Vermelho Insano escrita por Chelly


Capítulo 1
Vermelho Insano


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Não conseguia dormir. Vestiu um fino roupão aperolado, aconchegando o corpo feminino coberto por uma delicada camisola de seda branca, desejando urgentemente umedecer a garganta com alguma bebida forte que, provavelmente, a faria esquecer, mesmo que por algumas horas, aquele sentimento insano que tanto lhe angustiava.

Do pequeno bar de sua sala, dirigiu-se com um copo de uísque cheio de gelo, até a grande sacada de seu apartamento, que se estendia por além de uma porta de vidro escondida por uma transparente cortina cor de pêssego. Sentiu-a bater suavemente em encontro a pele assim que abriu a porta e deixou o vento frio da madrugada de Gotham City adentrar em sua residência.

Apoiou-se na borda fria do local, vendo que a cidade permanecia em vivo progresso, mesmo àquela hora da noite. Sabia o tipo de progresso que uma cidade como Gotham gerava naquele momento. Bandidos, mafiosos e o alto escalão do governo ainda consideravam a noite o melhor período para planejarem e colocarem em prática seus mais argilosos e cruéis atos de fins egoístas e sádicos, mesmo com o surgimento de um justiceiro que se auto-intitulava “Batman”.

“Algum ser humano doente que sentiu na pele a sensação dura da violência e decidiu seguir a vida movido pela vingança... provavelmente...”

Olhou melancolicamente para o copo molhado e quase vazio em suas mãos e, desprovida de qualquer solidariedade para com os que sofriam com as injustiças daquela “abominável” cidade, entorna o resto do liquido, sentindo-o queimar em sua garganta e tirar-lhe mais um pouco de sua razão.

– O desgraçado deve estar lá...

Aponta acusadoramente para as ruas da cidade.

–... Explodindo algum monumento histórico ou matando e enlouquecendo alguém inocente, só para provar que todos são iguais a ele... E rindo... Gargalhando como um louco por sentir-se o único ser humano honesto e coerente desta maldita cidade de cobras.

Inclinava-se, apoiada à cerca que envolvia a espaçosa sacada. Deixou os cotovelos sustentarem o corpo trêmulo e escondeu os olhos lacrimejantes com as mãos.

– Chega a ser irônico... Mas a gargalhada insana e estridente daquele lunático tem seu charme...

Riu, curvando sutilmente os lábios cobertos por um forte batom vermelho que fazia um notável contraste com sua pele clara e cabelos loiros. Riu, pois confessava a si mesma o que muito havia relutado a aceitar.

O coração disparou e, ao lembrar-se do baile na mansão Wayne, viu-o em sua mente ameaçar e roubar os convidados do homem mais rico da cidade como se estivesse lidando com funcionários de qualquer lojinha de conveniência. Achou-se louca por não sentir-se apavorada com aquele olhar assassino em cima de si toda vez que ele passava por perto de seu grupo de colegas. Pelo contrário, sentiu-se, de certa forma, confortável com tal presença onipotente, chegando a concordar e levar em consideração os ensinamentos, provavelmente, provenientes de uma infância e adolescência terríveis.

As pernas bambearam e manter-se em pé tornava-se impossível. Cambaleou até uma das cadeiras de madeira e jogou-se lá, permitindo algumas lágrimas esvaírem-se pelos olhos azuis e contraditórios.

O corpo adormeceu por conta da bebida ingerida, mas pode sentir o toque quente em seu ombro e o cheiro industrial de sua maquiagem característica estava tão forte que concluiu derrotada, estar ficando louca. Sorriu sutilmente, transparecendo toda sua frustração e falsa satisfação.

Uma pressão foi sentida em sua pele e a mulher abriu os olhos assustada. Estava real demais, o fino fio de sanidade que lhe restava não poderia tê-la abandonado. Olhou rapidamente para trás da cadeira e lá estava o demônio de seus pensamentos, rindo da expressão de susto que a mulher a sua frente fazia.

– Boa noite, senhorita...

Curvou-se num cumprimento antigo a uma donzela, não tirando o sorriso debochado dos lábios. A jovem encontrava-se em pé, atônita e meio embriagada diante tal presença. Suava incrédula, e a expressão assustada não saía de seu semblante. Não tinha medo daquela presença sorrateira em sua casa. Mas o sentimento de alegria que tomava o peito ao vê-lo novamente, sim... Dava-lhe muito medo.

O Coringa andava de um lado para o outro do local, falando entusiasmadamente sobre as atrocidades que fizera antes de subir ao apartamento de Harley Quinzel. Segurava uma garrafa de uísque e dois copos (que provavelmente ele pegara no bar de sua casa), depositando-os na pequena mesa de madeira ao lado da mulher, que começava a voltar à realidade. Encheu os copos com a bebida, até transbordar e cair em pequenas linhas sobre a mesa, não se preocupando com qualquer etiqueta comportamental ou em trazer gelo para reduzir o impacto alcoólico da bebida.

Ofereceu um dos copos à figura impassível a sua frente. Harley viu-se perdida naquele olhar penetrante e tão intenso quanto as cicatrizes em seu rosto. Pegou o objeto de vidro, fazendo-o piscar para si sarcasticamente e sentar-se desajeitado na cadeira.

– Queira sentar-se... Vamos aproveitar essa fantástica noite em Gotham!

Segurava o copo com as duas mãos, vendo o Coringa dar dois generosos goles na bebida quente e soltar um saudoso suspiro de satisfação. Pegou-se rindo e sentou-se à frente do homem que tanto lhe chamara atenção, cruzando as pernas e deixando o copo na mesa.

– Adivinha só onde eu estava...

Olhou divertidamente para Harley, esperando que ela respondesse. Mas a garota permitiu-se pronunciar apenas algumas palavras sem coesão:

– O que você quer comigo?

Coringa interrompeu o falatório e achou graça da pergunta da mulher a sua frente, arrastando sua cadeira para mais perto da mesa, a fim de apoiar-se lá e poder ver melhor o rosto sério de Harley.

– Você poderia ter perguntado como eu te achei, ou como diabos entrei num apartamento com seguranças tão imensos como aqueles... Podia até perguntar o nome da tintura de cabelo que uso, querida... Mas... “O que você quer comigo?” soou como um clichê barato de filmes de suspense. Não acha?

Para sua própria surpresa, Harley riu. Chocou-se por não ter se sentido humilhada, pois sentiu que sua inteligência estava sendo colocada em prova, e isso não admitia. Levou as mãos à boca, disfarçando a risada e fugindo do olhar desnorteante daquele louco que chegara falando algo sobre morte e explosões no banco da prefeitura (fatos que ela preferiu ignorar.).

O vento frio arrebatou-lhe, e ela encolheu-se dentro do fino roupão, sentindo a pele arrepiar com o roçar do pano em sua pele.

O palhaço levantou-se, tirou seu paletó roxo, depositou-o sobre os ombros de Harley, em seguida sussurrando em seu ouvido, como num sopro, causando na mulher acolhida, certo incômodo e mal estar.

– Beba o que lhe servi... Quero ficar aqui fora... Por enquanto...

Ele volta ao seu lugar, não tirando os olhos de cima da mulher em seu paletó, que o obedecia tomando alguns pequenos goles da forte bebida, logo sentindo o corpo esquentar.

– Você me intriga, minha jovem.

Ela o olha o rosto manchado do homem apoiado na cadeira, sentado com certa elegância e alteza. Encarou-o nos olhos, mesmo sabendo o quanto eles podiam dominá-la com um único piscar.

– Como assim...?

– Na aparição que fiz à mansão do senhor... Senhor... Como ele se chamava mesmo?

Revirava os olhos, tentando se lembrar do nome do ricaço nojento anfitrião daquele baile mais nojento ainda.

– Wayne...

Ela completa.

– Wayne! Obrigado, pudim. Pois bem, naquela noite, sabe quantas pessoas morreram?

A loira espantou-se com tal pergunta (ou com o fato de ter sido chamada de “pudim”, o que, estranhamente, achou charmoso.), mas continuou calada, denunciando sua falta de informação (ou desinteresse sobre ela.).

– Seis. Seis pessoas. Eu, pessoalmente, matei três delas. Uma, eu cortei o pescoço com isto...

Tirava um canivete do colete verde claro, exibindo-o à Harley.

–... E os outros dois levaram alguns tiros...

Mostrava-lhe uma arma de calibre pequeno, apoiando-a em sua testa e bebendo mais um gole da bebida a sua frente.

– E eu com isso?

A mulher disse num sobressalto, não entendendo aonde ele queria chegar com aquela conversa.

– Uma das características básicas do indivíduo humano é o sadismo. A pessoa mais sensível acaba preferindo encarar o morto ao... Assassino. O que quero dizer, minha querida senhorita... É que tinha tripa e sangue pra todo lado... Mas você, minha jovem, não parou de me olhar em nenhum momento.

Harley o encarou por um pequeno instante e disparou:

– Não sou movida por nenhuma... “Falsa solidariedade”, ou coisa parecida. Aquelas pessoas morreram sem me dever nada, já é o bastante pra mim.

Sorvia mais daquele líquido amargo que já não ardia mais em sua garganta, ouvindo o Coringa gargalhar de forma chamativa. Ele se levanta e a tira da cadeira, fazendo-a soltar um leve gemido de surpresa.

– O que você viu em mim que achou tão fascinante? É a minha conduta? Meus prováveis motivos? Talvez seja minha maquiagem... Não sei o que foi senhorita Harley, pode me dizer?

Uma forte tontura a arrebatou ao sentir o hálito quente do Coringa bater de encontro a seu rosto. Olhou a face borrada de maquiagem e uma imensa vontade de tocá-lo chegou a seu coração.

Ele mantinha os lábios curvados, esperando a resposta para, mais uma vez, rir, divertindo-se com o intelecto humano, sempre tão previsível. Ela o tocou, manchando seus dedos com a tinta em seu rosto, aproximando-se mais daquele corpo que a provocava tão abertamente, surpreendendo-o um pouco e quase desfazendo seu principio de gargalhada.

– Você ainda é um mistério pra mim, Coringa. Mesmo assim, tudo o que fala e no que acredita faz um enorme sentido pra mim. Não suporto essa moral redundante que envolve o mundo. Acredito que a maioria... Senão todos, pensam e anseiam somente a própria satisfação e o próprio prazer. Você foi o único, até hoje, que me pareceu preocupado de verdade com o coletivo,e vem fazendo algo quanto a isso... Chego a... Sentir nojo das pessoas com que ando, sempre dizendo querer o bem do próximo e a paz no mundo, mas só pensam em dinheiro e no sustento da própria casa. Tudo isso é uma grande besteira pra mim. Não posso evitar me sentir assim... Não pude evitar te admirar. Nem naquela noite... Nem agora.

Sorriu, sentindo-se vitoriosa por ter dito as palavras mais sinceras que quaisquer outras que tenha dito na vida. Não se importava com o futuro da humanidade, pois tinha consciência que os seres humanos estavam se enterrando no buraco que eles próprios cavaram. Se esconder nas morais e nas éticas profissionais só aceleraria tal processo de putrefação global.

O Coringa parou de rir, ficando sério, chamando a atenção de Harley para tal fato inédito. Com uma das mãos a segurou pela cintura, encaixando sua perna entre as pernas da mulher que entregava-lhe suas revelações numa bandeja. Sentiu-a deslizar os dedos por suas cicatrizes e perguntou:

– Então... Quer dizer que não me considera um louco?

– Louco? Não... Na verdade, acho que é o único cidadão são de Gotham City...


Antes mesmo de justificar sua resposta, Harley senti o cano frio do revolver do Coringa pressionar-se contra sua cabeça. Ela continua a encará-lo, sem mudar de expressão, permanecendo a segurar seu rosto delicadamente.

– Se o Batman...

Estala o pescoço e range os dentes, como se tivesse sentido um arrepio.

–... Aparecesse aqui agora e, movido pelo ódio que há muito ele reprime, resolvesse me matar de vez... Você me salvaria, querida?

A arma tremia em sua cabeça e a mulher sabia que estava sendo testada.

–... Contra o Batman, uma mulher como eu só pode usar a inteligência e o improviso. Agora me diga... “Querido”... Tenho cara de alguém que cria planos?

O homem de colete que a ameaçava tão naturalmente arregala os orbes verdes e desfaz o carregamento da arma de fogo.

–...Não.

Respondeu instintivamente, soltando a arma na mesa.

–Nem um pouco...

O Coringa puxa sua nuca com a mão que segurava o perigoso armamento, perdendo seus dedos enluvados nos curtos e ondulados cabelos loiros de Harley, iniciando um desajeitado e descontrolado beijo, fazendo o paletó que a cobria cair no chão. Forçava a passagem de sua língua, mesmo não encontrando resistência da mulher que se perdia mais e mais em seu abraço afobado, sentindo o pudor da jovem esvair-se por seus dedos, à medida que vasculhava seu corpo, por de baixo do roupão. A fez sentar-se na mesa e encaixou-se entre suas pernas abertas. Harley permanecia de olhos fechados, sentindo a mistura do gosto da boca do palhaço com a tinta vermelha dos seus lábios. Abriu os olhos e ele ria de maneira diferente, ainda mantendo o olhar frio e insano em cima de si.

O Coringa interrompeu o beijo, tirou as luvas e alisou a pele do rosto da jovem Harley, que fechava novamente os olhos, sentindo-se embriagada com os toques quentes que queimavam sua pele.

– Manchei seu rosto...

Ele dizia, limpando os restos de sua maquiagem na face da garota.

– Mas veja... Até que esta maquiagem lhe cai bem.

Dizia observando criticamente o rosto manchado de tinta branca e vermelha de Harley, que achou graça do comentário, mesmo admitindo que o tom que o Coringa usava causava-lhe certo receio.

Ele encontra o olhar seio da mulher em seus braços e, com a risada característica, diz:

– Por que está tão séria? Sabe, nesse mundo as pessoas agem como se fossem peças de um tabuleiro...

Riu-se por dentro, por utilizar uma comparação tão antiquada como a que estava fazendo.

–... As peças menores trabalham em conjunto para protegerem as onipotentes peças maiores.

Gargalhou meio que sem querer, logo voltando a si.

– Mas pessoas como eu... E você, senhorita Harley... Tem o papel de conduzir tais peças e fazê-las entender que esse jogo já está perdido há muito tempo.

Harley admirava a expressão e os ideais diretos do homem que a segurava em seus braços, se sentindo perdida naquelas palavras que, não podia negar, a fez sentir um imenso desejo de liberdade e conquista.

– Esta cidade merece os melhores tipos de bandidos!

Solta a garota e, em pé na borda da sacada, abre os braços, voltando a gargalhar.

– Não é engraçado? A fé, a solidariedade, a harmonia, a bondade... Tudo que gera o falso bem... Tudo isso não passa de uma grande piada!!

A loira gargalha baixo, olhando-o com adoração e entrega.

– O que me diz, jovem Arlequina? Quer ser a atração principal do grande picadeiro que estou formando em Gotham City?! Quer dar às pessoas que não entenderem a verdade que rege a humanidade, a chance de morrerem pelas minhas mãos? Quer ser a concentração viva... A prova das minhas convicções e...

Desse da borda do apartamento e presta reverência ante Harley, ainda sentada sobre a mesa.

–... Minha companheira na realização deste grande espetáculo??

A garota sentiu uma tontura, mas não a associou à bebida que ingerira. Ver e ouvir o Coringa realizando aquele convite e a chamando de “Arlequina”, numa provocação, fez seu sangue esquentar e o cérebro entrar em recesso. Antes de ele terminar de falar todas aquelas verdades que, para a maioria das pessoas soava como loucura, ela já estava pronta para dizer-lhe um estridente e sonoro “sim”, e tornar-se completamente daquele homem que tanto desejava. Sabia o quanto perigoso seria. Sabia que no primeiro deslize ou provação ele a abandonaria ou mesmo daria cabo de sua vida. Porém, seu desejo era tão concreto, que se viu subordinada às próprias emoções, e a ânsia de prazer e descoberta arrebatou-lhe em cheio.

O Coringa levanta e novamente a puxa pra um beijo, sentindo-a mole em seus braços e entregue aos seus toques.

– Seja meu até o fim...

Ela diz enquanto é carregada para dentro pelo homem de colete e risada abalada.

–...Esteja ao meu lado até o fim...

O abraça , escondendo seu rosto no pescoço do Coringa, sentindo seus cabelos esverdeados cobrirem-lhe os olhos.

– Até o fim, querida...

Gargalhava vitorioso, rindo antecipadamente do enorme prazer que sentiria ao atentar Gotham ao lado da mulher em seus braços.

–... Vamos lá, coloque um sorriso nessa cara!

Os olhos de Harley finalmente mostraram o mesmo brilho opaco e desequilibrado do louco que a carregava e a depositava tão delicadamente na macia cama de casal de seu quarto envolto às sombras.

Nascia ali, um amor ébrio criado pela insanidade, sofrimento e pelo ódio; um amor criado pela humanidade hipócrita que os acolheram tão friamente e os moldaram no pior pesadelo que Gotham City teria o desprazer de presenciar.

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Notas finais do capítulo

- Gostaria de lembrar que os acontecimentos aqui retratados não estão dentro do roteiro original da série... XD- Não achei que uma descrição da “noite de amor” deles cairia bem na intenção desta fic. Queria fazer um drama, nada muito romântico... Nem sei se consegui... -____-- Usei falas da versão dublada do filme “The Dark Knight”. Foi divertido...>Achou a fic muito pessimista? Viu erros gritantes de português? Gostou? Odiou? Achou loucura o Coringa sentir-se apaixonado? *mesmo eu, não boto muita fé nesse romance* Não sabe quem é Harleen Quinzel?...................... Deixem Reviews demonstrando suas emoções o/