POV. Gale

Limpo o suor de minha testa e volto ao meu trabalho árduo. Trabalhar nas minas de carvão é uma tarefa realmente cruel e complicada.

-Vamos Hawthorne, não fica de corpo mole não!- diz rindo Blake Stanford, que trabalha ao meu lado.

-Cala a boca, Stanford. Você também está quase se matando aí- digo rindo de volta.

Nem o culpo. Já estávamos a 10 horas trabalhando naquele lugar abafado. Como somos os mais fortes do grupo, ficamos nas áreas onde era mais difícil se retirar o carvão. Isso acabou nos aproximando e, ironicamente, acabamos amigos.

Engraçado porque semanas atrás estávamos nos enchendo de socos.

A vida no Distrito 12 está completamente diferente do que eu conhecia. Literalmente. Agora que eu já terminei o colegial, eu tenho que trabalhar nas minas- o que implica em 12 horas de trabalho por dia, tendo apenas os domingos livres. Blake também terminou o colégio. Então ele também tem que trabalhar nas minas.

Nos domingos eu vejo Katniss, afinal eu ainda caço. Na verdade, Katniss ofereceu uma generosa quantia de dinheiro para sustentar minha família. Mas só se eu fosse um idiota para aceitar. Não quero ter que viver à custa de alguém.

Então eu continuo caçando, e como Katniss não consegue perder o hábito de caçar- mesmo que ela já não precise mais-, ela caça junto comigo. Então fica óbvia uma coisa: eu trabalho 12 horas por dia e nos domingos eu caço com Katniss, o que significa que não, eu não vejo mais a Madge.

Pelo menos não com a frequência com que a via. Eu ainda vendo morangos para ela. Mas não é a mesma coisa. Já faz mais ou menos um mês que não nos vemos direito.

Engraçado como tanta coisa mudou tão rápido e em tão pouco tempo.

Pensando bem, não é nada engraçado.

-Ei Gay-le, pode, por favor, parar de pensar em besteira? A gente precisa terminar isso aqui. Colabora, né?- diz Blake.

Assinto com a cabeça. Ele tem razão.

-Tava pensando na Madge, não é?

Como o idiota sabe?

-Não- digo, com indiferença.

-Porque você é idiota- diz rindo o Stanford.

Ignoro seus comentários. Porque ele tem razão. Eu sou um idiota. Nem tenho visto mais a minha Mad. Nem sei se posso mais chamá-la de minha. Afinal, a gente nem se vê mais. E eu também não sei por que ando a ignorando.

Duas horas se passam e o turno de trabalho é finalizado. Fomos finalmente liberados e ao chegar em casa me jogo na cama.

POV. Madge

-Acorda, loira! Hoje tem aula, se esqueceu?- uma voz exclama.

Abro os olhos, mas depois os fecho involuntariamente ao sentir os raios de sol que entram pela janela alcançaram meus olhos. Alguém puxa meu cobertor e fala animadamente:

-Vamos loira! Levantando, agora!

Levanto-me e me deparo com um par de olhos incrivelmente azuis e um sorriso radiante.

-Julieta? Como você entrou aqui?

-Ah, seu pai é super legal. Ele me deixou entrar, oras. Acha que eu pulei a janela? Isso é impossível, seu quarto é no segundo andar- dou de ombros- Não, de jeito nenhum eu pularia, mesmo se fosse no primeiro andar. E o risco de eu estragar o meu belo rostinho?- ela pergunta, rindo.

Rio também e ela joga um vestido claro em minha direção.

-É isso aí que você vai usar. Nem me vem com esse papo de que você quer escolher sua roupa, porque, sinceramente, não há tempo para isso não! Ainda bem que eu estou aqui, senão o que seria de você, né Mad?- ela fala sorrindo para mim e colocando as mãos na cintura.

-Ok, ok. Já estou indo.

Coloco o vestido e depois vamos para escola. Ao chegarmos aos portões Julieta diz:

-Bom, a gente se vê mais tarde.

-Como assim?- eu pergunto confusa.

-Agora você está no segundo colegial, mas eu estou no terceiro, lembra? Eu sou um ano mais velha que você, pirralha. Não estudamos juntas.- ela ri.

Ah é, eu tinha esquecido.

-Ok, adultíssima.

-Nossa! Já estou atrasada! Combinei de me encontrar com as meninas antes da aula.

-Meninas?

-É, a Rosa e a Liss. As minhas amigas, eu acho que você as conheceu na festa de chegada de Peeta e Katniss.

-Tudo bem, até mais tarde.

-Até- ela se vira e some em meio à multidão.

Ao chegar à sala de aula, sento em uma carteira qualquer e só então percebo a figura sorridente ao meu lado.

-Bom dia, Mad- diz um Peeta alegre.

-Bom dia, Peeta- digo sem conseguir evitar um sorriso- Está alegre hoje. Aconteceu alguma coisa?

-A sua ilustre presença me felicitou- ele diz com um tom brincalhão. Ele é assim mesmo, vive fazendo piadinhas.

-É claro que sim.

Rimos juntos. Não sei como definir nossa relação agora, mas acho que já podemos nos chamar de amigos. Não sei dizer, porque nunca tive muitos amigos.

Katniss entra na sala de aula, séria como sempre. Mas quando me vê, ela se permite um pequeno sorriso. Sorriso que se desmancha rapidamente quando seus olhos encontram os de Peeta. Ela se senta ao meu lado e me cumprimenta. Ela é quieta na escola, porém quando estamos sozinhas ela é mais solta. Ultimamente temos nos visto bastante. Ela eu posso chamar de amiga, com certeza.

A aula é- como sempre- chata. Geralmente eu me concentro. Mas Peeta não deixa que eu fique séria por muito tempo, e meus pensamentos estão em outro lugar.

Gale. É o nome que vêm a minha mente sempre que me permito mergulhar em devaneios. Ele anda tão distante. Sei que nos últimos domingos ele havia caçado com Katniss porque sentia sua falta. Eu entendo, e entendo mesmo. Não vou e não quero mudar o relacionamento dele com Katniss. Eu admiro a amizade deles.

Mas será que ele não podia pelo menos guardar um mísero de tempo para mim?

Afinal, eu havia passado dias com ele. Semanas. O que me leva a pensar: por que as coisas estão assim, afinal? Porque viramos amigos tão de repente e depois nos distanciamos com a mesma rapidez?

O pior é que eu sei a resposta, mas não quero aceitá-la. Dói muito. Mas eu preciso aceitar a verdade.

Eu fui apenas uma substituta.

POV. Gale

Domingo. Finalmente, um dia livre, de paz. Quando estou me preparando para sair- para caçar com Katniss-, ouço uma batida na porta de minha casa. Ao abri-la dou de cara com Madge Undersee.

-Bom dia, caçador- ela diz, cruzando os braços e abrindo um meio sorriso.

-Bom dia. - digo passando as mãos pelo cabelo, desconcertado- O que faz aqui, Madge? Não tenho muito tempo para falar agora. - digo, tentando não parecer indelicado.

O rosto dela se contrai em uma expressão de clara decepção.

-Eu... bem, eu só pensei que a gente podia...- a voz dela falha- Ah, sei lá. Dar uma volta. Ir à Campina, não sei. Faz tempo que a gente não se vê.

-Eu... É que hoje não dá. Eu ia...

-Caçar com Katniss?- ela pergunta, erguendo a sobrancelha.

-É, bem, sim.

-Tudo bem então. Divirta-se- ela diz se virando.

Por que estou agindo dessa forma? Há dias atrás eu lutava por ter Madge próxima de mim; por que estou fazendo isso? O que está acontecendo comigo, afinal?

Antes que ela saia seguro seu pulso.

-O que é?- ela pergunta fria como uma pedra.

-Eu...

-Não precisa se explicar, Gale. Eu já entendi.

-Entendeu? Entendeu o que, hein?- pergunto bravo.

-Já está nervoso?- ela pergunta com a voz calma, porém desafiadora- Bom, eu entendi o porquê de você ter sido tão gentil comigo no dia em que Katniss entrou na arena. E também entendi o porquê de você ter se distanciado com a mesma rapidez.

-Ah é? Diga-me- falo elevando um pouco a voz.

-Eu fui a sua substituta, Hawthorne- franzo as sobrancelhas conforme ela vai falando- Eu fui a pessoa que você usou para afogar as mágoas quando Katniss estava fora. Só isso. Eu duvido que aquele beijo tenha significado algo para você. Aliás, acho muito difícil que você tenha contado a Katniss o que há entre nós dois.

Meu coração afunda como se tivesse levado um soco na área mais sensível do coração.

-Só porque não te dei atenção, coisa que você está acostumada a receber, não quer dizer nada!- digo aumentando o tom da voz.

Ela ergue uma das sobrancelhas e aproxima o rosto do meu.

-Então me diga. O que quer dizer, então, o fato de você estar me ignorando?

-Eu não te devo satisfações- digo, balançando a cabeça.

-Ah, não deve? Mesmo depois de termos nos visto dias e dias e até termos nos beijado?

-EU JÁ DISSE QUE NÃO TE DEVO SATISFAÇÕES, UNDERSEE!- digo, já gritando.

Porque eu realmente a amo. Por que ela acha que não?

O reconhecimento me atinge em cheio. Porque ela está certa em me questionar. Porque ando a ignorando? Por que estou agindo como se não a amasse? Como se não me importasse?

Os olhos de Madge se enchem de lágrimas fazendo com que eu subitamente me arrependa de tudo o que disse a ela.

-Se exploda- ela diz com a voz baixa e finalmente soltando o pulso do aperto de minha mão.

Antes que eu possa fazer qualquer coisa, ela já está correndo para longe de minha casa; para longe de mim.