Cinzas do Crepúsculo escrita por Lady Slytherin


Capítulo 58
A janela


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Conforme prometido, aqui está o segundo capítulo dessa semana. É algo mencionado no capítulo, mas gostaria de ressaltar que três anos se passaram desde o último capítulo.

Obrigada pelos reviews, e até semana que vem!



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CAPÍTULO 58

THE WINDOW

Quase amanhecia na casa de campo dos Greengrass. Pequena, mas com traços elegantes, a casa parecia deslocada entre a quantidade de capim que crescia ao redor das árvores quebradas e entre flores. Ao longe, se prestasse atenção, um observador conseguiria ouvir o barulho do mar batendo contra as rochas ladeira abaixo, um mar de azul acinzentado belíssimo pelos padrões europeus.

Deslocada, sim. Abandonada, definitivamente não. O endereço corria entre amigos, pois era ali que o refugiado Potter havia escolhido como esconderijo. Prestes a completar dezoito anos, o moreno encarava o teto do quarto, contando os segundos, esperando por algo...

E lá estava o algo. Baixo, inicialmente, o choro de um bebê aumentou de volume até se certificar que todos na casa estivessem acordados, e Daphne, que sempre tivera sono pesado, começou a se movimentar, cobrindo a cabeça com o lençol em uma tentativa falha de abafar o som do bebê. Ao seu lado, Harry começou a rir baixinho.

“Consigo te ouvir, animal. O que é tão engraçado?” Daphne quase rosnava as palavras, pois sabia muito bem o motivo do divertimento do marido.

“É a sua vez” anunciou Harry, rindo mais alto depois de que confirmou o estado alerta da loira. “Eu vou poder voltar a dormir.”

A mulher grunhiu, sem indicar que iria se levantar. “Hmmm... O que acha que Arcturus quer? Ele não pode estar com fome outra vez.”

“Aquele é Regulus” o moreno lhe corrigiu, pensando nos meninos. Haviam completado um ano em maio, dois bebezinhos prematuros, loiros e com a mesma face, mas olhos diferentes: Regulus, de olhos azuis, cinco minutos mais velho que Arcturus, loiro de olhos verdes. “A voz dele é um tom mais grossa.”

Não eram univitelinos, mas os gêmeos compartilhavam tudo salvo a aparência. Foram concebidos no mês em que Daphne completara dezessete anos, para evitar quaisquer problemas com o Ministério. De todas as razões que tinham para evitar as forças policiais, Harry não queria constar em sua ficha criminal “pai” antes mesmo de se tornar um adulto legal.

Pensando na pergunta de Daphne, Harry finalmente lhe respondeu: “São meus garotos. Devem amar seus seios tanto quanto eu.”

“Sacana! Não é a toa que conseguimos gêmeos, e mais essa daqui.” Finalmente, a loira se levantou, revelando uma barriga de cinco meses de gravidez. Pouco tempo atrás ficaram sabendo que seria a primeira menina da família, gerando o início de uma discussão calorosa sobre nomes. Os dois sabiam que entrariam em um acordo eventualmente, mas aquele era o tipo de discussão do qual ninguém se cansava. “Seja um bom marido e me ajude, ok? Segure Arcturus enquanto Regulus mama.”

Juntos, caminharam pelos corredores iluminados até o quarto das crianças. Era pintado em azul, verde e cinza claro, criando um aspecto infantil, mas neutro no ambiente. Os dois berços encantados balançavam magicamente, tentando apaziguar o choro daqueles que lá dormiam.

“Papai está aqui!” brincou Harry com uma voz cansada, acendendo uma luz fraca para iluminar o quarto sem despertar ainda mais os gêmeos. “Hey, campeão. Vai querer mamar depois?” Fez uma careta, deleitando-se quando o pequeno Arcturus gargalhou. “Eu te entendo. Quando crescer você vai conseguir uma mulher com peitos iguais aos da sua mãe.”

“Harry!” Daphne sibilou, corando levemente. O afastamento do resto do mundo, desde que descobrira sobre os meninos, transformara Harry para o melhor. O cabelo crescera até os ombros, o peso dos longos fios melhorando o aspecto bagunçado, e a magreza extrema havia se convertido para um peso saudável.

“Eles veem os seus o tempo todo” retrucou Harry. “E não é como se entendessem o que estamos dizendo, certo Arcturus?”

O loirinho estendeu o braço rechonchudo na direção do pai, curioso, e Daphne riu quando respondeu: “É claro. Venha, você. É a sua vez.”

_

A definição do casamento entre Harry e Daphne não era simplesmente amor – sim, eles se amavam, mas foi um sentimento adquirido e não espontâneo, um sentimento resultado de anos juntos e com o conhecimento de que, um dia, além de compartilharem os dormitórios de Slytherin, compartilhariam também uma cama e todas as responsabilidades que vinham com o casamento. O mais importante, porém, era a relação de mútuo respeito.

Explicando a razão de Daphne estar furiosa quando acordou pouco depois do sol nascer com o som de móveis quebrados no andar debaixo. Ela bufou, virando a cabeça para olhar Harry, e bufou novamente quando percebeu que ele não estava lá.

“Tonks...” grunhiu, levantando-se e tateando o quarto quase às cegas à procura do robe noturno. Antes de descer as escadas, teve que fazer uma parada rápida no quarto dos meninos, certificando-se de que ambos dormiam. A menininha dentro de si era uma dor incômoda; Daphne nunca havia planejado uma terceira gravidez. O acordo quando se casara com Harry fora o de que teriam dois herdeiros.

Harry estava esparramado confortavelmente no sofá batendo papo com a metamorfomaga quando a loira entrou na sala, furiosa. “Daphne! Adivinha quem nos honrou com uma visita surpresa? Tonks estava me falando como os aurores começaram a pedir demissão...”

“Fale com a patroa, Harry” Tonks lhe interrompeu, os cabelos perdendo o pigmento até ficarem brancos em uma representação exagerada de choque. “Ela está brava.”

O rapaz assentiu. “Pode vigiar os meninos para mim?” Não esperou por uma resposta; seguiu Daphne até a cozinha, local não oficial de discussão entre os dois. Geralmente suas discussões eram sobre coisas pequenas, mas não daquela vez. Tonks estar ali tocava em uma ferida profunda de ambos.

“Por que ela está aqui?”

“Ela é uma amiga. Você sabe que ela e Lupin estão saindo desde...”

“Não, Harry. Eu estou falando sério. O que ela está fazendo aqui?”

Harry suspirou, sentando-se em uma das cadeiras próximas do balcão. Ele tinha uma suspeita de como aquilo iria acabar. “Os meninos estão crescidos, Daphne. Temos que aproveitar a janela de oportunidade antes que a bebê nasça, ou teremos que esperar por outro ano.”

Os olhos de Daphne encheram-se de lágrimas. Malditos hormônios, pensou, enxugando-os com raiva. “Não há pressa. Nem há motivo para que você volte a mostrar a cara para o mundo. Fique aqui até Regulus e Arcturus terem idade suficiente para irem a Hogwarts, procuraremos um advogado... Na pior das hipóteses, você poderá sair daqui com um glamour sempre que precisar.”

“A guerra não vai acabar até um dos lados se render” lhe explicou Harry. Já haviam tido aquela conversa antes, e ele sabia como as opiniões dele divergiam das de Daphne. “Isso não é uma bandeira branca. Isso é apenas um recuo que precisa ser seguido de um contra ataque.”

“Você não tem as pessoas” a loira insistiu. “Deve ter algumas centenas espalhadas pela Europa. Dumbledore tem a Inglaterra inteira. Ele tem um castelo, possui soldados capazes, contatos no Ministério, feitiços legais, a arma da persuasão... Entenda isso, Harry: Você não vai ganhar essa guerra!”

Ele fechou as mãos em punhos com força em uma tentativa de reprimir a raiva. “Eu sou essa guerra, Daphne. Se eu ganhar ou se eu perder, não importa, mas isso precisa acabar.”

“Eu quero Tonks fora dessa casa. Tentei ser compreensiva com você, mas não há como! Tudo o que pensa é na guerra e em como você quer conquistar o mundo! Queira ou não, você está enlouquecendo. Está se tornando como Voldemort, e você sabe muito bem como ele acabou.”

A comparação foi o suficiente para a realização se abater em Harry. Voldemort... Ele começara como um homem com cobiça, e perdeu o nível até ser considerado o mais cruel do mundo, torturando e matando quem entrasse em seu caminho. O que Harry havia feito desde criança? Para o que havia treinado? Crescera torcendo por um mundo novo, sem se dar conta de que o que queria já havia sido conquistado antes e perdido o seu lugar.

A verdade é que Harry estava cansado: Cansado de perder os esforços, os amigos, tudo por causa de uma guerra criada por ele mesmo.

“Tudo bem. Vou falar com Tonks e avisar que ela não é mais bem vinda aqui. Volto daqui a pouco.” Levantando-se, ele se inclinou para beijar Daphne, mas a loira baixou a cabeça de modo que seus lábios tocassem a sua testa. Harry tocou a barriga de grávida de Daphne, sentindo o bebê chutar. “Eu sinto muito.”

A caminhada até o quarto dos garotos foi tensa para ele, mas a visão de Tonks fazendo com que eles rissem era uma de paz. Regulus flutuava a poucos centímetros do chão, enquanto Arcturus brincava sentado no colo da metamorfomaga tentando apanhar o seu nariz de porco.

“E aí, Harry?”

“Vamos dar uma volta.” Seu tom sério fez com que ela parasse com os afazeres imediatamente. Regulus ameaçou chorar em seu berço, parando ao ver que o pai não lhe dava atenção.

Harry e Tonks caminharam pelos jardins da casa lentamente, sabendo que quando finalmente parassem, teriam que conversar sobre o futuro. A amizade entre os dois crescera depois que Lupin começou a leva-la em todos os encontros que tinham, após ela jurar segredo. O humor da metamorfomaga trazia o melhor de Harry das profundezas de sua alma.

“Daphne não vai mudar de ideia. Ela não quer que realizemos o ataque, e acho que devemos respeitar isso.” Ele foi direto ao ponto, desejando arrancar o mal pela raiz. O olhar enfurecido no rosto de Tonks fez com que sirenes começassem a tocar em sua cabeça.

“Cara, você sabe que eu sou feminista e tudo, mas não pode deixar que ela tome o controle da sua vida. Você viu o que fiz com Remus, não viu? Ele se tornou o meu cachorrinho. Como sua amiga, te recomendo não se deixar domar.”

Harry lhe deu um sorriso melancólico. “Ela sempre me apoiou, mas agora os garotos são o centro da nossa vida. Colocá-los em risco enquanto não são grandes o suficiente para se virarem é um perigo imenso.”

“Então é isso? Vai simplesmente desistir? Harry, você sabe o quanto eu quero mandar a minha tia Bella tomar no cu?”

“Consigo imaginar. Quando você fala dela a sua expressão é pior do que a de quando te chamo de Nymphadora.” As sirenes ficaram mais altas, fazendo Harry questionar se aquilo realmente estava em sua cabeça. Ele congelou, tentando ouvir melhor: “Está ouvindo isso?”

Um grito soou de dentro de casa.

Harry disparou a correr, ouvindo Tonks atrás dele lhe perguntando o que estava errado e se desviou quando o primeiro feixe de luz veio em sua direção. Logo, porém, eram demais para que ele dependesse apenas de seus reflexos, forçando-o a se pressionar contra a parede que dava para a sala, tateando os bolsos a procura da varinha.

“Quantos?” sussurrou para Tonks, até perceber que ela estava paralisada. “Tonks, entendo que esse é o primeiro duelo até a morte que você participa, mas se você quiser tentar não morrer, reagir seria uma boa.”

“São dois” ela sussurrou de volta, tremendo, os cabelos ainda brancos como a neve. “Um deles é a minha tia Bella. Reconheço a risada dela de longe. Acho que devemos apelar para uma tática mais...”

Tarde demais.

Harry já corria na direção dos vultos, se utilizando dos vasos para criar distrações sonoras e aproveitando o corpo esguio para lhe auxiliar na velocidade. Nunca em sua vida havia sentido tamanha necessidade de reagir a um ataque, pois sempre soubera que sabia se defender. Ali, ele tinha certeza que conseguiria se defender dos dois atacantes, principalmente com a side kick Tonks, que acabara de engajar em um duelo com a tia atrás dele.

Ele não era o problema, afinal fora Harry quem ensinou parte do que os comensais sabia, mas Daphne... Ela era boa, mas não boa o suficiente. Sempre teve um porte físico mediano, que se agravou em sobrepeso durante a primeira gravidez e que continuava a piorar com a segunda. Às vezes, Daphne reclamava das escadas e não saía do segundo andar da casa o dia todo. O braço e dedos estavam inchados, de modo que Harry se perguntava como ela iria segurar uma varinha.

“Expelliarmus!” gritou, mas o alvo se moveu antes de ser atingido pelo feitiço. Não era ruivo, pelo menos, o que apaziguou a raiva de Harry. Logo depois foi atingido, e quando caiu, o rapaz pôde ver seu rosto: Com menos de vinte anos, era um completo desconhecido que poderia estar em Hogwarts.

A risada de Bellatrix atraiu a sua atenção logo depois: De alguma forma, o duelo dela e de Tonks havia se movido para outro cômodo, abaixo de um dos quartos. Enquanto a voz de Bellatrix falhava ao notar que começava a perder a batalha, Tonks reagia com força, os cabelos agora vermelhos como fogo, empurrando a tia contra uma parede enquanto disparava feitiço atrás de feitiço.

“Quem te mandou aqui?” ela berrou. “Voldemort? Dumbledore?”

Um feitiço ferroada atingiu a tia na canela, e quando levantou o olhar, viu-se fitando Harry. “Eu vou te matar!” ela rosnou, voltando a dar a sua risada insana. O rapaz não entendeu o que ela quis dizer ao levantar a varinha para cima e berrar “Bombarda!” antes de pular para o lado, fugindo dos escombros que caíam ao seu redor para ser prontamente encurralada por Tonks, que envolveu as mãos no pescoço de Bellatrix.

“Você merece isso, merece morrer como uma trouxa” ela arfou, apertando mais. “A menos que me diga quem te mandou aqui.”

“Tente acertar” Bellatrix debochou, começando a ficar roxa. “Ele sabe rastrear muito, muito bem. Consegue acertar? Acerte...”

“O alvo” percebeu Tonks, pulando para trás ao perceber que Bellatrix já estava morta. Lembrando-se do que havia dito antes, se colocou a gritar: “Foda-se, tia! Vai tomar no cu no junto a Morgana!”

Os lábios azuis de Bellatrix, seus olhos sem vida encarando o teto, sua sempre presente palidez tão acentuada... E Harry se deu conta de que nunca mais precisaria ouvir aquela risada monstruosa novamente.

“Harry! Dumbledore...”

Mas algo acabara de se conectar dentro de Harry. O grito anterior, desesperado, não possuía mais traços, e naquela confusão toda, não se escutava o choro de bebês desesperados pelo conforto dos pais.

Dumbledore podia esperar. Daphne, no entanto... O moreno levantou o olhar para o buraco que Bellatrix havia aberto no teto, mapeando a casa mentalmente: Escadas, quartos à direita. Não.

Não.

“Daphne!” ele berrou, tropeçando até os escombros e levitando pedaço atrás de pedaço. Sua respiração estava presa na garganta; Harry sentia que iria desmaiar. Quando decidiu que o feitiço não era rápido o suficiente, retirou os pedaços menores com os braços, tentando abrir caminho suficiente e rezando a Merlin ou a qualquer divindade existente que não permitisse a Daphne estar ali.

Ele levou uma mão à testa, o suor escorrendo. Tal suor, também, tinha uma consistência diferente, e ao checar sua mão Harry percebeu que havia sem querer encostado em uma viga com sangue. “TONKS!” A metamorfomaga se uniu a ele, cavando, branca como um fantasma, até engolir de volta a bile.

Daphne estava em posição fetal, protegendo a barriga de cinco meses de gravidez de qualquer perigo que estivesse ao seu redor. Próxima dos restos da cama de casal, seus músculos faciais já haviam relaxado àquela hora. Uma das pedras com que a casa foi construída havia lhe atingido na cabeça, mas com os olhos fechados, a loira poderia se passar por alguém que dormia se não fosse pelo fio de sangue que já secava em sua testa.

A mão de Harry tremia quando inutilmente checou o pulso da esposa, não encontrando um, e os primeiros soluços já abalavam o seu corpo quando tocou a barriga de Daphne, pensando na menininha da família que nasceria ainda naquele ano, um fio de esperança surgindo quando ele esperou pelo bebê se movimentar dentro do útero da mãe.

“Chute” murmurou Harry, pressionando com mais força. “Por favor. Chute, faça qualquer coisa...”

Sempre que tentavam imaginar como seria o rosto da garota, ele pensava em uma miniatura de Daphne, um bebê que o encarasse à espera de um desafio, os fios de cabelo claro caindo na testa apenas para uma mãozinha ridiculamente pequena retirar os fios dos olhos, gargalhando com as brincadeiras do pai.

Algumas horas atrás, ele conseguia imaginar tudo isso.

Agora, não havia nenhum bebê.

Com um grito, Harry arrancou os cabelos, tirando do dedo todos os anéis que provavam a sua descendência e tacando-os na parede. Ao ouvirem a voz do pai, Regulus e Arcturus finalmente deram sinais de vida do outro lado do segundo andar com berros estridentes e desesperados.

“Hey, garoto. Você gastou tempo demais penteando esse cabelo para arrancá-lo todo.”

Harry levantou o olhar, alerta ao ouvir uma voz que, fazia um tempo, só ouvia em seus sonhos. “Regulus?”

Seu mentor deu de ombros para ele, a figura tão conhecida quase transparente, o contorno de suas roupas apenas visível o suficiente para que Harry tivesse certeza do que estava vendo. Atrás dele, Tonks abriu a boca em um perfeito O.

“Cara... Faz o quê, três anos?” Regulus contou nos dedos. “Bem, a nossa noção de tempo é diferente por aqui. Que bom que você achou o anel! Pode pensar sobre ele depois, o meu tempo aqui não é ilimitado. Escuta, garoto, não vai adiantar nada você se desmanchar em lágrimas. Seu progenitor já não foi gentil com os genes, quando você chora então... Eu realmente não sabia que você deveria ter morrido quando, bom, eu morri. Que bom que o colar estava lá.”

Ele apontou para o colar no pescoço de Daphne, o mesmo que Harry havia dado para ela durante o baile de inverno do quarto ano. Mesmo depois de todos aqueles anos, foram raras as ocasiões em que Daphne o retirou do pescoço.

“Foi uma bela horcrux.”

“Foi” seu mentor concordou, flutuando até o corpo de Daphne e examinando-o com mais cuidado. “É uma pena que tenha perdido o valor quando eu morri. Agora só vale alguns milhares de galeões.”

Ao ouvir a risada de Regulus, Harry se viu incapaz de não rir junto a ele.

“Daphne está... Para onde você foi, afinal?”

“Sempre ansioso. Te falei que não precisava bater em Nicholas todas aquelas vezes, que era só esperar pelo grand finale! E você me ouviu? Rá! Nunca. O pobre menino deve precisar usar fraldas agora. Daphne está bem, a morte dela foi rápida. Uma batida no crânio, que fraturou, atingiu o cérebro e pronto, ela não sentiu mais nada. Não se preocupe com isso, ela morreu lutando.”

Harry mordeu o lábio. “Nós brigamos antes dela morrer.”

“E acredite em mim, como ela ficou orgulhosa em saber que você a obedeceu até ela partir!” Regulus latiu uma risada, um sorriso brincalhão aparecendo em seu rosto. “Sabia que as pessoas chegam nuas do outro lado? Você conseguiu um belo pedaço de carne, meu amigo.” Ele suspirou, adquirindo uma expressão séria.

“Sério agora. Acredito que você já tenha decidido o que fazer, então tudo o que posso fazer é te dar conselhos. Você não tem números e sabe disso, então precisa atacar direto na fonte. Procure os Potters, acerte as contas com eles e vá para Dumbledore. Quando Dumbledore cair, ouça-me, garoto, porque não vou repetir: Saia da porra do castelo, a guerra está ganha.”

Ele assentiu, sentindo a garganta apertar ao perceber que eles caminhavam para uma despedida. Quando falou, sua voz estava fraca: “Como consegui fazer isso?”

“Um dos anéis. Voldeco não teria usado um anel qualquer para criar uma horcrux. E escute, sei que você está chateado que seja eu e não Daphne quem veio aqui, mas não é fácil ir e voltar em poucos minutos.”

Harry foi até o anel e observou, impassível, Regulus desaparecer novamente, perguntando-se com quantas mortes poderia lidar antes de enlouquecer.

_

Era temporada de caça aos corvos em Hogwarts, por isso Harry, Lupin e Tonks decidiram que o modo mais fácil de entrar no castelo seria despercebido. Isso não significou, porém, que o garoto ficou satisfeito em saber que seria colocado dentro de uma bolsa expandida interiormente carregada por Tonks.

“Uma batalha em que você não vai estar como lobo” brincou Harry, dirigindo-se a Lupin. “Conseguiu contatar Fenrir?”

Ele trouxe a capa para mais perto de si, tremendo. Aquele era um recorde de dementadores fora de Azkaban, todos com o foco em Hogwarts para garantir que Nicholas – que estava prestes a se formar no sétimo ano com honras – ficasse seguro até passar no concurso do Ministério da Magia.

“Os lobisomens estão em Hogsmeade, no porão da Casa dos Gritos. Assim que possível, irão cercar o castelo. Tome cuidado, Harry. Não aja sob impulso, ou você pode colocar tudo a perder.”

Assentindo, Harry assumiu sua forma de animago, entrando com dificuldades na minúscula bolsa de Tonks e pousando no fundo dela à espera de ser chamado. Seu corvo batia contra as paredes de couro toda vez que a metamorfomaga tropeçava, e ele já estava a ponto de seriamente considerar bicar o seu caminho para fora da tortura escura quando Tonks parou abruptamente, abrindo a bolsa.

“Voa, voa passarinho” ela brincou. “Antes que alguém me pergunte a razão de eu ter um corvo na bolsa.”

E Harry voou, suas penas se misturando com a escuridão noturna. Hogwarts era imensa, mas tendo vivido lá por cinco anos escolares, ele sabia o caminho que deveria percorrer até o dormitório masculino. No sétimo ano, como era de costume nos melhores colégios internos, os estudantes ganhavam quartos privativos, e foi apenas no quinto em que Harry viu coisas tão absurdamente caras que gritavam que aquele era o quarto do irmão.

Torcendo para que aquilo desse certo, ele pousou no batente da janela e firmou as garras contra as pedras, transformando-se de volta. Ele adorava a mágica que fazia com que ele tivesse as roupas quando assumisse a forma humana – não queria que o confronto tão esperado com o irmão acontecesse enquanto estivesse nu. Precisou de equilíbrio para abrir a janela sem ser ouvido, agradecendo a Merlin por Nicholas não estar lá.

A madeira rangeu quando Harry pisou nela, mas os próximos passos até o canto mais escuro do quarto foram silenciosos.

Quando Nicholas entrou, por volta das dez da noite, foi Harry quem o viu primeiro, e verdade seja dita, se não fosse pelo cabelo, ele não teria reconhecido o irmão. Os quilinhos a mais que sempre fizeram parte da figura do menino que sobreviveu não estavam mais lá, tendo dado lugar ao porte atlético que se esperava de um salvador do mundo mágico.

Nicholas havia deixado os seus cabelos crescerem, como Harry, portanto estavam mais sob controle, e os olhos castanho esverdeados herdados do pai eram um belo contraste com a pele bronzeada.

“Faz um tempo.”

O ruivo voltou-se para onde Harry estava escondido, e sem mais razões para ficar ali, ele se levantou, sentando-se tranquilamente na cama do irmão.

“Harry.”

“Nick. Como estão Lily e James?”

“Melhores sem você.”

Ao primeiro movimento de Harry em direção a sua varinha, Nicholas sacou a sua própria mais rápido do que ele mesmo imaginava ser possível, fazendo com que cordas grossas saltassem de debaixo da cama, prendendo Harry com força.

“Boa” concedeu Harry. Ele havia subestimado o irmão. “Você mudou.”

Nicholas deu de ombros, chegando mais perto com cautela. “Depois de repetidos tapas na cara, precisei treinar com seriedade. A queda de Voldemort acordou algo dentro de mim.”

“Há uma fila para ser o próximo supremo maioral” Harry brincou, a respiração saindo de seu corpo quando Nicholas apertou as cordas. Em choque, seus olhares se encontraram, castanhos em verdes, suas faces idênticas... “Estou orgulhoso de você, irmãozinho.”

“Você tem tanta sorte dessas cordas não serem correntes, ou eu iria aquecê-las com certeza.” Como demonstração, Nicholas colocou fogo próximo da mão de Harry o suficiente para que sentisse o calor das chamas, mas sem que o fizesse gritar. “Você disse que mudei. A verdade é que você me mudou.”

Sem se preocupar com o olhar assassino de Nicholas, Harry riu. “Culpado.”

“Como consegue?” suspirou Nicholas, apertando a varinha com força suficiente para que os nós de seus dedos ficassem brancos. “Você sabe que posso te matar nesse exato instante, e faz piadas. Ri de mim. Como consegue se achar o superior, depois de tudo?”

“É você quem determina a sua própria superioridade” Seu irmão lhe explicou, como se falasse com um velho amigo. Não olhava para Nicholas, porém; tinha os olhos fixos no teto enquanto tentava encontrar um jeito de soltar as mãos. “Cresci aprendendo que ninguém nunca seria melhor do que você, e me esforcei para provar o contrário. Parece que consegui. Querendo ou não, eu sou melhor. Melhor que você, melhor do que qualquer bruxo dessa geração.”

Incapaz de se conter, o ruivo riu, cutucando o irmão com a varinha nos locais onde os hematomas do duelo anterior estavam visíveis. Quando Harry não se retraiu, utilizou mais força, até que o moreno cerrou os dentes. “E ainda assim, você foi capturado. Por mim, não menos.”

“Não te ocorre que eu te deixei me capturar?”

O aberto súbito das cordas contra o corpo de Harry era um não claro o suficiente, e o rapaz se perguntou vagamente se foi assim que Daphne se sentiu em seus instantes finais.

“Por todos esses anos, pensei em um grand finale para você. O que seria melhor do que tudo que já fiz para a sua família? Deixei que crescessem em fama e glória, apenas para provar repetidas vezes que tal glória não é merecida. O ouro dos Potters é legitimamente meu, apesar de eu não me importar com isso, já que consegui metade da fortuna no quarto ano e sei que as ações caíram desde então. Tenho herdeiros para assumir o meu lugar quando eu estiver morto.”

“E?”

“E... Eu estou cansado, sem inspiração. Gastei as minhas ideias com você. Ganhei de você em uma luta trouxa, abri os olhos de Lily para o perigo que a cercava, Pettigrew mostrou que você não está seguro nem mesmo em si mesmo, e você perdeu tio Sirius juntamente com a o braço que usava a varinha. Quer mais humilhação do que isso? Eu forcei o meu próprio pai a fazer o que eu queria que ele fizesse. Você está arruinado, Nicholas. Pouco a pouco, eu tive a minha vingança se concretizando, e não pude aproveitar.”

“Pare com isso!” berrou Nicholas, descendo a mão esquerda com força no estômago de Harry, tirando todo o ar de seu corpo. Em seguida, derrubou a varinha, agarrando o travesseiro e pressionando-o com força contra a face de Harry.

Era isso, então? O grand finale que tanto esperava, contra ele mesmo? Sufocado como um trouxa no lugar mais mágico que existia, sem que ninguém soubesse de sua morte a menos que Nicholas aumentasse a popularidade ao falar de como ele derrotou não um, mas dois lordes das trevas?

Não.

Harry sabia que ele não era um Lorde das Trevas, e nunca em sua vida havia servido Voldemort completamente. Parte dele sempre havia se salvado, nunca se convertendo ao lado negro. O rebuliço dentro de si finalmente fazia sentido, quando percebeu que, afinal, o lado que ele escolhera estava correto: Harry era e sempre fora um soldado das cinzas, ressurgindo em situações inusitadas utilizando os seus diversos tons para atingir os seus objetivos.

Satisfeito, suspirou o resto de ar que tinha nos pulmões, sentindo o frio tomar conta de si.

O aperto de Nicholas diminuiu, e seus passos indicaram que ele se afastava: “Ex-Expec...”

Harry abriu os olhos, engolindo uma lufada de ar, e conseguiu identificar entre os pontos pretos de sua visão os dementadores que entravam pela janela, querendo saber que alma estava saindo daquele plano.

“Se um aluno morrer nas terras de Dumbledore, então Dumbledore irá saber disso.”

Nicholas correu para a porta, apenas para encontrar o irmão bloqueando-a. Depois dos três dementadores terem entrado, o patrono negro de Harry, seu corvo, passou pela janela, fazendo o som característico de sua espécie e voando ao redor do bruxo que o havia chamado.

“Não há nada material que eu possa fazer com você, Nicholas” Harry voltou a falar, agora com mais confiança. “Mas que tal algo simbólico? Há algo mais simbólico do que um beijo?”

Àquele ponto, o ruivo era uma bagunça que tremia no chão, as mãos nos ouvidos, tentando impedir as lembranças de tudo o que Nemesis, Harry havia feito de aparecerem. Um dos dementadores flutuou para perto, assumindo feições femininas ao que suas garras levantaram o queixo de Nicholas, aproximando sua boca...

O fluxo de energia que correu de Nicholas para o dementador foi rápido, como um beijo de uma via em que logo se percebia que não adiantava nada se não intensificar-se até que o ar nos pulmões do beijador acabasse.

Tão rápido como começou, terminou, e o corpo de Nicholas tombou para o lado, encarando o teto do mesmo modo que o corpo de Bellatrix havia encarado mais cedo, porém uma centelha de vida ainda brilhava nos olhos do ruivo. De vida, e não de sanidade. A respiração dele era lenta, seus movimentos quase imperceptíveis.

“Nicholas?”

Não houve resposta, e Harry correu para a janela, lançando-se no ar, no instante em que os alarmes que indicavam a situação crítica de Nicholas começaram a apitar. Como um corvo, voando na direção da Floresta Proibida, Harry teve a vaga impressão de ouvir um grito feminino desesperadamente cortar o ar na forma de um lamento pela ausência eterna do filho querido.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham percebido a necessidade da morte de Daphne. Sem ela, não haveria guerra. Peço mil perdões, mas não faria de outro jeito.

E então, o que acharam do capítulo? Não acredito que tenha sido o meu melhor, mas não sei como melhorá-lo e conforme prometido, dois capítulos por semana. Por favor dediquem um minuto do tempo de vocês para que eu saiba sua opinião.

Beijos,
Lady Slytherin!