Peeta já estava começando a se acostumar com a preocupação. Desde que a guerra iniciara ela era algo presente em sua vida. Ele passava a maior parte do dia se preocupando com Katniss,  se Haymitch não iria beber demais e fazer alguma besteira como entrar numa briga com algum soldado, se Rue não seria pega por alguns dos homens fardados que passavam pela cidade a caminho do assentamento  militar todo dia (ele sabia que eles adorariam  abusar de uma moça), Se Finnick não seria hostilizado por ser imigrante,  ele já estava achando que se preocupar era sua nova ocupação.

-Pare de ser tão dramático Peeta. Eu sei que você teme essa guerra, mas ficar se preocupando não vai ajudar nada- disse Rue, uns cinco dias depois da partida intempestiva de Tresh e Katniss.

-Eu sei é que...  Não acredito que tudo mudou tão de repente, sabe estávamos bem apesar de tudo. Então Tresh e ela se alistam e nós ficamos sem noticias.  Essa guerra, nós sabíamos que iria acontecer, eu apenas não achava que seria tão difícil.

Rue olhou para Peeta com um sorriso solidário. Isso era o que Peeta mais gostava nela. Rue era prática, não se deixava abater facilmente, mas era doce de diversas maneiras, quase com uma criança.   Se havia uma coisa que Peeta tinha que agradecer a São Francisco era os amigos que encontrara no meio dessa cidadezinha do Oeste. Se ao menos ele tivesse noticias de Katniss e Tresh.

-Fique calmo- Rue disse pela milésima vez- Eles ficarão bem. Logo teremos noticias.

Peeta não sabia se Rue estava dizendo isso para consolá-lo ou por que também precisava se convencer.  Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, no entanto, Haymitch entrou na cozinha esbaforido.

- Aqueles bastardos. Sério... como eu queria pegá-los.

-Bom dia para você também Haymitch- disse Peeta continuando a ler o jornal. Rue estava certa, não adiantava se preocupar.   Haymitch e todos os outros eram adultos afinal de contas não é mesmo?

-Aqueles... Sabe o que eles fizeram agora Peeta?

Peeta desistiu de bancar o calmo assim que sentiu o coração disparar, o que teria acontecido agora?

-O que aconteceu? – Perguntou ele, tentando esconder a preocupação.

- Eles estão invadindo as casas, saqueando, aqueles soldados. Eu queria... Por Deus. Se pelo menos eu pudesse lutar na guerra.

-Haymitch você quer lutar? Você  não acha que já viveu guerras suficientes?

- Melhor do que ficar aqui e assistir essas barbaridades não é?-Disse ele exaltado- Dá para ver o estado em que você está.

- Se eles estão saqueando as casas eles irão vir para cá- disse Rue pela primeira vez em dias demonstrando preocupação.

-Certo se os confederados estão saqueando casas...

-Não são os confederados Peeta, são agentes da União.

- O que?- Perguntou. O professor ainda estava tendo dificuldade de entender todos esses mecanismos de guerra.

- Eles estão levando o que podem para o acampamento. E eu sei que eles não estão fazendo isso por iniciativa própria. Há alguém ligado aos confederados fazendo isso.

- Você acha Haymitch?  Para mim os soldados da União estão fazendo isso por que querem e por que precisam.  Eles são bem capazes de fazer isso você sabe- disse Rue.

Isso impressionou Peeta. Rue, sendo negra, deveria estar do lado dos soldados da União não é?   Mas é claro, assim como Katniss, Rue tinha uma tendência a desconfiar do que fosse bom demais para ser verdade. Além disso, Peeta tinha que concordar com a amiga, a União obrigara todos a lutarem,  diferente dos confederados que proibiam negros em suas fileiras.  Ao pensar em Tresh sendo arrastado o professor entendia muito bem a relutância de Rue.

-Eu sei, mas dessa vez acho que tem outra coisa por trás. Alguém a mando do Sul está por trás de tudo isso, eu quase posso jurar- disse Haymitch se movendo nervosamente pela sala.

Peeta e Rue o encararam assustados. Se o que Haymitch estava dizendo era verdade, eles estavam numa encrenca bem maior do que esperavam. Peeta não queria nem pensar em Tresh e Katniss com aqueles soldados, correndo perigo.  Isso praticamente o estava deixando louco.  

Os sons começaram aos poucos. A primeira coisa que Peeta ouviu foram os cavalos cavalgando, depois ele ouviu pequenos tiros.  Aquele terror durou cerca de dois minutos.  A próxima coisa que eles ouviram foi uma voz.

-Saiam da casa em nome do governo dos Estados Unidos, não queremos machucar ninguém- disse uma voz desconhecida.

Eles se entreolharam assustados.  Sem pensar Peeta saiu pela porta da casa.  Havia cerca de 15 soldados esperando por eles  do lado de fora.  Finnick que estava na varanda estava com as duas mãos levantadas em uma pose clara de rendição.  O homem que parecia o comandante do exército não parecia ter mais de 25 anos.

-Boa tarde senhores- disse Peeta tentando ser cordial  - O que desejam? Se estiverem em busca de mais soldados...

- Viemos apenas confiscar algumas coisas senhor. Mas se o senhor desejar se alistar...

 Peeta ficou surpreso com a facilidade com que palavra sim se formou em sua mente. Se alistar significaria estar mais perto de Katniss.   A menos que as coisas dessem incrivelmente erradas.  Ele poderia parar em outro batalhão, poderia ser ferido em guerra, poderia nunca mais ver seus amigos.  Não, ele precisava ficar.  Antes que ele pudesse responder, no entanto, Haymitch se adianta.

-Confiscar? Acho que a palavra mais apropriada aqui seria saquear.

Para alguém que vivia pregando autocontrole durante a batalha Haymitch ás vezes era demasiado lento em seguir o próprio conselho.  A face do soldado se coloriu de púrpura, a fúria ressoando nos seus olhos.

-Não somos ladrões senhor- diz o homem observando Haymitch com desprezo- apenas estamos aqui pedindo ajuda para o país nesta hora difícil.

-E não é exatamente o que todos os ladrões fazem?

-Haymitch- alertou Peeta, tentado fazer o amigo recobrar a consciência.  O soldado já estava começando a se alterar. Lutar com eles não seria uma boa ideia. Eles estavam em tremenda desvantagem.  Peeta percebeu com o canto do olho Rue entrando sorrateiramente na casa.

-Senhor, se não nos deixar levar o que precisamos, iremos presumir que é confederado, e, se esse for o caso, seremos obrigados a levá-lo conosco.

-Como assim levá-lo com vocês? Vocês não podem chegar assim, desse jeito.

-Senhor... Haymitch não é? Pois bem, o senhor já foi um soldado como eu. Sabe como  a guerra funciona.

Haymitch ficou vermelho, Peeta podia sentir a fúria se formando perigosamente nos olhos do amigo.

-Não venha me ensinar o que significa guerra rapazinho. Eu lutava antes mesmo de você nascer e sei muito bem o que ela significa.  Não passa de uma desculpa para assassinos como você ficarem ricos. A maioria dos soldados rasos que estão com você estará morta assim que o mês terminar e você- diz ele apontando o dedo indicador para o soldado- Vai ter ganho uma medalha às custas deles.

O homem já ia pegando sua pistola para dar um tiro em Haymitch, mas antes que ele pudesse fazer qualquer coisa Peeta se coloca entre os dois.

-Senhor, pode entrar.  Não temos muito a oferecer, mas estamos a disposição da União.

O homem ainda lança um olhar zangado para Haymitch antes de mandar os soldados entrarem.  Peeta aproveita para arrastar Haymitch com ele para dentro da casinha antes que o amigo e o responsável pelos soldados começassem a brigar.

Os soldados estavam empacotando tudo que podiam comida, roupas, cobertores, até mesmo alguns livros.  Rue olhava assustada para aquilo tudo no meio da sala.  Ela lançou  a Peeta um olhar cheio de significado que ele acolheu com alivio. Ela havia guardado e resgatado todos os documentos e pesquisas que eles tinham feito para os abolicionistas.  Peeta não deixou de se admirar com a perspicácia e com a rapidez da garota.

Os soldados já tinham carregado uma pequena carroça quando um tiroteio começou do lado de fora.

-Confederados. Tropa em posição!- gritou o capitão.

Todos correram para fora.  Peeta não teve muita chance de ver algo.  Só o que ele conseguiu perceber foi que dois soldados já estavam no chão, uma poça de sangue perto deles como se fosse uma manta. Peeta teria ficado congelado, se não fosse a voz de Haymitch.

-Rápido, pegue as coisas de volta e tranque a casa.

Todos eles fizeram o que ele disse. Foi uma corrida desenfreada.  Rue, Finnick, Peeta e Haymitch pegavam as coisas o mais rápido que podiam no meio do tiroteio.  Eles estavam quase terminando de por as coisas para dentro da casa quando um  dos soldados agarra Rue.  Peeta não tinha como chegar até ela sem ser ferido.

-Achou que ia se aproveitar do momento sua vadiazinha?

Com uma raiva repentina Peeta percebe que é um dos soldados da União. Ele tenta agarrar a pistola que Haymitch lhe dera e estava no bolso, mas antes que ele consiga atirar alguém é mais rápido do que ele.  

O homem pega Rue pela mão e a arrasta para dentro da casa.  Antes que Peeta possa ver quem é o misterioso homem eles fecham as portas e todas as janelas.   Assim que ele termina de fechar a última porta da casa ele ouve um grito. Rue. Ele volta para sala e se depara com  Haymitch apontando a arma para alguém e Rue extremamente assustada.  Demora um tempo, mas assim que ele entende o motivo do pânico dos amigos ele não pode deixar de se amaldiçoar.  Como eles puderam ser tão burros?  O homem que eles deixaram entrar está vestindo o uniforme confederado.

- Quem é você?- Pergunta Peeta da forma mais autoritária possível, apontando sua pistola para ele.

Então o homem diz a única coisa capaz de fazer Peeta virar a arma para o outro lado, a única coisa capaz de fazer com que ele esquecesse a guerra e tudo a sua volta.

-Sou Darius  White.  Trago uma carta de Katniss Everdeen.