Eu demorei alguns segundos para deixar aquilo absorver. Toda a leveza que eu estava sentindo por causa do vinho desapareceu. Jason olhava para mim, meio que esperando minha resposta.

- P-Policiais? – Perguntei de um jeito meio idiota. Jason assentiu. – Por que policiais iam querer bater em você?

Jason desviou o rosto, olhando para frente, tirando o contato visual entre nós dois.

- É uma longa história. – Jason falou. – Vamos mudar o assunto?

- Mudar o assunto é o caralho. – Falei. – Como assim policiais, Jason? O que você fez?!

- Ele não te contou? – Ouvi uma voz e então tirei os olhos de Jason, procurando pelo dono da voz.

Era Daniel, que caminhava até nós dois, vestido com apenas um calção vermelho e sem camisa.

Ele era bonito.

- Se manda, Daniel. – Jason falou. – A conversa não é com você.

- Como você namora com ele sem saber o que ele faz? – Daniel perguntou para mim enquanto sentava na minha frente.

Olhei para Jason e vi a expressão irritada e chateada dele, e depois olhei para Daniel que estava com um sorrisinho maldoso no rosto.

Tudo bem que o sorrisinho de Daniel não era nem a metade tão sexy quando o sorrisinho de Jason.

- Não estamos juntos a muito tempo. – Inventei.

Daniel riu pelo nariz e sorriu abertamente antes de proferir as palavras que fizeram minha espinha gelar.

- Jason é um criminoso em potencial. – Daniel falou. – Ele gosta de atear fogo nas coisas e de roubar lojas. E, às vezes, ele até vende uma ervinha aqui e ali. Ouviu falar do incêndio na cidade vizinha a Hoonah que aconteceu mês passado? Jason fez aquilo. E aquele incêndio na escola, de três meses atrás? Jason de novo. Aquele bar que teve as bebidas roubadas há algumas semanas? Jason. E...

- Ela já entendeu, Daniel. – Jason cortou.

Eu tinha entendido.

Entendido que Jason é a personificação da palavra “encrenca”.

E meus pais achando esse tempo todo que eu era a pior filha do mundo.

A verdade é que eu não queria acreditar naquilo, não queria acreditar que Jason faz essas coisas. Até porque ele vai para uma universidade. E ele tem uma família unida. Ele teve problemas no passado? Claro que sim, mas... Sei lá.

Não gosto de pensar que o meu Jason faz essas coisas.

Meu Jason? Cala a boca, Melanie.

- Eu... – Comecei e parei de falar. Não havia o que ser dito. Olhei para Jason. – Me diz que ele está brincando.

Jason não respondeu, só deu um gole grande na garrafa dele. Ele não parecia bravo ou irritado, ele estava claramente chateado.

- É sério, Mel. – Daniel falou. E o fato de ele me chamar de “Mel” me aborreceu um pouco. – Seu namoradinho ai é mais fodido que qualquer outro no Alasca, se duvidar.

- Ela já entendeu, Daniel. Porra, dá para calar a boca? – Jason falou bravo e olhou para mim. – Eu sinto muito.

Olhei para Daniel.

- Pode nos dar licença? – Pedi da forma mais educada que consegui afinal eu estou hospedada na casa dele sem nem ser da família.

Daniel assentiu e levantou, caminhando para a porta da adega e saindo de vista. Olhei para Jason, que ainda parecia triste.

- Por que não me disse antes? – Perguntei.

- Nós nem nos conhecemos direito, Melanie. – Jason falou e virou os olhos e então me encarou, fazendo um calafrio passar pela minha espinha. – Não saio por ai falando essas coisas pra qualquer uma.

Legal, eu sou a “Qualquer Uma”.

Aquilo fez alguma coisa dentro de mim meio que doer.

- Ok. – Falei e levantei do chão, caminhando até a porta da adega em um ritmo mais acelerado.

- Onde vai? – Jason perguntou ao longe, provavelmente sem se levantou.

- Dormir. – Falei.

Assim que passei pela porta da adega, quase trombei com Daniel que sorria de um jeito meio diabólico.

- Ele é um namorado terrível por não ter te dito os passatempos dele. – Daniel falou.

- Ele não é meu namorado. – Falei e saí de perto dele, indo até a casa.

Subi para o quarto de hospedes e me tranquei lá, me jogando na cama macia logo em seguida. E umas lágrimas idiotas insistiram em molhar o travesseiro.

Porcaria de Jason.

(...)

No outro dia, Zoe veio me chamar pra tomar café. Tomei banho, coloquei uma roupa e desci para a sala-de-jantar. Todo estavam comendo e rindo e conversando, menos Jason que estava pensativo enquanto olhava para o café dele.

- Senta aqui, Mel! – Daniel falou enquanto apontava para a cadeira do lado dele.

De frente para Jason.

Sentei lá porque era a única cadeira vaga na mesa inteira. Respondi a todo o “Bom-Dia” que ouvia – nenhum deles era de Jason – e comi uma fruta que eu nem sei o nome, mas que parecia boa.

Daniel tentou puxar assunto comigo algumas vezes, mas eu só respondia com “hm” e eu sei que aquilo estava fazendo a conversa “broxar”. Não é como se eu quisesse conversar com ele depois de ontem, de qualquer forma.

Eu sei que Daniel não tem culpa de Jason ser um imbecil-barra-criminoso, é só que meu humor para conversar esgotou ontem à noite. A culpa de eu estar sendo uma vadia chata com Daniel é de Jason.

- Mel, vamos brincar de Barbie mais tarde? – Zoe perguntou, meio que sorrindo pra mim.

Sorri de volta. Brincar com Zoe me parecia uma boa ideia para evitar Jason e era exatamente isso o que eu esperava fazer hoje.

- Vamos sim, Zoe. – Falei.

Zoe abriu ainda mais o sorriso e voltou a comer.

- Eu estava pensando em irmos passear na cidade, Mel. – Daniel falou meio sem-graça. – Eu acabei de te falar.

É, mas eu não estava prestando atenção.

- Hm... – Comecei a tentar bolar alguma saída dessa situação.

- Ela vai brincar comigo, Daniel. – Zoe falou. – Você pode ir passear com Jason, eu só tenho a Mel.

Jason fez uma careta enquanto mastigava.

- Zoe, ela já é uma adulta. Ela vai odiar brincar com você o dia inteiro. – Daniel falou meio bravo para a irmã.

- Na verdade, eu vou adorar. – Resolvi tomar uma posição. – E depois, podemos todos ir passear na cidade.

Daniel arqueou a sobrancelha pra mim. Zoe bateu palminhas de felicidade e depois parou com uma cara confusa.

- Você vai também, Jason? – Zoe perguntou e o silêncio se instalou na mesa.

Jason riu cinicamente.

- Claro que não. – Jason falou e olhou na direção que eu e Daniel estávamos. – Aproveitem a excursão de vocês.

- Vai deixar a sua convidada sozinha, Jason? – Helena perguntou e Jason olhou para ela.

- Ela vai estar com Daniel. – Jason falou e olhou pra mim e depois para Daniel e depois para mim. – Tenho certeza de que vão se divertir. Todo mundo adora uma fornicação.

Todos na mesa fizeram aquele som de surpresa e Angelina começou a repreender Jason, que só deu de ombros e riu.

- Eu e a Melanie não somos como você. – Daniel falou meio envergonhado.

- O que é uma fornicação? – Zoe perguntou e Helena mandou ela parar de falar aquelas coisas.

O assunto morreu na mesa.

Mais tarde, logo depois que eu brinquei com Zoe durante duas horas e meia, peguei meu casaco – e o casaco da Zoe – e fomos até a sala esperar por Daniel para irmos passear na cidade.

Durante o passeio no centrinho comercial da pequena cidade com um nome cheio de consoantes, Daniel estava tentando puxar conversa e dar algumas cantadas monstras em mim. O fato de Zoe estar ali e me chamar de cinco em cinco segundos para ver alguma coisa era reconfortante.

A verdade é que eu sei o que está acontecendo.

Daniel quer “me levar pro lençol dele”, nas palavras de Jason. E seria um prazer ir para os lençóis de um garoto bonito como Daniel e eu não pensaria duas vezes antes de entrar na onda se eu não estivesse meio que afim do Jason.

Eu não sou idiota, sei o que estou sentindo.

Eu estou meio que afim do Jason, aquele imbecil. Mas não afim do tipo “hey, você é bonitinho, vamos nos beijar”, mas afim do tipo “hey, você faz eu sentir umas paradas meio loucas”.

Voltamos para casa de noite, logo depois de comermos comida mexicana em um restaurante simpático perto do centro. Zoe dormiu do carro e Daniel foi levar ela para cima enquanto eu estava sentada no sofá.

Angelina, Lana e Helena tinham ido para a casa da vizinha, jogar papo fora e essas coisas de mulher que eu nunca sou convidada por ser “jovem demais”, elas deixaram um bilhete.

No caminho de volta para casa, Edward mandou uma mensagem de texto dizendo que estava resolvendo algumas coisas de trabalho no escritório, do outro lado da casa.

Era como se eu e Daniel estivéssemos sozinhos se você ignorasse o fato de Jason estar andando por aí, totalmente sumido.

Daniel voltou pouco tempo depois e sentou do meu lado do sofá, pousando a mão no final das minhas costas.

- Me diverti hoje. – Daniel falou.

É mentira, tenho 99% de certeza.

- Eu também. – Falei a verdade.

Zoe é bem fofa e engraçadinha.

Daniel aproximou o rosto do meu, pressionando os lábios nos meus logo em seguida. Fiquei de olhos abertos durante os poucos segundos desse contato.

- Daniel... – Comecei e me afastei um pouco. – Não vai rolar.

- O que? – Daniel perguntou meio confuso. – Por que não?

- Er... – Comecei.

- É por causa do Jason, não? – Daniel falou e encostou as costas no encosto do sofá, bufando e mirando a televisão enorme e desligada a nossa frente.

- Não. – Menti. – É um pouco. Quer dizer, sou amiga dele e vocês dois não se dão muito bem. Só... Não parece certo.

 Daniel sorriu malicioso, como se tivesse acabado de ganhar novas esperanças. Ele voltou a se aproximar de mim e segurou meu rosto com delicadeza.

- Esquece o Jason. – Daniel falou e pressionou os lábios nos meus de novo.

“Esquece o Jason” virou meio que um mantra pra mim.

Quando a língua de Daniel pediu passagem, eu cedi.

“Esquece o Jason”.

Agarrei a nuca de Daniel, fazendo uma espécie de carinho, e Daniel desceu a mão que estava no meu rosto para minha cintura, a apertando um pouco.

“Esquece o Jason”.

O beijo se aprofundou e a mão de Daniel começou a subir pelas minhas costas, levando um pouco da minha camiseta nesse processo.

“Esquece o Jason”.

Nos separamos para puxar ar e, poucos segundos depois, eu meio que beijei Daniel de novo. As duas mãos de Daniel já estavam dentro da minha blusa, brincando com o feixe do meu sutiã.

“Esquece o Jason”.

Daniel começou a meio que me deitar no sofá espaçoso demais para o meu gosto. Foi aí que eu comecei a meio que dar para trás. Não tenho plano nenhum de transar com Daniel.

Os lábios de Daniel desceram para o meu pescoço e, logo depois, Daniel puxou para cima a camiseta dele, voltando a me beijar logo em seguida.

Ok, Melanie. Respira. Agora você tem que sair dessa.

Daniel começou a puxar minha camiseta e eu comecei a sentir o desespero subir pelo meu estômago.

- Daniel... – Chamei. Ele me ignorou. – Daniel...

- O que foi? – Daniel perguntou sem desgrudar de mim, passando os beijos pro meu pescoço.

Foi então que eu comecei a sentir um cheiro horrível de queimado.

- Tá sentindo isso? – Perguntei.

- Sentindo o que? – Daniel perguntou.

Empurrei o peito dele, fazendo ele sair de cima de mim e olhar pro meu rosto.

- O cheiro. – Falei. – Tá sentindo?

Daniel “cheirou” o ar e então saiu de cima de mim, enfiando a camiseta dele de novo. Levantei do sofá e tentei dar um jeito no meu cabelo. Edward apareceu na sala, meio desesperado.

- Vocês estão sentindo cheiro de queimado? – Edward perguntou.

- Estamos. – Daniel respondeu. – O que houve?

- Eu não sei. – Edward respondeu. – De onde vem?

Edward foi em direção a cozinha, desaparecendo.

Minha cabeça começou a gritar o nome de Jason e naquele segundo eu soube o que estava acontecendo.

Comecei a seguir o cheiro, indo parar do lado de fora da casa. Perto da adega, uma árvore estava completamente em chamas.

- Edward! Daniel! Aqui fora! – Gritei o mais alto que pude.

Edward e Daniel apareceram poucos segundos depois e começaram a pegar uma mangueira ali perto que devia resolver a situação sem precisar dos bombeiros. Enquanto os dois tentavam apagar as chamas, entrei na adega.

Como eu imaginava, Jason estava ali, sentando no chão e brincando com um isqueiro.

- Qual é o seu problema?! – Gritei e me aproximei dele e empurrei o peito dele. – Ficou maluco? Por que fez isso?

- Por que você se importa? – Jason perguntou cinicamente e levantou do chão, enfiando o isqueiro no bolso. – Esquece o Jason, certo?

E então ele saiu da adega, me deixando sozinha e paralisada.