Katniss nunca se sentiu tão desconfortável na vida. Os três ficaram olhando para ela, sem saber muito bem o que fazer. Peeta suspirou pesadamente.

–Bom, sabíamos que isso poderia acontecer.

–Peeta, como ela soube? Quer dizer... ela não mora em Nova York?

Peeta apenas deu de ombros.

–Tia Margareth sabe de tudo. Acho que é uma espécie de poder que ela tem.

Os dois se apressaram em sair do pequeno quarto de pensão que Haymitch ocupava. Tresh passou a viagem exclamando o quanto a mulher poderia ser um pesadelo. Assim que eles chegaram, a tia de Peeta já estava esperando na varanda, com Rue servindo um chá que fora feito por Peeta na noite anterior. Assim que viu o sobrinho a mulher abriu seu melhor sorriso.

–Peeta, querido!

Margareth era uma típica Nova Yorkina. Gostava de se vestir bem como a maioria das mulheres de industriários. Como a irmã, mãe de Peeta, fora criada em Nova York e não imaginava outro lugar melhor para viver do que a moderna metrópole. Era uma mulher que prezava os bons costumes e o trabalho acima de tudo.

– Olá tia. Que surpresa! Fez uma boa viagem?

– Ah você sabe, esses trens são horríveis. Está muito quente aqui não? Parece que esse estado ainda continua parte do México, de tão quente.

Rue lançou um olhar expressivo para Katniss. Katniss é claro entendeu perfeitamente bem. “Essa mulher é problema”.

– Então, essa é a sua esposa? –perguntou a velha senhora analisando Katniss.

Katniss sentiu o rosto esquentar.

–Muito prazer senhora!

–Prazer querida- disse ela abraçando efusivamente Katniss , como você não apresenta sua noiva para a velha aqui? Tive que viajar quilômetros para conhecê-la. Descobri por uma amiga que mora em São Francisco que conhece minha vizinha, que você tinha se casado. Deus! Você devia ter feito uma cerimônia com festa e tudo o que tem direito.

Eles ouviram por cerca de quinze minutos reclamações de como Peeta deveria ter mais consideração com a família, como ele deveria tê-la apresentado antes do casamento, que o casamento deveria ter sido em Nova York e uma lista de reclamações. Katniss apenas assentiu aprovadoramente, esperando o momento em que a mulher estaria partindo.

– Sinto muito senhora- falou Katniss, quando conseguiu falar- Nós não tivemos oportunidade na verdade. Simplesmente tivemos que apressar as coisas e..

–Ah querida, me chame de Margareth. Obviamente não. Mas, sinceramente, fico feliz que meu sobrinho finalmente tenha encontrado uma mulher para cuidar dele. Você acredita que ele mesmo cozinhava?

Katniss sorriu com o comentário.

–Sim, acredito. Ele cozinha muito bem- Disse Katniss sem pensar. Ela viu Peeta corar ao lado dela.

– Mas obviamente você é quem está cozinhando agora não é? Sabe como é, uma mulher deve cuidar bem do marido.

– Ah- disse Katniss desconfortável -É, é claro.

A verdade é que, se eles fossem depender de Katniss para cozinhar, morreriam de fome.

–Na verdade senhora, quem cozinha sou eu- disse Rue, servindo mais um pouco de chá para Peeta- Sou a empregada da família Mellark.

Rue lançou um olhar cheio de significado para os dois.

–Ah, entendo- disse a mulher prestando atenção nela- Parece que meu sobrinho está incorporando alguns costumes locais.

–É por pouco tempo tia. Até conseguirmos nos estabilizar é claro.

–Com certeza. Devo dizer Peeta- diz a Margareth olhando em volta- Essa sua casa é adorável. Claro que ainda acho que você deveria trabalhar na manufatura como seu pai, poderia conseguir uma casa maior. Mas não falemos disso, me contem, como se conheceram?

Katniss instintivamente sorriu ao se lembrar de uma figura loira entrando esbaforida na biblioteca da Grasy Sae. Mas o que estava acontecendo com ela?

–Katniss é de uma família importante aqui da Região- disse Peeta prontamente.

Katniss o olhou intrigada. Ela sabia que Peeta era muito bom em sair de enrascadas, mas essa ela gostaria de ver.

–Verdade?- Perguntou a mulher estreitando os olhos.

–Sim- disse Peeta- E eu fui convidado para um jantar, então você pode imaginar como as coisas aconteceram a partir dai.

Katniss se lembrou do jantar de casamento com Snow na ação de graças. Seu estômago teve que ser tranquilizado com mais um gole de chá.

– Sim certamente- diz a mulher sorrindo- Fico feliz que você tenha escolhido uma moça decente Peeta.

–Obrigado Tia- disse Peeta. Katniss percebeu que o amigo parecia um pouco aliviado.

–Com seu histórico, eu realmente temia que escolhesse uma dessas negras ou uma nativa. Mas vejo que Katniss é claramente americana.

–Tia!- disse Peeta exasperado.

–Eu achei que os nova yorkinos fossem a favor da abolição-disse Katniss olhando interrogativamente para a mulher.

–Nós somos é claro. Nossa nação foi criada nos princípios da democracia e liberdade. Mas não podemos unir aqueles que Deus fez desiguais, não é? Ser a favor da abolição é uma coisa, juntar seu sangue com o de um negro é claro, é algo que jesus não aprovaria.

Katniss olhou a mulher, tentando disfarçar o máximo seu desgosto.

–Ah, a propósito Katniss, por que há algumas roupas suas no quarto de hóspedes?

Katniss e Peeta se olharam apreensivos. A última coisa que precisavam era alguém como Margareth bisbilhotando na casa.

–Ah sim, é que o quarto de Peeta ainda é muito pequeno para meus vestidos e..

– O quarto de Peeta?

Katniss se amaldiçoou mentalmente

–Quero dizer o nosso quarto, é claro.

–Entendo. Aliás, querida, temos que ir comprar vestidos para você. Posso ver que seu marido tem pecado nesse quesito- Margareth deu uma piscadinha amigável para Katniss.

–Não precisa, realmente estou muito bem e...

–Não seja tola. Meu sobrinho merece o melhor, e com certeza, com um bom tecido importado, você ficará divina.

–Obrigada- disse Katniss sorrindo falsamente. Só de pensar em entrar numa loja com essa mulher, ela tinha vontade de voltar correndo para casa, implorando pela mãe, o que já queria dizer muito.

E o dia se passou assim, Margareth não parava de fazer perguntas cada vez mais embaraçosas com a desculpa de que estava cuidando do bem estar do sobrinho. Ela era uma mulher alegre, e até parecia gostar de Katniss, apesar de, nas palavras dela, a garota ser muito californiana. O que é claro, não era um elogio.

Rue e Tresh serviam a mulher com toda a pompa. Katniss sabia que os amigos estavam se divertindo muito à custa da velha e não culpou Peeta quando ele lançou um olhar irritado para os dois.

Mas, apenas na hora de dormir, Katniss percebeu o real problema que tinha. Quando ela se dirigiu a porta do quarto de hóspedes, ela viu que já estava trancada e inconfundíveis sons de ronco a atravessavam. Ela ficou parada alguns segundos analisando a porta e finalmente percebeu que não tinha onde dormir.

–Acho que vamos ter que dormir no mesmo quarto- disse uma voz baixa e inconfundível atrás dela.

Katniss se virou e viu o rosto corado de Peeta.

– É acho que sim- disse ela, da forma mais natural que conseguiu. Ela sabia que Peeta estava desconfortável com a situação, então tentou transparecer calma.

Os dois se dirigiram para o quarto dele. O quarto de Peeta cheirava a morango e baunilha. E Katniss olhou a única cama, enquanto ele pegava um travesseiro e um cobertor e colocava no chão. Assim que arrumou a cama para ela ele se deitou no chão.

–Peeta- disse Katniss observando o montinho que era Peeta- Eu posso ficar no chão. Você não precisa...

Peeta soltou um suspiro, levantou, pegou Katniss no colo e a colocou na cama.

–Peeta- riu Katniss-Não precisa...

–Katniss, não seja boba. Eu vou ficar bem. Além do mais que tipo de homem eu seria se deixasse você no chão?

–Ah tudo bem- diz Katniss virando para o outro lado- Boa noite

Então, ela percebeu os olhos de Peeta sobre ela, por algum motivo ele estava muito vermelho.

–O que foi?- Perguntou Katniss

–Ah nada... boa noite!

E ele foi correndo se deitar envergonhado. Katniss poderia jurar que ouviu Peeta murmurando as palavras “linda” e “camisola”. Mas quem poderia saber? Ela estava muito cansada e aquele tinha sido um longo dia. Então, ela simplesmente olhou de novo para o montinho ao lado da cama e virou para o lado, caindo num sono profundo.