As Desastrosas Aventuras da Guilda escrita por Hikaru


Capítulo 5
Prontos para ir/Músculos hidraulicos




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A Guilda estava reunida na sala, todos com um humor bem otimista. Malas prontas, magias preparadas, planos traçados. Estavam prontos para ir.

Iriam para a Itália de barco, o que duraria aproximadamente um mês. Chegando lá, iriam direto ao Vaticano. E decidiriam o que fazer depois. Um puta de um plano, pelas palavras de Jackie.

Annya estava sentindo que isso tudo não iria dar certo (apenas um palpite). Mas ela decidiu não se importar muito. Sempre quis visitar a Itália.

–Vamos ver quanto tempo vai levar até que isso dê merda – comentou ela enquanto saia da porta, a última do grupo, carregando sua mala.

Contrariando suas expectativas, nada aconteceu logo que eles deixaram a Guilda, tampouco enquanto eles se dirigiam ao porto.

No alto de um prédio, um homem esguio se sentava na beira do teto, com as pernas balançando no vão infinito da cidade abaixo. Ele olhava para o céu, e ao mesmo tempo, não era para lá que ele estava olhando. Era uma noite fria de julho, e a lua cheia banhava a cidade com uma luz pálida. Uma mulher aproximou-se dele, saltitando.

–Já achou eles? – ela perguntou, empolgada.

–Claro que sim. Eles não estão fazendo questão de se esconder. São confiantes.

–Arrogantes – disse um terceiro que se aproximou dos dois. Um homem soturno, de vestes rasgadas e pele castigada. Tinha a pele escura, cicatrizes por todo o corpo, e cabelo arrumado em dreads presos num rabo de cavalo. – Acham que podem derrubar o escolhido de Deus como se ele fosse um homem qualquer.

–Temos que ir logo, antes que eles entrem no barco – falou o último do grupo, também encarando o nada como se encarasse alguma coisa. – Estão se movendo sem pressa, isso deve ser fácil. Vamos esperar eles chegar ao bairro do Mercado antes de atacar.

Um globo ocular azul subiu flutuando na direção do homem que estava sentado no parapeito do teto, que o agarrou e o esmagou, espalhando sangue e humor vítreo pelo seu braço. Ele levantou-se, e, sinalizando para seus companheiros segui-lo, pulou em direção à rua movimentadíssima lá embaixo.

Um fato muito interessante sobre a cidade de Novo Mundo é que, devido à quantidade absurda de magos residentes na cidade, ela tem um campo de energia mágica pesado. Isso confere às suas ruas algumas características bizarras. Por exemplo, é impossível jogar um objeto, qualquer que seja, do alto de um dos prédios da cidade, e ele cair sem que nada o atinja no percurso. Esse fato foi inclusive cientificamente comprovado, quando um grupo de cientistas instalou um canhão de bolas de tênis programado para atingir um alvo a alguns metros de altura e distância, em um parque. Em três anos, nenhuma bola jamais atingiu o alvo.

No entanto, nenhum dos integrantes do nosso grupo estava contando com esse fenômeno para não se espatifar no chão. Cada um deles tinha seu próprio mecanismo mágico para navegar pela cidade, obviamente.

Enquanto isso, a Guilda chegava ao bairro do Mercado. O lugar era um conjunto infindável de barracas, lojas e butiques vendendo os mais variáveis artigos possíveis. Desde um simples pastel de carne até um ovo de dragão, era possível encontrar de tudo no Mercado de Novo Mundo. Jackie adorava o lugar, com sua energia vibrante e diversidade absurda de coisas para comer. Era o caminho mais curto para o porto, por isso eles tiveram que aguentar o bombardeio de ofertas que surgiam de todos os lados. No entanto, a insistência dos vendedores foi ficando cansativa, e o grupo pegou o atalho numa rua mais estreita e deserta. Como você já pode deduzir, não foi uma boa ideia.

Uma parede de gelo enorme surgiu na frente deles, crescendo com um estrondo e bloqueando sua passagem. Assustados, todos viraram para trás e correram de volta para a rua de onde vieram, apenas para serem parados novamente por outra parede de gelo. Descendo acrobaticamente pelas escadas de incêndio e canos expostos, quatro vultos desceram do céu e pousaram da frente da Guilda. Era um grupo muito estranho de pessoas, como eram na maioria das vezes os grupos de mercenários.

–Para trás, Helena, nós cuidamos disso – falou Annya, com um tom sério. Sua foice apareceu com um sibilo e uma nuvem de fumaça branca.

–Ninguém precisa se machucar, moça – respondeu a mulher do grupo. Ela usava um casaco grosso e azul, uma saia de colegial, meias sete oitavos azuis escuras, e sapatos simples. Tinha um cabelo liso de um azul quase branco, que lhe caia liso sobre os ombros, terminando em pequenas ondulações. – Nós só queremos a Helena. Nenhum de vocês precisa se envolver nisso.

–Na verdade, ela vai nos dar uma quantidade fudida de dinheiro, então nós meio que precisamos nos envolver sim – comentou Freddie, sinalizando algo para Ryuuko. Ela olhava fixamente para o grupo recém-chegado, mas sussurrava constantemente, mal movendo os lábios.

–Não podem dizer que não tentamos né? – disse o homem mais a frente de todos. Ele vestia um macacão jeans encardido, com várias manchas de sangue e rasgado em vários pontos, e uma camisa branca no mesmo estado. Seu antebraço esquerdo tinha um corte fundo por toda sua extensão, que gotejava sangue e ia formando lentamente uma poça rubra no chão. Seu outro braço, no entanto, era ainda mais perturbador, pois era como se fosse uma colcha de retalhos macabra, onde fios cirúrgicos juntavam os pedaços da sua pele, deixando aparecer pedaços vermelhos de músculos expostos em alguns pontos. Ele olhava para a Guilda com um olhar maníaco. – Vamos logo acabar com isso!

Nesse momento, várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. O homem do braço sangrando pulou na direção de Lilly, que estava no centro da formação, e o sangue da poça que se formava debaixo dele instantes atrás acompanhou o movimento, formando uma assustadora lâmina de sangue no ar. Ela, com o tempo de reação desenvolvido de anos de batalha que a maioria dos magos possuía, encostou a mão no bolso e gritou algumas palavras de comando. Seu braço esquerdo transformou-se num grande tronco de carvalho, que ela usou para parar o golpe da lâmina, que ainda assim quase cortou seu braço fora. Se árvores tivessem nervos, ela teria gritado de dor.

A menina do casaco azul estendeu a mão e conjurou várias agulhas de gelo, que formavam-se no ar e partiam zunindo na direção de Freddie. Ryuuko terminou seu encantamento bem na hora, invocando com luzes azuis brilhantes e sons metálicos um enorme lança-chamas acoplado ao braço de Freddie, que imediatamente o pôs em uso, cuspindo uma enorme língua de fogo que derreteu no ar o ataque da criomante. Ryuuko também invocou para si seu Esqueleto Externo de Combate, uma estrutura robótica que se acoplava no corpo dela, proporcionando aspectos de humanidade aumentada, além de braços adicionais e diversas armas.

Annya chutou sua mala, que abriu com um estalo, revelando um esqueleto humano que prontamente levantou-se, empunhando uma adaga em cada mão, e saiu correndo junto com sua mestra para cima de um dos integrantes do grupo de mercenários, um homem careca com ar soturno, coberto por tatuagens roxas que pareciam acender e apagar, lentamente. Mas ele, parecendo não estar interessado nela, fez um arco brusco com o braço, sua mão indo da direção de Annya para uma parede próxima. Para sua surpresa, a maga acompanhou o movimento, sendo jogada violentamente na parede sem que nada a tivesse atingido. Ele agarrou o crânio do esqueleto e, em um segundo, todo ele foi feito em pó.

Jackie estava com chifres enormes de bode, garras pontudas e algumas escamas avermelhadas espalhadas pelo corpo. Com um rugido, ela disparou numa velocidade impossível para juntar-se a Lilly na sua luta com o líder dos mercenários.

A batalha rugia furiosamente, uma explosão de magias variadas voando para todos os lados. Lilly alterava frequentemente de aspectos animais, ora adquirindo formas fortes e agressivas, como de elefantes e rinocerontes, ora de animais mais rápidos, como lobos e raposas. Ryuuko e Freddie faziam jorrar fogo e explosões para todos os lados, provocando reações rápidas dos seus oponentes, que criavam fortes barreiras de sangue, gelo, ou ar. Jackie jogava-se furiosamente para cima do carnomante, que lidava com ela e com Lilly com relativa facilidade. Quando se feria, parecia não se importar, e usava as feridas para fazer jorrar mais sangue para suas magias.

Lilly agora tinha o corpo todo recoberto por uma camada grossa de carvalho, e lutava freneticamente com o carnomante, que se defendia usando o próprio sangue, que parecia bater e fluir de fora para dentro do seu corpo, enquanto ele o moldava em paredes e lâminas. Ryuuko disparava mísseis e tiros para todos os lados, mas os projéteis pareciam ricochetear e parar no ar, o que estava deixando ela muito confusa. Um martelo gigantesco de gelo desceu do céu, de fora do campo de visão de Freddie, e acertou-o em cheio no estômago, jogando-o na barreira de gelo. Tonto e sangrando, ele olhou a sua volta, procurando a ajuda de Helena. Onde diabos estava Helena?

Ele repetiu essa pergunta para si várias vezes, a princípio um pouco irritado, e depois cada vez mais preocupado.

–Cadê a Helena? – berrou ele.

O carnomante deu uma risada psicótica, mesmo depois de Lilly ter transformado no ar seu braço em um enorme braço de gorila, e acertado finalmente um murro violento no rosto, que o jogou vários metros para trás.

–Onde está ela, não é mesmo?

–Parece que terminamos aqui, rapazes – disse a maga mercenária.

–Ainda não – disse o rapaz careca. Ele fechou os olhos e estendeu as duas mãos na direção de Ryuuko. Ela começou a sentir-se tonta, sua visão enegreceu e ela caiu desacordada no chão. – Precisamos dela também.

–Se você diz...- respondeu a criomante. Ela correu com seus companheiros em direção a uma das barreiras de gelo, que se desfez momentos antes dela atingi-la. Por lá, os mercenários saíram correndo, e estranhamente, o corpo desmaiado de Ryuuko seguiu-os flutuando. A Guilda prontamente correu atrás deles.

O grupo de mercenários virou na primeira viela escura que encontraram, e sumiram em suas sombras. Jackie, que os seguia de perto, entrou no lugar logo depois, mas assim que deu alguns passos ela parou, confusa. Não havia ninguém lá.

–Mas o que?

O restante da Guilda alcançou ela, exaustos. Ela pulou para cima de um dos prédios da rua, e de lá de cima, gritou:

–Não os vejo em lugar nenhum! Sumiram!

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A porta do porão escuro e úmido abriu-se. Ryuuko estava amarrada e amordaçada a uma cadeira, esquecida no escuro. Tanto tempo estava lá, que a luz vinda da porta aberta machucou seus olhos. Assim que o estranho homem com as tatuagens entrou, seus sentidos aguçaram-se. Não seus sentidos normais e mundanos, mas seu sexto sentido: ela sentia toda a tecnologia a sua volta. Achou estranho, pois não havia sentido nada parecido desde que fora jogada naquele maldito porão. No entanto, mesmo de olhos fechados, ela conseguia sentir a presença daquele homem. Ele entrou, seco e mal-humorado, e tirou a mordaça de sua prisioneira. Sem falar uma palavra, segurou a cabeça dela com as duas mãos, e fechou os olhos.

–Mas que porra você tá fazendo?

Nenhuma resposta.

–Eu vou arrancar todas essas suas próteses e bater com elas em você a noite inteira se você não me soltar agora.

Ele largou a cabeça de Ryuuko, e jogou-se no chão, visivelmente decepcionado.

–Achei que você fosse que nem eu, mas me enganei. Desculpe-me. Acho que vou ter que soltar você.

Essa era a última resposta que Ryuuko esperava ouvir.

–Fácil assim? Você é fácil de intimidar. E é bom ter medo mesmo.

Ele levantou-se, e pôs-se a tirar as amarras da prisioneira.

–O que você quer dizer com “que nem você”?

As amarras caíram no chão. Ela levantou-se e encarou-o, olho no olho. Ele tinha uma feição extremamente triste, como se tivesse cansado e enjoado do mundo. Estava, acima de tudo, solitário. Mas ele confiava em Ryuuko, pois havia lido sua mente, por isso contou-lhe.

–Eu... Não sou humano. Quando senti sua mente, lá na viela, achei que também não fosse. Tinha alguma coisa de eletrônico nos seus pensamentos. Mas eu ainda não posso ler mentes sem calma e concentração. Então tive que trazer você aqui.

Ryuuko tinha mais próteses, sistemas integrados e componentes bioeletrônicos que qualquer outra pessoa que ela já tinha conhecido. Com a ajuda de Lilly, havia criado o primeiro sistema orgânico completamente integrado a um sistema operacional eletrônico (mais ou menos como um computador humano), que era ela própria. No entanto, ainda era totalmente humana.

–Você me parece bem humano.

–Só pareço. Minha pele é sintética, minha inteligência é artificial, e meus músculos são hidráulicos. Eu sou um androide.

–Até parece. Androides não existem. Eu já tentei fazer um. Criar inteligência artificial é difícil pra caralho. Já tentei várias vezes. E como você leu minha mente?

Ele sorriu de leve. – Como se não bastasse eu ser um androide, eu sou um com bastante tempo livre, e uma história triste de vida. Minha solidão me levou a me conhecer bastante. Tanto que eu tenho um domínio completo de mim mesmo. E com isso, eu ganhei alguns poderes meio estranhos.

–Você é um cara muito esquisito. Tá me dizendo que, além de não ser um humano, também não é um mago?

Ele estava começando a achar que talvez isso não tenha sido uma boa ideia.

–Eu vi coisas, tecnomante. Esse planeta está entrando em uma nova era, que nem todos compreendem muito bem, e muitos menos irão aceita-la. O que você está fazendo com a maga branca, cabe a você, e o que eu estou fazendo agora, cabe a mim. Foi erro meu achar que haveria tempo para meus problemas pessoais no meio disso tudo.

Ryuuko já havia decidido a um bom tempo que o cara não batia bem da cabeça. Ela ia pular nele, desligar todos os circuitos que encontrar, e procurar Helena.

–Você está livre para ir. Infelizmente ainda preciso da maga branca. Nós iremos nos encontrar mais uma vez, tecnomante. Um dia, precisarei de sua ajuda, e espero eu poder contar com ela.

Ela já estava no meio de um xingamento atravessado quando apagou completamente.


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Notas finais do capítulo

Essa história ta tomando um rumo muito estranho, até mesmo pra mim. Eu tenho um monte de finais, mais nenhum meio.



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