A Ovelha e o Porco-espinho escrita por Silver Lady


Capítulo 5
Unchain My Heart Liberte meu coração


Notas iniciais do capítulo

Disclaimer: Não sou dona de Dragonball Z nem da música Unchain My Heart, que é um velho sucesso de Joe Cocker. As únicas coisas minhas aqui são a Satou e a judiação com os personagens.;)



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Fazia tempo que os dois estavam sentados ali. Sobre a mesa já se formava um grupinho de copos de refresco, pratinhos de doce e taças de sorvete esvaziados com apetite de Saiyajin pela garota. Yamcha, tirando um chope, não consumira mais nada: tinha um nó no estômago.

—Já era pra ela estar aqui! — consultou o relógio pela enésima vez.

Sua visão periférica detectou a abertura da porta e ele ergueu a cabeça com ansiedade. A mocinha que o acompanhava se virou pra olhar também (estava de costas pra porta):

—É ela?

Yamcha olhou-a irritado. A mulher que acabava de passar, ou melhor, se espremer pela entrada, devia ter uns 45 anos e pesava mais de 90 quilos. Satou* só podia estar de gozação. Mas não estava, e ele sabia disso.

—Não, não é. Escute, tem certeza que deu o endereço certo pra Bulma?

A moça se ofendeu:

—Claro que dei! Cheguei a passar duas vezes lá na frente pra não errar o nome—indicou a porta da rua com a colher cheia de sorvete, derramando um pouco na mesa. Depois fechou a cara, tanto pelo sorvete desperdiçado quanto pela lembrança do telefonema—Essa sua Bulma é muito mal-educada! Ela me bateu o telefone duas vezes na minha cara e gritou comigo antes que eu pudesse falar. Mas depois, saiu tudo direitinho. Ela nem reconheceu a minha voz!

—Claro que não reconheceu, se ela não te conhece!


A garota levou a mão à boca:

— Mas... então eu não precisava ter tapado o bocal do telefone com o lenço. Droga... — fez beicinho de decepção — É que eu sempre quis fazer isso, que nem nos filmes de detetive.

Yamcha lançou-lhe um olhar admirado:

—Não, você fez muito bem! Eu não havia pensado nisso. Assim, quando Bulma encontrar a gente aqui, não vai reconhecer a sua voz e descobrir que foi você que ligou pra ela.

—Mas você acabou de dizer que ela não me conhece. Como é que ela vai reconhecer a minha voz?

Yamcha revirou os olhos. Que pena que Goku tivesse casado com a Chichi: poderia ter encontrado em Satou a sua alma gêmea. Ah, Bulma, se pelo menos reconhecesse os sacrifícios que ele, Yamcha, fazia por ela! Felizmente, o som da porta abrindo poupou-o de uma explicação que só confundiria ainda mais a cabecinha de sua amiga.

Os dois olharam em direção à porta.

****

Bulma passara o resto do dia bastante amolada, pensando se devia ou não tentar descobrir onde Yamcha estava. Mais de uma vez chegara perto do telefone, mas sempre desistia no último momento. Do jeito que seus amigos eram barrigas-frias, se ligasse para um deles perguntando pelo seu ainda-namorado, em poucas horas o mundo inteiro saberia que estavam separados de novo. Pior, Yamcha saberia que estava preocupada com ele, o que era a última coisa que ela queria; tinha certeza de que ele sumira daquele jeito porque se sentia trocado pelo “assassino Saiyajin”. Era aquela a principal causa das brigas entre eles nos últimos tempos. Não tanto por Vegeta, mas devido à típica mentalidade masculina, que permitia a um homem comprometido umas “olhadelas” de vez em quando mas proibia a sua garota de olhar para outro de maneira pura e desinteressada. Ainda por cima, todos os seus amigos pareciam dar razão a Yamcha neste ponto. Apesar de todos os avanços do século XX, a cabeça das pessoas permanecia na Idade Média.

A sra. Briefs já começava a reclamar que Bulma a estava deixando tonta andando pra lá e pra cá daquele jeito, quando o telefone tocou. Uma vozinha perguntou se era da “Corporação Calça”. Achando que fosse trote, Bulma desligou, mas logo em seguida o telefone tocou de novo. Desta vez a voz perguntou se era da Corporação Cápsula, mas pediu para falar com a “Bermuda”. Bulma quase quebrou o telefone.

Tocou de novo. Bulma atendeu e, naturalmente, sentou os cachorros. Quando fez uma pausa para respirar, a criatura implorou, assustada:

“Por favor, não desliga de novo! Eu preciso falar com a Bermuda, não, desculpe, com a Bunda... com a Bulma, é isso! Com a Bulma!”

—É ela — rosnou a própria.

“Ah, é você? Desculpa ter trocado seu nome, é que eu tava nervosa! Olha, eu só queria dizer... como é que é mesmo? Ah sim, você sabe o Yamcha, o seu namorado?”

— O que tem o Yamcha? — inconscientemente,a cientista aprumou-se.

"Ele está comi... digo, ele está saindo com outra garota. Melhor vir logo senão vai ficar sem namorado, porque ele é muito bonito...”

—Aonde ele está? — Bulma cortou com uma paciência budista.

“Na sorveteria onde vocês sempre vão... isso é, costumavam ir, porque depois disso acho que não...”

—Qual sorveteria? — Bulma fez um esforço ultra-humano para não gritar.

Foi um custo arrancar o endereço da mocinha; pelo tempo que demorou, parecia que tinha ido até a frente do prédio decorar o nome e depois voltar. Depois que ela finalmente desligou, Bulma ficou por um longo tempo sentada, pensando...

****

Quando a porta se abriu, Yamcha olhou ansiosamente. Desta vez era Bulma. Lançou-lhe um olhar de desaprovação; ela estava bonita, claro, mesmo com aquela permanente ridícula; mas pelo tempo que demorara poderia bem ter dado antes uma passada no cabeleireiro. E por que estava usando uma jaqueta num dia tão quente? Ah, devia ser alguma moda nova.

Ela entrou e olhou em torno. Por sorte a sorveteria estava cheia devido ao calor da tarde, além do que Yamcha havia escolhido, estrategicamente, uma das mesas do fundo. Rapidamente ele desviou os olhos, mas não aconteceu o mesmo com Satou, que se virou:

—Agora é ela? Puxa, é muito linda! — disse em voz alta, mas Yamcha puxou-a pelo ombro:

—Chhh!!! Não olha pra lá. Finge que não viu!

—Mas você não queria que ela nos visse?

Desesperado, o rapaz puxou Satou para a frente, mas ela deu um gritinho que chamou a atenção das pessoas que estavam perto deles, incluindo um garçom. Pra disfarçar, Yamcha pediu mais um sundae de morango, mesmo sabendo que aquela despesa extra ia lhe dar problemas depois. O garçom anotou o pedido e saiu da sua frente, bem na hora que a namorada olhava na sua direção. Tarde demais, os olhos de Yamcha se cruzaram com os dela. Imediatamente ele desviou o olhar e disfarçou, puxando conversa com Satou. Ao mesmo tempo, cuidava Bulma pelo rabinho do olho, esperando a explosão iminente e inevitável.

Estranho, ela não estava fazendo nada. Esperava no mínimo Bulma corresse até a mesa deles aos gritos, desse um soco na sua cabeça e derramasse o sorvete (isso é, as taças de sorvete vazias)em cima de Satou, qualquer um dos seus habituais escândalos. Mas, em vez disso, ela apenas ficou olhando para ele, muito séria. Parecia triste, até.

“Será que exagerei?”

Bulma lançou um olhar para a porta. Essa não! Se ela fosse embora ele teria que ir atrás dela e desistir do seu plano, o que significava um bocado de dinheiro jogado fora. Falando em dinheiro jogado fora, o garçom chegou com o sundae, momentaneamente cortando sua visão. Quando ele se afastou, Yamcha viu Bulma caminhando em sua direção, num passo lento, porém decidido. Não sabia se sentia aliviado ou com vontade de dar no pé.

—Você não vai comer? — Satou virou-se para ele com um olhar pidão.

—Hã? — ele tinha esquecido o maldito sorvete — Não, eu pedi pra você! —empurrou-o na direção dela. Satou resmungou um mecânico “obrigada” e avançou como se nunca tivesse comido nada na vida. Yamcha voltou a olhar na direção de Bulma, mas não a viu. Uma voz disse do outro lado, quase no seu ouvido:

—Pode parar de fingir.

O pulo que Yamcha deu na cadeira não foi fingido:

—Bulma! Oh... olá! — deu uma risadinha sem graça —Q-que surpresa! Não esperava ver você aqui!

—Yamcha, não se faça de engraçadinho! Você olhou pro meu lado uma porção de vezes!

—Eu não sei do que está falando — o rapaz adotou um ar indiferente — Estava aqui, tomando um sorvetinho com a minha amiga Satou...

—Amiga? — fez a garota — Mas você tinha dito que éramos namora... hmpf! — Yamcha tapou-lhe a boca.

—Hehehehe! Satou, quero que conheça a Bulma.

Satou lançou-lhe um olhar meio confuso, mas sorriu para a recém-chegada, esquecida de que aquela era a “malcriada” que a xingara no telefone:

—Oi! Então você é que é a Bulma de quem o Yamcha fala tanto? É mais bonita do que eu esperava!

Bulma fitou-a com surpresa. A garota a olhava com sincera curiosidade, sem o menor traço da hostilidade ou do constrangimento que seriam naturais naquelas circunstâncias. Era bonitinha, claro, mas de um jeito antiquado, bem diferente do tipo que Bulma esperava encontrar com Yamcha. Parecia um pouco com a Lunch, embora os olhos e o cabelo encaracolado fossem cor-de-rosa, e também usava como ela um grande laço na cabeça. Vestia roupas românticas em tons pastéis, que lhe davam um jeito de figurinha de bolo.

Obrigada, Satou. Você é muito... simpática. Se importa de me emprestar o seu “amigo” para uma conversa?

Yamcha empalideceu, mas procurou fingir um ar indiferente:

—Por quê? Estou muito bem aqui. Não temos nada pra conversar — olhou para Satou pedindo apoio. A amiga olhou para ele, depois para Bulma e finalmente para o sundae pela metade e já meio derretido.

—Yamcha, acho que você deveria falar com ela. A coitadinha está tão aflita pra conversar — disse meigamente, e recomeçou a comer em silêncio, como se já tivesse feito sua boa ação do dia.

O suor escorreu pela testa dele. Ai, ai, ai... como é que fora se meter nessa? Mas não teve muito tempo pra lamentar, pois Bulma já havia se sentado:

—Por que você fugiu lá de casa? — indagou direto.

Ele se fez de desentendido:

—Como assim fugi? Acho que tenho o meu direito de ir e vir quando quiser.

—Mas não sem me avisar! Não achou que eu poderia ficar preocupada?

—Oh sim, eu vi como estava preocupada comigo, do jeito que estava com o Vegeta. Ele lhe deu um fora?

—Não! Ele não me deu o fora, porque nunca houve nada entre a gente!

—Pode até não haver — Yamcha sorriu, com ar descrente —Mas admita que você anda bem interessada nele.

—Eeu?! Está maluco? Só porque eu fiquei preocupada que ele pudesse morrer?

—Preocupada? A única coisa que você não fez foi levá-lo pra enfermaria no colo! Você nunca agiu assim comigo quando eu me machucava!

—Que injustiça! Quando Tenshinhan quebrou sua perna eu fui ver você todos os dias no hospital!

—Mas ficava logo entediada e arrumava uma desculpa pra ir embora!

—Como é que você sabe? Estava sempre tão entretido conversando com as enfermeiras e ganhando comidinha na boca!

—E você, que andou arrastando a asa para um tal de Zarbon enquanto eu estava morto? Kuririn me contou tudo!

“Eu mato aquele careca!” pensou Bulma.

—Você se atreve a duvidar da minha fidelidade? — guinchou ela — Eu estava torcendo pra ele salvar a gente do Veg... ora, não é da sua conta!

—Tem razão — o ex-ladrão concordou altivamente — Não é da minha conta o que você faz, e também não é da sua o que eu faço. Não é, Satou? Satou? — olhou para sua cúmplice. Satou havia terminado de comer e agora se entretinha a fazer bichinhos com guardanapos de papel dobrado. Ela ergueu a cabeça de modo brusco:

—Hã? Disse alguma coisa?

Ele enxugou a testa com o próprio guardanapo.

—Na-nada não, querida. Pode continuar com o seu origami.

—Eu já terminei. _ mostrou o seu sapinho de papel — Não ficou bonitinho?

Talvez fosse alguma coisa no jeito como Satou olhava Yamcha, ou um gesto, o fato é que Bulma teve uma ideia. Inclinou-se na direção da outra garota:

—Satou, eu te conheço de algum lugar?

—Satou... — Yamcha cortou ligeiro —Hã... você não quer fazer outro bichinho pra mim? — estendeu o guardanapo ensopado de suor e todo amassado — Um camelo, quem sabe... ou um... jumento? — perguntou entre dentes.

—Yamcha!—Bulma repreendeu-o. Ele se retesou, mas ela sorriu amavelmente.

— Ela disse que já terminou. — disse a cientista num tom de voz suave, e sorriu para a suposta rival.

Satou sorriu de volta.

—Você é engraçada, Bulma! O seu nome é engraçado, também. Não é um tipo de calcinha?

Yamcha se cobriu com o menu. Se havia uma coisa que Bulma não gostava era caçoassem do seu nome, mesmo que inocentemente. Agora era o fim!

Mas, em vez do terremoto que esperava, Bulma continuou com o mesmo sorriso encantador.

—O seu nome também é engraçado, Satou... ou melhor... Pual. _ disse.

A garota piscou. Era impressão de Bulma ou vira um brilho de reconhecimento nos olhos dela?

—Pual? Não é um tipo de chá?

—Não... é um tipo de gato voador. Um que... muda de forma! — levantou-se, rápida, e agarrou Satou pelo cabelo.

—AIIII!_ ela se curvou com um guincho — Yamcha, socorro!

—Bulma! — o rapaz se levantou de um pulo — Ficou maluca?

Algumas pessoas se levantaram das mesas, assustadas com a reação daquela mulher que parecia mesmo louca.

—Larga ela! Não é o Pual!

—Ai! Ai!

Bulma largou o cabelo da moça, mas revidou:

—Você não vai me convencer que ISSO é uma garota de verdade! — fez voz de falsete — "O seu nome é tão engraçado, Bulma! Você tem nome de ca..." — parou a tempo — Qual é, ninguém fala desse jeito...

Justo naquela hora o verdadeiro Pual entrou na sorveteria. Parecia até coisa de filme, tão perfeito o timing.

—Yamcha, eu sei que você me mandou ficar longe daqui, mas não pude... oh , olá Bulma! — disse o gato.

Ela paralisou. Seus olhos arregalados passaram de Pual para Satou, de Satou para Pual, e finalmente pousaram em Yamcha. Fez-se um silêncio. Até as pessoas em volta ficaram estáticas. Mas foi Yamcha quem falou:

—Está vendo?

Os dois olharam para Satou, que choramingava. Ocorreu a Bulma que poderia também ser o Oolong... mas o porquinho não só era covarde demais pra se arriscar contra sua ira como também não agüentava mais de cinco minutos transformado. E Oolong iria reclamar de ter seu “cabelo” puxado, não fazer bico de choro como aquela bebezona. A cientista sentiu o rosto queimando de vergonha.

—Desculpe, acho que me enganei. Pensei que fosse um amigo do Yamcha.

—Você é muito malvada — choramingou Satou com os olhos cheio d’água. Bulma teve vontade de lhe oferecer um pirulito. Desviou o olhar para o ex-namorado:

—Então, virou papa-anjo agora?

—Ah, eu adoro papo de anjo — ao pensar em doce o rosto de Satou se iluminou imediatamente, apesar dos olhos lacrimejantes. Yamcha ergueu as palmas das mãos:

—Bulma...

—Não precisa explicar, já entendi tudo — ela interrompeu muito calma — Eu não vou mais incomodar vocês. Divirta-se com a sua “amiga”. Só tome cuidado pra não ser preso por pedofilia — inclinou-se e deu um beijinho no rosto de Satou — Obrigada por me abrir os olhos.

Depois, caminhou rápida na direção da porta. Os fregueses e funcionários respiraram aliviados. Mas Yamcha levantou-se.

—Bulma, espere! Foi tudo um mal-entendido!

—O único mal-entendido foi eu ter pensado que você era adulto! — bateu a porta com tanta força que os vidros vibraram.

—Até que ela não é tão má — disse Satou, ainda sorrindo _ só não entendi essa história da com pedo... “pedofifia”. O que ela quis dizer com isso? Você é pedicuro, Yamcha? Por que é que isso dá cadeia?

—CALADA! CALA ESSA BOCA! — explodiu o rapaz furioso.

—Você também vai gritar comigo agora? Não é justo! Todo mundo briga comigo e eu não fiz nada! Eu só quero ajudar os outros, mas ninguém me enteeeende! — uivou a garota, as lágrimas já cascateando pelos olhos.

—Calma, Yamcha... — disse Pual, dando uns tapinhas no ombro dela.

—Fica quieto que você também tem culpa! Se tivesse concordado em me ajudar eu não teria sido obrigado a apelar pra essa debiloide!

Pual lançou-lhe um olhar magoado. Só então Yamcha percebeu que as pessoas em volta estavam olhando pra ele. Nos olhos delas lia-se perfeitamente uma palavra: MONSTRO. Deu-se conta da impressão que deveria estar causando: Bulma saindo porta afora daquele jeito, Satou se derretendo em lágrimas e Pual com cara de quem ia chorar também. Mas não era essa a intenção dele!

—Que vocês estão olhando? Não foi minha culpa! Ah... droga! — e saiu atrás da namorada... pelo menos ele esperava que ainda fosse.

Bulma saiu soltando fumaça numa marcha que fazia as pessoas que passavam perto evitá-la para não serem abalroadas. Aquela jaqueta esquentava, aumentando a sua irritação, e começou a tirá-la enquanto andava.

—Bulmaa!!

Sem olhar pra trás, ela apressou o passo, enquanto lutava pra vestir o casaco de novo. Com a distração, não percebeu quem vinha à sua frente e foi de cara num corpo duro como pedra:

—Oh! Desculpe! — por alguns segundos a visão de um rosto moreno e dois olhos duros e frios cruzaram sua mente.

—Não foi nada — disse o estranho, quebrando a ilusão. Bulma pestanejou.

O rapaz que esbarrara nela também era moreno, e mais ou menos da sua altura, como Vegeta. Mas o cabelo negro era liso e puxado para trás, num rabo de cavalo. Os olhos, grandes e rasgados, eram inexpressivos como os do Saiyajin, porém azuis. Tinha um jeito de bad boy, com camiseta preta e um lenço vermelho no pescoço. Ele lhe devolvia o olhar sorrindo a meio, obviamente gostando do que via.

Bulma sempre perdia o controle na presença de rapazes bonitos como aquele; no entanto, talvez por estar tão irritada ou pela lembrança de Vegeta, ela recuou:

—Não olha por onde anda? — explodiu.

O estranho recuou um pouco, com o ataque. Mas não pareceu ofendido, antes alargou o sorriso como se aquela fúria dirigida contra ele lhe agradasse. Então ouviram a voz de Yamcha:

—Bulma! — os dois olharam na direção do homem, que vinha de dedo em riste _ Larga a minha namorada, seu safado...

—Que namorada?! — Bulma gritou para ele. Voltou-se furiosa para o rapaz de lenço no pescoço — Viu o que você fez?

—Eu? — ele mostrou as palmas da mão cobertas por mitenes de couro preto —Não tenho nada com isso. Mas se ele está te incomodando, posso dar um jeito —lançou-lhe um olhar malicioso.

Bulma franziu o narizinho.

—Não,obrigada! Posso cuidar disso eu mesma—replicou, fechando altivamente os olhos.

—À vontade — ele deu de ombros e se afastou.

—Bulma... me deixa explicar — Yamcha chegou perto dela. Esperava que ela tentasse fugir de novo, mas a jovem apenas cruzou os braços e bufou resignadamente. O rapaz interpretou isso como um assentimento.

—Olhe... aquele negócio... tudo o que você imaginou era verdade. A Satou nunca foi minha namorada. Eu pedi pra ela dar aquele telefonema e fingir que estávamos juntos pra botar ciúme em você. Eu... depois que te vi dando toda aquela atenção pro Vegeta eu perdi a cabeça. Tinha que saber se você ainda gostava de mim. Você só errou quando achou que fosse o Pual: nem ele nem o Oolong quiseram se transformar em garota pra me ajudar e eu fui obrigado a apelar pras minhas amigas. Mas só a Satou topou.

—Pelo fato de só ela ter topado você já deveria saber que o seu plano era ruim — Bulma disse secamente.

—Bom, mas o que importa é que eu não te traí de verdade, não é? — Yamcha deu um sorriso, mas ela não correspondeu.

—Preferia que tivesse.

Yamcha estava confuso e magoado. Tinha certeza de que ela ficaria aliviada quando soubesse que era tudo brincadeira; afinal, não viera tão aflita atrás dele? Aí se lembrou. Ah, sim. Isso ia amansá-la de vez.

—Espere um pouco. Ia esquecendo... _ remexeu o bolso e tirou uma caixinha. Os olhos de Bulma se arredondaram:

—O que é isso? — sabia o que era, claro, mas não queria acreditar.

—Ta-dáááá! — ele abriu a caixa, mostrando um belo anelzinho.

—Eu sei que não é grande coisa — correu a mão pelo cabelo, meio constrangido. Desconfiava que a pedra do anel não era sequer semipreciosa, embora tivesse lhe saído uma fortuna, e achou que a expressão atônita de Bulma fosse de decepção — Mas é por pouco tempo, enquanto não puder comprar algo melhor. Eu ia lhe dar esse anel depois que revelasse a farsa com a Satou.

Se ajoelhou na calçada, quase fazendo uma senhora tropeçar nele. A mulher saiu resmungando.

—Bulma, eu... eu quero me casar com você. Quer dizer, não agora, mas daqui a três anos... depois que a gente acabar os androides. Dependendo de mim a gente casava agora mesmo, mas não sei nem se vou estar vivo quando tudo acabar. Por isso... — tirou o anel da caixa e estendeu-o — eu quero que seja minha noiva. Eu estou de partida para treinar no deserto e... bom, se você não tem mesmo nada com Vegeta, eu acredito. Mas, mesmo assim, me sentiria mais seguro se a gente firmasse um compromisso agora. Depois daqui a três anos, nos casaremos, se eu sobreviver. — segurou a mão de Bulma para colocar-lhe o anel. O contato tirou a moça de seu estupor.

—NÃO! — ela deu um tapa na mão dele que fez a pecinha voar longe — O que você pensa que eu sou?

—Bulma! — Yamcha gritou e saiu de gatinhas atrás da “preciosa” joia, para diversão dos passantes na rua. Conseguiu agarrá-la antes que caísse num bueiro, mas por pouco não foi atropelado. Voltou furioso, limpando a sujeira da roupa antes imaculada — Ficou maluca? Você sabe o quanto esse anel me custou?

—Não me interessa! Eu não aceitaria nem que fosse de ouro de dezoito quilates!!!

Ele olhou-a, sentido:

—É claro que você pode comprar um anel melhor, mas não precisa me humilhar!

—NÃO É O ANEL, É VOCÊ!! Querendo me deixa presa um compromisso só pra se sentir seguro enquanto vai treinar Kami sabe onde! Pra nos casarmos somente daqui a três anos - SE os androides não liquidarem você, o que é mais que provável! Por que não pede logo para eu me enterrar num convento?

—Ah, já entendi! — ele apontou-lhe um dedo acusador — O que você quer é liberdade pra ficar sozinha com Vegeta enquanto eu estiver fora!

—Vegeta não tem nada a ver com isso! Será que não percebe, Yamcha? Você está querendo conservar uma coisa que não existe mais entre a gente!

*****

Ele se encostou indolentemente numa parede, assistindo a briguinha do casal a uma distância segura. Como discutiam... Por que ela não o mandava embora de vez? Viu-a dar um tapa na mão do boboca e riu baixinho ao vê-lo engatinhar em direção à sarjeta. Que fera! Mas bem bonitinha. Se não tivesse outro “compromisso”, poderia ajudá-la a se livrar daquele chato. Não, deixa pra lá. Ela deixara bem claro que não queria – e era óbvio que não precisava de ajuda. Demais, de fera já chegava uma...

—Não é um pouco velha pra você? — indagou uma voz sarcástica às suas costas.

"Falando no diabo..."

Virou-se para a moça que o interpelara. Era da mesma altura que ele, cabelos também lisos, porém louros como espiga de milho, quase batendo na cintura. Ninguém diria que eram irmãos, muito menos gêmeos: a única coisa que assinalava o parentesco eram os olhos.

—Tanto quanto você — replicou, bem-humorado — Ela deve ter a sua idade... digo, a nossa.

—Humpf! Vocês homens sempre se deixam enganar por um pouquinho de maquiagem e uma saia curta. Ela deve ter no mínimo uns 25 anos.

—Bravos! — o rapaz bateu palmas — Falou Sukie, a especialista em visual feminino. Você realmente deveria pensar em ser consultora de moda, garota.

—Deixa de papo-furado e me mostra a carteira, Jack.

—Que carteira?

—A que você tirou da perua — a garota rosnou, num tom de "não estou para brincadeiras".

—Oh, essa aqui? — ele indagou, mostrando a carteira de Bulma — Estranho, como será que foi parar no meu bolso?

Sukie arrancou-a da mão dele e examinou-a, carrancuda. Estava recheada.

—Achei que íamos parar com isso, quando decidimos abandonar a Cidade do Sul.

—Mas precisamos de um pouquinho de dinheiro para começar vida nova. Claro, se quiser, posso devolver...

—Não — ela abanou a cabeça — Estou precisando de roupas novas. Vamos comprar aquele conjunto de jeans que vimos no shopping.

Ele riu enquanto se afastavam.

***

Na rua, a discussão continuava, embora com um pouco menos de exaltação. Como estava começando a juntar gente em volta, os dois decidiram se mudar para um lugar mais calmo. Escolheram uma praça, não muito longe da sorveteria. Yamcha ainda estava confuso:

—Eu não entendo, Bulma. Desde que nos apaixonamos, a gente combinou se ia se casar algum dia.

—Isso foi há anos atrás! Não lhe ocorre que os planos das pessoas podem mudar com o tempo? Além do mais, foi sempre você quem queria se casar. Eu nunca fiz realmente questão.

—Mas todas as mulheres sonham em se casar algum dia! _ ele estava inteiramente chocado.

—Isso é o que VOCÊS homens querem que as mulheres acreditem! Está bem, admito que pensava nisso, mas sempre foi mais sonho da minha mãe do que meu. Desde criança a ouvia dizer:“Oh, Bulma você vai ficar tão linda na igreja cheia de flores brancas onde me casei com seu pai e com o véu de renda antiga da sua avó!” — imitou os trejeitos da sra. Briefs, e os dois riram. Depois ficou séria de novo:

—Talvez por isso mesmo nunca me senti à vontade sobre esse assunto. Nunca consegui me imaginar numa igreja parecendo um merengue só porque é o que todo mundo faz. Está vendo como você não me conhece? Como quer que eu case com um homem que não sabe nada de mim, que não confia em mim - e que me acha burra a ponto de cair numa armadilha ridícula daquelas?!

—Ah, mas você caiu. Tanto que saiu correndo da sorveteria — o ex-ladrão deu um risinho de vitória. Bulma só lhe lançou um olhar.

O riso dele morreu.

—Você não caiu? Então... estava fingindo!

—Ainda tem alguma dúvida? Desde o telefonema que eu já sabia. Na verdade, estava mais ou menos prevendo aquilo. Você sempre teve o hábito de sair com outras mulheres quando estávamos brigados pra me provocar; só não esperava que fosse escolher um novo encontro no hospício.

Fora de si, Yamcha mal a ouvia. Como ela podia ser tão fria, tão... tão... fingida? Falsa?

—Você fingiu pra me acusar de traição, pra arrumar uma desculpa porque queria se livrar de mim, pra poder dar em cima de Vegeta ou qualquer outro homem!

Bulma sentiu o sangue fervendo.

—Vegeta, Vegeta, Vegeta, você só sabe falar nele! Pare de usar aquele Saiyajin asqueroso como desculpa pra encobrir as SUAS falhas! Você tentou me humilhar com aquela sem-sal pra vingar o seu orgulho, achando que eu rastejaria a seus pés. E que, depois, ficaria mais do que aliviada de aceitar a sua proposta egoísta! Além de burra acha que eu sou encalhada!

—Exatamente! _ ele gritou, as faces escarlates — Você se acha a rainha das belas, mas é tão chata que ninguém mais a quer, mesmo com toda a sua beleza e genialidade! A não ser eu, seu eterno capacho, que gastei os melhores anos da minha vida esperando por uma garota mimada, egoísta e mal-educada!

Bulma ficou pálida, os olhos vidrados. Imediatamente ele se arrependeu e voltou a ser o Yamcha de sempre:

—Desculpe, Bulma, eu não queria dizer isso — tentou segurar-lhe as mãos, mas ela recuou, o rosto duro:

—Não, você quis. Por favor não negue — a voz dela tremeu um pouco, mas respirou fundo e conseguiu se acalmar — Eu é que devo me desculpar, se te fiz dizer essas coisas. Talvez... talvez eu tenha abusado de você um pouco. Mas não precisa mais se preocupar. Pode sair com quem quiser ou treinar no raio que o parta! Estou te deixando livre! — virou-se para ir embora.

“Mas eu não quero que me deixe livre!” Yamcha quis gritar, mas, em vez disso, agarrou-a pelo braço – por sorte, bem acima do ponto onde Vegeta a machucara. Mesmo assim, foi o suficiente para assustá-la e por isso Bulma não resistiu quando ele a virou na sua direção:

—Só mais uma coisa: se você sabia que era tudo falso desde o começo, por que veio? Só pra me jogar isso na cara? — inquiriu.

Como ele podia ser tão insensível a ponto de pensar isso dela?

—Não — Bulma engoliu em seco, evitando seu olhar — Eu... eu vim porque... não queria que você me abandonasse também — sentiu que ia chorar e respirou fundo, odiando-o por mais aquela humilhação — Eu... Eu não quero perder a sua amizade, Yamcha.

"A sua amizade, não o seu amor."

—Desde que aquele garoto nos falou dos androides todos foram embora treinar; você é o único que eu ainda vejo de vez em quando. Eu só vim porque estava com medo de que você também sumisse, e três anos sozinha é... é muita coisa pra agüentar — as lágrimas começaram a sair, mesmo contra sua vontade, mas enxugou-as valentemente e ergueu os olhos para ele — Mas agora não faz diferença, não é? — indagou num tom amargo.

Yamcha engoliu e sustentou-lhe o olhar.

—Não, Bulma, não faz diferença — parte dele dizia aquilo porque queria feri-la tanto quanto ela o havia ferido; outra parte, porém, dizia aquilo porque queria realmente ir embora treinar.

“Se os Androides não matarem você, o que é mais que provável.” Podia até ser, ele nunca teria um poder igual ao de Goku ou de Vegeta, mas nem por isso ficaria de lado. Ia provar que não era um inútil, ia servir para alguma coisa. Se morresse, azar! Pelo menos morreria com dignidade. Ela não tinha o direito de mantê-lo amarrado às suas saias. Mas a tristeza era sincera naqueles olhos azuis, e ele sentiu uma pontada de pena. Seria mesmo difícil pra Bulma passar tanto tempo só.

—Sinto muito — murmurou.

Então o rosto dela se abriu num sorriso:

—Sente por quê? Eu tomei a minha decisão, você tem que tomar a sua! — estendeu-lhe a mão — Então, nos vemos no grande encontro?

—Você não vai lá, vai? — ele ficou pálido. Por alguns segundos ocorreu-lhe que ela estaria querendo se matar.

—Claro que eu vou! Não perderia isso por nada! E, além do mais, se vocês perderem, vou morrer de qualquer jeito. Assim, pelo menos saberei como esses Androides se parecem antes que eles acabem comigo também.

Yamcha suspirou. Aquela era a Bulma aventureira e inconsequente que ele conhecia.

—Bom, já sei que nada do que eu disser vai mudar sua opinião.

—Não vai mesmo. Então até o grande dia?

—Até lá.

—Tchau.

—Tchau — ela se afastou num passo apressado. Desta vez Yamcha não a deteve.

Humilhara-se além da conta, gastara mais do que podia, só para ter certeza de que ainda tinha uma chance. Acreditara que ela ficaria feliz por finalmente assumirem seu compromisso um com o outro. Em vez disso, acusara-o de humilhá-la e de subestimar sua inteligência. De que ele não a conhecia realmente. Era incrível, mas parece que não a conhecia mesmo, apesar de todos aqueles anos passados juntos.

Olhou com raiva para o anel e teve vontade de jogá-lo fora. Mas, pensando melhor, enfiou-o no bolso. Com sorte, talvez conseguisse recuperar uma parte do dinheiro gasto nele. Respirou fundo e deu de ombros. Pelo menos agora poderia treinar sem as costumeiras cobranças e acusações de abandono. Poderia levar a Marilyn àquele concerto dos Plastic Angels sem peso na consciência. Bulma detestava os Plastic Angels. A verdade é que, tirando as aventuras passadas juntos (e a fraqueza pelo sexo oposto), pouco mais tinham em comum. Talvez ela estivesse lhe fazendo um favor, no final das contas. Tentou sorrir, mas estava muito magoado. Seu único consolo era que Vegeta não fora a causa da separação. “Saiyajin asqueroso” lembrou com prazer, e desta vez conseguiu erguer o canto da boca. Depois de três anos sem ninguém pra conversar a não ser aquele miserável, Bulma estaria mais que disposta a mudar de ideia. Mas talvez ele é que não a quisesse mais.

Fosse por isso ou pela liberdade recém-adquirida, o fato é que, enquanto voltava para a sorveteria sentia-se como se tivesse sido aliviado de um imenso peso que nem sabia que carregava.

Unchain my heart, let me go my way

Liberte meu coração, deixe-me seguir meu caminho

Unchain my heart, you worry me night and day

Liberte meu coração, você me preocupa noite e dia

Why lead me through a life of misery

Por que me fazer passar uma vida miserável

When you don’t care a bag of beans for me

Quando você não dá a mínima para mim

Unchain my heart, please, set me free

Liberte meu coração, por favor, deixe-me livre

—Yamcha! Você está bem? — Pual veio voando quando o amo entrou na sorveteria — Eu lhe disse que não devia provocar ciúmes na Bulma.

—Sinto muito que as coisas não tenham dado certo — Satou também se aproximou — Acho que o seu gatinho tem razão.

—Hã? — Yamcha olhou para os dois como se acordasse, depois deu uma risada e passou a mão no cabelo — Oh, não tem importância! Escute, Satou, você não quer tomar alguma coisa comigo? Depois podemos ir ao cinema, ou a algum outro lugar...

Ela deu uma risadinha cristalina:

—Adoraria, mas já tenho um encontro. E... — ficou séria — mesmo que não tivesse, não aceitaria.

—Por que não?

—Eu achava você muito legal. Mas nunca saio com gente que me chama de jumento e de debiloide. Aposto que foi por causa disso que ela lhe deu o fora!

Yamcha baixou a cabeça, sentindo que merecia aquilo. Mas, antes que pudesse se desculpar ou mesmo se lamentar, viu uma mão estendida na sua cara:

—Passa pra cá — Satou exigiu secamente.

—Passa pra cá o quê?

—Os 30 zeni que você prometeu se eu fingisse ser sua namorada — ela disse, com uma expressão que não tinha nada de doce ou inocente. Yamcha não disse nada, mas pela sua cara era óbvio que ele preferia lhe dar umas palmadas a pagar o que não merecia. Satou fez um biquinho e tremeu a voz:

—Você não vai me fazer essa desfeita, vai? O pessoal ainda está chateado porque você gritou comigo e com o gatinho há pouco, alguns chegaram a me consalar. Vão pensar que...sniff, snif... você está judiando de mim de novo...

Com efeito, algumas pessoas começaram a olhar feio pro lado de Yamcha. Um funcionário veio vindo na direção deles. Rápido, o ex-ladrão sacou da carteira e pagou.

—Ai, obrigada — a moça rapidamente enfiou os 30 zeni na própria carteira — É sempre tão bom poder ajudar quem precisa. Até logo, Yamcha, a gente se vê.

“Nunca mais, eu espero!” pensou ele. Apoiou o queixo nas mãos e os cotovelos na mesa, emburrado. De que adiantava ter superado seu medo das mulheres se não conseguia entendê-las?

Sentiu uma mão em seu ombro. Era o funcionário.

—O que você quer? Eu não fiz nada de mal à moça, ela é que estava...

—Não, não é isso. O senhor e a senhorita consumiram uma grande quantidade de doces e sorvetes.

—Eu não consumi nada! Foi a moça que estava comigo que comeu tudo aquilo!

—Ela disse que não tinha dinheiro e que o senhor pagaria quando voltasse — mostrou a conta. Vinte e cinco zeni. Mais essa. Resignadamente, Yamcha buscou a carteira. Olhou pra dentro. Ficou pálido. Olhou de ovo. Virou-a do avesso. Revistou os bolsos.

Aquela vigarista! Deixara ele com apenas alguns centavos pra pagar os sorvetes que ela devorara! Fitou o funcionário com ar de súplica:

—Eu ia pagar, juro, mas é que a moça levou o meu dinheiro.

—Ah, ela levou seu dinheiro. Sei como é. Isso acontece muito — o homem balançou a cabeça com ar compreensivo.

—Que bom que o senhor entende... eu... eu pago outra hora — Yamcha se ergueu para sair, mas foi agarrado pelo ombro.

—Mas não precisa. Estou vendo que você é um rapaz honesto e faz questão de pagar, não é mesmo? Então, como nós somos muito compreensivos, pode nos pagar com a sua ajuda. Taça suja pra lavar é o que não falta — foi empurrando Yamcha na direção da cozinha.

—Ai, ai... — gemeu o ex-ladrão — Pual, às vezes eu acho que nunca deveríamos ter saído do deserto.

*****

A despeito de seus planos de mudança, Vegeta acabou voltando para a Corporação Cápsula. A vergonhosa cena familiar de Kakaroto e as palavras trocistas do namekuseijin haviam espicaçado seu orgulho. Raios o partissem se ele abriria mão do seu conforto de medo de uma mulherzinha metida a besta! Ele era Vegeta e só fazia o que queria.

Para evitar discussões e uma conseqüente corrida ao banheiro, entrou no quarto pela janela. Tomou um banho, vestiu uma roupa limpa e jogou-se na cama. Maldito dia. Que mais faltava acontecer?

Seu estômago roncou.

Grunf. Ele tinha que perguntar.

Saiu do quarto e deu uma espiada. A bruxa estava assistindo televisão na sala. Inferno. Se quisesse ir até a cozinha, teria que passar por ela. Bom, o Príncipe dos Saiyajins não ia ficar se esgueirando pelos cantos por causa de uma mísera mulher. Não era o covarde do Kakaroto.

Bulma estava sentada em sua poltrona favorita, com um curtíssimo vestido vermelho e um imenso boião de salgadinhos do lado (depois ELE é que comia demais!), assistindo tevê. Nem ergueu os olhos quando ele chegou perto.

—Oh, olá Vegeta. Já voltou?

—É óbvio. Se eu estou aqui é porque já voltei. Vocês terráqueos fazem muitas perguntas desnecessárias.

—É, é. Que seja — ela respondeu apaticamente — Vá embora, não estou a fim de discutir com você.

Um tanto surpreso, Vegeta ia seguir a sugestão dela, mas parou e se voltou. Alguma coisa estava errada. Observou Bulma mais atentamente. Ela apanhava um salgado, mascava mecanicamente com o olhar fixo na tela, mas não prestava atenção nas imagens desta. Sua mente estava em algum outro lugar. Ah, não tinha nada com isso. Fez menção de ir até a cozinha, mas em vez disso virou-se e ficou olhando. Imbecil, xingou a si mesmo. Deveria bendizer a sua sorte por ela não gritar pi-pi ou interrogá-lo querendo saber onde estivera. Em vez disso, sentia-se incomodado com a sua indiferença.

Tsc. Nunca estava satisfeito.

Enquanto pensava no que fazer, seu estômago roncou de novo, estimulado pelo cheiro dos salgadinhos.

Bulma sabia que ele continuava ali, mas preferiu ignorá-lo. A última coisa que queria agora era outra briga com Vegeta. Parecia que aquele era o dia de THCB: Todos os Homens Contra Bulma.

Depois do rompimento definitivo com Yamcha, fora fazer umas compras para se acalmar e descobrira que o "lindo rapaz" que esbarrara nela havia roubado sua carteira. Resultado: tivera de passar um tempão esperando na delegacia para registrar queixa. Ainda por cima, o policial encarregado de atendê-la lhe dera uma cantada e depois ameaçara prendê-la quando ela lhe dissera umas verdades. E quando se apresentara como a famosa Bulma Briefs da Corporação Cápsula, não pudera provar porque os documentos, é claro, haviam ficado em sua carteira, e tivera de ligar para o pai pedindo ajuda. Por pouco não passara a noite no xilindró.

Homens, bah! Nenhum prestava. Não queria saber deles nunca mais. Seu destino era mesmo ficar pra titia. Sem olhar, serviu-se no boião.

Uma pele quente roçou a sua. O efeito foi igual ao de um choque elétrico.

Um par de olhos azuis encontrou um par de olhos pretos. Por um momento que pareceu bem longo, os dois ficaram ali, petrificados, as maçãs dos rostos levemente coradas, sem saber o que fazer. Então, os olhos de Vegeta desceram para as mãos de ambos, ainda pousadas nos salgadinhos, depois subiram para o lenço amarrado no braço de Bulma, pouco abaixo do pulso. Ah. Lembrava agora da loura burra dizendo alguma coisa:

"Que lenço é esse no seu braço, querida?”

"Oh isso? Eu... levei um tombo, ontem, e me machuquei.”

Ela estava mentindo. Vegeta sabia que aquele machucado não fora produzido por um tombo... se é que ela realmente estava machucada. Ele quase não usara de força para segurá-la.

Com a maior sem-cerimônia, arrancou o tecido, fazendo Bulma gritar de dor e protesto:

—Ei!

Vegeta arregalou os olhos.

Um imenso hematoma roxo marcava o braço delicado, bem onde ele a agarrara na véspera. Sabia que humanos eram estupidamente frágeis, mas não imaginava quanto.

"Me solte! Está quebrando o meu braço!"

Achara na ocasião que Bulma fazia fita, pois ele mal a segurara, mas agora via que fora sério. Por puro milagre não quebrara o braço dela. Então se deu conta: mas por que estava tão chocado com uma simples marquinha roxa? Durante sua vida inteira havia visto toda espécie de ferimentos, a maioria causada por ele mesmo: lagos de sangue e vísceras, corpos destroçados e carbonizados... Nunca se importara. Por que agora? Ela merecia muito mais, pelas torturas que lhe infligia. Mas aquele braço machucado lhe causava uma sensação esquisita, como se tivesse sido socado no estômago. O que o confundia mais é que ela escondera aquilo dos próprios pais. Por quê? Só por medo de que eles o expulsassem e ele ficasse sem ter aonde ir? Parecia óbvio, mas sua cabeça se recusava a aceitar. Uma criatura capaz de um golpe como aquele do “pi-pi” não poderia ter piedade. Ou poderia?

—Satisfeito agora? — Bulma rosnou, cobrindo o braço ultrajado — Ou quer agarrar meu outro braço para completar o par de braceletes roxos? É isso? É? _sacudiu o outro braço na frente dele, com histeria, os olhos se enchendo de água.

Vegeta não respondeu. Estava atordoado, não sabia o que fazer. A coisa que mais odiava no mundo (mais até que Kakaroto) era se sentir inseguro daquele jeito. Desviou o olhar para a tela de TV. Estava mostrando um campo verde cheio de estranhos animais com um pêlo encaracolado, muito semelhante a algo que Vegeta vira antes. Em seguida, um dos estranhos animais apareceu mais de perto, mascando com o mesmo olhar indiferente que Bulma tinha há pouco. Olhou para o cabelo dela, depois para o pêlo do bicho, depois o cabelo de novo, e teve vontade de rir.

—Que está olhando?

—Parente seu? — ele indagou, apontando para a tela.

—Hã? — os olhos de Bulma pularam de Vegeta para a tevê. Os bichos ainda estavam lá. Ela ficou cor de cera. Depois ficou verde. Depois escarlate.

—SEU IGNORANTE!!!! Aquilo é uma ovelha!! Uma O-VE-LHA!!! Como se atreve a dizer que o meu cabelo parece com o pelo daquele bicho?!!!

Vegeta sorriu.

—Não falei nada sobre seu cabelo. A carapuça serviu?

Bulma estava da cor do vestido:

—Fique sabendo que o meu cabelo é obra do melhor cabeleireiro da Cidade D'Oeste e custou uma fortuna! É fofo, bonito e está na moda... e não é todo arrepiado e cheio de pontas como um... como um porco-espinho!

Ele não respondeu.

—É isso mesmo! Você não passa de um porco-espinho, dando espetadas em todo mundo que tenta ser gentil com você! Mas um dia, Vegeta, você vai ficar sozinho e precisar de alguém, mas ninguém vai querer chegar perto. E quando esse dia chegar, eu vou rir na sua cara!

Ele cruzou os braços, muito calmo:

—Não sei o que é porco-espinho; mas pela descrição, você é que se parece com um. Um porco-espinho com pele de ovelha — sorriu, escarninho.

Os olhos de Bulma se arregalaram. Antes que Vegeta pudesse reagir, ela agarrou a tigela e enfiou-a na cabeça dele. Depois subiu para o quarto, pisando duro, e bateu a porta com toda a força. Só então começou a rir histericamente, seus olhos enchendo-se de lágrimas. Atirou-se soluçando sobre a cama.

Vegeta jogou a tigela longe e se sacudiu todo para tirar os salgados do cabelo e da roupa.

—Que diabo há com essas mulheres da Terra? Humpf... criaturas inúteis. Só servem para enlouquecer os homens — tirou um salgadinho que ficara preso entre o peito e a gola da camiseta e mordeu. O gosto agradou e o fez lembrar que ainda estava com fome.

Humpf. Sorte dela que ele estava cansado e faminto, senão lhe daria uma boa lição.

Sentou-se no chão e começou a comer os salgadinhos espalhados pelo tapete, lançando olhares ocasionais para a caixinha estúpida que a mulher havia esquecido de desligar. As “ovelhas” haviam dado lugar a um casal fazendo o que os terráqueos chamavam de beijo. mas na verdade não passava de preliminares sexuais. Em sua mente apareceu o rosto de Bulma perto dele, quando a derrubara na cama, fingindo que ia violentá-la. Ela tinha lábios bonitos, carnudos sem serem grossos... com certeza quentes e macios, como seus sei... Agarrou o controle remoto e mudou um canal, só pra se livrar da imagem.

Não se dera tão mal assim. Ficara com aquelas coisinhas gordurosas e conseguira irritar a mulher sem que ela o humilhasse com seu pi-pi-pi. Então... por que tinha uma sensação estranha dentro dele? Olhou meio desconfiado para o salgadinho que tinha na mão.

Outra coisa também o incomodava.

O que seria um porco-espinho?

Vocabulário:

* açúcar, em japonês

**Pual, ou puaru, para os japoneses, é o nome de um chá chinês.


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Notas finais do capítulo

De início não queria nem incluir Yamcha nesta fic. Embora goste dele, estou enjoada de histórias do Yamcha traindo a Bulma, sempre a mesma coisa. Mas como ele faz parte desse período da vida dela, fiz trair de mentira pra ficar um pouco diferente. A despeito do que o Mirai Trunks disse, acho que Bulma deve ter descartado Yamcha por razões bem mais profundas que pulação de cerca. A música Unchain My Heart foi um achado para o título e me ajudou a definir o espírito desse capítulo, escutei-a diversas vezes enquanto escrevia.

 

— A Satou é minha contribuição (e gozação) às “bobinhas” de Dragonball: Lunch(de cabelo azul), Marron, Paresu e a sra. Briefs. Mas acho que ela acabou ficando mais pra Smiley Bone. ^_^



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