara. Eu estava com amnésia, não era lerda.

Forcei ainda mais a memória. Trilha? Então era por isso que havia tantos tons de verde em minha mente. Comecei a sentir uma pressão no lado esquerdo da minha cabeça. Uma careta de dor apareceu em minhas feições.

-Agatha. – chamou minha mãe. – Não force muito, você está muito sensível agora.

-Tudo bem... Então o que aconteceu? – perguntei esfregando a testa com os dedos, esperando a dor passar.

Ela suspirou. A lembrança devia ser dolorosa para ela.

-Tem certeza de que não quer deixar isso para mais tarde? Você recém acordou...

-Não mãe. Você não faz ideia de como é não se lembrar! – disse exasperada. - O que aconteceu comigo?

-Tudo bem. – ela se rendeu. – Você e seu irmão foram fazer uma trilha com seu pai. Seu pai disse que quando vocês pararam para comer, você quis dar uma volta... – tentei me lembrar disso. Não consegui. – Fábio estranhou que você estava demorando e... Eles a acharam num buraco no meio do bosque. Ninguém entendeu o que você foi fazer lá. – sua voz ficou dolorosa. – Você estava desacordada, sua cabeça sangrava muito e...

-Eu entrei em coma. – sussurrei. Então era isso. – Quanto tempo?

-Quase três semanas.

Prendi a respiração. Eu ficara todo esse tempo desacordada? Senti uma sensação estranha. De vazio. Mamãe ficou quieta, apenas afagando meu braço. Tentei absorver tudo, e tentei lembrar... Por que eu havia saído sozinha no meio do bosque? Voltei um pouco mais nos acontecimentos. O que eu havia feito no dia anterior? Era frustrante tentar lembrar e não conseguir.

Antes de conseguir lembrar o médico chegou e disse que eu deveria ir para a sala do raio X. Ele me trouxe uma cadeira de rodas dizendo que eu não deveria andar, apenas por precaução. Neguei veementemente, mas ninguém me deu ouvidos. Passar pelos corredores como uma doente não era nada agradável.

Chegamos à sala. Eu odiava ficar naquelas máquinas, então ignorei tudo à minha volta inclusive os barulhos estranhos do raio X. Aos pouco eu consegui analisar os fatos com clareza. Eu sofrera um acidente e agora devia me recuperar. Era isso. Os vários aspectos da minha vida começavam a preencher as lacunas do vazio das últimas semanas em coma. Pensar em minha família, amigos e minha casa ajudava. Comecei a me sentir mais confortável ao sentir que estava voltando a mim mesma.

Depois de toda a chatice dos exames, voltei ao quarto. Minha mãe ligara para meu pai e ele viera aqui. Ficamos os três conversando por um bom tempo. Eles me contaram o que eu havia perdido e, feliz, constatei que meu estado havia aproximado meus pais. Felipe iria vir amanhã. Eles disseram que ele estava morrendo de saudade de mim. Era estranho porque para mim não havia passado muito tempo.

Eu queria ver Ane também. Mamãe disse que ela ficava aqui sempre que podia, eu queria agradecer. Ane era uma amiga em um milhão.

Era quase onze horas da noite quando mamãe me obrigara a dormir. Eu tampouco queria dormir. Na verdade estava com medo de dormir e não acordar mais. Quando revelei meu medo, ela ficou comigo e cantou uma canção de ninar. Eu ainda congelava de frio e tive que pedir outra coberta. Eles acharam que eu estava com febre, já que nem mesmo estava frio.

-Mãe, – perguntei quando a falta de sono me fez pensar numa das primeiras coisas que vi assim que acordei. – O que o Bernardo fazia aqui?

Senti seu corpo enrijecer.

-Aquele garoto... Ele queria lhe ver. Acredita que ele teve a cara de pau de pedir a Ariane que falasse comigo e com seu pai para poder deixá-lo vir aqui?

Preparei-me para a dor que vinha sempre que pensava em Bernardo. Não veio. Que estranho. Esse era o motivo pelo qual eu não pensava nele... Agora me parecia um fato secundário que ele quisesse me ver.

-Você está bem? – mamãe estranhou meu silêncio.

-Estou. – respondi com sinceridade.

Ela analisou minha expressão. Deve ter acreditado já que eu não sabia mentir. Principalmente mentir sobre Bernardo.

O cansaço finalmente me tomou uma hora e meia depois.

Eu andava por um bosque muito fechado e escuro. Algo chamava minha atenção atrás do arbusto próximo. Um brilho piscava, me chamava. Fui até ele, mas à medida que continuava caminhando, o caminho pareceu mais longo. Eu nunca chegava até o brilho. Um longo túnel de árvores se estendeu diante de mim e quando finalmente alcancei o final, já não era o brilho que estava lá; era um penhasco muito alto. Olhei para baixo e um oceano azul se estendia. Senti um impulso de me jogar, algo me dizia que eu devia me jogar. Olhei para trás hesitando. O medo me tomando.

E então lá estava ele. Um garoto moreno e forte me olhava com uma estranha expressão.

-O que você está fazendo aqui? – perguntei.

Ele não respondeu. Seu corpo começou a tremer e ele explodiu num lobo. Não senti medo, apenas fitei-o curiosamente. O lobo castanho avermelhado bufou e saiu correndo. Senti um estranho impulso de sair correndo com ele. Mas quando tentei o fazer, Bernardo segurou meu braço implorando para eu ficar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Outro Lado Da Lua" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.