Cartas de Fogo e Água escrita por José Vinícius


Capítulo 13
Carta 8 - Fogo




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Katara,

Eu estou vindo de uma reunião extremamente importante (e chata) sobre uma possível relação comercial entre a República e a Nação do Fogo. Tive que suportar muito mais que uma comissão formada pelas pessoas mais cultas, informadas e maçantes possíveis que se pode encontrar lá, sem contar com meus ministros e seus devidos secretários e assistentes que, além de me ajudar a administrar meu país (e de certo modo, compartilhar o peso de governar a Nação) expondo seus pontos de vista. Nunca vi tamanha burocracia e política envolvidas.

Esta é uma parte de minha vida como Senhor do Fogo: aturar e interferir nesse tipo de assunto, e ter de arcar com os avanços ou regressos que essas decisões podem ter, além de me responsabilizar pela repercussão disso tudo. Às vezes penso se todos os cidadãos do fogo realmente são afetados pelas minhas decisões. Às vezes penso que as pessoas que moram muito longe da Capital é que não sentem o peso de uma troca comercial, por exemplo, ou de uma reforma administrativa, ou do fechamento de um porto ou a fundação de outro.

A vida naqueles lugares distantes é baseada na paz, na harmonia, nos valores familiares que são preservados, no companheirismo, na amizade, na sinceridade dos atos, na veracidade de suas histórias, no sorriso do povo hospitaleiro e educado, na sabedoria dos antigos. Todas essas coisas eu vi em muitos lugares do mundo por onde eu passei, e sei que, mesmo que meu coração não tenha notado isso no passado, hoje eu fico com lágrimas nos olhos. Como eu pude fazer mal a pessoas tão simples, pessoas que no futuro, iriam me inspirar a ser igual a elas?

Muitos por aqui dizem que eu sou um Simples Senhor do Fogo. Depende, é claro, do tom de voz e das intenções de quem diz. Quando um general ou ministro diz isso, sei que ele está me diminuindo, ou achando meu governo insuficiente (tenho certeza que os antigos generais de meu pai diriam isso). Mas, quando alguém do povo diz isso, eu sinto uma vontade muito grande de lhe dar um abraço apertado. Sempre quis estar perto de meu povo, próximo dele, quis fazer parte dele, ser um simples plebeu, e não Zuko, Senhor do Fogo, filho banido de Ozai.

Não quero ficar longe de meu povo, Katara.

Que exemplo eu estaria dando a eles fugindo de mim mesmo e de meu país? O que eles pensariam de mim, um jovem que ainda não chegou à flor da idade, mas carrega nos ombros os compromissos de um adulto, designado para orientar, administrar, auxiliar, respeitar, dar exemplo, ou seja, governar um contingente de pessoas dominadoras do fogo, o elemento instável, incontrolável, o calor, a luz?

Tudo isso eu penso enquanto escrevo. Já anoiteceu, e eu tive que parar um pouco assim que cheguei ao meu quarto. É bem luxuoso, requintado, diferente daquele onde nos encontramos na última vez. Aquele sim é meu quarto predileto. Não sei se é por que ele é um simples quarto ou por que nós estivemos juntos dentro dele.

Assim que cheguei, notei muitas correspondências sobre minha escrivainha. Estranhei a que estava debaixo da pilha, com um cheiro de rosas, meio aquoso. Decididamente, somente uma mulher teria escrito aquilo. Nem é preciso dizer que meu coração ficou batendo tão forte por causa daquele cheiro, e nem é preciso dizer o que aconteceu quando eu toquei naquela carta. Eu a cheirei com êxtase. Um sorriso escapou, e então eu vi a minha salvação escrita em letras de um tom escuro em papel cor carmim.

O Mar, eu pensei.

Abri, e nunca me senti tão bem lendo sua carta, Katara. Naquele momento, todos os pensamentos que tive, e que escrevi no começo desta carta, se apagaram. Minha cabeça estava em chamas, e aquela carta, foi um balde de água fria. Meus nervos ficaram amenos. Relaxei os músculos. A tensão se fora. Fui até a janela receber uma brisa fria do oceano. Ela veio em boa hora, e junto com o cheiro fraco de mar, eu vi a lua cheia, iluminando o céu, tornando-o num azul profundo e escuro.

O Mar.

Escrevo esta carta quase imediatamente após reler a sua várias vezes. Tens razão quando dizes que eu não sei administrar o que sinto e como sinto. Tento manter uma pose de forte e de autoridade, mas, não há nada que me sustente por dentro, ou pior, algo que possa me ajudar a esconder o ser humano fraco que eu sou.

Fraco.

Fraco por que não consigo enxergar dentro de mim algo que me sustente. Você mesma disse que a cura vem de dentro; a fraqueza, a minha fraqueza, está lá dentro. Não tenho alicerces para me dar força, não tenho nada que me sustente, que seja capaz de me fornecer auxílio nas horas ruins, alegria nas horas boas, riso ou lágrima. Chorar, acho que sou incapaz agora. Me sinto completamente vazio de emoções ou sentimentos, por que cheguei num ponto onde somente a apatia serve de sustento.

Então você aparece. E modifica tudo.

Você encontrou o seu farol – e ele me parece extremamente familiar – enquanto que eu, acho, estou começando a ver o meu na ponta do horizonte. A noite é muito bela acima das nuvens, por que, eu sinto que a tempestade está acabando. Eu consigo ver, graças a você, a linha tênue entre a chuva tempestuosa, a onda aterradora, e a calmaria graciosa, a ponta da península, o porto. Terra firme. E meu farol.

Nunca senti uma luz tão pura me guiando, Katara.

Às vezes, as soluções dos nossos problemas são muito simples, mas nós não conseguimos encontrá-las de imediato. É preciso que alguém possa nos dizer quais são, ou dar pistas, para que nós mesmos possamos solucionar nossos problemas. E é aí que sua carta entra.

Eu me descrevi muito caótico da última vez, enquanto que agora, eu estou muito mais calmo. Li a carta ouvindo, no fundo de minha mente, a sua voz, o que fio suficiente para que meu coração se sentisse acolhido por uma grande amiga.

Eu estou me sentindo cada vez mais ansioso por você, Katara. A cada carta, eu sinto que a Lua se aproxima da terra, por amor ao Mar. E esbarra no Sol, brilhante e poderoso, mas por dentro, uma chama fraca, que sustenta a vida neste mundo. É assim que me sinto: um sol mentiroso, não para os outros, mas para si mesmo.

Katara, você sabe que sou péssimo em escrever coisas sobre sentimentos, ou melhor, coisas capazes de demonstrar sentimentos. Você tem razão quando diz que nossas cartas são muito elaboradas, se comparadas com outras. Diferente de você, não tenho tempo para mandar muitas cartas; porém, quando eu tenho, escrevo com toda a sinceridade possível. Escrevo para nossos amigos, e outros que eu conheci pelo mundo, assim como você conheceu quando viajava com o Avatar.

Nossas cartas se parecem com sussurros. Escritas com esmero e com cuidado: cada palavra é pensada de forma que nada escape ou ninguém seja capaz de ouvir. É assim que eu releio suas cartas. Leio à noite, na paz de meu aposento, e só ali, eu tenho força para dormir e acordar no dia seguinte. Você me deu duas escolhas: resistir ou superar nossos problemas. Normalmente, eu resistiria a eles, mas, com você, com as suas palavras, eu consigo superar.

Eu não me sinto incomodado em escrever para você. Eu me sinto muito mais calmo.

Eu poderia escrever uma carta por dia para você, não só dizendo essas coisas, mas falando sobre coisas alegres – só para estar mais próximo de você. Nunca desejei tanto um abraço teu, e principalmente, nunca desejei tanto tuas mãos sobre minha cicatriz.

Meu coração está ficando louco com esse sentimento. Acho que está criando falsas esperanças. Ele é incapaz de reconhecer algo verdadeiro, viveu tempo demais trilhando caminhos obtusos. Acho que esta é a especialidade dele: trilhar caminhos obtusos. Ao invés de seguir um caminho reto, andar sobre pedras, paus, inclinações, colinas, subidas, descidas, espinhos.

Desta vez, ele quer trilhar um caminho que eu achei que tinha conhecido. E, ele não vai parar no meio do caminho, por que tem certeza que este que está seguindo, é correto, é verdadeiro.

Katara, eu preciso imensamente te ver.

Um abraço muito apertado.

Zuko.

P.S.: Não diga tais coisas. A minha aflição está acabando, por que meu coração diz que agora, seguiremos juntos para o infinito. Onde o Mar beija o céu. Onde o Sol oriente encontra a Lua ocidente.


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Notas finais do capítulo

Faço das palavra de Zuko as minhas.



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