Death Note: Ressurreição escrita por Goldfield


Capítulo 4
Capítulo IV: Ímpeto




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A marola da revolução morre na praia do marasmo

E eu ainda espero a ressurreição

 

Eu ainda aguardo, aguardo a cada manhã

Pois sem a Justiça, com ela morta

Quem me protegerá nas noites mais frias?

 

Pois só a Justiça trará meu futuro

Sem que eu me renda às maçãs verdes

A Justiça não me trairá

E eu ainda espero a ressurreição

 

Porque a Justiça não pode morrer

E é nisso que irei acreditar

Pois ela mais uma vez se fará sentir

Abalará o mundo como nunca abalou

 

A Justiça ressuscitará

 

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Capítulo IV

 

“Ímpeto”

 

         Você é um Shinigami, certo? – falou Justine em voz um tanto baixa, tentando lutar contra o colossal medo que sentia. – Um deus da morte?

         Correto – replicou a criatura num sorriso debochado. – Meu nome é Masuku.

Clare caminhou bem lentamente até sua cama, temendo de alguma forma uma reação da entidade mística caso realizasse movimentos bruscos, e sentou-se nela sem tirar os olhos da fantástica figura. Esta, por sua vez, virou-se no ar para acompanhar a moça, fitando-a com um quê muito forte de curiosidade. Parecia ter um fascínio misterioso por todas as ações dela.

         Veio aqui para reaver o caderno? – a jovem indagou com os olhos arregalados e o coração acelerado. – Irá me matar?

O Shinigami não conseguiu se controlar diante de tais pensamentos e explodiu numa gargalhada irônica, o incômodo som desta parecendo ecoar por todos os cantos do quarto e oprimindo ainda mais a confusa mente de Justine. Ela por um momento teve medo de que o visitante pudesse ser ouvido por seu avô no andar de baixo e pelos vizinhos, porém lembrou-se logo das regras do Death Note e de como deixavam entender que isso felizmente não era possível. Se estivessem mesmo corretas, apenas ela era capaz de ver e escutar o deus da morte.

         Será que vocês humanos sempre fazem as mesmas perguntas? – Masuku aparentava divertir-se.

Concluindo pela expressão atônita da estudante que ela ainda não havia compreendido o questionamento, ele explicou:

         As instruções do caderno são claras: ele é propriedade do Mundo Humano assim que tocar o solo. E você o encontrou primeiro. Portanto agora ele é seu.

A luz do entendimento começou a dominar o rosto de Clare enquanto ela rebatia:

         Mas então ele antes era seu, certo? Você o deixou cair aqui?

         Não duvidei em nenhum momento de sua inteligência, mocinha, hehehe!

O Shinigami voou para aproximar-se da cadeira de rodinhas e se sentou nela de frente para Justine, suas grandes asas resvalando na escrivaninha e no monitor do computador atrás de si. A garota, não desejando ter sua atenção desviada por nada naquele momento, pegou o controle remoto da TV e desligou-a justo quando o jornalista do noticiário ia informar algum fato envolvendo um criminoso morto no Japão. Com as mãos nos joelhos e expressão fixa, Masuku resolveu continuar esclarecendo aos poucos as dúvidas da universitária:

         Nós Shinigamis podemos observar vocês humanos o tempo todo lá do nosso mundo. Acredite se quiser, mas alguns de nós nos preocupamos mais com vocês do que apenas como meras fontes de maior expectativa de vida. A espécie humana é triste. Há milhares de anos testemunhamos suas guerras, suas tragédias, seus fracassos. E essa trajetória injusta rumo ao precipício só é quebrada de séculos em séculos quando algum de nós, no auge do tédio que domina nosso mundo, desce até aqui e permite que um humano se aproprie do Death Note. Recentemente isso ocorreu novamente e o denominado “Kira” usou o caderno para tentar livrar o mundo de todos os maus elementos. A criminalidade nunca caiu tanto e as pessoas passaram a viver mais tranqüilas, seguras. Entretanto, aqueles que insistiam que Kira estava errado o caçaram e mataram. E sem ele os crimes retornaram, a barbárie voltou a dominar a Terra. Todo o progresso realizado por Kira foi perdido.

         Então o meio usado por Kira para executar criminosos era um Death Note! – compreendeu Clare. – Agora tudo faz sentido!

         Com isso já pode deduzir porque estou aqui. Eu estava com pena da humanidade, ela precisava de um novo Kira. Os Shinigamis geralmente não se importam com este mundo e nem costumam interferir nele desta maneira pelo bem dos humanos, mas eu não podia mais observar o retrocesso de vocês sem fazer nada. Por isso deixei que o caderno caísse aqui. E você teve sorte de encontrá-lo em primeiro lugar.

Justine entendeu tudo. Fora incumbida de uma importante missão, um propósito que poucos indivíduos seriam capazes de cumprir. Aquele Shinigami trouxera mais um Death Note para o Mundo Humano com o intuito de que alguém o encontrasse e o utilizasse para limpar o planeta do mal. Ela fora a escolhida do destino, e felizmente se julgava apta o bastante para levar a cabo a tarefa. O susto inicial em relação ao caderno, a ojeriza a ele, eram rapidamente substituídos por um inabalável ímpeto de punir quem merecia, trazer a verdadeira justiça de volta à sociedade. O poder divino estava agora em suas mãos, e não podia de forma alguma recusá-lo.

A primeira reação visível da moça ao término da fala de Masuku, porém, foi um suspiro de sofrimento, como se algo que a incomodara houvesse passado por sua cabeça. Isso não ficou despercebido ao deus da morte, que imediatamente perguntou:

         Algo errado?

         Meus pais morreram quando eu tinha três anos de idade – a jovem revelou sem delongas, cabisbaixa. – Um assaltante invadiu nossa casa à noite e meu pai tentou reagir. Como retaliação, o bandido disparou contra ele e minha mãe. Eu era muito nova e não me lembro de quase nada... A não ser o som dos tiros. Foram três deles, seguidos, repentinos, mais altos do que qualquer outra coisa que eu já tenha ouvido. E o barulho nunca mais deixou minha mente, repetindo-se todo dia, a cada manhã, durante meu sono e minha lucidez... Instigando-me a reagir. Mesmo que tente negar, minha vida sempre foi uma tentativa silenciosa de fazer justiça por eles e todas as outras pessoas que tenham passado por traumas similares, ao mesmo tempo evitando que essas tragédias venham a se repetir e, pior, com muitas vezes os culpados escapando à punição. Por isso optei por cursar Direito, e agora a posse do Death Note vem consolidar toda essa minha cruzada. Não se preocupe, Masuku. Eu irei limpar este mundo!

Calado, o Shinigami viu Justine se levantar da cama e andar determinada até a gaveta da escrivaninha. Abriu-a e apanhou o Death Note. Folheando-o, tornou a sentar-se em cima do lençol e logo se deteve na primeira página, onde o nome de Eliah Bantu estava bem visível no topo. A noite aos poucos se impunha, o céu de Paris se enegrecendo e o quarto permanecendo iluminado graças à luz dos postes diante do sobrado.

         No entanto, não posso cometer os mesmos erros de Kira – considerou Clare. – Tenho de testar melhor as propriedades do caderno e começar a executar os criminosos de modo discreto, sem que ninguém possa suspeitar que eu seja a responsável pelas mortes. Não há necessidade para passar a utilizar o Death Note com pressa, descuido e em larga escala. Um dos maiores facínoras deste mundo, o ditador Eliah Bantu, já deixou de existir e por enquanto isso servirá de aviso a todos que perpetuam o mal. Depois de eu elaborar uma boa estratégia e considerar todos os perigos, poderei fazer uso deste novo poder ao máximo... E a Terra terá sua cura!

Em seguida Justine abraçou com força o caderno, comprimindo-o junto ao peito como se quisesse evitar que nunca ninguém o tirasse de si. Ele seria seu instrumento para a justiça, a concórdia, o equilíbrio. Chave para o sábio julgamento de Deus que agiria entre os homens a partir dela. E, observando a cena, Masuku não conteve um imenso e doentio sorriso...

 

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O refúgio de “L”. Princípio de manhã.

Near ainda se encontrava sentado do mesmo modo diante do notebook, talvez nem houvesse abandonado essa posição nas últimas vinte e quatro horas, mas não demonstrava quaisquer traços de fadiga. Seus olhos continuavam focados na tela do computador, com várias janelas abertas exibindo notícias nas mais variadas línguas e meios simultaneamente. A diferença era que agora todas aparentavam ter um assunto em comum, o nome “Eliah Bantu” sendo repetido no mínimo uma vez a cada dez segundos em meio ao emaranhado de falas e sons. E, enrolando os cabelos brancos com os dedos, o detetive permanecia atento a qualquer nova informação que fosse veiculada.

Até que o agente do FBI Ernest Adams adentrou o lugar, seus costumeiros passos longe de desconcentrar Near. Este inquiriu, como sempre sem virar-se na direção do aliado:

         Conseguiu obter a informação que pedi?

         Sim – o estadunidense respondeu um tanto cansado. – Segundo meu contato, a CIA tinha mesmo um homem infiltrado no palácio do governo do Mali quando Bantu morreu.

         E ele reportou algo que nos interesse? Afinal, não podemos dar muito crédito à versão oficial apresentada pelo sucessor...

         De acordo com o relatório do agente, Bantu reuniu-se com seus ministros para o chá da tarde por volta das dezoito horas, a portas fechadas. Cerca de quinze minutos depois, um dos generais deixou a sala às pressas gritando pelos funcionários do palácio. O espião estava entre eles e com isso pôde ser um dos primeiros a ter contato com o cadáver do ditador. A causa da morte era inegável: infarto súbito e fulminante. E Bantu não possuía qualquer histórico de problemas cardíacos ou algo do tipo.

         Como imaginei... – Near afirmou num murmúrio.

Ficou em silêncio durante vários instantes, refletindo, recapitulando fatos antigos rapidamente numa linha do tempo à qual desejara nunca mais recorrer. Lutando muito contra o intenso medo que o vinha atormentando desde a morte de Sanbashi, percebeu que teria de reunir o máximo de forças e mentes para encarar aquele novo e difícil embate. Tudo se repetia, e ele esperava ter fibra para conseguir vencer mais uma vez. E planejava ir até o fim, por mais desgastante que fosse.

         Contate a cúpula da Interpol, desejo requisitar uma reunião extraordinária o mais breve possível – falou então. – Comunique-se também com o capitão Matsuda. Ele não pode ficar fora disto.

         Entendido, “L” – assentiu Adams preparando-se para sair. – Algum outro pedido?

         Sim, na verdade...

Dizendo isso, Near voltou-se para Ernest e encarou-o profundamente, a mão direita ainda torcendo uma mecha de sua cabeleira alva. E, num tom que unia respeito e sinceridade, falou de forma clara:

         É bom que se prepare, agente Adams. Este caso exigirá o máximo de nós todos, quiçá nossas próprias vidas. Se achar prudente, não deixe nem que “ela” fique alheia às nossas ações. Iremos precisar de todo apoio e competência possíveis. Levando em conta esta cadeia de eventos, agora posso afirmar com quase total certeza... Kira está novamente entre nós.

 

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Death Note – Como usar:

 

7 – O proprietário do caderno pode reconhecer a imagem e a voz do proprietário original dele, um deus da morte.

 

8 – O humano que usar este caderno não poderá ir nem para o Céu e nem para o Inferno.

 

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Já passara da hora em que Justine costumava comer em companhia do avô François quando ela finalmente desceu pelas escadas da casa, dirigindo-se até a modesta sala de jantar.

O idoso se encontrava sentado à mesa diante de um prato contendo apenas restos de comida e um copo de vinho já vazio. Recebeu a neta com um sorriso sereno enquanto ela se sentava de frente para si, tendo às costas um armário contendo algumas bonitas peças de louça. A travessa contendo uma sopa de legumes quase fria ali estava apenas aguardando a estudante chegar para saciar sua fome. Havia também alguns pães como acompanhamento e a garrafa contendo a bebida alcoólica cheia até a metade. Um pouquinho de vinho todo dia era ótimo para o coração, segundo dizia o avô.

         Perdeu um pouco a noção do tempo, chéri? – o senhor perguntou de modo extremamente carinhoso.

         Eu acabei envolvida pela leitura! – ela respondeu num risinho, colocando sopa em seu prato usando uma concha. – Perdoe-me.

         Justine, Justine... Sempre dedicada aos estudos. Isso faz com que lembre muito sua mãe. Ela nunca deixou de ser a primeira da turma. Você será uma grande promotora, sem dúvida!

         Bem, eu agora pretendo ser juíza, vovô...

         Enfim... Vai conseguir o que quer e se sentirá realizada com isso. E não faz nem idéia de como isso é bom!

         Eu sei sim. Acho que nunca soube tanto, na verdade...

Cheio de orgulho, François pegou a louça que sujara e dirigiu-se para a pequena cozinha anexa à sala. Lavou os utensílios na pia assoviando feliz, enxugou as mãos e logo depois tornou a passar por Justine enquanto ela colocava um pouco de vinho em seu copo, dizendo:

         Já irei subir para dormir, boa noite. E espero que seu envolvimento com os livros amanhã não a impeça de jantar comigo!

         Fique tranqüilo, vovô. Isso não se repetirá, ao menos antes do período de provas.

         Essa é minha neta. Até mais.

O idoso se retirou calmamente, seus passos nos degraus rumo ao andar superior logo sendo ouvidos e em seguida a porta de seu quarto sendo fechada. Justine mergulhou a colher no prato de sopa, soprou-a de leve e levou-a até a boca, o gosto da cenoura e da beterraba restituindo suas energias. Só então ergueu os olhos, visualizando Masuku sentado na mesma cadeira antes ocupada pelo avô, observando-a com as duas mãos segurando o queixo, cotovelos sobre a mesa.

         Tenho de evitar alterar meus hábitos e horários por causa do caderno, ou as pessoas começarão a suspeitar... – preocupou-se a moça.

         Sei que conseguirá dar conta disso! – riu o Shinigami.

         E você? Vai me seguir a qualquer lugar que eu for agora?

         Sim, enquanto você estiver em posse do Death Note.

         Julgando pelo fato de meu avô ter ignorado totalmente sua presença, posso concluir que realmente apenas eu posso vê-lo e ouvi-lo, certo?

         Isso mesmo!

         Ótimo. Porém, ainda assim terei que tomar cuidado quando for me dirigir a você, ou serei dada como louca por falar sozinha...

         Tome cuidado, todavia: qualquer outra pessoa que tocar no caderno também poderá me notar!

         Eu sei disso, e não se alarme: jamais deixarei que aconteça.

Era incrível como Justine acabara de tomar contato com tudo aquilo e agia com extrema naturalidade e segurança, parecendo preparada para qualquer contratempo que surgisse e aparentemente já sendo dona de todas as soluções. Masuku se entretinha como nunca devido a tal comportamento, pensando se ela manteria essa firmeza quando as coisas viessem a se complicar.

         Você deveria me agradecer – disse de repente o deus da morte. – Eu a ajudarei em todos os aspectos do seu plano de melhora do mundo, cumprirei todas as tarefas que venha a me pedir. Um Shinigami qualquer jamais faria isso por um humano, porém eu estou disposto a auxiliá-la pelo bem da espécie de vocês. Só não poderei fazer isso diretamente.

         Como assim, diretamente? – Clare não entendeu de imediato.

         Escrever os nomes no Death Note. Isso é algo que somente você pode fazer.

         Compreendo... Mas é uma função à qual jamais pretendo abdicar.

         Muito bem.

A estudante tomou mais alguns goles da sopa e molhou a boca com o vinho, a bebida fazendo-a se sentir ainda mais viva e pronta para sua missão. Depois tornou a fitar Masuku e resolveu esclarecer uma questão que vinha transitando em sua mente desde a primeira aparição deste:

         O Death Note que deixou cair aqui na Terra era seu, correto?

         Sim.

         Então por que você está carregando outro caderno consigo?

O Shinigami ergueu um dos braços e olhou quase por reflexo para o suporte de elásticos em sua cintura onde estava o outro Death Note. Justine já o havia percebido. A garota era mesmo bem esperta, e isso só tornava o trabalho de Masuku mais interessante!

         Um outro alguém me concedeu este caderno de bom grado para que eu pudesse abrir mão do meu – explicou ele.

         Um outro Shinigami? – a jovem soou incrivelmente astuta.

A criatura riu seco e replicou:

         Você faz perguntas demais de uma só vez! Por que não guarda algumas delas para quando realmente começar a mostrar serviço?

Notando pela primeira vez desde o encontro no quarto o sinistro brilho vermelho nos olhos do deus da morte, Justine deu um pequeno resmungo e voltou de novo sua atenção para a sopa.

 

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Subúrbios de Tóquio. Oito da manhã.

Algumas viaturas da polícia com as sirenes ligadas encontravam-se diante de um condomínio de seis andares cuja aparência externa com certeza levaria a crer que estava abandonado. No entanto, em alguns de seus apartamentos operava uma quadrilha que distribuía cocaína para toda a região. Assim que as autoridades confirmaram a realização da atividade ilícita no local, uma ação para encerrá-la foi orquestrada quase imediatamente.

Naquele instante os oficiais saíam do interior do prédio levando os criminosos detidos até os carros, com as mãos algemadas e as faces cobertas por capacetes negros, ficando assim indistinguíveis. Uma das precauções adotadas devido ao possível ressurgimento de Kira.

A mídia como de costume estava no lugar noticiando as prisões, apesar de em pequeno número. O capitão Matsuda observava os repórteres e as câmeras com certo receio, porém sabia que aqueles bandidos estavam presumivelmente protegidos. Ainda perturbava seus pensamentos a idéia do temível “serial killer” ter realmente voltado, e desde o infarto de Sanbashi vivia numa amarga expectativa em relação a um fato novo que viesse confirmar ou não a suspeita. E quando o policial Hideo Hoshi aproximou-se do superior trazendo-lhe o celular que utilizava para entrar em contato com “L”, Touta concluiu que a espera havia chegado ao fim.

         É ele? – Matsuda ainda quis confirmar enquanto apanhava o telefone.

         Hai.

Levou então o aparelho ao ouvido, seu coração saltitando no peito como uma presa acuada. Conforme ouviu as sérias palavras do detetive, uma sensação pior do que todo o conjunto de outras que lhe vinham acometendo durante os últimos dias fez com que sua pele empalidecesse. Um pavor tão grande o atingiu que teve a repentina vontade de atirar longe o celular e sair correndo dali para algum local em que estivesse seguro e distante de tudo aquilo. Mas será que sua consciência permitiria que existisse refúgio assim sobre a Terra?

         E-eu entendi... – ele gaguejou enquanto assimilava desesperadamente as informações. – Irei me preparar para a viagem. Obrigado, “L”.

Logo depois desligou o telefone e olhou para o céu cinzento tendo a certeza de que sua paz de espírito fora extinguida por tempo indeterminado.

 

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A noite avançava em Paris.

O quarto de Justine era mais uma vez iluminado somente pela luz exterior, dotando o ambiente de inegável caráter lúgubre. A moça vestia agora um pijama de moletom composto por blusa e calça beges, tendo os cabelos loiros soltos e os pés cobertos por meias brancas e surrados chinelos azuis. Sentada na cadeira diante da escrivaninha em cima da qual folheava de novo o Death Note, Masuku zanzava à sua volta em aparente inquietude. Ele aguardava uma nova manifestação da universitária, algum parecer ou pergunta. Foi depois de vários minutos de silêncio que ela tornou a falar:

         Eu acho que descobri o motivo de Kira ter fracassado.

         Ah, é? – interessou-se o Shinigami agitando as asas uma última vez e sossegando sobre a cama. – E qual foi?

         Ele era extremamente infantil e imaturo.

Uma expressão de surpresa brotou no rosto do deus da morte, e também tinha um quê de outro sentimento inesperado da parte dele... Talvez fosse ofensa. De qualquer forma, Clare não notou isso por estar de costas, e logo o semblante retangular do ser místico voltou a assumir um ar de curiosidade, ao mesmo tempo em que indagava:

         Pode me explicar?

         É simples. A maioria das mortes causadas por Kira através do caderno ocorria por meio de parada cardíaca. Utilizava essa causa de óbito como uma espécie de assinatura, um indício para que todos soubessem que era ele quem executava os criminosos. Por isso as autoridades conseguiram deduzir mais facilmente que algo errado estava acontecendo, assim como saber se ele ainda estava na ativa ou não. Eu já não preciso desse tipo de publicidade. Seria bastante imbecil agir dessa maneira exibicionista e inconseqüente.

         Pretende trabalhar de modo diferente? – Masuku perguntou coçando o queixo.

         Exato. Desejo aproveitar plenamente as propriedades do Death Note. Irei diversificar ao máximo as causas e circunstâncias das mortes, de maneira que será impossível distinguir boa parte delas de meras fatalidades ou eventos naturais. Também fugirei de qualquer padrão na hora de escrever os nomes, seja de tempo ou localidade. Farei uso de um trunfo com o qual Kira jamais se preocupou: discrição.

         Interessante... Bem interessante...

         Limparei o mundo nas sombras. Quando os inimigos da justiça derem conta do que houve, minha tarefa já estará terminada. Desta vez não haverá falhas, Masuku.

Em seguida fechou o caderno, olhando fixamente para sua capa preta com a inscrição em letras brancas. Ela cumpriria seu objetivo evitando quaisquer erros. Não queria alcançar notoriedade ou seguidores, já que o bem que fazia era destinado à humanidade e não a si mesma. Seria uma agente silenciosa do julgamento divino num mundo corrompido, e não deixaria sob hipótese alguma de abraçar esse ímpeto.

Construiria uma nova era... que estava prestes a começar.

 

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Aguardando a Justiça

Eu quero quebrar com o marasmo deste mundo

Com a inércia das pessoas

Com a preguiça das maçãs verdes

 

Eu me tornarei luz

O sol da humanidade cega e tola

Eu me tornarei luz

E irei guilhotinar os maus

 

Eu posso conduzir a Justiça em minhas mãos, eu sei

Eu sei que posso trazer a luz a este mundo

Eu sei que posso amadurecer estas maçãs

 

Eu sei que posso fazer a ressurreição

 

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Prévia:

 

Mas... como? Kira executou um criminoso no Japão? Mas eu não escrevi o nome de ninguém no caderno antes de Bantu!

 

Droga! Esse fato serviu para colocar as autoridades em alerta. Eles já estão prontos para combater um novo Kira antes mesmo de ele propriamente se manifestar.

 

Um extremo cuidado deve agora medir todas as minhas ações.

 

Próximo capítulo: Cautela


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