O Que É Amar? escrita por Hikari


Capítulo 6
Corujinha em perigo.


Notas iniciais do capítulo

Ooi, gente. Desculpa a demora, semana corrida!! Para compensar o atraso, fiz um capítulo maior para vocês. Novamente, queria agradecer a todos por estarem acompanhando, amei muito todos os comentários, obrigada por ter passado!! ^^ E eu sei que já disse, mas queria repetir que estou muito feliz e grata pela recomendação, LittleDreamer! (: Espero que gostem desse capítulo e não me matem pelo que fiz...



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Após ter tomado três copos de milk-shake, um sorvete de baunilha, uma lata de refrigerante, um pacote de doces, e depois ter almoçado um lanche maior do que ela poderia supostamente aguentar e um copo de 500ml de refrigerante ajuntando com batatas fritas gigantes, Silena começou a dar pulinhos na frente dos pais, com a bexiga cheia. Afinal, todo aquele alimento tinha que sair em algum momento, não é?

Minutos atrás, eles estavam rodeando pelo gramado daquele mesmo parque, onde ela decidira voltar. Depois de terem passado pela sorveteria, os três tinham ido ao zoológico que havia por perto, Silena tinha quase caído no tanque dos golfinhos, mas Percy conseguiu segurá-la segundos antes; depois ela fizera os três irem ao cinema e almoçarem no McDonald’s para logo depois fazer Percy dirigir até um clube de natação e obriga-lo a competir a nado enquanto ela e Annie torciam no canto, ambas se divertiram ao ver o rapaz no meio da grande piscina, enquanto ele fazia palhaçadas para diverti-las. Estavam exaustos ao chegarem onde tudo tinha começado. A pequena sentia-se estranhamente atraída ao local, como se seu centro a estivesse ligando ali. Talvez seja porque fora onde ela aterrissara quando chegou ao passado, e onde ela sentia-se mais perto de seu pai – aquele no qual ela deixara no futuro. Onde ela poderia sentir sua presença fortemente. Não podia mentir e dizer que não sentia sua falta, algo que ela, sim, sentia. E muita. A culpa a consumia quando se lembrava de como partira, sem ao menos se despedir ou explicar que ficaria fora por alguns dias; mas, naquele tempo, mal ela sabia o que aconteceria. Ela mesma mal conseguia acreditar no que havia ocorrido.

Apesar de seu pai estar ao seu lado, não era a mesma coisa. O seu pai que estava a observando era a versão mais nova do que ela conhecia por toda a sua curta vida, apenas o reflexo de tudo pelo qual ele poderia ser e iria tornar-se. Ele não sabia quem ela realmente era e não poderia chama-la dos apelidos que normalmente a chamariam com o afeto de sempre ao saber que ela é a sua preciosa e amada filha que em breve viria... Viria levando outro alguém especial embora. Ela balançou a cabeça para espantar pensamentos que envolviam sua mãe naquele estado. Antes de ela começar a pular loucamente, Annie segurava uma das mãos enquanto Percy agarrava a outra e eles a levantavam do chão, deixando-a pairar por alguns segundos no ar, abaixando-a novamente para não machuca-la. Como uma gangorra. 

Quando ela soltou-se dos dois e postou-se a frente pulando rapidamente, ambos ficaram a analisando; a espera do que a garota, dessa vez, iria requisitar.

-Preciso ir ao banheiro... Banheiro! –pedia ela, impaciente. Estava com o estômago retraído, apertando os braços sobre a barriga, pressionando-os para tentar conter a vontade estupenda de soltar tudo o que segurava bem naquele instante, no mesmo lugar no qual estava parada, com um ataque de histeria pela compulsão imediata da necessidade de correr para um vaso.

Annabeth havia se impressionado com o apetite da garota. A pequena mal havia chegado à sorveteria que já começara a rondar todo o local a procura de algo doce para se alimentar, Percy estava quase falido por tudo que a garota ingerira. Enquanto ela pedia um sorvete de cinco bolas com sabor de morango, creme, chocolate, avelã e doce de leite, deixando toda a vasilha com uma mistura de cada cor, diversificada, a de Percy era apenas uma bola do primeiro – e mesmo que sempre pegava – sabor presente com a coloração azul. Por que Annie não se surpreendia?

-Calma, calma, princesa. –Percy riu da garota que fechou a cara para o pai quando o mesmo passou a mão pela cabeça dela, tentando a deixar parada. –Não fique tão desesperada, corujinha.

-Eu... não... consigo... parar... de me mover! –Silena pronunciou cada palavra ao mesmo tempo em que pulava freneticamente, alternando o peso entre a perna direita e a perna esquerda, cada letra acompanhada por uma arfada, ofegante.

Annie sorriu para ela, apertando a mão de Percy que estava entrelaçada com a dela, o polegar do rapaz afagando seu pulso com carinho.

-Está bem, querida, eu levo você, sim? –ofereceu, sorrindo afetuosamente. Silena sentiu seu rosto esquentar-se pelo medo de causar trabalho para a mãe.

-Nã-não precisa... –tentou gaguejar, mas Annabeth a interrompeu antes que terminasse a frase.

-Não se preocupe, eu vou leva-la. –sorrindo, ela estende a mão para Silena poder pegá-la. A garota hesita por um segundo, intercalando o olhar entre a mão agitando-se a sua frente e os banheiros por perto, logo se decide e agarra a mão da mãe, correndo para o banheiro, puxando-a junto.

-Vou esperar aqui! –Percy diz para as duas, fazendo a loira rir e girar a cabeça para olhá-lo, ele estava de braços cruzados com uma feição de rejeitado no rosto, como se ambas o houvessem esquecido.

-Querida, espera um instante. –Annie soltou a mão de Silena, que parou no mesmo lugar, substituindo sua corrida por diversos pulinhos, parecendo estar tentando alcançar a lua.

Annabeth corre para onde Percy está com a testa franzida e os lábios repuxados para o lado, representando o próprio ser carente no qual tenta compor.

-Não faça essa cara, Cabeça de Alga. –ela desfere um soco no peito do moreno que cambaleia para trás, surpreso, levantando as sobrancelhas enquanto encara jocosamente Annie, a mesma levando um sorriso pelo canto da boca, esboçando um traço de riso. –Muito menos essa. Voltaremos rápido, fique aqui.

Quando Percy estava abrindo a boca para protestar, Annie inclina-se para frente e o beija a fim de cala-lo. O que é exatamente o que Percy faz.

-Olá?! Alerta para todos os casais compostos por uma garota loira e um garoto moreno que estão na minha frente?! Por acaso vocês não perceberam que tem uma criança de seis anos de idade a centímetros de vocês, olhando? E... Meu estômago vai explodir! –Silena grunhe com a voz manhosa. Contrai-se até cair ao chão, rolando de um lado para outro.

Annabeth afasta-se de Percy, rindo abertamente. O rapaz ajeita uma de suas madeixas atrás de sua orelha, com delicadeza, enquanto a outra o empurra carinhosamente. A expressão de Percy perceptivelmente foi alterada, para uma calma e serena.

-Vou esperar, minha sabidinha. –piscou para Annie antes de ela se dirigir a Silena, que estava se levantando com uma careta adornando suas delicadas feições. Annabeth virou-se para Percy com um sorriso tranquilizador, ela sabia que ele sempre se preocupava em deixa-la sozinha. Como se ela não fosse capaz de se proteger. Afinal, não era ela quem o salvava nas horas vagas, na maior parte do tempo? Ela achava aquilo irônico, mas de qualquer jeito, aquele era o seu Cabeça de Alga, não é?

Percy continuou parado vendo as duas movimentarem-se para longe dele. Estranhamente, um pensamento melancólico e nostálgico o incrustara. Fechando a cara, franzindo o cenho sem desviar os olhos das suas duas garotas, ele levou a mão para perto de si, até o peito, na altura do coração. Por que aquele sentimento o dominara tão repentinamente?

Ergueu a cabeça e analisou o céu quando as duas corujinhas loiras, a pequena e a maior, desapareceram de sua vista, o extenso céu estava limpo, embora ainda levemente carregado. As nuvens moviam-se com rapidez, fazendo-o pensar sobre o que poderia estar acontecendo.

-Finalmente, mamãe! –Silena deixou escapar ao mesmo tempo em que se lançava em Annie, segurando a sua mão com uma força incrível, levando-a até a porta do banheiro, onde empurrou as superfícies de madeira com grosseria, disparando para a primeira cabine livre, desgarrando de Annabeth a qual estava atordoada pelo que acabara de ouvir; imóvel no mesmo lugar que a pequena a tinha deixado.

Por acaso ela tinha escutado certo? Ou estava se confundindo? Teria, por alguma coincidência, outra criança falado para outra pessoa, e não Silena a ela? Mas Annabeth escutara sua voz... não podia ser... Vários pensamentos aterravam sua cabeça, amontoando-se e deixando-a sem compreender a resposta correta. Silena a havia chamado de mamãe? Será que a garota a considerava como uma?

Balançando a cabeça, Annabeth cria outra teoria, dessa vez a mais palpável que poderia encontrar naquele instante. Estava pensando em muitas coisas ultimamente, tentando descobrir os pais da criança, conhece-la melhor, saber onde morava; e acabara escutando algo que desejava em seu coração. Embora nunca ter se deixado realmente pensar nisso.

A loira gira nos calcanhares, ficando em frente ao espelho o qual se encontra acima das cinco pias ali organizadas com intervalos regulares. Sobre o corpo, ela vestia uma camiseta larga e listrada de mangas compridas junto com um jeans despojado; a camiseta a fazia parecer mais velha, deixando-a levemente confusa. Annie franze o cenho e se aproxima, examinando-se melhor. Ela quase não se reconhecia como sendo aquela garota de cinco anos atrás, quando tinha doze anos e havia conhecido Percy pela primeira vez. Os cabelos caíam nos ombros, ondulados e brilhantes, os olhos cinzentos eram sábios e perspicazes, e as feições estavam bem traçadas, parecendo linhas perceptíveis de conhecimento, como se houvesse mais experiências do que alguém de sua idade pudesse ter. O que realmente era uma verdade.

Ela virou a cabeça, observando se Silena ainda estava trancada na cabine. E estava. Ela suspirou, abaixando o olhar até ver direito sua mais nova camiseta. Levou os braços para mais perto do corpo e esticou a barra da camiseta com a ponta dos dedos. Meneou a cabeça, com um sorriso, ao lembrar-se como ganhou aquela nova peça de roupa.

Flashback on.

Silena pulava na cadeira onde estava sentada. Ou pelo menos, onde deveria estar sentada. Ela estava tão agitada que ao menos ficava parada no mesmo lugar.

Percy estava rindo com a energia que a pequena transmitia e Annabeth estava boquiaberta com a quantidade de informações que estava recebendo da garota. A sua frente Silena media as palavras, analisando cada uma delas antes de solta-las, para não cometer nenhum deslize. Ela contava algumas de suas inimagináveis histórias que passava com o pai, porém distorcendo alguns fatos. Sabia que não devia se precipitar e – apesar de não gostar de comentar – ela mudava alguns trechos para algo que realmente queria que tivesse acontecido. Sem relutar. Como situações embaraçosas no qual fazia o próprio pai passar, sendo que na realidade fora ela a “vítima”.

Certo momento, ela estava contando sobre o dia em que havia sido obrigada a apresentar sua professora da primeira série a Apolo no mesmo dia em que sua tia Thalia fora visita-la. Quando a caçadora tinha ido busca-la na escola e dera de cara com o irmão de Ártemis dando em cima da professora da pequena, – que olhava assombrada para os dois a sua frente – Thalia quase havia acertado o deus com um de seus raios, o tempo havia se fechado abruptamente e a professora teve que ir para o psicólogo por um ano pelo que tinha acontecido em seguida. Thalia havia dito que Ártemis a fizera ficar de olho no irmão, já como o mesmo estava infestando o acampamento com seus filhos. Silena havia adaptado a história cuidadosamente ao recontar aos seus pais do passado, tendo sempre de se lembrar de que tudo aquilo ainda não havia acontecido.

Ao mesmo tempo enquanto tagarelava sem parar, ela também havia subitamente parado quando os pais decidiram falar. Prestava tanta atenção que mesmo se um hipopótamo com nariz de rena de Papai Noel tocando saxofone e montado em uma lambreta passasse por ali ela nunca iria perceber. Apesar de sempre imaginar como uma cena daquela seria a seus olhos, na vida real.

Assim que se levantaram para partir, Silena esquecera-se do sorvete em sua mão e o virara, deixando o sorvete soltar-se do copo, caindo em direção a Annabeth, manchando assim sua camiseta clara. Silena pulara, em histeria, gesticulando exageradamente com as mãos, enquanto Annabeth tentava acalma-la. Porém, antes que a loira a pudesse impedir ela correu para o balcão chamando desesperadamente a balconista. A moça, que estava dentro do depósito da loja, saíra enlouquecida pensando que havia acontecido algo grave (como um incêndio), a pequena, no entanto, fitou-a com os grandes olhos verdes marejados fixamente no rosto da outra e apontara aos pais.

Ao ver que a moça não entendera, Silena puxara sem braço com firmeza, explicando a ela sobre a camiseta da mãe. Annabeth estava – àquela altura – com o rosto esquentado, totalmente enrubescido pela vergonha. Tudo o que queria naquele momento era voltar aos seus projetos de arquitetura do Olimpo como se nada houvesse acontecido.

-Ela não pode sair assim, moça! –insistira Silena, levantando os braços e deixando com que a casquinha em sua mão escapasse de seus dedos, rumando à mulher que em um segundo ficara com o topo de sua cabeça cheio de sorvete de nozes escorrendo pelos cabelos. Silena garantia que naquela hora podia ver chamas saindo de seus olhos.

Percy, percebendo o perigo, arrastara as duas para fora da sorveteria, atraindo olhares de todos os clientes. No final, os três acabaram correndo dez quarteirões inteiros, curvando-se ofegantes sobre seus corpos. O casal rindo da garota que tinha no rosto uma expressão desnorteada, certamente sem entender o porquê a mulher ter feito tanto escândalo.

Annie tentava limpar sua camiseta enquanto caminhavam de volta para poder chegar ao carro de Percy e antes que pudesse perceber, Percy estava cutucando-a, acenando com a cabeça onde Silena estava levando-os: a uma mulher grávida, com já um filho no berço e um homem com barba a fazer segurando uma bolsa duas vezes maior do que normalmente deveria de estampa de girafa.

-Com licença. –Silena disse, ao chegar perto da grávida. A mulher tinha os cabelos escuros e curtos, indo até a altura dos ombros, e suas feições eram dóceis, suaves. Ao ouvir a pequena falar, a moça a encarou, abrindo um sorriso.

-Olá, criança. –ela agachou-se lentamente, tomando os devidos cuidados. O homem ao seu lado segurava o berço com o bebê, assim como a ‘mala’; ele migrou os olhos para Percy e Annabeth que estavam com as mãos dadas observando a pequena garota, e depois se voltou a Silena, franzindo a testa.

-Hm, sabe... –começou hesitante, balançando as mãozinhas atrás do corpo. Depois se inclinando, juntou as mãos em forma de concha na frente da boca enquanto cochichava algo para a mulher, que havia alargado ainda mais o sorriso, olhando Annie.

-O que você acha que ela está falando? –Percy sussurrou para Annie, a qual apenas balançou a cabeça não tendo a menor ideia do que poderia ser.

Minutos depois, ela havia recebido uma camiseta nova, desta vez da própria mulher que sorrira para ela e a parabenizara. Depois, ela se foi, os dois acenando para a pequena Silena que os agradecia infindavelmente.

-O que você disse, princesa? –Percy perguntou, quando Annabeth voltou com a roupa já trocada.

-Eu falei que Annie era minha irmã e estava grávida, ela tinha ficado enjoada enquanto caminhávamos e manchou a camiseta. Aquela mulher pareceu se convencer com que eu disse e doou a camiseta para ela não se sentir pior. Era por isso que carregava uma reserva na mochila, ela disse sobre isso ser algo normal de acontecer. –respondeu calmamente a garota, dando de ombros. Annabeth ao escutar levantou as sobrancelhas, considerando o que Silena havia dito. Percy dera um breve sorriso, olhando de esguelha para sua sabidinha.

[...]

Flashback off.

Annabeth escutou o barulho ruidoso da porta rangendo ao ser aberta e viu Silena saindo dali com o rosto notavelmente aliviado. A loira sorriu e relaxou os braços ao vê-la se aproximar das pias, inclinando-se e ficando na ponta dos pés para tentar alcançar a torneira, mesmo assim sem conseguir.

Ela suspirou, olhando para cima esperançosa, seu rosto – apesar da careta amargurada – estava súplice. Annie segurou a risada, curvou-se e a levantou, ajudando-a a poder atingir a torneira e lavar as mãos.

Um novo rangido ecoou pelo banheiro estreito durante o momento que Silena apoiava os pés no chão e secava as palmas em sua calça. As duas levantaram o olhar no mesmo segundo, como se houvessem combinado secretamente. Uma senhora idosa atravessou a distância até as duas, para limpar as mãos. Ela virou a cabeça e observou a garota e Annabeth como se tivesse as inspecionando.

Silena recuou devagar até onde a mãe estava, agarrou sua mão e ficou ao seu lado, chamando-a para sair. A pequena, mesmo tendo apenas seis anos, já desconfiava de todas as pessoas a sua volta. Afinal, depois de quase ser morta por um senhor, internado no hospital, não era de se esperar confiar em todas as pessoas que se passava por perto, não é? (Naquele dia mal conseguiu ver os irmãos Stoll na enfermaria, algo que a deixara mal, fazendo-a acabar concordando em levar os seus laptops para que eles pudessem vender as bugigangas roubadas do hospital. E um pacote de balas de hortelã).

Annie sorri hospitaleira para a senhora e já vai saindo quando ela abre a boca e diz:

-Você tem uma bela filha, querida. Muito parecida com você! Eu me lembro de quando a minha querida Madie era desse tamanho... –Annabeth espanta-se com o que ela fala, virando a cabeça tão rapidamente para encará-la que escuta um estralo vindo de seu pescoço. –Bom, ela já está adulta agora e me deu netinhos maravilhosos.

-Ãhnm, ela não... –Annabeth perde a fala. Por que aquela amável senhora havia pensado algo assim? Será que era por causa de sua aparência mais velha e de a Silena ter – peculiarmente – os mesmos traços dela? Até ela se assustara com a semelhança que tinha com a pequena princesa ao seu lado, mas imaginá-la como filha? Bom, depois de Silena a ter chamado de ‘mamãe’ e de sua estranha sensação de conhecê-la e querer abraça-la e cuidar dela de uma forma tão materna... Ela não conseguia mais confiar em seus próprios instintos dos quais diziam exatamente o que ela sabia ser impossível. Porém, ela pensara que se qualquer um visse a menina iria pensar daquela forma, então no momento ignorara aquilo. E agora, todos os pensamentos voltaram com mais afinco para deixá-la confusa novamente.

 Silena se remexe ao seu lado, apertando com mais força a barra da nova camiseta da mãe, amassando-a entre as mãos. A garota, ao ter corrido para dentro da cabine, havia sentido uma culpa a invadir, fazendo suas entranhas se revirar. Depois de tanto se esforçar, ela não fora forte o bastante. E agora o disfarce que mantinha tremulava a sua frente como um fino véu frágil prestes a desabar, deixando-a a mostra e correndo perigo com os deuses. A cabeça da menina começara a zumbir e soube imediatamente que tinha cometido um enorme e grave erro. E que os deuses não deixariam isso passar. O ar em sua volta estava cheio de estática e Silena se desesperara pelo sentimento de estar sendo vigiada. Um tremor sacudiu o chão e a fez segurar-se na porta. Soube que não iria sair dessa intacta. Porém, ao contrário do que ela pensara, nada ocorrera e o chão voltou a se firmar. Depois de ter espiado pela abertura da porta a sua mãe, percebera que ela não tinha notado a breve oscilação no solo e voltara-se para dentro da cabine com um alívio.

E agora, ao ouvir o que a senhora dissera, ela se preocupara ainda mais. A vertigem voltara com a clara lembrança da voz de Apolo: “... tente não se destacar, tem que passar de despercebida, está ouvindo?” Podia perceber sua mãe fervilhando de duvidas, com ideias brotando e borbulhando em sua mente, praticamente respingando na pequena. Ao Annabeth girar a cabeça para encará-la, nota o olhar esbugalhado da garota, assustada e receosa. Com cuidado, Annie limpa a garganta e troca as palavras que diria. Tudo o que ela queria, naquele momento, era sair dali.

-Obrigada. –agradece e vira-se, pegando Silena no colo, levando-a para fora do banheiro onde a senhora ainda observava as duas, com um sorriso transparecendo a sua saudade.

Quando já se encontravam fora do lugar sufocante, Silena está agarrada ao pescoço de Annie, recusando-se a soltar-se dela enquanto a loira tentava olhar para seu rosto, sem sucesso. O que Silena poderia dizer depois daquele imprevisto? Não queria mentir para a mãe, porém também não podia dizer a verdade.

-Obrigada por me acompanhar, ma... Annie. –Silena sussurra, quase deslizando outra vez. Em sua cabeça, uma imagem com uma placa escrita ‘PERIGO’ pisca alertando-a a ser mais cuidadosa.

Annabeth olha para os lados e encontra Percy no mesmo lugar, com as mãos enfiadas no bolso, observando tudo o que estava por perto. Sua expressão era alarmada, o que fez Annabeth apertar o passo. Ela podia sentir algo pesando no ar em sua volta, comprimindo seus pulmões. Monstros? Nesse tempo? Por que iriam aparecer bem agora? Ela entendia muito bem Percy para saber que ele devia estar com Contracorrente pronta em seus dedos.

Enquanto seguia a passos firmes em direção ao rapaz, ela tentou extrair respostas de Silena.

-Você acredita no que aquela senhora disse? Eu me sinto privilegiada por terem dito que você é minha filha. –Annie sorri, sincera. Estranhamente aquilo mexera com ela, deixando-a de alguma forma orgulhosa. Silena ri nervosamente perto de seu ouvido, e antes que possa perceber já está perguntando: - Você me vê como uma mãe?

Silena fica quieta. Se ela respondesse sim... Estaria ela dando a verdade indiretamente? Será que seria cortada em pedaços se dissesse o que estava pensando? Não poderia, ou podia? Hesitando, acabou tentando desviar o assunto:

-Você tá com fome? Eu estou faminta.

Annabeth suspira, sentindo uma pontada no estômago. Ela sempre sonhara como seria seu futuro caso conseguisse chegar viva até lá. Será que seria uma boa mãe quando – e se – tivesse algum filho? Sua família seria feliz ou conturbada, considerando todos os problemas que se tinham sendo uma semideusa?

Mas ela não podia forçar a garota a responder sua pergunta. Apesar de querer muito saber sua resposta.

-Anjinha, você acabou de comer! –Annie para e cutuca brincalhona a barriga da garota, que se contorce, rindo harmoniosamente. –Será que tem alguma lombriguinha aqui na sua barriga, huh?

Percy se aproxima das duas, curioso para traspassar logo a distância que restava. Compreendendo o que Annabeth fazia com a pequena, ele se aproxima por trás da garota e começa a fazer cócegas em suas costas. Silena explode em gargalhadas, jogando a cabeça para trás com um sorriso enorme no rosto. Annabeth e Percy se entreolham e começam a rir com ela.

-O que as minhas duas corujinhas estão fazendo aqui?! –ele começa a fazer cócegas no pescoço da filha desconhecida, o que a faz rir ainda mais. Ela levanta os braços e aperta o nariz de Percy, que finge estar sem ar. Annie abre um sorriso aberto com dois.

A senhora que há poucos minutos estava no banheiro com Annabeth e Silena sai pela porta, observando-os. Ela segue até um canto escuro, a expressão suave e mansa. Um sorriso doce e gentil se forma em seus lábios, enquanto os olhos brilham com a singela cena a sua frente. Sua aparência vai desbotando-se até estar se transformando aos poucos, com labaredas fulgurantes rodopiando a sua volta. Surgindo no lugar da senhora idosa e frágil estava uma garotinha de oito anos de idade, trajando um simples e longo vestido marrom, com os cabelos castanhos claros caindo sobre as costas e os olhos flamejantes de chamas de um vermelho incandescente. O sorriso se estende caloroso e acolhedor ao ver a família a sua frente.

-Desejo o melhor a você, Silena Chase Jackson. –Héstia diz, proferindo sua benção e desaparecendo.

A garota, nos braços da mãe, estava tentando escapar das interruptas cócegas que os pais a davam, Percy havia finalmente cedido a Silena e dera uma trégua para ela estabilizar a respiração ofegante, de tanto dar risada. O estômago já estava contraído e doendo, e logo ela conseguiu se sentir segura quando o pai envolveu tanto ela quanto Annabeth em um abraço, todos juntos. Silena sentia-se como se finalmente estivessem em uma família unida, como se nada pudesse impedir para que algo assim acontecesse alguns anos mais tarde.

Seus olhos estavam fechados para poder aproveitar o momento único, mas quando ela os abriu, a pequena enxergou algo brilhar no canto escuro perto de onde haviam saído. Forçando a vista, percebeu uma chama bruxulear e uma sensação aconchegante e acolhedora invadiu seu peito, subindo até se sentir totalmente coberta pelas brasas quentes e reconfortantes.

Aquilo, apesar de deixá-la atordoada, aqueceu-a. Aqueceu seu coração até estar em um clima familiar que sempre quisera.

E isso era tudo o que ela sempre sonhara.

Tempo atual. - Acampamento meio-sangue.

Percy não aparecera para dar aula no próximo dia. Nem estava no pavilhão na hora do almoço ou da janta. Poucos o viram andando pelo acampamento, e Quíron estava mais agitado do que o costume.

Ninguém sabia o que acontecia, porém, ninguém muito menos conseguia descobrir. Muitos filhos de Hermes tentaram desvendar o que se passava, em vão. Como eles poderiam descobrir se nem Percy ou Quíron sabia direito?

Apesar de todos continuarem com suas atividades cotidianas um clima tenso pairava sobre eles. Um clima angustiado e melancólico que parecia os afligir cada vez para mais perto de um abismo obscurecido no fundo do corredor estreito pelo que passavam. O tempo estava alterado fora do acampamento, mas não era por causa dos deuses. Na verdade, eles pareciam quietos até demais para todos. Sem nenhum conflito aparente.

Silena não estava em lugar algum, assim como notara alguns de seus amigos. Percy tentava a encontrar, mas nada. Passara a noite em claro, sem nenhum avanço. Ele caminhava pela praia, tentando pensar no que podia fazer. Blackjack sobrevoara todo o acampamento e não a tinha encontrado em nenhum lugar. Em nenhum canto. Percy tentara pedir ajuda aos amigos, porém muitos estavam em missão e os poucos que estavam disponíveis não haviam achado resultado na busca. Nem mesmo Grover conseguira achar algum vestígio da pequena. Era como se ela tivesse literalmente sumido do mapa.

Percy não parava de refletir sobre o que poderia ter acontecido. Ele queria que a sua sabidinha estivesse ali, não só para poder sentir sua presença e confortá-lo, mas também porque ela saberia o que fazer; ela sempre sabia. E mesmo se não soubesse, ela armaria uma tática para acha-la, iria ter as palavras certas e não deixaria nada sair do controle; como agora estava acontecendo. Sua cabeça martelava incessantemente, mandando-o ficar alerta a tudo, apesar de seu cansaço evidente.

Não havia descansado um único momento; e quando se permitira fechar os olhos ele sonhava com um grande e longo túnel escuro, onde corria a procura de sua Silena, mas não a encontrava. Onde quando ele conseguira ver a luz no final, ela desvanecia e apagava. Conseguia escutar a risada delicada e suave da pequena filha, mas quanto mais corria em direção ao som, mais parecia estar longe. Como se corresse sem sair do lugar.

Acordava todas as vezes suando frio, com os olhos úmidos e soluços presos em sua garganta. Por que tinham que ter tirado sua corujinha de perto dele? Já não bastavam ter tirado uma de perto de si? Ele não podia pensar nisso, não podia. Sacudiu a cabeça, frustrado. As lágrimas contidas nos olhos escorrendo pelo rosto, farto pela procura.

Suas pernas fraquejaram; bambas. Já se passara mais da metade do segundo dia, e sua pequena garotinha não estava de volta aos seus braços, como deveria estar. As mãos de Percy tremiam violentamente quando ele as levantou e abraçou o próprio corpo, tentando se acalmar. Quando finalmente não conseguiu manter-se em pé, ele desabou na areia macia. Os joelhos afundando nos minúsculos e infinitos grãos, pinicando-os. Ele sentia como se sua filha poderia ser como eles, um grãozinho da areia em meio a vários outros sobrepostos, como obstáculos para dividi-los. Como poderia separar cada um até acha-la? Mas faria isso se fosse preciso. Sabia que faria o que fosse necessário para conseguir abraça-la de volta; poder ver os seus olhos grandes e verdes, iguais aos seus, focarem-se no seu rosto e abrir aquele seu sorriso alegre e sereno que poderia fazê-lo relaxar no mesmo instante.

-Silena... onde você pode estar, minha princesa? –sussurrou para si mesmo, olhando para a imensidão marítima a sua frente, sentindo uma gota salgada embaçar sua visão. Então repreendeu a si mesmo.

Não podia ficar parado daquele jeito, sem se mover ou agir. Tinha que fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Levantou-se e soltou os braços, cerrando as mãos em punhos para pararem de tremer. Olhou para o céu calmo acima, ‘Eu vou encontra-la, pequena.’ –pensa, com determinação.  Imaginou o que ela poderia estar fazendo naquele exato momento, e no que a sua bela Annie faria se estivesse com ele.

“-Você não deve perder as esperanças tão facilmente, Cabeça de Alga. Nunca se esqueça de ter fé em encontra-la e lutar por isso. Afinal, ela é a nossa filha, vai conseguir voltar a você do jeito que é. Ela nunca nos abandonaria.” – provavelmente o censuraria, com a expressão séria que ele tanto sente falta.

Suspira profundamente. Dando uma longa inspiração pelo nariz e soltando-a pela boca. Fechou os olhos para concentrar-se no objetivo. Onde sua queria Silena poderia ir? Ela não estaria fora do acampamento, estaria? Não podia estar. Não devia.

-Percy? –escuta alguém chamá-lo, o moreno abre os olhos e vira-se para encarar uma imagem tremulante de Nico, com a expressão preocupada. –Você está bem?

Percy assente com a cabeça, engolindo o nó que se formara na garganta. Sentiu suas entranhas se revirarem quando Nico voltara a falar, tivera alguma esperança de que o amigo pudesse encontra-la, mas segundo seu relato, ele não tinha nenhuma informação de onde ela poderia ter partido.

-Sinto muito, amigo. –finalizou, com o olhar repleto de pesar. Percy tenta fornecer-lhe um sorriso para assegurar que estava bem, mas a verdade é que ele não conseguia, pois o que sentia era completamente o inverso.

Sua imagem desaparece e uma pontada dolorosa o assola em seu estômago. A vida começara a perder a cor diante de seus olhos, as cores ficando opacas e sem sentido. Blackjack o levara até a casa da mãe, onde Silena possivelmente poderia ter ido, mas ela não estava por lá. Tentou ver se estava na casa do pai de Annabeth, onde também não a encontrara. Passou na própria casa onde eles moravam, mas estava vazia. Fora em todos os pontos já visitados por ambos, mas com a mesma solução.

Apesar de já ter se passado da hora da janta, o sol ainda despencava preguiçosamente no horizonte, como se relutasse para descer por completo. Percy aproxima-se do mar, tentando voltar a linha de raciocínio no qual poderia leva-lo a filha. Os pés eram engolidos pelas águas, que se derramavam como ondas, sempre indo e vindo, tentando consolá-lo. Ele lembra-se dos dias que se passara com a filha naquele mesmo lugar, quando os dois travavam guerras com a água, Silena subia nas costas do pai para pegar carona no meio da imensidão azul esverdeada, tampando os olhos do mesmo para consequentemente fazê-lo tropeçar e deixa-los cair estrondosamente deixando respingar gotas refletidas em várias cores por todos os lados e ria, despreocupadamente, quando Percy a pegava nos braços e mergulhava ambos debaixo do imenso mar, imitando todos os animais marinhos que se passavam em volta dos dois. Assim como ele, a garota tinha uma capacidade incrível de respirar debaixo d’água, quer dizer, não poderia passar o dia inteiro no fundo do mar (necessitando de pelo menos uma recarga de oxigênio passadas algumas horas), porém, sua habilidade de prender a respiração por ali era absurda, passava-se muito mais do que um ser humano normal poderia aguentar – sendo que ela já conseguira ficar nove horas inteiras sem precisar emergir – e era por isso que Silena não se importava de passar a tarde inteira com o pai ali, no reino do seu avô.

-Pe-percy? –uma mão quente pousa em seu braço, tentando chamar sua atenção com a voz gaguejante e branda. Percy abre os olhos, as imagens das lembranças desaparecendo durante sua volta a realidade. Ele abaixa a cabeça, virando o corpo para conseguir enxergar Holly, encarando-o com dúvida, sem certeza se deveria interrompê-lo ou não.

-Oi, estrela. –Percy fala, com mansidão. Tentando não deixar sua tristeza no qual o acometia transparecer na sua voz. –Desculpa não ter ido dar aula hoje...

Holly já balançava a cabeça no meio da frase, com os cabelos longos agitando-se atrás de si, os fios prateados parecendo reluzir no calor e no brilho ofuscante das gotas de água. Quando ela fixou os olhos novamente no rosto de Percy, ele percebeu que suas íris estavam com uma cor dourada com leves traços prateados quebrando os tons hipnotizantes, como uma espiral cheia de energia.

-Não se preocupe... Eu sei o que está acontecendo. –ela o acalma, com a voz baixa e plácida. Depois de alguns segundos, acrescenta: - Você não deve estar bem...

Percy estava profundamente grato por ela ter ido vê-lo, mas honestamente não precisava que alguém ressaltasse aquilo para ele, ter consciência e ainda ter que ficar lembrando não era uma das melhores coisas que alguém queria se ter na cabeça.

Holly deve ter percebido a expressão amuada de Percy pois logo foi se apressando em consertar:

-Não! É... desculpa, é só que...

Percy sorriu para a ingênua garota, Holly havia se afastado um pouco, os pés apontados um para o outro, desajeitada. Ela levou a mão para o rosto e empurrou uma mecha de cabelo para longe do rosto. Os olhos mudaram para um tom alaranjado suave.

-Eu posso ajuda-lo. –ela sussurra com firmeza, a cabeça baixa. Percy não consegue distinguir as palavras direito, mesmo porque estava impressionado demais para conseguir absorver sua frase por completo. Então a garota pigarreia e repete mais alto: - Eu posso ajuda-lo, Percy.

Tempo Passado – Parque de Manhattan.

Silena estava com o pai enquanto a mãe fora buscar algo para tomar. O dia já estava escurecendo, a lua já aparecendo no céu.

-O que você acha que tem lá na lua? –Silena pergunta, com curiosidade. Percy levanta as sobrancelhas, sem saber o que responder. O que tem na lua?

Ele olha para cima, analisando a forma redonda e singular da lua cheia. Por que Annabeth tinha que se afastar em momentos tão críticos como esses? Ela saberia uma resposta sábia na ponta da língua.

Ao voltar-se para a pequena, ele percebe o seu queixo inclinado para cima, o cenho franzido e a expectativa no olhar auspicioso que o perscrutava com uma análise detalhista. Ela estaria o testando? Percy sorriu. Tinha certeza do que ela queria, não era uma resposta científica.

-Bom, o que eu acho que tem lá? –Percy repete, vendo a garota fazer que sim com a cabeça. O sorriso se alarga em seu rosto. –Eu acho que ali deve se encontrar uma garotinha. Uma garotinha bem esperta e curiosa. Ela não para nunca de falar e sempre está a procura de algo novo para descobrir. Ela controla todas as estrelas a sua volta, arrumando-as do jeito que achar ficar mais atraente a ela. E no final, ela observa a todos dormirem, em seu trono reluzente e prateado que reflete o que nós chamamos da luz que a lua emite, a que na verdade vem de seu coração puro e sublime.

Silena para e fica por um tempo contemplando seu pai. No fundo de seus olhos algo começa a se aquecer e ela percebe que são lágrimas que começam a se formam e acumular nos cantos. Percy ainda segura a mãozinha da garota, praticamente fazendo a pequena de sua mão desaparecer sobre as – comparavelmente – grandes de Percy.

O rapaz, ao notar a pequena estancar no lugar, vira-se e encontra o seu olhar marejado. Enrugando a testa, ele agacha-se para ficar a sua altura, secando com a ponta dos dedos uma lágrima que escorrera pela sua bochecha.

-O que foi, princesinha? –pergunta, preocupado. Sentindo o coração pesar de repente em seu peito.

-É só que... –ela engole o bolo de palavras que sabia não poder falar. Típico de seu pai; é claro. Silena balança a cabeça e abre um enorme sorriso, mostrando os dentes. Depois ela abraça o pai com força, pensando sem poder dizer nada: “Eu te amo, papai.”.

-Oh. –Percy limita-se a exclamar. Então involuntariamente sorri de forma paternalista, retribuindo o abraço repentino da filha.

Annabeth se aproximava com uma garrafa de água nas mãos. Depois de conferir o troco e guardar o dinheiro que sobrara no bolso da calça, ela levanta o olhar e encontra os dois a sua frente. A loira para no mesmo lugar, estupefata. Um ardor de felicidade subindo de dentro de si, como se o que visse fosse algo que esperasse por anos. Então um riso escapa de seus lábios e ela cobre a boca com a mão, para não atrair a atenção.

Porém, Silena já levantou a cabeça e a olha. Uma ideia surge em sua mente e ela curva-se na direção do pai, sussurrando palavras que Annabeth não compreende. O sorriso de Percy se alastra pelo rosto até atingir seu ponto máximo, ele confirma e dá uma gargalhada.

-O que vocês estão rindo? –Annabeth se aproxima, entregando a Percy a garrafa de água no qual ele segura, prendendo a mão de Annie junto, não a deixando largar de seu encontro.

-Nada. –Silena ri enquanto observa os dois. Os seus pais, juntos. Desde quando ela sonhara com os dois assim, unidos, um ao lado do outro? –Eu já volto.

Percy vira a cabeça, dessa vez, alarmado. A expressão satisfeita de antes sumindo do rosto, que perde a cor com facilidade, rapidamente ficando pálido. Annabeth percebe seu receio, ele sentia algo perigoso estalando no ar, uma sensação que ela também pressentira mais cedo. E algo a alertava para não deixar a pequena sozinha por aquelas áreas.

-O quê? Não! Silena, volte. Fique aqui, o acordo não era esse. –o timbre da voz de Percy estava desesperado.

-É, mas eu vou ser rápida, não se preocupe! –ela já está se afastando, com teimosia.

-Silena! Venha cá! –Annabeth chama, impressionando-se com seu próprio tom de voz autoritário. Ela franze a testa para o que acabara de dizer, a garota apenas gira a cabeça e sorri tranquilizadora para os pais, que estão avançando para segui-la.

-Não! Não venham... Eu prometo ser rápida.

Então ela dispara para dentro da floresta ainda intacta ao lado, deixando Percy e Annabeth sem alternativa se não segui-la, apesar de ela dizer para não fazê-lo.

-Eu tenho um mau pressentimento sobre isso, Percy. –Annabeth sussurra para o rapaz, que ainda segura sua mão junto a garrafa de água. Ele suspira, concordando.

-Eu também.

Silena não percebe os pais atrás de si. Ao ver um caminho fora da trilha com um belo conjunto de flores azuis, no estilo perfeito do pai, ela desvia e faz a curva fechada, entrando em meio aos arbustos e plantas densas. Tinha que achar as flores para eles, seria a melhor maneira para que sua ideia pudesse se concretizar.

Quando ela se ajoelha na frente do conjunto de flores que havia visto, os pais passam despercebidos por onde ela tinha feito o desvio, seguindo direto para a trilha a frente. Silena mal percebe os passos, analisa por um bom espaço de tempo o conjunto floral e após um longo momento arranca três flores, levantando-se, satisfeita.

Ao erguer o olhar, nota que não se lembra de onde havia vindo. A garota semicerra os olhos, olhando em volta e rodopia algumas vezes, até que finalmente encontra os amontoados familiares de troncos que bloqueava sua passagem. Ela, com o sorriso esboçado nos lábios, segue até lá, passando pelas árvores e galhos tomando cuidado para não estragar as flores delicadas.

 Ela repete o caminho que fizera para chegar onde havia parado e encontra o campo aberto onde estavam os pais. Ela sorri, já preparando a frase que diria. “Não disse que seria rápida?”.

Mas antes de ter a oportunidade de se pronunciar, ela se vê sozinha onde tempos atrás os três estavam. O sol já havia descido e ela estava submersa na escuridão da noite, sendo iluminada apenas pela luz prateada da lua acima. Enruga a testa e coça as sobrancelhas, sem entender. Era ali onde eles estavam, não era? Ela havia dito para eles esperarem!

Suspira, pensando que poderia não encontrar o caminho de volta se resolvesse voltar a trilha. Decidindo esperar por aquele canto. Um medo começou a tomar forma enquanto os minutos transcorriam lentamente.

E se eles a tivessem abandonado? Ou e se ela tivesse, de alguma forma, modificado o passado, fazendo com que os pais se separassem?

Não. Ela sacode a cabeça espantando os pensamentos inoportunos. Tinha que ser paciente. E já como não era, tinha que aprender a ser.

Ela levanta a mão que segurava as três flores azul e as estuda. As duas maiores, já totalmente desabrochadas e formosas, iriam para os pais, e a menor, que estava iniciando seu processo de amadurecer iria ser para ela. Os três, como uma família completa.

Uma moita se mexe ao seu lado. Ela pula, assustada. Desvia o olhar para o barulho, receosa. O barulho ecoa novamente, como se alguém estivesse se movendo. Estreitando os olhos para conseguir enxergar em meio a escuridão, ela se aproxima cautelosamente das moitas a direita, onde acabara de se seguir o ruído de um galho se partindo, cedendo a um peso consideravelmente grande.

-Percy? –pergunta, o coração acelerando-se. Ela logo podia sentir os próprios batimentos nas pontas dos dedos e escutar o ribombar nos seus ouvidos. O silêncio do campo já vazio parecia a intimidar. –Annabeth?

Ninguém respondeu, mas o ruído de folhas sendo pisoteadas, esmagadas violentamente, continuou, assim como a movimentação das árvores atrás. Não eram passadas leves e cuidadosas de seu pai, ou as compassadas de sua mãe. Eram pesadas e brutas, como se não ligasse para o quão estrondoso parecesse. 

Silena engoliu em seco e tentou mais uma vez, finalmente vendo uma silhueta alta e escura mais a frente.

-Pe-percy?  -gaguejou.

A silhueta parou de se mover. Inclinou a cabeça para cima e farejou o ar. Depois de um minuto, os olhos voltaram-se a cravar-se nela, olhos que agora ela podia perceber serem negros e perigosos. Selvagens.

Aquele não era seu pai. Ela recuou, com o coração batendo mais rápido em seu peito, como se quisesse explodir e sair correndo para longe. Muito menos sua mãe. Outro passo para trás.

A silhueta começou a avançar mais depressa, e logo ela conseguiu o enxergar. Um monstro enorme, com chifres no alto da cabeça, a parte superior do corpo recoberta de pelos, pelos grossos e escuros. Em sua cabeça disforme encontrava-se um comprido focinho e um anel entre as narinas dilatadas. Ele bufava rapidamente. Silena o reconheceu imediatamente: um Minotauro.

Tempo atual – Acampamento meio-sangue.

Percy ficou atordoado por um instante pelo que Holly dissera. Ela podia ajuda-lo?

-Como? –sacudiu a cabeça, piscando os olhos sem parar como se algo o tivesse incomodando na vista, além de estar tentando enxotar a umidade impregnada no centro para que Holly não se preocupasse.

A garota aprumou as costas, limpando a garganta enquanto pensava no que deveria dizer. Como começar? Será que ela estava preparada para isso? Pronta para testar novamente a sua recém-descoberta habilidade? E se não desse certo? Sua mãe a visitara uma vez, quando ainda morava com o pai em Vancouver, no Canadá. Ela não dissera muita coisa, já que naquela época Holly ainda não sabia quem era de verdade, porém, ela havia dito sobre seu especial dom, muito raro, concedido a poucos mesmo entre os filhos de Íris. Não detalhadamente, mas a tinha alarmado que ela escondia algo dentro de si que logo se despertaria. Algo que realmente aconteceu.

Mas... Como saber se dessa vez iria realizar com sucesso algo que treinara desde quando começou a frequentar o acampamento? Sendo que muitas vezes não havia sido um trabalho satisfatório. E se ela apenas quebrasse ainda mais a fina linha de esperança do seu instrutor favorito? Não queria deixar Percy mais triste do que já estava. Ou decepcionado com ela, ou até mesmo – quem sabe – desapontado pela sua incapacidade.

Ela tinha que tentar. Afinal, tentar era o primeiro passo para a realização de um grande feito. Nunca saberia se conseguiria caso não tentasse. E mesmo se não pudesse atingir o esperado, ela podia ter em mente que havia feito algo, e assim poder aprender pelos seus erros.  Não era Quíron que sempre repetia isso para ela? Certo.  

Percy ainda a olhava fixamente, o mar a frente agitara-se, fervilhando e salpicando as gotas salgadas nos pés descalços dos dois. Holly deu um pequeno sorriso, a fim de criar coragem. Percy não duvidava dela, como ela inicialmente pensara que iria. Afinal, o que uma garotinha de nove (quase dez) anos a qual acabara de entrar no acampamento poderia fazer para ajudar? Ela realmente imaginava seu professor tecer uma elaborada linha de incertezas em sua cabeça; no entanto, havia sido completamente o contrário.

-Eu... Eu posso ajudar. – a garota uniu as mãos, mexendo os dedos inquietamente. Depois ela as abriu e virou a palma para Percy, enquanto recuava em direção a água. – Espere aqui. 

Dizendo isso, deixou um homem boquiaberto para trás e rumou para a água salgada, curvando-se e formando a mão em concha para abrigar a maior quantidade possível do líquido. Até voltar onde ela estava não sobraria muita da água em sua mão, tendo em vista o derramamento a cada passo que dava, deixando cair pelo menos um terço do que ali a princípio estivera.

Sua mão tremia, não ajudando muito o trabalho que teria que fazer. Percy estava claramente sem compreender, com uma das pernas deixando o joelho enterrado na areia, enquanto a outra se arqueava à frente, com o pé coberto pelos grãos umedecidos.

-Holly? O que você pretende fazer? –perguntou com um fio de voz, a expressão desconcertada. Holly respirou fundo, profunda e lentamente. Ignorou a pergunta do professor, algo que normalmente nem passaria por sua cabeça fazer, e se concentrou. O sol já estava baixo, deixando apenas alguns raios tênues alcançarem ambos, ela acenou com a cabeça, determinada a fazer com que desse certo. Aquilo teria que servir.

“Seria bem mais fácil se um filho de Apolo estivesse por perto” – pensou, suspirando e levantando as mãos em conchas. Ela fitou Percy, fazendo uma contagem em sua cabeça.

-Eu preciso que você me ajude. –pediu rapidamente a garota. Olhou para cima, indicando ao professor sua mão escorrendo o líquido salgado. –Quando eu deixar que as gotas caírem, eu quero que as faça flutuar no ar por um momento.

Um ponto de interrogação pareceu se desenhar no alto da cabeça de Percy.

-Mas por quê?

Holly solta mais um longo suspiro, olhando para o sol se pondo. Teriam mais alguns minutos, caso tivessem sorte. Quíron, que estava treinando com ela naquela tarde, havia dado o conselho para ir até ele. Dissera que se ela o ajudasse, ele poderia conseguir uma de suas últimas alternativas.

-Se não conseguimos contatar Silena pela procura, iremos mandá-la uma mensagem. –explicou sucintamente. Seu coração estava palpitando em seus dedos e os braços já reclamavam pelo jeito que se encontravam.

Percy deixou os ombros caírem. Os olhos pareceram perder a intensidade a as feições apagaram-se.

-Holly, isso não vai dar certo... Eu já tentei. Nunca responde. –ele sacode a cabeça, desacreditado. –Além disso, não tenho mais dracmas para oferecer. Eu... Ela não está em nenhum lugar.

A garota, entretanto, já sabia daquilo. Quíron a havia informado sobre as tentativas ineficazes do professor. Assim como a havia dito que ela poderia ajudar. E apesar de tudo, ela não precisara perguntar, sabia sobre do que ele estava falando.

Muitas vezes, ao mandar uma mensagem para alguém, não saia conforme o planejado. Certas vezes, ela conseguira entrar em contato com pessoas mortas. Pessoas que, de acordo com as regras da normalidade, eram impossíveis de serem contatadas. Já conseguira conversar com pessoas, segundo os registros, ainda não existentes. Assim como com heróis do passado.

Porém, será que dessa vez daria certo? Será que ela conseguiria entrar em contato com Silena, mesmo depois de Percy já haver tentado tantas vezes antes? E se todo o esforço for fútil? Estaria apenas piorando todos os problemas?

Não podia pensar nisso. Holly canalizou a energia dentro de si, mandando-a para a ponta dos dedos. Piscando, as íris dos olhos se mudaram para um redemoinho de cores, nunca diferenciais. Uma colidia com outra, formando-se novos tons nunca antes encontrados. Era como se Percy pudesse enxergar tudo e nada ao mesmo tempo, hipnotizando-o e levando-o para vários lugares ao mesmo tempo. Como um turbilhão de possibilidades.

-Percy. –sua voz saia firme, sem relutância. –Você pode fazer isso por mim?

O moreno expulsou todas as incertezas da cabeça, concordando em um gesto decisivo. Holly abriu um sorriso, alegre por ele ter confiado nela. E assim, deixou a água escapar de seus dedos.

Gotículas pairaram no ar, sem se mover, os últimos raios solares pareceram congelados, como se os estivesse estimulando a continuar. Percy manteve-os como Holly pedira, imobilizados, flutuando no ar, fazendo-o enxergar o horizonte em cada gota de inúmeras formas e tamanhos, o mundo parecia girar em sua volta, as cores misturando-se. Ao sol brilhar e reluzir naqueles espectros límpidos, como lágrimas, um arco-íris lentamente foi se transformando. Vívido e tremulante.

Era aquele momento. Ele podia dizer que a cota de arco-íris visualizados por aquele dia estava cheio. Praticamente transbordando. Quantos ele já havia formado apenas naquela última hora? Quinze? Vinte? Não sabia ao certo. Perdera a conta nos dez primeiros minutos.

Mas então, quando ele pensou que Holly iria jogar uma dracma ela apenas estendeu o braço para a oscilante forma colorida, a mão parecendo soltar faíscas atravessou o arco, desaparecendo em seu interior. Percy arregalou os olhos enquanto vislumbrava a cena.

-Oh, Íris, deusa do arco-íris... –a garota murmura pausadamente. A respiração estava pesada, como se ela se esforçasse para mantê-la rítmica, os olhos fechados, cobrindo as impressionantes íris rodopiantes e os fios loiros claros pareciam mesclar-se timidamente com os cabelos que pareciam se tingir em um tom mais forte de prateado.

Percy voltou a atenção para a imagem fantasmagórica que se formava a sua frente, fracamente e hesitante. Ele abriu a boca, estupefato.

-Mostre-nos Silena Chase Jackson. –finalizou Holly com um suspiro tremulante, afastando a mão pálida de dentro de um lampejo de imagens, sobrepujando-se umas nas outras. Arquejou; uma gota de suor brotando da testa e escorrendo pela sua pele. Teria dado certo? Ofegante, ela lembrou-se da pontada que sentira no estômago quando guiava a linha para o lugar planejado, abrindo portas e acendendo luzes em caminhos turvos e sinuosos do espaço. Holly imaginara onde Silena poderia estar considerando o tamanho da distância até sentir a presença da garota.

Percy, perplexo, estudou os nebulosos aspectos tomarem forma, criando dimensões e curvas até estar contemplando o familiar parque de Manhattan. Aquele que sempre visitava com sua filha nas tardes de verão. Franziu a testa, confuso. Ali havia sido o primeiro lugar em que ele fora procurar, mas não havia sinais de Silena ter passado por ali. Por que agora a sua pequena garota se encontraria naquele local?

Estava escuro. O sol já completamente posto acabou dificultando a visão que Percy tinha do plano onde ela estava. Ele, porém, podia distinguir com facilidade a sua forma miúda no canto, perto das árvores. A forma nítida de sua amada filha desaparecida. Ele imediatamente aliviou-se ao vê-la intacta, deixando o ar sair de seus pulmões, leve. Ela estava bem, tudo ficará bem.

Porém, ao analisar seu rosto, ele voltou a preocupar-se. Sua garota estava sem cor, assustada; os olhos esbugalhados. Parecia estar prendendo a respiração, e ela recuava para trás, com um pavor consumindo o controle de seu corpo, fazendo-a tremer. Mas... por que ela estaria daquele jeito?

Uma figura tampou a garota, uma figura enorme e musculosa se pôs a sua frente, uma forma familiar do tipo de nunca o deixar esquecer. Ele reconhecia o monstro. Reconhecia muito bem, honestamente, mais do que gostaria. Ali se encontrava o primeiro monstro com quem batalhou: o Minotauro.

Holly, ao seu lado, contraiu-se. Os músculos dos braços de Percy se retesaram, avisando o perigo eminente. Tudo o que ele queria fazer era jogar-se em frente a Silena para afastar o homem-touro dela. Mesmo ela sabendo se defender sozinha, era ainda muito nova para lutar contra um monstro de verdade. Sim, talvez fosse uma das melhores da turma, e sim, talvez as estratégias que tinha venciam qualquer um quem a desafiasse, porém, ela nunca esteve frente a frente com um monstro ao vivo. Ele esperava a filha ficar mais velha até poder deixa-la enfrentar um. E um Minotauro? Era como se revivesse uma lembrança do passado.  

-Silena! –ele grita com todo o ar de seus pulmões. A garota parece não ouvi-lo, muito menos o monstro. Ele tinha uma mínima esperança de conseguir desconcentrá-lo, deixando-a capaz de se preparar, ao menos. A filha grita alguma coisa, mas ele não é capaz de ouvir. Era como se assistisse a um filme de terror no mudo, mas agora ele não tinha o controle remoto para programar o som de volta. –Filha!

Nenhuma resposta. Ela nem ao menos desce o olhar para a imagem, como se Percy não estivesse lá. As entranhas de Percy reviram-se, parecendo estar dançando em seu estômago, uma dança que o faz mergulhar em uma angústia interminável.

Percy sobressalta-se, levantando-se ao ver o Minotauro avançar. A garota agacha-se desesperada, tateando algo em seu tornozelo, os olhos fixos no monstro cada vez mais perto. Ao não achar o objeto de sua procura, ela levanta-se em um pulo e vira-se, pisando a frente e desabando em um desnível, o solo ruindo aos seus pés.

Tudo o que o pai da pequena consegue ver após isso é o Minotauro fungar, farejando o ar novamente e correndo para seguir Silena. Depois a imagem estremece e se desfaz, os últimos raios do sol desaparecendo.

A mente de Percy trabalhava sem cessar. Ela estava bem, por enquanto, pelo menos. Ele tinha que encontra-la. Tinha que encontra-la e salvá-la. Ele já sabia onde poderia a achar, e não iria demorar para ir ao seu encontro. Ela estava em perigo, nunca lutara contra um monstro antes.

-Desculpa... Acho que foi minha culpa ela não poder ouvi-lo... Eu ainda estou tentando melhorar, estou mesmo... –Holly ao seu lado choraminga, sentindo-se culpada por fazê-lo ter visto Silena, porém não poder ter dito algo a ela para aconselhá-la. Percy balança a cabeça, agora em completo êxtase, hiperativo para encontra-la.

Percy sorri a fim de reconforta-la. Pega suas mãos e a aperta com força, olhando para os olhos nos quais se pintavam de um âmbar reluzente.

-Obrigado, Holly. Muito obrigado. –diz, beijando a testa da garota. Ele gira a cabeça e solta um assobio alto para chamar o seu companheiro. Holly enrubesce, formando um leve sorriso nos lábios e observa o céu, a medida que uma sombra negra aproxima-se de ambos.

Logo, Blackjack, o pégaso negro, pousa em frente a Percy, relinchando, frenético. Ele aproxima-se de Percy e solta uma baforada calorosa de ar em seu rosto para tentar o tranquilizar. Percy dá tapinhas carinhosos no topo da cabeça do cavalo alado; sacando com a outra mão Contracorrente, destampando-a.

“Eai, chefe? Algum bom resultado na procura da pequenina?” – perguntou mansamente para o moreno.

-Bom, sim. –Percy autorizou-se uma breve empolgação. Logo ela a veria. Poderia reencontrá-la novamente. –Na verdade, sei exatamente onde ela está.

O pégaso apoia-se nas patas traseiras, enquanto davas chutes com as dianteiras, levantando-as no ar.

“Ei, chefe! Isso é ótimo!” – ele anima-se, equilibrando-se nas quatro patas novamente indo em direção a Percy e virando-se de lado para ele poder montar. “O que você está esperando?”

Percy monta em Blackjack, com naturalidade. Holly estava encantada com o cavalo alado, desde quando ela chegara, as criaturas eram as que mais a maravilhavam.

Com curiosidade, Blackjack gira a cabeça ao notar uma presença ao lado. Ele faz um ruído do fundo da garganta, contente ao ver a menina. Holly ri.

“Ela de novo! Sabe, chefe, eu a encontrei um dia desses e eu adorei essa garota. Ela me deu Donuts!” – o pégaso comentou com Percy, que acena uma última vez para Holly antes de alçar voo nas costas de Blackjack.

Ele aperta o punho da espada, pensando no Minotauro. Como será que está sua filha? Eles tinham que se apressar. Não restava muito tempo.

Tempo Passado – Parque de Manhattan.

Silena sabia que não podia ficar imóvel quando um monstro se aproximava dela. Mas como ela conseguiria se mover se os seus membros não a obedeciam? Ela estava em choque, em completo pânico.

Engoliu em seco, agora o monstro estava a sua frente, apenas há alguns passos de distância. Será que ela era rápida o bastante para fugir dele? Onde poderia se esconder? Onde estavam seus pais? Por que eles não chegavam logo?

-Percy? –ela berrou, tentando escutar algum barulho denunciando sua presença, porém, nada foi ouvido.

Se pudesse pelo menos ter algo para se proteger... Porém, ela escolhera aquele dia para andar sem sua adaga, que sempre guardava debaixo da camiseta. E agora o objeto estava no futuro, em seu tempo real. Fora de seu alcance. De esguelha, ela analisou o local que se encontrava. Pedras? Aquilo não retardaria o monstro, apenas o deixaria mais furioso.

Então ela se lembrou. A imagem do presente voltou a sua mente, refrescando a memória. O presente dos avós, a tornozeleira de bronze que usava. Tudo o que tinha que fazer era alcança-la, era tudo. Sabia que a tornozeleira faria o resto, a defenderia. 

Lentamente, ela agachou-se, com as mãos trêmulas ela tateou seu tornozelo, onde sempre a deixava, porém, ela não conseguir senti-la em lugar algum. Seus dedos apalpavam apenas a sua pele gelada, a noite esfriando-se conforme os segundos se passavam.

Não, não, não, não... Onde ela estava? Por que não a encontrava? Abaixou o olhar rapidamente e não a viu amarrada em sua perna. Não viu sua única forma de escapar intacta daquele monstro.

A tornozeleira não era um simples adorno para se enfeitar. Ele era um escudo. Um escudo que se expandia em seu braço, protegendo-a de ataques indesejados. Seu próprio tio Tyson que fizera a ela, o objeto com a benção de seus avós divinos.

E agora, perdido.

Ergueu-se, alerta. Tinha que correr. Tinha que fugir dali. Escapar e bolar algo para conseguir ficar viva. Virou-se, apavorada, e deu um passo a frente. O chão tremeu sob seus pés, fazendo-a deslizar e tropeçar, pisando em falso, caindo sobre um desnível e rolando pela terra até aterrissar em um colchão de folhas o qual amenizou sua queda.

Escutou um urro enraivecido retumbar acima. Ela logo se recobrou, levantando-se e correndo para o lado oposto do monstro, no qual a perseguia, os passos pesados e devastadores. Suas pernas eram curtas e a deixavam em desvantagem, correu os olhos pela paisagem, tentando encontrar qualquer coisa que pudesse prejudicar o Minotauro.

Uma pancada a atinge na lateral, ela cai e rola para o lado a fim de desviar-se do golpe do monstro, agora a sua frente. Ela vira a cabeça abruptamente para o lado esquerdo ao ver sua mão abaixar-se e esmagar o solo ao seu lado. Os batimentos cardíacos aceleram-se, chegando a quase machuca-la. A mão retrai-se e é puxada para trás. Enquanto o mostro move-se para frente, prestes a agarrá-la, Silena se arrasta para cima, fechando as mãos em uma pedra pequena, porém afiada, que estava descansando a poucos centímetros de sua palma. A garota sente uma fisgada no tornozelo quando os dedos do monstro a prendem, colocando-a de ponta cabeça.

Ela sente quando o sangue foge para sua cabeça, a pequena tenta se soltar, contorcendo-se e dando socos no braço do monstro, que apenas parece rir com sua força minúscula diante da excessiva dele. Ele ruge e, com as mãos livres, desce os insanos e poderosos punhos em direção à cabeça de Silena, que consegue enxergar o movimento e se propulsiona para cima, abraçando as pernas e curvando-se para frente a fim de não ser atingida. O ar é cortado a milímetros de seu corpo e os seus braços tremem com brutalidade, perdendo as forças.

O que aconteceria se ela morresse no passado? O que aconteceria se ela fosse morta ali, naquele exato momento? Ela nunca teria chance de explicar ao pai, de voltar a ele e poder abraça-lo. Sabia que ele devia estar preocupado, porém apenas sobrara a ela torcer a fim de o tempo passar mais devagar por lá e assim poder voltar sem deixa-lo muito aterrorizado ou zangado.

Ela lembra-se da pedra afiada em sua mão, machucando sua palma, perfurando sua pele. Ela franze o nariz e exigindo de seus últimos esforços ela afasta a mão delicadamente, abrindo a mão fechada em punho para absorver os detalhes da pedra, mais parecida como uma grande agulha arredondada na extremidade oposta a ponta.

Quando a mão novamente desce, raspando em suas costas, ela levanta os braços e finca a pedra nas mãos do monstro. Não sabendo como, sua ideia realmente funciona e a ponta perpassa o tecido resistente de sua mão. Ela não consegue refletir sobre o que havia acontecido já como está caindo em disparada para o chão pelo monstro tê-la libertado, berrando de dor. Antes de atingir o solo, os punhos que tentavam atingi-la passam como um lampejo e ela logo se ampara com sua força reserva.

Incrédula pela sua sorte, Silena escala os braços monstruosos do Minotauro até o pescoço, onde se prende para não desabar novamente. Ela consegue visualizar o homem-touro tirando algo de sua pele, algo que não é uma pedra. A pedra a qual ela conseguira agarrar estava refletindo uma cegante luz dourada e, ao ser atirada para o lado, Silena enxerga uma flecha característica que desaparece no meio do caminho ao chão.

Impressionada demais para pensar direito, ela sente o Minotauro balançar a cabeça, obviamente percebendo uma presença em sua cabeça. Ela segura os chifres do homem-touro para não ser arremessada ao longe e antes de poder ponderar alguma alternativa de escapar, o Minotauro se joga contra uma árvore com uma força tremenda, fazendo-a capotar para frente, batendo fortemente no tronco pelo impulso que o monstro criou.

A cabeça começa a latejar, vários pontos coloridos aparecem em sua visão, cegando-a momentaneamente. O Minotauro afasta-se da árvore, sacudindo a enorme cabeça e bufando com as narinas praticamente soltando fumaças. Ela sente seu apoio fugir-lhe e o corpo desliza rapidamente para o chão, Silena tenta se sustentar em alguma fenda, levando os braços em espasmos tentando tatear todo o tronco ao mesmo tempo. Mas nada poderia segurá-la.

O olhar recai sobre um galho a sua direita e ela consegue esticar o braço a tempo de segurá-lo e conter a queda. Ela sente os cortes e arranhões pelos braços, pernas e rosto, mas tenta não se importar. As juntas dos dedos estão ficando brancas e a força começa a desaparecer de seu corpo desgastado. Ela olha para baixo e vê o solo não muito longe de seus pés. Quando decide soltar-se, o Minotauro finalmente se recupera do choque e volta a encará-la, os olhos negros borbulhando de uma raiva crescente.

Antes que pudesse parar, os dedos soltam-se do galho. Ela não sente mais os movimentos das mãos, as articulações doloridas demais para poder obedecê-la. Estava a apenas a alguns centímetros do chão quando sente a dor atravessar seu corpo inteiro, vindo do único ponto em que ainda estava grudado ao tronco. Sua mão direita.

Silena grita, sem conseguir sufocar o sentimento ardente dominando-a. Seus olhos fecham-se, pontadas fortes passam pela sua cabeça forçando-a a abrir os olhos de novo. As pernas pendem no ar e o corpo retrai-se, ela estava pairando no ar, presa. Dependurada por uma das mãos. Mas dessa vez, não era porque ela conseguira segurar-se em outro galho.

A mão esquerda contorcia-se de uma dor lancinante, e a direita? Estava acima dela, dilacerada.

O Minotauro estava curvado, os chifres apontados em direção a ela. Ele, agora, pelo menos, estava também como ela, preso. Porém, o que o prendia eram os próprios chifres grudados no tronco. No qual um deles, perscrutava sua palma, a palma de Silena, na qual agora se formara um enorme buraco em seu centro, onde um dos chifres conseguira atingir. O sangue acumulava-se no membro da garota, escorrendo quente e depressa pela casca da árvore, derramando-se nas bochechas da garota que estavam pressionadas no tronco com força. O chifre esbranquiçado agora se tingia de um vermelho viscoso.

Ele tentara mover-se para trás, tentando desprender os chifres como navalhas para longe do tronco. Silena berrava, gemendo e perdendo a visão. Seu braço estava coberto do sangue, o qual não parava de jorrar do ferimento, o cheiro metálico invadia suas narinas deixando-a atordoada. Lágrimas formaram-se de seus olhos, onde estavam seus pais? Onde estava o seu pai? Aquele que sempre a protegia? Ela sentia sua falta... Queria poder estar com ele. Os olhos verdes como o mar a reconfortariam, e diriam que tudo estava bem.

Silena enxerga pelo canto do olho um copo de plástico com um adesivo de uva chocar-se contra a cabeça do monstro. Ele inclina a cabeça para a frente antes de vira-la para o lado, estudando o local a sua volta. A pele de Silena se rasga pelo movimento, fazendo-a soltar mais um berro pela dor pungente explodindo de dentro de si para fora, causando a ela um sofrimento alucinante que correu pelas suas veias drenando cada vez mais suas forças, fazendo a visão já fraca da garota, turva e opaca, obscurecer tudo ao seu redor, as pálpebras tremiam e ela ergueu a cabeça, estreitando os olhos para enxergar adiante, para ver quem jogara aquilo. Ela não consegue, no entanto. Ela é impedida pela visão do monstro que se posta a sua frente, ela conseguia enxergar seus contornos parcamente.

O Minotauro finalmente encontra sua vítima, ele torce-se em seu próprio corpo arrancando mais grunhidos e gemidos de dor de Silena e se solta, deixando a garota desabar no chão, incapaz de sentir mais seu braço, parecendo estar em completas chamas.

O homem-touro a encara por um instante, farejando o ar novamente. Porém, ao invés de dar seu último golpe fatal nela, ele dispara para a direção contrária. 

Silena abraça a mão retalhada contra o peito, levantando os joelhos para perto do corpo, balançando-se para frente e para trás, soluçando e sentindo o seu sangue encharcando-a. O ouvido zunia e ela não conseguia escutar praticamente mais nada além de suas batidas do coração e de sua respiração desregulada e descompassada, saindo com esforço. Lembrou-se de quando o pai aconchegou-a de encontro a seu peito ao acordar com um pesadelo, chorando. O pai ficara a noite inteira acordado, afagando-a e mexendo em seus cabelos, aninhando-a em seu carinho e fazendo-a se acalmar lentamente, dizendo palavras para confortá-la e a fazer esquecer-se das imagens assustadoras. Tentou fazer o mesmo com a dor, porém não era o mesmo sem seu pai ali.

Ela de repente se dá conta da respiração do monstro perto. Ergue o olhar, interrompendo um soluço na garganta. A garota encontra o homem-touro olhando para os lados desnorteado. Notando que fora enganado, ele volta-se para Silena, rosnando com uma grotesca saliva escorrendo pelos cantos de sua bocarra, correndo rumo em sua direção.

Silena tentou se afastar, os pés lutando para arrastá-la até algum lugar seguro atrás de si, um lugar não existente. Ela consegue apenas ficar paralisada, encarando os profundos e revoltados olhos negros.

Um pouco antes de alcança-la, porém, o Minotauro é atirado ao lado por um corpo que se lança nele, ambos caindo e rolando, batalhando entre si. Silena fecha os olhos com força, sabendo exatamente quem viera resgatá-la. Seu pai. O seu herói havia finalmente chegado. O herói que tanto esperara. Ela soltou um suspiro trêmulo, tanto por alívio quanto por sofrimento. Poderia estar a salvo, porém, recebera marcas e cicatrizes para lembra-la sempre do que é lutar com um monstro na vida real.

Eles estão ao seu lado. Ela resolve fechar os olhos com força, tentando regular sua respiração acelerada, praticamente incontrolável. O Minotauro ruge a poucos passos dela. Silena semicerra os olhos, virando a cabeça para a esquerda. Lá estava. Percy manejava contracorrente, sua espada de bronze celestial. Após alguns golpes, o homem-touro dissolve-se, desintegrando-se no ar sendo levado pelo vento para longe com o vestígio de um leve silvo ressoando na corrente do vento. Silena deixou-se cair, derrotada, para o lado. A cabeça tombou com o coração mais leve, porém não menos dolorido ou apertado.  A pequena faria qualquer coisa para que tudo o que havia passado não terminasse daquele jeito, poderia não ter soltado aquele galho, poderia ser mais forte, poderia não ter sido teimosa e obedecido ao pai e a mãe. E ela se permitiria fazer qualquer coisa; seja desde passear com a Sra. O’Leary até ter que limpar seus pequenos “presentes”. Ela não se importava, desde que nada daquilo tivesse acontecido.

Quando finalmente pensa em deixar as pálpebras vencerem a luta de tentar se fechar enquanto ela batalhava para deixa-las abertas, uma presença familiar e calorosa chega mais perto. Consegue sentir a sua preocupação só em sua aproximação ruidosa e espalhafatosa, como se estivesse desesperada para chegar mais perto dela, com medo de algo péssimo poder acontecer. O que realmente podia.

O mundo gira ao seu redor, as árvores dançam ao seu lado, tudo parece turbulento como se olhasse o reflexo da água quando mexida ou uma pedra fosse lançada em sua superfície. Agachando-se ao seu lado, aconchegando-a em seu colo, Annabeth pousa suas mãos nas laterais do seu rosto, fazendo-a olhar fixamente para ela.

-Você está bem? –Silena escuta a mãe perguntar, esbaforida. Tenta mexer a cabeça, porém ela está pesada e quase não consegue mantê-la firme, parada. O olhar da mãe é alucinado, frenético, confuso, preocupado e enraivecido. Todos ao mesmo tempo. O cinza tempestuoso de sua íris parecia borbulhar, revirando-se em seus profundos olhos, trabalhando inquietamente por uma resposta. Era como se uma minúscula tempestade cheia de desordem ocorresse dentro de si.

-Sim, eu estou... –Silena consegue reunir forças o suficiente para responder, com a voz fraca. Não percebera o quão desgastante aquilo fora para ela, a garota estava ofegante, quase não tendo fôlego o bastante para terminar a frase. Annie aumenta sua preocupação ao escutar o grunhido de Silena, ela inclina-se para trás a fim de analisá-la.

Depois de Annabeth examinar a pequena, constata sua vulnerabilidade. O rosto estava pálido, e ela enfraquecia cada vez mais, considerando uma possibilidade da perda de sangue constante. Mas de onde vinha...? Ao abaixar a cabeça, a loira apavora-se com o dano que o monstro fizera a ela. O ferimento grave da garota na mão. Exasperada, Annie cobre a boca com a palma, o sangue parecendo congelar-se.

- Di Immortales... –sussurra, imediatamente tendo em mente a obrigação de estancar o sangramento. Não poderia nem imaginar o que aconteceria caso ela continuasse daquela maneira. Suas mãos estão trêmulas ao apertar com firmeza o tecido, rasgando uma parte grande o suficiente para deixa-la com o lado do corpo desprotegido, em contato direto com o que se encontra ao redor, ela estremece um pouco ao sentir uma batida feroz do vento gelado, porém não se importa. A camiseta era grande para poder aquecê-la, mesmo sem uma boa parte na lateral. Annabeth pega as mãos de Silena, tentando não machuca-la e delicadamente passa o tecido em sua volta, ainda sem apertar. Respira fundo antes de encarar a filha nos olhos.

-Silena. Eu quero que você preste atenção em mim. Você vai respirar fundo e se acalmar, não se mexa, está bem? –diz, fazendo o máximo para manter a voz confiante e tranquilizadora. Silena assente fracamente com a cabeça e Annabeth volta-se ao seu trabalho.

A garota sabe o que ela vai fazer. E sabe também que é o que se deve realmente fazer, embora tenha conhecimento de o sentimento não ser nada agradável ou confortável. Ela inspira com os pulmões queimando, parecendo entrar em combustão. Agora notava as outras lesões adquiridas. Ao ter sido jogada contra a árvore, o impacto deve ter prejudicado os seus órgãos internos, os pulmões pareciam raspar dentro de si deixando difícil puxar o ar para dentro do corpo.

-Me desculpa... –Annabeth diz, ao puxar com força o pano e enrodilha-lo novamente em volta da mão ferida de Silena. Ela solta um grito angustiante, porém resiste, sem debater-se. Assim como a mão a ordenara.

Um, dois, três... Um... Dois... A mão arde e parece explodir em uma impetuosa dança flamejante. Silena solta outro berro. Annabeth trinca os dentes, recusando-se a parar o seu trabalho. Não podia deixa-la sangrando daquele jeito, se continuasse como estava... talvez fosse tarde demais para conseguir salvar seu membro mais tarde. Apesar dos gritos de Silena doerem em si como se fosse ela quem passasse por aquela experiência, ela tinha que ser forte e continuar, para o bem dela. Para o bem das duas. Ela nunca iria se conformar e perdoar a si mesma se algo acontecesse a mais pura garota que já conhecera.

Percy parecera ter encontrado outro oponente. Ao dar o último nó nas amarras, Anabeth consegue ver o sangramento ir lentamente reduzindo-se, vagarosamente parando. Mas não poderia continuar daquele jeito, improvisado, para sempre. Ao girar a cabeça, Annie enxerga Percy derrotar mais um monstro no qual não consegue definir de imediato. Ela aperta os olhos e consegue visualizar os contornos sólidos antes dos próprios terem se dissolvidos. Franze o cenho, desnorteada. Aquilo era... uma Fúria? O que uma Fúria estava fazendo ali? Por que ela viria ataca-los? Pelo que Annabeth sabia, não teria motivo para ela vir atrás deles. Já como deveria estar sob o comando de Hades e eles não haviam feito nada para enfurecê-lo.

Silena range os dentes, tentando parar de gritar. Annabeth volta-se a ela e vê o medo em seus olhos, o medo, o assombro. Porém, havia uma pitada de... culpa? Por que ela se culparia? Ela que deveria estar se culpando, afinal, não tinha sido ela e Percy que os atraíra para perto dela? Mas... algo a incomodava. Ao olhar novamente nos olhos da garota, o sofrimento era visível, sobressaindo-se e se destacando em tudo o que vira até aquele instante.

Annabeth a pega no seu colo, com cuidado para não machuca-la, abraçando-a com força e beijando o topo de sua cabeça com afeto. Não se importava com o sangue manchando suas roupas, já lidera com muito daquele líquido viscoso para poder ter sequer receio de tê-lo nas mãos, embora vê-lo naquela garotinha a fizesse sentir-se como se a houvessem asfixiado e depois a revivido para conseguir sofrer mais uma vez. O coração parecia uma âncora, levando-a sempre para o fundo do beco do remorso. Ela e Percy deviam tê-la encontrado mais cedo, evitado que tudo aquilo acontecesse.

Depois do que pareceu um milênio, Percy volta-se para as duas. Ele parece congelar-se, o frio infiltrando-se dentro de si e petrificando todos os seus movimentos. A espada de repente parece pesar em suas mãos e ele a faz voltar a sua forma de caneta, guardando-a no bolso, os pés titubearam, ele balança a cabeça para voltar à realidade e caí ao lado da garota, passando a mão pelo rosto fervendo dela. Percy assustou-se e retraiu a mão, ergueu o olhar e sinalizou para a loira o seu temor. Voltou a recostar a ponta dos dedos na testa de Silena e pôde afirmar sua pele ardente. O rapaz fecha os olhos, reprimindo a raiva que sentia por não estar por perto para protegê-la, deslizou os dedos para acariciar as bochechas da garota, que estava abraçando a mão contra o peito, a respiração pesada e informe. 

-Temos que tirá-la daqui. –ele diz, determinado. Silena ao escutar sua voz abre os olhos vacilantemente, achando-o acima de si. Ela esboça um sorriso fraco, porém alegre em meio a tudo, pisca os olhos verdes, antes vívidos e agora com uma pacata tonalidade doentia. Estica o braço livre e toca no rosto do pai, alegre por vê-lo por perto. Annabeth a entrega a Percy, que a segura perto de si, aninhando-a nos seus braços onde a garota finalmente deixa-se descansar, sentindo-se segura pela presença do pai.

Quando ambos já estão de pé, prontos para correr em qualquer direção onde os levaria para um lugar apropriado para cuidar dela, eles hesitam. Onde estava o hospital mais próximo? Onde poderiam leva-la para ser tratada?

Eles percebem um movimento ao lado e instantaneamente ficam alertas. Annabeth saca a adaga escondida, atenta aos ruídos. Os músculos de Percy estão retraídos, prontos para a qualquer instante batalhar, mesmo com a frágil princesa em seus braços, e ele sente Annie tensa perto dele.

Um contorno escuro salta para perto dos dois, fazendo-os recuar e observa-la friamente, analisando quem poderia ser. Annabeth está prestes a atacar quando a pessoa levanta os braços e grita:

-Calma! Não me matem, sou eu...

A figura move-se para frente e os dois conseguem ver quem é a dona da voz. A garota é banhada pela luz da lua, que se derramava em seus cabelos ruivos e olhos verdes carismáticos, agora, repletos de pressa e tormenta. As sardas em seu rosto agora eram perceptíveis pela palidez de sua pele, o rosto estava claramente aterrorizado e ela encarava a pequena Silena com intensidade e admiração, um fascínio resplandecente no qual nem Percy ou Annabeth poderia entender. Era como se ela conhecesse um fato sobre a garota que os dois desconheciam, algo poderoso e importante. A camiseta larga caída sobre o corpo estava com uma mancha recente roxa, as calças jeans rasgadas e coloridas, como se houvesse acabado de ter pintado um quadro e derramado suco de uva na camiseta.

Rachel Elizabeth Dare.

-O que você está fazendo aqui? –Annabeth pergunta interessada. Rachel apressa o passo e curva-se sobre a pequena, olhando-a de perto. Desliza a mão para a sua testa e abafa um arquejo.

-Não temos tempo para isso. –ela replica, olhando pela primeira vez para os dois pares de olhos verdes e cinzas. Sua expressão era séria, com uma firmeza na voz de quem sabia o que estava fazendo. –Sigam-me... Eu sei onde vocês podem levá-la.

Tempo atual.

Percy corria pelo parque, a completa escuridão engolindo-o. Blackjack havia levantado voo novamente para procura-la pelos ares.

Ele não entendia, ela estava ali. Havia visto. Tinha certeza. Não havia sombra de duvidas de que o lugar onde ela estava localizada era o parque tão conhecido. Apesar de que... não estava como ele vira na visão.

Alguns bancos haviam mudado de lugar, algumas partes da grama já estavam rasas enquanto onde Silena estava era um imenso verde impressionável. Flores que lá estavam desabrochadas, aqui não haviam ainda nem nascido. Podia enxergar mais construções ao comparar com o plano de fundo embaçado da mensagem.

Estaria ele ficando louco? Sua mente começara a embaralhar as coisas? Por que Silena não estava ali? Onde estava o Minotauro? Onde estavam os rastros? Não havia sequer uma pegada ou uma folha amassada. Estava tudo totalmente e perfeitamente bem e limpo.

Então onde estava sua filha? Sua querida e amada Silena?

Ele parecia estar em um jogo. Um jogo cansativo e cruel. O tempo passava-se lentamente, maçante, torturando-o com uma perda de quem ele mais amava naquele mundo. De uma parte de si. Nada parecia certo, nada parecia plausível.

Percy levou a mão ao peito, sentindo as batidas incansáveis de seu coração. Ele tentava apartar o sentimento nauseante que lhe subira a cabeça. As mechas escuras do cabelo grudavam da testa empapada de suor, os olhos ardiam cheios de desespero. Soltou uma expiração, acalmando-se. Lembrou-se da voz de sua sabidinha, e tentou formá-la em sua mente uma imagem da mulher que mais havia amado em toda a sua vida. Lembrou-se da sua voz e começou a acalmar-se.

Onde ela poderia estar?

Percy revirara cada parte do parque. Já tinham se passado duas horas desde que chegara, e nenhum sinal do monstro. Ou da sua corujinha. Ele içou as esperanças fortemente em sua proximidade, para não desistir.

Blackjack pousou ao longe, trotou até brecar ao lado do semideus, deixando-o apoiar o seu peso em seu tronco. Percy colocou a mão no pescoço do garanhão, tentando pensar.

“Nada...” – o pégaso murmurou para ele, tentando o tom mais suave que poderia ter. Percy suspira pesaroso. Não se falam por vários minutos, até Percy resolver quebrar a monotonia, percebendo que não encontraria Silena por lá, mais.

-Era o que eu pensava. –balança a cabeça, recolhendo contracorrente em sua versão de caneta e colocando-a no bolso. Sabia o que fazer, afinal. Talvez o que sempre tinha que ter feito, desde o início.

Ele monta no seu pégaso negro, Blackjack abaixa a cabeça e Percy pôde sentir o que se passava em sua mente. Ele dá leves tapinhas da cabeça de Blackjack, para reconforta-lo.

Voam em silêncio por muito tempo, não trocando uma sílaba sequer. Percy refletia sobre sua decisão, girando-a na cabeça e contorcendo-a para ter absoluta determinação em pô-la em prática. Era a decisão correta? Sim, era a coisa certa a fazer. Era o que deveria fazer. Como antes pensara, era o que tinha que fazer a princípio. Como sua Annie dissera. Será que sua Annabeth iria chegar a mesma conclusão? Será que ela o apoiaria?

Chegam ao acampamento, onde está tudo silencioso e o tempo plácido. A quietude do local confirma a Percy sua escolha. Ele despede-se de Blackjack, demorando-se para se afastar, mas quando chega a hora de ir, o pégaso o detêm.

“Ahn, chefe?” - relutante, ele o chama. Percy vira-se, aguardando. A postura estava relaxada e o rosto finalmente sereno. Blackjack se remexe, irrequieto. “Hm... O que você vai fazer? Digo... Silena...”

Ele para. Percy acena com a cabeça. Blackjack não necessita dizer mais nada, pois o homem já sabe o que ele quer transmitir. Percy levanta a cabeça, olhando para cima e sentindo a brisa por um momento. Ela refresca sua pele, trazendo-lhe a paz. Annabeth sorri com orgulho em sua mente e uma imagem desfocada de Silena aparece ao longe. Ela corre para cada vez mais perto, aproximando-se aos poucos. Tudo o que ele tem que ter é paciência. Ela chegará até ele.

A voz da sua amada sabidinha chega aos seus ouvidos, com mais vivacidade: “... ela é a nossa filha, vai conseguir voltar a você do jeito que é. Ela nunca nos abandonaria.”.

“... Ela nunca o abandonaria.”

Annabeth havia dito a ele. Havia o certificado do que deveria fazer. Avisara a ele desde o começo. Um breve sorriso passa pelos seus lábios, já é capaz de escutar a risada pacífica de Silena por perto.

-Eu vou esperar. –Percy finalmente se pronuncia, ao notar Blackjack esperando sua resposta. O filho de Poseidon ainda está concentrado acima, olhando algo que ninguém pode ver ou ouvir...  mas ele? Ele consegue. –Ela vai voltar. Eu sei que vai.

Tempo passado.

A garota sentia-se cada vez mais fraca a todo instante que se passava... O sangue fluía de seu ferimento com mais lentidão enquanto antes jorrava descontroladamente e ela tentava manter-se consciente enquanto sentia a presença de seu pai aconchegando-a em seu colo e a segurava firmemente, carregando-a nos braços ao mesmo tempo em que se movia rapidamente por entre as árvores. A vista da pequena tornava-se turva, podia sentir-se vulnerável e ferida por dentro, como se a tivesse golpeado por uma faca por trás. Nunca tinha batalhado contra um Minotauro antes. Nunca sequer havia visto um tão de perto. Afinal, seu pai nunca a deixaria lutar contra algo tão estupendo assim, para alguém de sua idade. Talvez quando tornar-se mais velha, no entanto, tivera que enfrentar aquilo com apenas seis anos; como será que seu pai se sentira quando havia passado pela mesma situação dela? Silena havia escutado a história repetida vezes, e nunca se cansava de ouvi-las de novo. Porém... a dor era mais forte e tomava conta de toda os seus pensamentos.

Desceu os olhos novamente para a mão praticamente retalhada, prejudicada pelo monstro. O sangue encobria todo o canto de sua palma, manchando as suas roupas e o tecido com que Annabeth o amarrara, espalhando-se para o braço do rapaz que a segurava defensivamente. Onde eles estavam indo? Ela estava bem... estava bem.

A cabeça girava, o mundo rodava em sua volta, o sangue latejava em sua têmpora, batucando em sua mente violentamente, como se a avisassem para continuar desperta. Porém, não era possível fazer muita coisa para impedir. Ela estava fadigada, a respiração saía difícil, o corpo parecia pesado. O que acontecia com ela? Afinal, não era nada grave, era?

Suas pálpebras começaram a se fechar sozinhas, ela encolheu-se mais de encontro a proteção do pai, acreditando que logo poderia estar acordada de volta, bem, sã e salva. Como sempre seu pai a ajudara, e agora, sua mãe estava lá também. Não queria a deixar preocupada, queria mostrar que estava ótima. Mas isso estava além de seu alcance naquela hora.

Com a cabeça apoiada no peito de Percy, ela foi escutando os batimentos cardíacos veloz do rapaz, que tentava com todas as forças não entrar em pânico, pois sabia que só iria piorar as suas causas. “Se ela pudesse ao menos beber um pouco da ambrosia...” – pensava consigo mesmo o garoto. O que ele poderia fazer? Sim, provavelmente ela teria visto o monstro, sua expressão a denunciava. Porém, não poderia arriscar. E se fosse apenas mais uma mortal como sua amiga Rachel, que conseguia enxergar através da Névoa? Não podia deixar de pensar o que poderia acontecer se desse a ambrosia para Silena e ela não fosse uma semideusa como Annabeth desconfiara. Ela não parava de dizer a Percy, entre as lágrimas, que se atrevesse a lhe dar apenas uma gota. Annabeth, a que era a mais reflexiva e ponderada dos dois agora se precipitando? O que estava havendo com ela?

Silena, lentamente, deixou que a escuridão tomasse conta de seu corpo e de toda a sua mente, logo voltaria... Poderia conta-los quem era ela? Assim não o deixariam tão aflitos para procurar um lugar quando poderia apenas tomar a ambrosia que sempre carregava consigo, mas que naquele dia esquecera no chalé com pressa demais para refletir sobre o que levaria naquele dia turbulento.

Os olhos foram fechando-se até sua visão estar completamente sombria, a consciência oscilando entre mantê-la na realidade e volta-la aos sonhos incompreensíveis.

Enquanto ainda estava desperta, ela conseguia escutar os murmúrios desesperados de Percy dizendo “Tudo ficará bem, vai dar tudo certo...” no qual ecoaram pela sua cabeça ao retirar-se dos seus próprios pensamentos, os pensamentos vagando longe.

A última coisa que escutou e foi capaz de processar na insana mente conturbada foi sua mãe perguntando:

-Você tem certeza de que está nos levando no caminho certo, Rachel?

Rachel... Era aquela garota ruiva de olhos verdes intensos que a estudara ao inclinar-se em sua direção enquanto estava nos braços do pai?

Já escutara esse nome antes. Mas de onde?

Antes que pudesse terminar o raciocínio, ela desvaneceu. Caiu em um sonho sereno onde ela estava com o seu pai, o seu pai mais velho. Lágrimas formaram-se atrás de seus olhos e o sentimento de saudade apertou-lhe o estômago. Ele olhava para cima, em uma expressão dispersa e tranquila. A melancolia que a garota sentia, a respeito do seu pai no futuro, estava a consumindo. Mas ela sabia que não estaria tão longe dele por tanto tempo. Tudo o que ela pedira fora um curto período de tempo para passar com a sua mãe. A sua grande heroína. Logo poderia contar a ele suas próprias experiências com ela. Os dois poderiam sentir-se com a mãe novamente.

Enquanto Silena respirava, percebeu a dor não a afligindo mais e uma paz a envolveu. Ela observava o rosto do pai no mesmo momento que um sussurro longínquo chegou aos seus ouvidos. Aquelas simples palavras a fizeram relaxar. Fizeram-na senti-lo em seu coração.

“Ela vai voltar.” – ele dizia. A garota apenas sorria, com a confirmação batendo dentro de si. Sabia de quem ele estava falando.

“Em breve” – ela tentou responder para ele, mas ele não virou o olhar. Aproximando-se, a pequena garota ficou a sua frente, agarrou sua mão e abraçou-o apertado. Sua presença estava lá... ao mesmo tempo que não estava, no entanto, era acolhedora como sempre fora. “Nunca vou deixa-lo, papai. Eu prometo.” Sussurrou baixinho, torcendo para que o seu amado pai estivesse bem... Assim como ela ficaria.


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Notas finais do capítulo

Hmm, não me matem, haha. O próximo terá uma narração surpresa, ideia que meu irmão teve e eu aceitei. Vocês gostaram desse capítulo???? Eu vou explicar muitas coisas no próximo, então não se preocupem. Obrigada MESMO de novo! E até o próximo! (Desculpa ter sido sucinta aqui, meu pai tá regulando o tempo...) Vejo vocês logo! Beijos. (: